Copyright 2016 © by Bibiana Alcântara Garrido Preparação do texto Bibiana Alcântara Garrido Revisão Bibiana Alcântara Garrido e Antônio Francisco Magnoni Produção editorial Bibiana Alcântara Garrido Arte Capa: Carolina Ito Fotografia: Bibiana Alcântara Garrido Projeto gráfico e diagramação: Bibiana Alcântara Garrido
Garrido, Bibiana Alcântara. Jornalismo Pós-Massivo – As novas formas e experiências da informação contra-hegemônica no Brasil / Bibiana Alcântara Garrido, 2015. 70f. Orientador: Prof. Dr. Antônio Francisco Magnoni Livro-reportagem (Graduação) – Universidade Estadual Paulista. Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação, Bauru, 2015. 1. Jornalismo alternativo. 2. Internet. 3. Comunicação. I. Universidade Estadual Paulista. Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação. II. Título.
Sumário
Agradecimentos .......................................................................... 5 Apresentação............................................................................... 6 Jornalismo, direita e esquerda ................................................. 12 A experiência digital ..................................................................31 Mídias, mudanças, comunicações ............................................ 46 O desenvolvimento dos meios analógicos no Brasil............. 50 Hegemonia e contra-hegemonia na comunicação ............... 55
Os movimentos sociais em rede................................................ 63 Referências................................................................................ 89
Agradecimentos
Em primeiro lugar, agradeço aos meus pais. Por todo o seu esforço e trabalho que por anos possibilitou a mim e ao meu irmão o estudo em boas instituições em ensino. Agradeço aos meus pais por esse caminho que levou aos seus dois filhos a oportunidade de cursar uma universidade pública. Ao meu irmão, que ingressa na faculdade quase que ao mesmo tempo em que saio, agradeço pela companhia nas tardes e madrugadas na sala de estar, enquanto eu tentava concluir as frases finais deste livro-reportagem. Agradeço aos meus avós, que lá do Mato Grosso do Sul sempre se fizeram presentes e apoiadores na minha formação, desde a primeira vez em que quis ser jornalista. Agradeço ao meu orientador que me acompanhou desde o início, à Fapesp pelo fomento da pesquisa que se tornou livro, e à Unesp, que foi onde tudo isso aconteceu. Aos rostos e sorrisos que me acompanharam nesses quatro anos de faculdade, vocês fizeram desta uma experiência maravilhosa, cheia de aprendizado, de alegrias e tristezas, de fins e de recomeços, e, acima de tudo, cheia de amor. Os bares de fim de semana – de dia de semana e depois da aula também – as festas de república, as viagens, os planejamentos de viagens que ainda não aconteceram (olha lá, hein?). Uma conversa no corredor, um olhar de risada. Um abraço, um beijo. Aquele futebol feminista de segunda e quarta. Levo tudo comigo.
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[ Jornalismo Pós-Massivo, por Bibiana Alcântara Garrido ]
Apresentação
Poderíamos definir a internet como uma plataforma digital de alcance mundial, e que reúne em sua intangível e potente teia de bits a incrível capacidade trafegar dados em incontáveis canais simultâneos. Dados que são capazes de difundir imensos volumes de mensagens escritas, sonoras, imagéticas e audiovisuais. Além disso, a internet é capaz de realizar uma proeza impossível para qualquer veículo da era analógica: manter usuários conectados em suas redes e com acesso contínuo aos diversos fluxos e tipos de informações. Ou seja, cada internauta pode receber e enviar mensagens em tempo real, conforme as suas demandas e disponibilidade de tempo. A internet é, acima de tudo, um sistema informático de transmissão de dados binários, um veículo público com fluxos multilaterais e instantâneos. A maioria das sociedades atuais está cada vez mais dependente dessa nova rede conectiva, das ferramentas e dos dispositivos multimidiáticos – estes, produzidos pela evolução da pesquisa científica, das tecnologias digitais e pelas acirradas disputas comerciais que movem o mercado informático. Os sistemas virtuais e as redes sociais do ciberespaço têm servido como ambientes e ferramentas laborais bastante aptas para realizar inúmeros tipos de atividades produtivas, individuais e grupais, simbólicas e materiais. O alcance mundial da internet como “teia informática” favorece, de modo nunca visto e pensado na história, a interação humana e as diversas formas de relações interpessoais. É uma lástima que a ferramenta mais potente, versátil e abrangente produzida pelo conhecimento científico contemporâneo e por suas tecnologias avançadas, tenha sido concebida como um instrumento militar, para inicialmente atender aos objetivos táticos da Guerra Fria, na segunda metade do século 20. É por isso que a produção de plataformas informáticas permanece majoritariamente controlada pelas grandes [6]
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potências capitalistas e por suas corporações transnacionais. O objetivo? Conservar todas as formas hegemônicas de controle das sociedades contemporâneas, nos planos econômico, político, cultural, ideológico e militar. A internet serviu primeiramente, nos anos 1970, aos sistemas de automatização de produção industrial de bens materiais. Foi a partir do desenvolvimento dos primeiros consoles de videogames e da comercialização dos microcomputadores pessoais, que a informática alcançou os diversos setores de produção simbólica. O entretenimento e o consumo de massa, que são instrumentos especializados de alienação, passaram a adquirir, com as redes e os dispositivos digitais, abrangência infinitamente maior que os veículos e os produtos comunicacionais produzidos na “era analógica”. A partir dos meados da década de 1990, a internet comercial tornou-se essencial para a consolidação da globalização financeira. Iniciada com duros ajustes ultraliberais nos Estados e nas economias nacionais da Inglaterra, França, Espanha, Portugal, Itália, Grécia e também dos Estados Unidos, lançou os demais países do continente americano em meio ao furacão neoliberal. A expansão da rede mundial de computadores facilitou de maneira alarmante a criação de sistemas de controle social com o uso de instrumentos de espionagem, prática ilegal adotada principalmente pelos Estados Unidos e os seus aliados estratégicos. Casos como o do analista de sistemas Edward Snowden, que denunciou o sistema de vigilância global da Agência de Segurança Nacional dos EUA, e da organização Wikileaks, que publica informações confidenciais vazadas de governos e/ou empresas, são exemplos de como o ativismo pela internet tenta quebrar aos poucos a hegemonia desses grupos. É por esta razão, que uma das principais intenções deste livro é analisar as novas iniciativas que poderão conduzir a produção jornalística pela internet, apesar dos perigos e contradições presentes na rede e para além da difusão de conteúdos informativos com finalidades meramente consumistas, ideológicas e mercadológicas. É preciso pensar mais detidamente e de maneira assertiva e crítica, nas [7]
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verdadeiras funções sociais, políticas e culturais do jornalismo no momento de predomínio comunicacional das redes sociais, e de agravamento da crise dos modelos de sustentação econômica do jornalismo comercial. O jornalismo é um legado da modernidade liberal, um antigo arranjo profissional que foi sendo moldado para captar anunciantes e viabilizar a apuração e a publicação de informações de utilidade pública e também de interesse dos setores dominantes. Na lógica das sociedades democráticas, notícias, notas e reportagens da “imprensa livre” deveriam servir primeiramente para informar e formar cidadãos conscientes, muito mais do que consumidores iludidos, como acabou ocorrendo durante toda a “era moderna”, com os meios comerciais de informação e de entretenimento. Jornalistas críticos, organizações de trabalhadores rurais e urbanos, movimentos sociais, organizações não governamentais, militantes intelectuais e artísticos e tantos outros segmentos da sociedade civil têm buscado, em contrapartida, realizar uma interlocução coletiva e participar também da formação de opinião pública. Desde o início da internet, esta multiplicidade de atores utiliza de modo crescente os canais e ferramentas de comunicação que estão disponíveis na internet para desenvolver alternativas à comunicação brasileira. Experimentos que acumulam conhecimentos diversificados e amadurecem novas possibilidades autenticamente coletivas, plurais e públicas de comunicação contra-hegemônica. Este livro-reportagem, resultado de uma pesquisa de iniciação científica que começou em 2013 com a análise da produção noticiosa acerca das Jornadas de Junho, estuda as alternativas construídas pelo jornalismo que está fora do status quo. Os desdobramentos dos fatos e das coberturas jornalísticas que foram o objetivo central da pesquisa não poderiam, de forma alguma, escapar à nossa discussão, seja sobre os vieses e a presumida crise do jornalismo comercial, seja sobre as novas possibilidades que permitem o desenvolvimento sistemático e sustentável de muitas iniciativas de projetos de jornalismo social, ou “alternativo” como foram denominadas as publicações de resistência [8]
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política e social, desde o período da ditadura civil-militar de 1964. São temas e questões sociais, políticas e culturais, que estão mais pulsantes e empolgantes do que nunca. O jornalismo alternativo na internet movimentou a opinião pública brasileira, incomodou os oligopólios midiáticos comerciais e os setores dominantes privados e governamentais, ajudou a organizar e mobilizar a população interessada naquelas reivindicações das Jornadas de Junho de 2013. A série de análises noticiosas, de coberturas e reportagens que puseram a mídia brasileira como objeto central da pesquisa, nos permitiu obter alguns resultados que serão apresentados neste livro, que se tornou o produto do Projeto de Conclusão do Curso de Graduação em Jornalismo, na Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação da Unesp de Bauru. A orientação do projeto foi do jornalista e professor Dr. Antônio Francisco (Dino) Magnoni. A pesquisa de iniciação científica e o livro-reportagem são os primeiros ensaios de uma reflexão sobre os rumos do Jornalismo, como área profissional, de pesquisa, e como ferramenta social. Para realizar este estudo mais aprofundado sobre o jornalismo que não depende do subsídio financeiro de órgãos oficiais ou de grandes empresas, modalidade que classificamos como Jornalismo Social, por seu caráter político e independente, entrevistamos profissionais que atuam nesses meios “alternativos” de comunicação. Uma tentativa de entender como se dá o desenvolvimento, a rotina profissional e a sustentabilidade estrutural e econômica do novo jornalismo que surgiu e cresce na internet, e que adquire a confiança e a colaboração de públicos locais, regionais e até nacional. O desafio conceitual e político deste trabalho de reportagem produzido como Projeto de Conclusão do Curso de Jornalismo, é o de investigar alguns casos de prática jornalística alternativa e independente, além buscar referências conceituais e experiências profissionais desvinculadas do padrão informativo produzido pela indústria cultural capitalista. Para conseguirmos cumprir o objetivo proposto, buscamos por projetos de jornalismo concebidos capazes de produzir conteúdos plurais ligados aos reais interesses dos distintos [9]
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segmentos sociais. Portanto, buscamos analisar exemplos de jornalismo não mais vinculados aos produtos informativos e publicitários, que são produzidos e sustentados pelos interesses dominantes, sejam comerciais ou ideológicos. Nossas fontes consultadas, entrevistadas e apresentadas ao leitor e leitora do livroreportagem, são na prática, profissionais de midialivrismo. São jornalistas sociais da era da internet, são ativistas que acreditam no jornalismo democrático e independente e buscam por conhecimentos e por formas econômicas para custear arranjos sustentáveis que permitam a multiplicação e o fortalecimento das iniciativas “militantes” de jornalismo social. Abrimos espaço para portais como a Agência Pública1, uma organização sem fins lucrativos, que capta recursos para custear a realização de reportagens de cunho investigativo. Foram também entrevistados jornalistas do Outras Palavras 2, portal de jornalismo de profundidade e analítico; do Opera Mundi3, de cunho nacional e internacional, que relata o Brasil voltado para os “diálogos do Sul”; da Revista Caros Amigos4, que se autodenomina a primeira à esquerda; e do jornal Brasil de Fato5, ligado à política e aos movimentos sociais vinculados aos partidos que hoje se posicionam no largo espectro da esquerda brasileira. Observamos e abordamos outros veículos, não tão conhecidos nacionalmente e, nem por isso menos importantes para o desenvolvimento e configuração do jornalismo social e independente. Assim, decidimos entrevistar jornalistas do projeto Repórter de Rua 6, um coletivo independente de jornalistas que nasceu em Mossoró (RN), e que tem como foco a “reportagem de rua”, de cunho social e político, sempre produzidas em formatos multimídia. Para conhecer, acesse: www.apublica.org Ver: www.outraspalavras.net 3 Ver: www.operamundi.uol.com.br 4 Ver: www.carosamigos.com.br 5 Ver: www.brasildefato.com.br 6 Ver: www.reporterderua.org 1
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O que nos motivou a transformar uma pesquisa de iniciação científica em um livro-reportagem é justamente o desejo de aproximar a pesquisa acadêmica da prática jornalística. A iniciativa pode parecer ao leitor e à leitora um pouco contraditória, e até mesmo dissonante da abordagem teórica ou da estrutura e da linguagem utilizada em uma pesquisa inicial. Mas acreditamos que a difusão do conhecimento produzido pela pesquisa em uma instituição pública deve ir além dos muros da universidade. Sendo assim, a versão impressa do livro estará disponível para compra no site do Clube de Autores7, bem como a versão em e-book, que será disponibilizada na nuvem – aberta para download gratuito. O livro-reportagem “Jornalismo Pós-Massivo – As novas formas e experiências da informação contra-hegemônica no Brasil” estará mais facilmente disponível para as pessoas que tem a oportunidade do acessar a internet, algo que, infelizmente, ainda é um serviço de custo considerável no Brasil e que por enquanto está acessível para pouco mais da metade da população. Apesar das dificuldades reais, acreditamos que liberar o acesso de qualquer publicação de interesse público é sempre um pequeno passo a mais na caminhada pela defesa do fortalecimento da livre circulação da informação e das ideias em rede.
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Ver: www.clubedeautores.com.br [ 11 ]
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Jornalismo, direita e esquerda
Discutir a atuação da mídia alternativa no Brasil é um ponto nevrálgico, uma vez que o tema influencia diretamente os rumos dos veículos tradicionais, do jornalismo comercial e da profissão assalariada de jornalista. Diante da multiplicação de comunidades virtuais e de espaços de comunicação na internet, os grupos da velha mídia perderam a condição de fontes exclusivas de seleção, captação, edição e divulgação de informações. Assim, se fortalece o ativismo individual e coletivo que estimulam a convivência social binária, o autodidatismo comunicativo e interpretativo de todos os tipos de informação. As novas mídias que permeiam a internet, com ideias antes de difícil acesso, estão agora, a um click de distância. Abrem-se as portas para os debates editorial, social, político e cultural que envolvem as mudanças ocasionadas pelas novas mídias digitais e que nem sempre são discutidas pelas agendas públicas e pelos meios convencionais: a maior parte das informações permanecem distantes do cotidiano das pessoas, que ainda se informam majoritariamente pelos veículos tradicionais. Uma transformação ainda em andamento no comportamento do público e na maneira com que este busca a notícia, mas que não se restringe apenas aos grupos excluídos dos holofotes da mídia hegemônica. A “libertação” das amarras do modelo de recepção passiva, criado principalmente pelo hábito televisivo (JOHNSON, 2001, p. 9-10), se dá gradativamente em todas as camadas sociais sujeitas ao uso de tecnologias. É fato que a abrangência tecnológica digital ainda não alcançou todos os domicílios e tampouco todos os brasileiros. Desigualdades econômicas e culturais ainda retardam o acesso universal ao território online e, a exclusão social no Brasil, embora ignorada por muitos, ainda condiciona diversos fenômenos coletivos.
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Por outro lado, com a popularização dos dispositivos móveis individualizados, a mediação passa a invadir todos os atos da vida cotidiana. Ocorre uma crescente virtualização da realidade e até mesmo as distâncias físicas são psicologicamente diluídas pela indução de uma presencialidade remota. Há um fluxo contínuo de busca, seleção e troca de conteúdos entre os usuários, resultando em uma verdadeira corrente interpretativa, que se manifesta na forma de comentários e curtidas nas redes sociais. Entre os muitos ambientes informativos e opinativos existentes na rede mundial de computadores, ainda predominam os conteúdos produzidos por jornalistas reconhecidos pelo público, embora já existam muitos sites e blogues de sindicatos, de coletivos de ativistas, de movimentos e organizações sociais que são produzidos com finalidades semelhantes à antiga imprensa comunitária, cultural, religiosa partidária ou sindical. O que diferencia a nova geração de meios “alternativos”, é que eles circulam em uma plataforma com difusão multilateral de informações que podem ser acessadas ou contestadas em tempo real, fator que facilita, barateia e viabiliza a produção colaborativa de conteúdo, que pode ser disponibilizado em linguagem escrita, fotográfica, sonora ou audiovisual. Isso acaba permitindo o aparecimento de um público com interesse em informações mais dirigidas ou mais detalhadas e que manifesta oposição nítida às práticas mercadológicas, hegemônicas ou ideológicas do jornalismo dos grandes meios comerciais. É o jornalismo pós-massivo (LEMOS, 2007), pós jornalismo de massas, que descentraliza o fluxo informativo e apresenta aos produtores e receptores da notícia a possiblidade de um trabalho conversacional mais aberto, um trabalho ativo de ambos os lados. Diferentemente atua a mídia massiva, que é mantida por concessão pública, verbas publicitárias e patrocínios, e que alimenta consumidores da informação para criar uma esfera de opinião pública favorável aos grandes grupos políticos e grandes empresários. A relativa autonomia informativa que a internet e as suas redes sociais possibilitam acaba por fomentar as crescentes formas de [ 13 ]
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resistência que os cidadãos e cidadãs tendem a oferecer em contrapartida ao controle midiático. As respostas objetivas às tentativas de controle ou de manipulação das informações se expressam nas muitas iniciativas de construção de caminhos alternativos (KLEIN, 2007), no nascimento de espaços de jornalismo ou de divulgação noticiosa contra-hegemônicos, na consolidação de resistência aos meios defensores do status quo no Brasil. Não por coincidência, as épocas em que a imprensa alternativa foi mais reconhecida pelos brasileiros e brasileiras continuam sendo as de enfrentamento político e ideológico, como a ditadura militar de 1964, a ditadura Vargas dos anos 1930, e até mesmo as grandes greves do movimento operário, já no período da redemocratização brasileira. Daí em diante as águas do jornalismo brasileiro se dividiram entre a mídia tradicional, sempre mascarada pela pretensa imparcialidade, e que ainda consegue esfregar os seus vieses conservadores nos narizes do público; e a mídia alternativa, que quebra a espiral do silêncio 8 construída pela grande mídia e arduamente milita pelos movimentos sociais - comumente apagados das grandes manchetes. Tais representações e realidades se mostram, ou melhor, se escondem em um emaranhado de subjetividades, em um contexto sinuoso que conduz até os cidadãos mais críticos ao pensamento equivocado de que o jornalismo alternativo ou contra-hegemônico, só é viável ou justificável em períodos autoritários e de conflitos políticos e sociais. Neste livro, procuramos mostrar exatamente o contrário. O ativismo no ciberespaço tem dado cada vez mais lugar, fundamento e demanda social para as produções de jornalistas independentes, sem falar na redução significativa dos custos de produção, de circulação e Espiral do silêncio é uma teoria da ciência política e da comunicação de massa, que foi proposta pela cientista alemã Elisabeth Noelle-Neumann em 1977. O termo faz referência ao silêncio sobre a opinião das minorias frente às opiniões dominantes. Esse comportamento gera um ciclo progressivo de silêncio, denominado de espiral. 8
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do notável aumento de abrangência, difusão e divulgação que as plataformas digitais permitem. O crescimento da produção informativa contra-hegemônica abre espaço para as mais diversas análises, pesquisas e principalmente, novas possibilidades para os jornalistas e para o jornalismo brasileiro independente. Hoje, quando observamos empiricamente os hábitos de familiares, de amigos de colegas ou de um grande número de pessoas no cotidiano das cidades, constatamos que a maioria delas carrega e espia com frequência as telinhas de dispositivos digitais e já não lê jornais ou revistas durante os espaços de tempo livre. A captação individual das informações de interesse cotidiano, aparentemente, passa a ser feita de maneira mais dirigida, muito menos genérica e diversificada, como ocorria com o jornalismo impresso ou pelo rádio e a televisão, na era da difusão de informações por meios exclusivamente analógicos. São 67% dos internautas brasileiros os que acessam a rede com o objetivo de se informar, de ler notícias (PESQUISA BRASILEIRA DE MÍDIA, 2015), enquanto que 7 em cada 10 internautas já ficaram sabendo de movimentos sociais pela internet - a maior parte que tomou conhecimento dessas iniciativas buscou mais informações nas redes sociais (F/RADAR, 2015). As pesquisas sobre novas maneiras de as pessoas consumirem informação pela internet, em casa ou pelos dispositivos portáteis, inevitavelmente nos conduzem ao questionamento do atual cenário de crise dos veículos, dos suportes e produtos comunicativos da denominada “velha mídia analógica”. Nos desafiam a pensar novos cenários e possibilidades para a comunicação midiática informativa na era digital e online, principalmente, quando vemos as rápidas alterações dos dados periódicos de consumo de mídia pelos brasileiros. Os resultados anuais mostram que um número crescente de pessoas habituadas a ler veículos jornalísticos impressos, a ouvir notícias pelo rádio ou televisão, está deixando de se informar pelos antigos veículos para passar ao consumo de informação via online. As modificações rápidas, abrangentes e definitivas dos hábitos de fruição midiática pelo público “conectado”, cuja maioria já se [ 15 ]
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acostumou (ou já nasceu inserida no contexto digital) a conviver com a abundância, a diversidade de temas e de linguagens multimidiáticas disponíveis nas plataformas e nos dispositivos digitais. A volumosa “inclusão digital” dos brasileiros, ocorrida em apenas duas décadas de desenvolvimento da comunicação “internáutica”, é uma progressão social que aguça os sentidos vanguardistas de todos os jornalistas e militantes por “outra comunicação, outro jornalismo” mais democrático, mais plural e próximo da realidade dos cidadãos comuns. A palavra de ordem para o jornalismo social, alternativo e independente é: que tipos de produções jornalísticas precisam ser pensadas e experimentadas, para servirem como modelos capazes de criar de e sustentar, econômica e profissionalmente, os novos arranjos locais e regionais de comunicação jornalísticas e de utilidade pública? De acordo com levantamento divulgado jornal Folha de S. Paulo no dia 17/12/2014, com base em um relatório da Presidência da República e dados fornecidos pelo Instituto para Acompanhamento da Publicidade, o investimento da publicidade estatal concentra-se na Rede Globo, somando 5,2 bilhões de reais investidos. A empresa é seguida pela Record, com 1,3 bilhão; o SBT, com 1,2 bilhão; o grupo Abril, com 523 milhões; a Revista Istoé, com 179 milhões; o jornal Folha de S. Paulo, com 266 milhões; o jornal O Estado de S. Paulo, com 188 milhões; a Revista Carta Capital, com 44,3 milhões; e outros investimentos publicitários de menor valor (FOLHA, 2014). São bilhões de reais investidos pelo governo federal, pelos governos estaduais e pelos prefeitos dos mais de cinco mil municípios brasileiros que demonstram que, na realidade, é com dinheiro público que se conserva o imenso poder econômico e também político, ideológico e cultural dos oligopólios midiáticos comerciais, um faturamento escandaloso, que é líderado pelos veículos das Organizações Globo Participações S.A. – oligopólios, quando o controle da produção e veiculação de notícias se restringe a vários grupos empresariais, ou seja, um número restrito de agentes
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econômicos; monopólios, quando um mercado é totalmente dominado e coordenado por um único agente econômico. Os veículos da mídia alternativa e “fora do eixo”, que tenta corajosamente questionar a hegemonia da comunicação brasileira, sobrevivem de maneira muito diferente da opulência financeira da mídia “oligárquica”. A manutenção dos pequenos veículos militantes depende das ações de crowdfundings, que são os financiamentos coletivos abertos para colaboração do público, e de outras formas solidárias e populares, utilizadas rotineiramente para captar os poucos recursos que sustentam as suas muitas ações promovidas de forma quase guerrilheiras, para produzir o jornalismo pós-massivo, social e de interesse público. Apesar das novas possibilidades, as maiores dificuldades para garantir a periodicidade regular dos arranjos e dos coletivos locais jornalísticos continuam sendo aquelas de natureza econômica.Os organizadores das campanhas públicas e dos instrumentos de captação de recursos para financiamento colaborativo de veículos e de coletivos independentes buscam por possibilidades para sustentar as ações desse jornalismo crítico. O principal desafio ainda enfrentado é o de conseguir se aproximar dos seus leitores-internautas, para convencê-los a ajudar sustentar de maneira contínua as atividades de cobertura e de produção de notícias e reportagens, em troca de informações mais verdadeiras e de qualidade muito superior aos produtos do jornalismo comercial. O modelo de produção do jornalismo comercial que predomina no Brasil é majoritariamente metropolitano, ou seja, a cobertura das equipes jornalísticas da grande mídia está concentrada nas capitais estaduais, nas cidades com as maiores populações e com o maior volume regional de grandes anunciantes. Esta configuração de concentração da cobertura jornalística e de informações diárias de interesse público, é priorizada pela imprensa e mais ainda pelas redes de rádio e televisão, que são veículos de mensagens imediatas com grande abrangência populacional e territorial.
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Para os grandes meios comerciais, uma infinidade de assuntos e acontecimentos das pequenas e médias cidades brasileiras, que são a maioria dos municípios em todos os estados da federação, é substituída pelas pautas triviais, ou pelos problemas recorrentes, que só dizem respeito para os habitantes das cidades grandes. São as metrópoles e os conurbados que concentram a atenção noticiosa, porque são as regiões econômicas com mais concentração de fontes publicitárias. Sedes político-administrativas de poderes públicos com orçamentos mais volumosos e capazes de assegurar, sem muito investimento para a captação, o faturamento mensal de suas empresas capitalistas. Em plena era da digitalização dos meios de comunicação, os antigos modelos midiáticos tentam conservar, sem profundas alterações, a hegemonia dos seus projetos econômicos que agem diretamente no universo cultural e ideológico de todos os brasileiros. A informação local do terceiro milênio tem que ser uma informação de qualidade, plural, participativa, imaginativa, que explique o que acontece no âmbito onde está sediado o veículo de comunicação, para quem informa e que narre o que afeta e interessa os habitantes desse território espacial, inclusive, quando se produz fora. A informação local do terceiro milênio deve promover a experimentação e converter os cenários de proximidade em lugares de comunicação eficiente e lugares de onde possam ser exportadas novas linguagens e formatos para a comunicação mundial. (LÓPEZ GARCÍA, 2008, p. 34, tradução livre)
No Brasil, é necessário verificar a distribuição territorial dos veículos existentes, a abrangência e a pertinência de suas coberturas jornalísticas, que reproduzem, em qualquer região do país, as mesmas pautas diárias e os agendamentos metropolitanos, sejam nacionais ou internacionais, e ignoram os acontecimentos de mais da metade da população, que vive nas pequenas e médias cidades e nas enormes áreas rurais que as circundam. O desafio dos jornalistas independentes é transformar os novos espaços noticiosos da internet em iniciativas permanentes e [ 18 ]
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profissionalizadas, que sejam financiadas regularmente por um público convencido da importância de manter e de fortalecer um jornalismo que se diferencie da produção metropolitana. Quando amadurecer esta nova cultura, o público com poucos clicks poderá contribuir financeiramente e sustentar espaços noticiosos mais democráticos e mais plurais, que aqueles dos veículos convencionais. Uma vez que grande parte da informação e do conteúdo está em livre circulação na internet, é bem verdade que o aumento do público desses canais jornalísticos não é garantia de apoio financeiro. Mesmo que tenhamos hoje mais pessoas interessadas nos debates sobre os efeitos problemáticos da influência dos oligopólios midiáticos no nosso cotidiano, elas ainda não despertaram para a necessidade estratégica de sustentação popular de um jornalismo social, mais coletivo e independente dos interesses dominantes, sejam eles políticos, econômicos e ideológicos. Nesse sentido, o papel da comunicação denominada alternativa ultrapassa a simples concorrência de mercado. Desde a ditadura de 1964, as atividades jornalísticas que não se encaixam no jornalismo tradicional, são consideradas um tipo de jornalismo “fora da caixa”. A partir daí, surgiram nomes como “alternativo”, “popular”, “dialógico”, “comunitário”, “contra-hegemônico” para complementar a profissão que deveria por si mesma abranger todas essas dimensões, mas que muitas vezes precisam ser especificadas devido às visões conturbadas que foram construídas com o passar dos anos, pelo jornalismo defensor do status quo. Durante a pesquisa de iniciação científica realizada entre 2013 e 2015, muitas vezes esbarramos na dificuldade de encontrar teorias mais completas e consistentes para categorizar as diversas formas de jornalismo praticadas nos veículos informativos que se desenvolveram no Brasil, sobretudo a partir dos anos 1960. Era algo que vínhamos fazendo desde o princípio da pesquisa e que eventualmente provocou questionamentos, porque, por um lado, as prioridades e finalidades dos diversos padrões brasileiros de jornalismo podem ser completamente antagônicas, e, por outro, a divisão e as [ 19 ]
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nomenclaturas diferentes podem passar a ideia de que um padrão de jornalismo é mais “sério” ou mais “verdadeiro”, do que o outro. Para Marina Amaral, jornalista fundadora da Agência Pública de Notícias, a verdadeira diferença entre os padrões ou entre os tipos de coberturas praticadas no Brasil decorre da maior ou menor liberdade de pauta e abordagem dada pelos veículos aos seus repórteres, e não somente do fato de a mídia comercial ter vínculos com grandes empresas, já que o financiamento vindo de fora pode ou não interferir na linha editorial do veículo. A Agência Pública é uma agência de jornalismo investigativo que é parcialmente financiada por grandes fundações internacionais, mas a jornalista Marina Amaral afirma que os financiadores privados e estrangeiros não interferem na pauta e nos conteúdos das reportagens da Pública. Entretanto, no caso da Rede Globo, ou da Revista Veja, podemos constatar um grande bloqueio às críticas ou apurações de denúncias e outros assuntos relacionados aos partidos políticos e empresas financiadoras desses veículos. “Os jornalistas sempre partiram da experiência de fazer o que podem fazer por eles mesmos: a notícia seja onde for”, afirma a jornalista em palestra pública sobre o Jornalismo Independente, realizada no Serviço Social do Comércio (Sesc) de Bauru no dia 26 de agosto de 2015. Essa visão de compromisso com a apuração dos fatos reflete o cotidiano de jornalistas, como a própria Marina Amaral menciona no decorrer de sua palestra. Os profissionais que vão trabalhar na mídia tradicional, lá permanecem, na maioria das vezes, pelo salário e estabilidade, mas não pelo alinhamento ideológico com esses grupos. A grande mídia só repercute pautas polêmicas quando tem interesses econômicos e políticos em jogo, ou quando avalia que vai obter grande repercussão – casos como o projeto de uma deputada para estabelecer regras de vestimentas para as mulheres que frequentam o Parlamento, ou até mesmo da saga dos casos de investigação de corrupção governamental apuradas pela “operação Lava Jato”. Porém, não toca em assuntos que envolvam organizações
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mais fechadas como a polícia militar, algo que a Agência Pública fez em uma grande reportagem recentemente9. “O financiamento do jornalismo independente por fundações é para mudar a narrativa do mundo. As pessoas não mudam porque recebem as informações erradas”, argumenta Marina Amaral. A Agência Pública não é a única organização brasileira a receber auxílio de fundações como a Fundação Ford e a Open Society, também o Observatório da Imprensa recebe dinheiro da instituição. Se a Open Society revê suas subvenções, cujos beneficiados incluem ainda organizações como o Centro Knight para o Jornalismo nas Américas, no Texas, e a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), a Fundação Ford segue firme na área de “democratização da mídia”, que começou a se desenvolver na última década, segundo Mauro Porto, coordenador do projeto dedicado a “mídia e liberdade de expressão” na instituição. Há mais de meio século no país, a Fundação Ford tem linhas tradicionais de doação, como direitos humanos e igualdade racial. “A área mais nova, que é de acesso à mídia, tem um portfólio de doações principalmente para organizações da sociedade civil”, diz ele. Além da Pública, do Centro Knight e da Abraji, lista o Coletivo Intervozes e o Observatório da Imprensa. As subvenções seguem “dois eixos estratégicos: a necessidade de atualização do marco regulatório para as comunicações e o monitoramento de como os meios tratam determinadas temáticas”. Segundo Porto, o projeto surgiu há dez anos, quando a fundação avaliou ser “fundamental, para consolidação da democracia no Brasil, a democratização dos meios de comunicação”. (...) A exemplo de Abramovay sobre a Open Society, ele afirma que a Fundação Ford é hoje mantida “única e exclusivamente pelo seu endowment’”, dotação de grande volume feita pela família Ford, cujos rendimentos financeiros sustentam “tudo o que a instituição faz ao redor do mundo e no Brasil”. Enfatiza que “a fundação não recebe dinheiro de nenhuma empresa nem de nenhum governo”. (SÁ, 2013, s/p)
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Para ler, acesse: www.apublica.org/2015/07/treinados-pra-rinha-de-rua [ 21 ]
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A Fundação Ford, que hoje tem autonomia em relação à família Ford e aos negócios mundiais da marca, tem mais de cem anos de história. No Brasil é presidida pela Nicélia Freire, ex-ministra da Secretaria de Políticas para as Mulheres. “A Fundação Ford considera a concentração de mídia como um fator de risco à democracia. Por isso se dedica atualmente ao financiamento pelo mundo todo, de iniciativas de jornalismo independentes”, conta. “Hoje em dia corremos o risco de a sociedade não ter mais noção da realidade, as pessoas sem informação não podem debater grandes temas. Cada um tem sua própria fonte de informação e não exige mais a verdade”. A jornalista, quando questionada sobre que termos poderiam ser usados para fazer referência a esse tipo de jornalismo, independente, comprometido com o leitor e com a verdade, sem interesses financeiros ou ideológicos que causem a omissão de informações, nos diz que no meio social dos jornalistas que já trabalham dentro de tais perspectivas, são bastante usadas as expressões “imprensa nova” e “imprensa online”. De qualquer forma, ainda que seja mínima, a diferenciação acaba sendo, infelizmente, necessária para elencar os “tipos” de jornalismos no nosso país. Os veículos comerciais, sobretudo o rádio e a televisão que tem grande abrangência e transmitem as suas mensagens consumidas para letrados e analfabetos, conseguiram tomar conta do imaginário social da população. Esses, presentes todos os dias na maioria das casas, nos ambientes de trabalho e durante o deslocamento das pessoas, puderam construir uma realidade idealizada, estereotipada, que muitas vezes não descreve com amplitude e profundidade, o que de fato acontece no Brasil. Mesmo não cumprindo uma verdadeira e estratégica função social, esse é o tipo jornalismo mais consumido e reconhecido pelo público, principalmente pelo fato de ser produzido por veículos que alcançam a maioria da população, mesmo que eles não tratem dos assuntos de interesse da maioria das localidades e que não cubram os assuntos de interesse cotidiano da maioria das pessoas.
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A democratização da mídia eletrônica é uma pauta que vem sendo debatida pelos movimentos sociais brasileiros desde a luta pela redemocratização do País. A persistente concentração e a propriedade cruzada de meios são apontadas como a principal causa da alienação dos cidadãos, cuja maioria se mantém indiferente aos debates de assuntos locais ou aos grandes temas nacionais. O jornalismo independente, que começou alternativo porque resistia à censura e a desinformação promovida por governos militares ou por neoliberais interessados em retirar direitos trabalhistas ou em leiloar o patrimônio público, ainda busca o despertar crítico do público: “Ei! Nós não somos iguais aos outros veículos alienantes!”. É necessária uma mudança que revolucione a própria maneira de entender o jornalismo, que, na internet, adquire cada vez mais uma característica independente, política, e, por vezes, investigativo. Em um âmbito mercadológico, as possibilidades estão aí para serem exploradas. Estamos vivendo em uma nova fase no jornalismo e cabe aos próprios jornalistas a missão de descobrir como construí-la. Para além do problema da sustentação econômica, esbarramos também no da audiência: como atingir as pessoas na internet? (...) aquilo que um grupo social escolhe como fotografável revela o que este grupo considera digno de ser solenizado, como estabelece as condutas socialmente aprovadas, a partir de quais esquemas percebe e aprecia o real. (BOURDIEU apud CANCLINI, 2007, p. 70)
Bordieu, a partir de seus estudos da sociedade em relação àquilo que esta fotografa e do que valoriza culturalmente, expressa uma realidade na qual o indivíduo busca a sua própria afirmação naquele que é seu semelhante. Durante a busca de informações em rede, o processo não é muito diferente. O usuário da internet vai atrás do conteúdo que contempla as suas expectativas, que lhe apetece: se for para ler notícias em um site de pensamento contrário ao seu, geralmente é para “falar mal” e criticar, sem fazer uma reflexão mais séria e profunda sobre o assunto. Para a jornalista fundadora e [ 23 ]
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diretora da Agência Pública de Notícias de Jornalismo Independente, saber como atrair os mais diversos públicos de internautas constitui hoje um dos grandes desafios para o jornalismo online. “É preciso quebrar essas barreiras e como é uma pergunta que faço a mim mesma todos os dias. Acredito que quando o conteúdo é de qualidade, ele vai além do campo em que já é aceito”. A facilidade de acesso às notícias na internet diferencia esse processo de obtenção de informações no sentido que na web a maioria do conteúdo disponível é gratuito, então, o internauta pode navegar pelas várias opções de portais sem que os clicks signifiquem um gasto a mais na sua conta bancária. O leitor assíduo da Carta Capital, por exemplo, pode dar “uma olhada” no site da VEJA e tomar conhecimento da cobertura realizada pelo veículo atualmente, ou pesquisar sobre qualquer assunto, em qualquer data, no acervo histórico da revista, sem precisar comprar o exemplar físico na banca. De certa forma, essa possibilidade quase ilimitada de acesso contribui para a busca de novas fontes de conhecimento fora da massa. O debate eventualmente se amplifica dentro da sociedade, a partir do momento em que os espaços de discussão e exposição de visões de mundo, antagônicas ou não, são democratizados e abertos para quem quiser (e puder) acessá-los. A conexão à internet é um ponto importante para a discussão do jornalismo social, porque a rede está disponível para pouco mais da metade dos brasileiros, enquanto a outra parte da população segue excluída das inúmeras possibilidades do ciberespaço. A exclusão digital é uma possibilidade de debate pela e para a rede, dentre outras desigualdades, assuntos e pautas polêmicas, que nem sempre são abordadas ou tratadas devidamente pela mídia hegemônica. A impressão mais compulsivamente repetida por todos os jornais e por todo debate intelectual e político brasileiro contemporâneo é a de que todos os problemas sociais e políticos brasileiros já são conhecidos e que já foram devidamente ‘mapeados’. Que não se perceba nenhuma mudança efetiva no cotidiano de dezenas de milhões de brasileiros condenados a um dia a dia humilhante deve-se [ 24 ]
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ao fato de que a desigualdade brasileira vem de ‘muito tempo’ e que não se pode acabar de uma penada com coisa tão antiga. As duas teses não poderiam ser mais falsas. Elas também não poderiam estar mais relacionadas. Elas formam o núcleo mesmo da ‘violência simbólica’ – aquele tipo de violência que não ‘aparece’ como violência –, que torna possível a naturalização de uma desigualdade social abissal como a brasileira. (SOUZA, 2009, p.15)
Apesar de o acesso à internet não estar ainda universalizado no Brasil, é surpreendente o dado que mostra a rede mundial de computadores em segundo lugar como meio de comunicação mais utilizado pelos brasileiros. A pesquisa, realizada em 137 municípios sorteados entre as cinco regiões do Brasil, contempla uma atualidade paradoxal do país, na qual apenas 40,3% dos domicílios possui um computador conectado à internet. E mesmo que essa porcentagem suba para 50,2% na região sudeste (IBGE, 2012), não são números representativos para um segundo lugar do ciberespaço entre as prioridades de informação do brasileiro. A resposta está na especificidade: poucos domicílios possuem microcomputadores conectados à internet, mas, 53% dos internautas brasileiros acessam a internet pelas redes móveis como celulares, smartphones e tabletes (F/RADAR, 2015). Podemos concluir, então, que o acesso à internet no país se dá principalmente pelas redes móveis e aparelhos portáteis, o que não exclui de forma nenhuma, muito pelo contrário, estimula, o acesso à informação, seja por meio de links nas redes sociais, aplicativos ou nos próprios sites dos veículos. De 2013 para 2014 foram 20,5 milhões de brasileiros que passaram a utilizar dispositivos móveis para acessar a internet (F/RADAR, 2014), parcela representativa que pode ter sido influenciada pelos grandes episódios de movimentação e protestos nas redes sociais das Jornadas de Junho e todo o processo de mobilização da população que se seguiu. Com mais gente em rede, cresce também o número de pessoas que tem acesso aos conteúdos produzidos foram da grande mídia, bem como às pesquisas que demonstram essa realidade, o que favorece a [ 25 ]
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busca da informação em fontes diversificadas e, assim, o conhecimento dos projetos de financiamento coletivo que são vitais para a manutenção desses veículos online independentes. A previsão dos jornalistas de crescimento para as doações via internet aos sites de jornalismo alternativo torna-se, então, viável dado o número cada vez maior de internautas brasileiros circulando pela rede, se mobilizando e buscando informações em diferentes fontes.
“As redes sociais contribuem para mudar de opinião a respeito de alguma mobilização/problema social do seu bairro/cidade/país?” (Fonte: F/RADAR 2014)
É importante lembrar que por mais diversificadas que sejam essas fontes de notícias na internet, nem sempre são todas elas confiáveis. O ciberespaço é permeado de blogues pessoais, com autores profissionais ou leigos, que muitas vezes exprimem mais a opinião de quem publicou determinado texto. Não é de fato uma [ 26 ]
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informação derivada de apuração e de checagem de dados – procedimentos padrão em qualquer veículo jornalístico sério. Os blogues de jornalistas como Altamiro Borges10 e Olavo de Carvalho11 são bons exemplos da multiplicidade de informações que estão espalhadas pela internet. As duas publicações demonstram os conflitos editoriais derivados das “bolhas” ideológicas, que existem no mundo físico e no mundo digital. Os feeds de notícias das redes sociais tendem a mostrar ao usuário aquilo que é mais “curtido” enquanto cada pessoa permanece conectada – uma adolescente que “dá likes” em todas as publicações de um time ou banda favorita receberá com maior frequência, os posts daquelas páginas. Da mesma forma, um cidadão que está acostumado a se informar pela Revista Veja, irá acompanhar a mesma revista na internet, e seu feed de notícias ficará “refém” da mesma cosmovisão. Quem lê Altamiro Borges, que é um jornalista veterano, um quadro da direção do PCdoB, e que preside o Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé, certamente enxerga Olavo de Carvalho – e quem lê Olavo de Carvalho – como um indivíduo tacanho, um “reacionário” de direita. Quem lê o filósofo conservador Olavo de Carvalho avalia que Altamiro Borges e os seus leitores são um bando de comunistas e de “petralhas” da pior espécie. Como lidar, então, com o montante de informação profissional e não profissional que circula pelos canais informativos da rede? E como um internauta pode receber uma informação que esteja fora de sua “bolha” ideológica das redes sociais? Para ambos os questionamentos, acreditamos que a resposta está em uma mudança de hábitos cidadãos, algo que já começa a acontecer aos poucos. A procura pela notícia perde a fixidez neste ou naquele veículo, e isso ocorre também por conta da organização dos fatos em feeds, sem contar as próprias conversas do dia-a-dia em que as pessoas trocam mensagens citando este ou aquele site em especial. Estímulos não 10 11
Disponível no endereço: www.altamiroborges.blogspot.com.br Ver: www.olavodecarvalho.org [ 27 ]
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faltam para uma abertura intelectual no sentido de dar espaço às novas vozes que surgem na internet e, consequentemente, fora dela. (...) seria, então, o modelo de desigualdade entre as classes, devido à apropriação desigual de um patrimônio comum, o mais pertinente para a Europa, enquanto as sociedades latino-americanas se mostrariam mais compreensíveis a partir do modelo da diferença, que implica reconhecer a autonomia irredutível dos indígenas e outros grupos subordinados? (...) às vezes, o desenvolvimento das culturas subordinadas dá o suporte para movimentos políticos regionais, étnicos ou classistas que enfrentam o poder hegemônico e buscam outro modo de organização social. (CANCLINI, 2007, p. 8790)
A visão de que a internet representa uma plataforma mais igualitária para o jornalismo do que a televisão e o rádio, por exemplo, não deixa de ser real em vários aspectos. Mas também esbarra, por exemplo, em possibilidades como a priorização de audiências, do lucro, a práxis do resultado, que podem surgir em veículos dentro da rede e, assim, adotar caminhos já traçados pela mídia tradicional, que, dentre outras coisas, que diariamente coloca o que acontece nas grandes capitais como uma síntese do que acontece no Brasil. “Se o jornalismo independente quiser progredir a ponto de fazer um contraponto real à mídia tradicional terá que romper com esse modelo”, defende o jornalista Dodô Calixto, repórter do Opera Mundi, em entrevista concedida no dia 5 de agosto de 2015. “O caminho, portanto, é investir na comunicação como uma práxis social, humana e que está inter-relacionada com as relações humanas. Ou seja, a comunicação dialógica, horizontalizada, que coloca os atores sociais como protagonistas do processo, instigando-os a produzir, debater e interagir diretamente com a produção”. O ciberespaço é um grande canal multidimensional e multimidiático, que oferece possibilidades para que as notícias possam se regionalizar de fato, para que os problemas cotidianos de muitas localidades possam ter a devida atenção jornalística e pública. [ 28 ]
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Para que não exista mais no agendamento diário dos veículos, uma hierarquia geográfica nos fatos divulgados. Os portais de notícias da nova comunicação online são uma amostra do cenário que se constrói pouco a pouco no ciberespaço, uma comunicação alternativa que ganha o fôlego e um canal potente e versátil para disputar a audiência com os veículos comerciais da grande mídia. O ideal de jornalismo que dê foco ao cidadão e aos problemas sociais, sem se importar com interesses políticos ou econômicos, parece bem utópico quando visto assim, de longe. Nada muito diferente do que passa pela cabeça de um aluno recémingressado no curso de Jornalismo, que sonha em “salvar o mundo” e quando pisa na redação, percebe que as coisas não são bem assim. Não eram bem assim até a ditadura, com risco de morte, um jornalista poderia alimentar o sonho e a realidade da imprensa clandestina; não eram bem assim até o primeiro computador conectado na World Wide Web. Mas como funciona esse jornalismo hoje? Os novos consumidores de informação, os “nativos digitais” têm contato com dispositivos informáticos desde muito cedo, seus comportamentos estão vinculados a um mundo cada vez mais digitalizado, conectado e imediato. De acordo com a Pesquisa Brasileira de Mídia 2015 realizada pela Secretaria da Comunicação da Presidência da República, uma média de 78% a 83% dos entrevistados, a variar de forma diretamente proporcional ao aumento da faixa etária, começando com 78% entrevistados dos 16 aos 25 anos e terminando em 83% dos entrevistados acima de 65 anos, afirmar ler jornal impresso apenas uma vez por semana (PESQUISA BRASILEIRA DE MÍDIA, 2015, p. 70). Quando se trata de revistas impressas, essa variação continua crescente de forma proporcional à idade, mas sobe para 83% (jovens de 16 a 25 anos) até 91% (pessoas com mais de 65 anos), que afirmam ler revistas uma vez por semana (PESQUISA BRASILEIRA DE MÍDIA, 2015, p. 84). Aos poucos, a televisão deixa também de ser priorizada como fonte de informação das camadas mais jovens – 69% dos jovens de 16 a 25 anos no Brasil afirmam assistir à televisão todos os dias, [ 29 ]
[ Jornalismo Pós-Massivo, por Bibiana Alcântara Garrido ]
enquanto que esse número sobe para 77% e 78% na faixa etária de 56 a 65 anos e acima de 65 anos, respectivamente (PESQUISA BRASILEIRA DE MÍDIA, 2015, p.19). Com relação à internet, na faixa etária dos 16 aos 25 anos 65% dos entrevistados afirmaram acessar a web todos os dias, número decrescente ao passo que a idade do entrevistado aumenta: dos 26 aos 35 anos, 50% dos entrevistados usam a internet todo dia; dos 36 aos 45, são 33%, até chegarmos em 12% de acessos diários das pessoas com 56 a 65 anos, e 4% de acessos das pessoas acima de 65 anos de idade (PESQUISA BRASILEIRA DE MÍDIA, 2015, p.53). Os jovens adultos que representam o futuro da sociedade tornam-se, por hábito, cada vez mais multitarefas, ou, mais multiplataformas: tornam-se transmídia, na medida em que estão sempre com o smartphone ou tablet à mão para consultar, confirmar ou refutar, qualquer informação que lhes apareça pela frente. Durante as manifestações de 2013, esse novo comportamento abriu os olhos dos políticos de da mídia tradicional para uma audiência ativa (DOWNING, 2002) que agora faz questão de ser ouvida, de compartilhar os seus conteúdos em vídeo, texto, foto, e de participar da história não apenas como fonte, mas também como quem produz e é dono de seu próprio discurso.
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[ Jornalismo Pós-Massivo, por Bibiana Alcântara Garrido ]
A experiência digital
De acordo com a pesquisadora Eloísa Klein (2007) o jornalismo se define por uma atividade norteada pelo valor de tornar públicas as informações de interesse público. Neste livro-reportagem, buscamos justamente destacar a função do jornalismo pós-massivo, que representa a superação do jornalismo meramente comercial. Pretendemos aqui retratá-lo como ferramenta social e cultural, instrumento de construção democrática, emancipatória e cidadã. Foi durante as Jornadas de Junho de 2013 que a visibilidade da mídia alternativa da internet brasileira cresceu, e, tanto por isso, resolvemos dar início a uma pesquisa de iniciação científica selecionando alguns veículos como a Revista Fórum, o portal Outras Palavras, o jornal Brasil de Fato e a Revista Caros Amigos como representantes dessa vertente, para fazer uma análise comparativa das coberturas das manifestações feitas pela grande mídia, a ser debatida no último capítulo deste livro. Esses novos veículos da informação alternativa muitas vezes ocupam espaços dentro e fora da web, jornais e revistas que mantém portais de notícias e redes sociais, como a Caros Amigos e o jornal Brasil de Fato, e que ainda conseguem manter uma fonte de renda direta vinda das assinaturas de suas publicações. Para os veículos exclusivamente digitais e que estão começando a ser reconhecidos pelo público, se inicia uma jornada para encontrar maneiras de se estabelecer financeiramente, afinal, a base para manter qualquer veículo de comunicação ativo é assegurar a sobrevivência econômica de sua estrutura de publicação e a devida remuneração de sua equipe profissional. Os comunicadores, jornalistas ou não, descobrem possibilidades de financiamentos coletivos, novas e diferentes formas de atrair o público, e, até mesmo, para um breve (re)começo, contam com apoio financeiro de instituições nacionais e internacionais. [ 31 ]
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É o caso da Agência Pública de Jornalismo Investigativo, fundada em 2011, na cidade de São Paulo, por um pioneiro grupo de jornalistas que decidiu abrir uma agência de notícias independente sem fins lucrativos. “Fomos a primeira organização desse tipo a surgir no Brasil. Funcionamos como uma agência, as reportagens são publicadas por diversos veículos gratuitamente”, conta Marina Dias, repórter da Agência Pública, em entrevista concedida no dia 1° de agosto de 2015. Com um site dinâmico e de navegação intuitiva, a Pública mantém um diálogo direto com seus leitores e também com outros veículos de comunicação, já que divulga suas reportagens para serem republicadas livremente em outros portais de notícia. De acordo com Marina Dias, somente em 2014 as reportagens da agência foram publicadas por 400 veículos diferentes.
Reunião de jornalistas na sede da Agência Pública, em São Paulo. (Foto: Bibiana Garrido) [ 32 ]
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São doze pessoas, todas com remuneração fixa mensal, que formam a equipe que produz todo o conteúdo jornalístico publicado pela Agência Pública: há duas diretoras, uma gerente administrativa, a gerente de projetos, uma coordenadora de comunicação, um editor, um repórter especial, três repórteres, um infografista e um estagiário de mídias sociais. “Somos uma organização que faz reportagens voltadas ao fortalecimento do direito à informação, à qualificação do debate democrático e à promoção dos direitos humanos, então nossos repórteres se enquadram nesse perfil”, explica Marina Dias. A agência, portanto, não trabalha com jornalistas freelancers, como acreditávamos ser comum nos veículos que estão tentando se “modernizar” – é o caso da Revista Superinteressante, que trabalha majoritariamente com “frilas”. Como produz materiais que derivam de jornalismo investigativo, o tempo de trabalho na Agência Pública é maior: os repórteres demoram em média dois meses para concluir um trabalho de reportagem pautado. Foi durante a campanha eleitoral de 2014 que a Pública ganhou mais visibilidade no cenário da comunicação brasileira. O projeto “Truco!” realizou uma checagem dos discursos dos candidatos à presidência, logo após ou até mesmo durante os horários políticos. A agência questionava em seu site e na própria página do Facebook, pontos chave apontados pelos discursos políticos de cada aspirante ao Palácio do Planalto. Inspirado no popular jogo de baralho, o jornalismo produzido em “Truco!” ampliou o debate ativo sobre as eleições nas redes sociais e forneceu também argumentos críticos para os eleitores, com a apresentação de dados concretos e os discursos anteriores de cada presidenciável. A Agência Pública começou o ano de 2015 no ritmo que adquiriu durante as eleições de 2014: lançou um financiamento coletivo pela internet com o mote “Ocupe a Pública 2015”, iniciativa que apresentou proposta de diálogo direto com os leitores, que passaram a votar nas pautas a serem produzidas pelos repórteres. Depois de postar as reportagens, sempre acompanhadas de discussão no grupo fechado dos doadores do crowdfunding no Facebook, os [ 33 ]
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repórteres fazem um hangout –programa do Google que cria uma conversa com várias pessoas ao mesmo tempo – com os leitores interessados em participar. A jornalista Marina Dias defende que é “muito importante explicar para os nossos leitores que o jornalismo que fazemos é de interesse público e é essencial que o público financie, acompanhe e faça parte do processo todo”. Apesar das campanhas de financiamento coletivo e da abertura para contribuições no site, a Pública não é totalmente sustentada pelos seus leitores. Assim como vários outros projetos de cunho social no Brasil, ONGs e pesquisas em direitos humanos, desenvolvimento sustentável ou liberdade de expressão (FORD FOUNDATION, 2015), a agência é também financiada por organizações internacionais como a Fundação Ford, a Omidyar Network e a Open Society. O hábito de doar dinheiro para iniciativas que seguem as linhas de discussão que são estabelecidas pelas organizações – geralmente envolvendo os temas acima citados, além de igualdade racial e outras questões sociais – é um ponto que vem sendo bastante discutido com o surgimento de veículos independentes, que precisam ganhar dinheiro de formas não publicitárias, para conseguirem manter em funcionamento as suas estruturas de produção e de difusão editorial, além de conseguir remunerar adequadamente os seus profissionais. Como sobreviver com um veículo profissional e sem grandes patrocínios? A saída, para alguns, está nos acordos com fundações filantrópicas juntamente com o financiamento coletivo vindo diretamente do público leitor. Em entrevista ao Observatório da Imprensa, Pedro Abramovay, membro da Open Society, declara que o brasileiro não possui uma cultura de doação, e por isso os veículos alternativos têm de se desdobrar para encontrar soluções financeiras. “O Brasil tem o maior número de membros da Avaaz 12 [petições online], está em primeiro lugar, com 5 milhões, mas em doações fica lá atrás” (SÁ, 2013, s/p). 12
Ver: www.avaaz.org/po [ 34 ]
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A equipe da Pública acredita que a vontade e capacidade de doações dos brasileiros está mudando, e obteve grande participação do público no crowdfunding realizado no começo de 2015. “A gente tinha proposto uma meta de 50 mil reais e conseguimos captar 70 mil. Temos que a todo tempo mobilizar a rede e é claro, tem sempre aquele frio na barriga: vai dar certo, não vai dar certo..., mas alegria de ver que as pessoas estão contribuindo e se engajando em algo que elas acreditam, é muito gratificante”, conta a jornalista Marina Amaral em entrevista realizada na agência no dia 18 de setembro de 2015.
Marina Amaral, fundadora da Agência Pública de Jornalismo Investigativo. (Foto: Bibiana Garrido)
O Catarse e o Juntos.com.vc13, plataformas de financiamento coletivo no Brasil, são exemplos dessa realidade que mostra crescimento diário no número de projetos enviados e no número de
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doações recebidas por cada um deles, contribuições individuais que tendem a aumentar de valor de acordo com as “recompensas” oferecidas pelo autor do projeto de financiamento. Por exemplo, ao contribuir com dez reais, o leitor ganha um agradecimento público no site do autor do projeto, mas, ao colaborar com vinte reais, poderá ganhar uma camiseta, um livro, etc. Também na cidade de São Paulo, outra iniciativa que entrou na onda dos financiamentos coletivos foi o portal Outras Palavras, que já é bem conhecido pelo público por suas reportagens, textos e ensaios de fôlego, com conteúdos mais reflexivos e analíticos da contemporaneidade. Comunicação compartilhada e pós-capitalismo foi o lema escolhido pelo jornalista Antônio Martins, idealizador e editor do Outras Palavras. “A política editorial do Outras Palavras não é só contrária ao capitalismo, é uma busca de alternativas ao capitalismo. Por isso falamos em pós-capitalismo, porque ele começa agora. A lógica do capitalismo é o individualismo, o mercado e a competição, então a partir do momento que você adota uma atitude na sua vida que leva em conta não somente esses valores, você está adotando uma atitude pós-capitalista. A gente quer valorizar isso, acima de um orgulho pessoal ou elitista, mas sim criar condições para que a sociedade reflita e adote essas políticas no cotidiano”, explica Antônio Martins em entrevista realizada na sede do Outras Palavras, no dia 18 de setembro de 2015. O portal Outras Palavras saiu do papel em 2010, e durante três anos funcionou com recursos de Ponto de Cultura e de um prêmio de Ponto de Mídia Livre. Foi em 2013, que a equipe formada por quatro jornalistas decidiu se arriscar em uma nova forma de sustentação econômica: o financiamento coletivo. “Não queríamos fazer uma coisa episódica como um projeto na plataforma Catarse, mas investir em algo institucional, o Outros Quinhentos, em que, a qualquer momento, as pessoas interessadas podem apoiar. No 13
Para conhecer: www.catarse.me e www.juntos.com.vc [ 36 ]
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primeiro ano obtemos 40 mil reais, e no segundo ano conseguimos obter 140 mil, o que não é tanto se pensarmos nessa quantia ao longo de doze meses”.
“Nossa presença no Outras Palavras é um esforço político. Queremos que esse espaço exista”, Antônio Martins, idealizador e editor do Outras Palavras. (Foto: Bibiana Garrido)
Com um novo projeto para captação de recursos em 2016, o Outras Palavras caminha ao lado de muitos outros veículos da comunicação que estão no ciberespaço, em busca de “aproveitar essas possibilidades que a internet oferece em favor do jornalismo”. “Tentamos enxergar maneiras de reconstruir e resgatar o jornalismo que já não é feito em moldes industriais, mas a partir de redes de conhecimento compartilhado”, declara Antônio. “Em certo sentido, isso significa negar o papel do jornalista como intermediário obrigatório da informação, porque em uma sociedade em rede as pessoas não dependem mais do produto industrial jornal, que foi construído no dia anterior em um processo muito contraditório – você conseguir entregar para milhares ou milhões de pessoas, todas as [ 37 ]
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manhãs, uma espécie de recorte de todas as informações que elas precisam é uma grande conquista. Hoje o jornalismo tem que se reinventar porque as informações já estão todas disponíveis. Temos que oferecer para as pessoas não a exclusividade da informação, mas sermos articuladores nessa rede completamente caótica”. De modo semelhante ao Outras Palavras, o portal de notícias Opera Mundi, apresenta reportagens de reflexão e profundidade. No entanto, suas atividades são focadas na cobertura internacional, com a proposta de apresentar as relações internacionais de uma perspectiva de defensa dos direitos sociais e dos direitos humanos. As reportagens discutem fatores econômicos, sociais e políticos, sob um olhar progressista. Basicamente, (...) progressistas são, em primeiro lugar, os governos, as forças políticas e as instituições que lutam pela construção de um mundo multipolar, que enfraqueça a hegemonia imperial hoje dominante, que logre a resolução dos conflitos de forma política e pacifica, contemplando a todas as partes em conflito, ao invés da imposição da força e da guerra. (SADER, 2012, s/p)
Publicação da Última Instância Editorial, empresa privada que faz a gestão e que administra o site, o Opera Mundi se define como uma mídia digital independente. “Temos anúncios e banners no nosso site, mas isso não compromete o andamento de nossa proposta editorial”, explica o jornalista Dodô Calixto, repórter do Opera Mundi, em entrevista realizada no dia 04 de agosto de 2015. É interessante destacar que o portal não tem, por enquanto, nenhuma intenção em realizar campanhas de financiamento coletivo, o que acreditávamos, antes de fazer as entrevistas com os profissionais desses meios, ser uma tendência muito forte na área do jornalismo alternativo na internet, quase que unânime. Sustentado economicamente por meio de diversos anúncios publicitários, o site tem uma média de 800 mil a 1,5 milhão de acessos por dia em sua página, de acordo com dados apresentados pelo jornalista. O Opera Mundi mantém como público alvo os internautas, [ 38 ]
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e por esse motivo, por acreditar no crescimento da informação online e do acesso do público a esse tipo de plataforma, não revela um interesse em buscar audiências fora da internet. “É a proliferação do on-life, que representa o fim do on-line e off-line. Ou seja, todos os usuários estarão conectados durante grande parte do dia”, explica o jornalista Dodô Calixto. O trabalho no jornalismo na internet envolve a segmentação, e com isso, embora o público seja amplo, acaba frequentando de maneira mais assídua os sites com os quais se identifica em questões de posicionamento ideológico e social. Embora as pessoas se relacionem, compartilhem e leiam com frequência o Opera Mundi, quando essas visitas ao portal representam um posicionamento diferente daquele em que o leitor acredita, podem acontecer os casos do que Dodô Calixto chama de “haters”, uma relação que surgiu justamente com a internet, que é da audiência de ocasião. No entanto, o marketing social vê a divulgação de matérias, mesmo que feitas por pessoas que não estão interessadas na linha editorial do site, ofendem, avacalham, e provavelmente não voltarão mais a esses portais, como um acaso positivo, de disseminação do conteúdo. O jornalismo independente e plural também depende evidentemente, de uma série de outros desdobramentos. Uma delas é sobre o que seria exatamente esse tipo de jornalismo, e como diferenciá-lo dos demais? O que é de fato ser independente e o que é ser alternativo? Na perspectiva de um jornalista que trabalha em um desses veículos, quais seriam as visões sobre o futuro dessa atividade, como sustentá-la de modo econômico, ideológico, político e social? “É preciso investir em outra concepção da comunicação social. De imediato, não trabalhar em uma lógica funcionalista da comunicação, que privilegia resultados, audiência, ‘quantas pessoas compartilharam e interagiram com nosso conteúdo’. Esse é um modelo que investe na ideia de emissor-receptor, que, mesmo com todas as possibilidades de interatividade nas redes sociais, ainda entende o “público” como aqueles que estão ali para receber o conteúdo”, diz o jornalista. “Esse é um modelo que surge na [ 39 ]
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perspectiva da mediação cultural de Martín-Barbero e, na minha opinião, é obrigatório para fugir da comunicação como uma prática mercadológica, individualista e focada nos resultados. Ser plural e independente demandará no futuro, ter que romper definitivamente com o modus operandi da mídia tradicional”. Para o jornalista Guilherme Weimann, militante pelo Movimento dos Atingidos por Barragens e repórter do jornal Brasil de Fato, uma constante análise da conjuntura política do país é essencial para estabelecer um diálogo com a sociedade civil e os jornalistas de meios alternativos. “É essencial que a gente construa não só um meio, mas diversos meios contra-hegemônicos para podermos disputar as ideias, de disputar o imaginário social e cultural da sociedade. O Brasil de Fato está muito longe disso, e qualquer outro veículo de esquerda está muito longe disso. Ainda estamos em um processo inicial porque no Brasil a esquerda nunca conseguiu criar um veículo contrahegemônico que conseguisse disputar realmente [com a mídia tradicional]”, aponta o jornalista e militante. Uma das saídas encontradas pela imprensa e mídia pósmassiva no Brasil vem sendo também a conexão com movimentos sociais, como é o caso do jornal Brasil de Fato, que hoje mantém as versões impressa e online. O projeto é financiado exclusivamente por movimentos sociais, como o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), é independente de patrocinadores de grandes empresas e busca seguir a linha editorial defendida pelos trabalhadores e pelos representantes dos movimentos sociais. Para além do dinamismo dos jornais e tabloides impressos com o selo “Brasil de Fato – uma visão popular e do mundo”, é notável a busca de uma dinâmica maior de publicações pela internet. Um detalhe importante para que as páginas dos movimentos na web sejam lidas pelos mais diversos públicos é a escolha de cores que não levem o leitor unicamente para o estigma da “bandeira vermelha”, mas que apresentem um layout sóbrio e que transmita a seriedade do trabalho editorial. Guilherme ressalta o risco da perda do diálogo por
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conta do fechamento do veículo dentro de uma “bolha” ideológica. “É importante procurar enxergar as contradições”, declara. De acordo com o repórter do Brasil de Fato, o jornal procura se modernizar e ter mais interações com os leitores na internet. Além da página no Facebook, o site passará por uma reforma para ficar mais compatível com os modelos de outros portais de notícias, mais interativo e com atenção especial para o design. A Revista Caros Amigos igualmente se coloca entre os veículos de comunicação impressa que disponibilizam seu conteúdo na internet e, com isso, afirma o gerente de marketing Pedro Nabuco, está lado a lado de publicações que ainda proliferam na rede com informações equivocadas, mal apuradas, que não refletem um trabalho profissional de jornalista. “Estamos em um momento que a situação ainda está um pouco confusa na internet, mas acredito que, aos poucos, essa apuração vai ser maior e as pessoas vão começar a selecionar melhor esse conteúdo”. A Caros Amigos é totalmente sustentada pelo dinheiro vindo das assinaturas de leitores, das vendas em bancas e também dos anunciantes, a revista se mantém independente em sua linha editorial. A primeira à esquerda, como diz o próprio slogan da publicação, começou em 2015 a dialogar com seus leitores por meio de uma postura mais dinâmica na internet. Uma recente reformulação do design e arquitetura do site já mostra diferenças nos menus e na organização mais intuitiva das páginas digitais da revista. Em um ano de inovações, a Caros Amigos realiza o seu primeiro financiamento coletivo na internet, uma captação de recursos que não é direcionada para as edições mensais da revista impressa. O crowdfunding foi destinado a financiar a produção de edições especiais, sendo que primeira trata do sistema financeiro e dos bancos no Brasil. Com uma média de 120 mil visualizações mensais registradas no site da revista, um número ainda considerado baixo por Pedro Nabuco, da equipe da Caros Amigos. Em entrevista, Pedro afirma que a revista procura investir na estruturação da publicação na
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web, e também na criação de projetos que possam atrair mais leitores para essa plataforma. Muitos são os percalços a serem vivenciados por uma mídia alternativa, que antes nanica, agora se reinventa em uma nova plataforma que não tem limites de abrangência e de tipos de conteúdos e de linguagens. Os diversos modelos de sustentação econômica, ainda que experimentais, mostram resultados positivos que acenam para um futuro promissor para o jornalismo na internet – e servem de inspiração para aqueles que ensaiam os seus primeiros passos movidos pela perspectiva de produzir um jornalismo livre de amarras e transitando sem controles de qualquer natureza, pelos infinitos e intangíveis canais virtuais do ciberespaço. É tal ideário libertador que motiva a equipe de repórteres do projeto Repórter de Rua, um coletivo independente criado pelo professor e jornalista Esdras Marchezan Sales em dezembro de 2013. Com origem no estado do Rio Grande do Norte, em Mossoró, o Repórter de Rua busca experimentações que unam a linguagem escrita com o audiovisual, na produção de reportagens especiais por uma equipe de nove jornalistas, além do fundador, produtores audiovisuais, fotógrafos, designers e estudantes universitários. Juntos eles elaboram grandes reportagens, por enquanto sem periodicidade fixa, com uma frequência que se aproxima da semestral. Isso porque o coletivo atua de forma independente tanto no âmbito editorial quanto no financeiro, então, os participantes dividem-se entre os seus trabalhos remunerados fora do projeto e as atividades do Repórter de Rua, que, de acordo com Esdras, são as tarefas responsáveis por lhes tomar os finais de semana. A pouca idade do site é refletida no início financiado pelos seus próprios trabalhadores e que começa agora a puxar novos pensamentos para o crescimento, aumento de pessoal, bem como a manutenção financeira do site e a remuneração dos profissionais que trabalham por ele. “No momento os custos são todos dos integrantes do coletivo, não há remuneração. Quando algum material recebe algum tipo de premiação, o valor é dividido entre os envolvidos, de acordo com o [ 42 ]
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trabalho de cada um. Para este ano pensamos em trabalhar com projetos de financiamento coletivo e editais públicos de forma a garantir um pagamento justo aos profissionais que realizam os projetos. Para adesão, aceitamos estudantes ou profissionais que tenham perfis relacionados com a questão dos direitos humanos e engajamento social”, conta Esdras Marchezan, que leciona na Universidade do Estado do Rio Grande do Norte.
Reportagem especial do Repórter de Rua conquistou diversas premiações. (Fonte: www.reporterderua.org)
Em um ano, o Repórter de Rua produziu três especiais: “Resistência em Palmares”, “Garimpeiros: vida e morte embaixo da terra”, e “Uma delícia de negócio”. Com eles, a equipe conquistou cinco prêmios de jornalismo (BNB, TRT/RN, Massey Fergusson, Fiern e Ministério Público do Trabalho), de acordo com o próprio site do projeto. (REPÓRTER DE RUA, 2015). Outros campos que podem ser explorados pelo jornalismo digital independente já fazem parte dos planos dos jornalistas que constroem do Repórter de Rua: a questão da produção transmídia começa a ser estudada como uma forma de levar as suas produções jornalísticas para fora da internet. Ao mesmo tempo, eles querem manter o conteúdo da web como principal referência do projeto. As [ 43 ]
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reportagens multimídia passarão, então, a ser publicadas em outras plataformas. A principal – e, na verdade, única – forma de divulgação das reportagens, de interação entre o público-leitor e os profissionais é o contato pelas redes sociais, com destaque para o Facebook. Dessa troca de mensagens de maneira direta e por comentários feitos na página do Repórter de Rua, o compartilhamento de ideias com os leitores é estimulado e as sugestões e elogios, bem como as críticas, são recebidos abertamente pela equipe. Como o Repórter de Rua tem como principal foco contar histórias da vida real, da “labuta” do povo humilde, que praticamente não tem vez na mídia tradicional, a receptividade da audiência torna-se sensível a essas referências e ao trabalho realizado. “Acredito que boas histórias, quando bem contadas, sempre terão público. A apresentação de uma narrativa jornalística num formato diferenciado atrai um pouco mais a atenção”, pontua o jornalista Esdras Marchezan. “A questão de buscar pautas esquecidas pela mídia tradicional é um ponto muito positivo para o jornalismo independente”. Por vezes, temos a recorrente a impressão de que as reportagens produzidas pela mídia alternativa trazem mais verdade do que as veiculadas pela mídia tradicional brasileira, mas, uma vez “atingida”, a mídia radical e majoritariamente de esquerda, mostra também seus interesses políticos em defender ou criticar aquilo que lhes convém. A Revista Caros Amigos, por exemplo, critica o governo de Dilma Rousseff (PT) assim como o faz a mídia hegemônica, enquanto o jornal Brasil de Fato, por parceiras com movimentos populares e com a militância do Partido dos Trabalhadores, concentra seus esforços em defendê-lo. De uma forma ou de outra, a audiência ativa, frente às diversas vertentes políticas da comunicação, precisa se desvencilhar da via de mão única do jornalismo, e passar a fazer uso das ferramentas que agora tem nas mãos, da diversidade de informação e da própria produção de conteúdo. Só assim, o público conseguirá
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estabelecer uma base sólida de formação de opinião independente do posicionamento editorial de um veículo ou de outro. A contra-comunicação, aqui explicitada brevemente em seu movimento crescente na internet, nos aparece como mediadora no processo de formação histórica das classes “subalternas” como produtoras de sua identidade e de seu próprio conhecimento. Muitas vezes, a construção da cidadania dos setores populares também depende da disponibilidade de espaços de publicação para divulgar as notícias importantes para a organização da vida cotidiana dos segmentos sociais subestimados pelos veículos burgueses. O acesso cada vez mais ampliado das camadas trabalhadoras às tecnologias de informação cria possibilidades concretas para os canais pós comunicação de massa disputarem o poder de alcance e informação monopolizados por muitas décadas, pela mídia convencional.
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Mídias, mudanças, comunicações
Em meados dos anos 1990, a internet começou a funcionar como uma rede informática aberta e pública, um sistema digital de comunicação interativa, em tempo real e com alcance mundial. Desde o início ela ofertou aos seus fascinados usuários uma quantidade imensa de canais virtuais para a divulgação de todos os tipos de informações. O processo progressivo de informatização e de digitalização foi tornando as interfaces entre os usuários e os computadores mais amigáveis e eficientes, fenômeno que contribuiu para transformar a rede mundial de computadores no veículo mais versátil e abrangente na história da comunicação humana. Os internautas aprenderam rápido a utilizar interfaces e aplicativos eficientes, para a produção e a difusão de mensagens e para a troca de informações em um espaço ilimitado para publicações. O desenvolvimento do ciberespaço, impulsionado pela rápida expansão das redes da internet, passou a disponibilizar aos usuários uma grande variedade de ferramentas informacionais versáteis, que também impulsionaram o crescimento do comércio e da publicidade digital. A demanda profissional favoreceu a multiplicação de aplicativos digitais para a produção e edição de uma infinidade de conteúdos formatados e divulgados como mensagens escritas, sonoras, imagéticas e audiovisuais. Em apenas duas décadas (1995-2015) de existência e de uso coletivo da rede ou teia mundial de computadores, e com o desenvolvimento global da comunicação multilateral e multimidiática que ela propiciou, houve mudanças radicais nos sentidos tecnológicos, culturais e profissionais, em todos os espaços cotidianos e nas atividades produtivas das sociedades contemporâneas. Entretanto, é preciso observar que as influências da internet hoje são mais
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facilmente percebidas no campo das relações culturais e interpessoais, especialmente na esfera da produção, das trocas e fruição simbólica. Para Magnoni, a internet pode ser classificada como um “hipermeio de comunicação” e de digitalização de suportes midiáticos, cujo desenvolvimento muito recente ainda gera dificuldades e estranhezas, especialmente para os profissionais de comunicação e de informática, como também para o público mais velho que usufrui das muitas possibilidades objetivas que esta oferece (MAGNONI, 2010). Os serviços públicos de telefonia e de telecomunicações comerciais, a comunicação empresarial e corporativa, os meios publicitários de informação e de entretenimento também mudaram muito em pouco tempo. Tantas foram as transformações em apenas 20 anos que hoje é difícil, para quem tem menos de 30 anos, saber apontar todas essas modificações ocorridas e quais foram os efeitos sociais, econômicos e culturais que elas provocaram. A rede mundial de computadores formou em vinte anos gerações de internautas que se tornaram dependentes, conectados aos sistemas tecnológicos para realizar atividades profissionais, buscar informações noticiosas, fazer pesquisas escolares e acadêmicas, e participar de comunidades virtuais. A partir dos anos 2000 houve a aceleração da convergência midiática, caracterizada pela digitalização das diversas tecnologias analógicas e também das mensagens de cada veículo ou suporte. A digitalização ocorreu primeiro e com mais facilidade na passagem de conteúdos e linguagens noticiosas dos veículos impressos, jornais e revistas, para a publicação em sites e portais online, de parte de suas coberturas e produções jornalísticas. Conforme houve a evolução das tecnologias de streaming, o rádio, a televisão, os acervos fonográficos e cinematográficos passaram também a circular sistematicamente pela rede. O Brasil da segunda década do século 21, apesar das significativas melhorias que têm sido registradas há mais de dez anos pelos indicadores socioeconômicos, segue um país com enormes carências. Dentre as desigualdades sociais, de gênero, de etnia e/ou cor, está a desigualdade de acesso, da conectividade, a exclusão digital [ 47 ]
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que vem da lenta e precária universalização da internet domiciliar de banda larga e também da baixa qualidade de acesso à internet móvel, oferecidas em troca das abusivas tarifas cobradas pelas operadoras telefônicas privadas que prestam tais serviços. Apesar dos fatos, cresce consideravelmente o número de internautas. Em 2015 no Brasil, 65% da população com mais de 12 anos estava conectada de alguma maneira à internet. São 107 milhões de brasileiros e brasileiras em rede, enquanto que desses, 87 milhões acessam a internet também por dispositivos móveis (F/RADAR, 2015). Um crescimento significativo é observado se comparados os números ao ano de 2014, no qual 57% da população acima de 12 anos estava conectada, e os internautas da rede móvel somavam 62,5 milhões de pessoas (F/RADAR, 2014). Os percentuais de crescimento da internet no mercado brasileiro são significativos quando comparados com outros veículos comerciais. Ainda que a expansão e os serviços da internet tenham sido entregues, pelo governo federal, ao monopólio privado das grandes multinacionais de telecomunicações. Cabe observar que as companhias telefônicas adotam para as redes de internet, tanto domiciliares, quanto móveis, a mesma lógica que utilizam para a telefonia celular. Elas cobram preços abusivos por conexões que são de péssima qualidade – as conexões em banda larga fixa somam apenas 39% do total de acessos no Brasil (TELEBRASIL, 2014) – e concentram a distribuição de seus serviços somente em localidades densamente povoadas, onde conseguem obter a máxima lucratividade da infraestrutura de telefonia, da qual a maior parte já estava instalada antes da era das privatizações. Além do crescimento do acesso domiciliar, as plataformas portáteis ajudam a ampliar a audiência do ciberespaço. Os dispositivos móveis conectados reproduzem uma popularização semelhante àquela dos anos 1960, com os “radinhos de pilha”. A portabilidade e a audição individualizada ajudaram as emissoras da época a preservar o público, a força cultural e ideológica do veículo,
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mesmo com a drástica redução de receita publicitária que açoitou as emissoras depois do surgimento e da rápida expansão da televisão. Todavia, diante do atual poderio nacional da televisão aberta, é possível visualizar uma diferença objetiva entre o rádio e a internet: provavelmente o primeiro teria sido totalmente absorvido pela televisão se a recepção de suas estações prosseguisse domiciliar e grupal, feita em receptores ligados à tomadas. A internet, por sua vez, dispõe de recursos tecnológicos, midiáticos e econômicos, abrangência e carisma crescente, para desbancar num futuro próximo, a poderosa televisão aberta brasileira do topo do ranking de faturamento e audiência, até porque a rede conta com a audiência preferencial das gerações que nasceram inseridos no ecossistema do ciberespaço. É gente que se interessa apenas por padrões e recursos digitais que sua faixa etária está habituada a utilizar desde a infância. Eles representam uma porcentagem crescente de pessoas que não lê jornais, não cultiva o hábito de ouvir rádio com frequência e que também não sente muita atração pela televisão comercial. Constituem um segmento social com hábitos e personalidades ainda em formação, portanto, estão definindo os valores, gostos e preferências individuais e grupais, que irão predominar na vida adulta. É por conta da acentuada mudança de hábitos das novas gerações em relações aos meios, que os aplicativos de comunicação derivados da internet passaram a representar fontes de preocupações permanentes para os donos da “velha mídia”. É fato que eles não haviam previsto nem o surgimento da internet, então, não poderiam também ter pensado nos efeitos colaterais que a rápida expansão da rede traria para seus veículos e os respectivos modelos de negócios que os sustentavam. O primeiro revés midiático intenso e duradouro para os veículos analógicos, foi resultante da conjugação de digitalização e convergência de tecnologias e de conteúdos na internet. A convergência induziu uma mescla maior de formatos e de linguagens sincréticas, enquanto a unificação dos suportes de difusão introduziu mudanças radicais nas maneiras de recepção e fruição de informações [ 49 ]
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online. O fluxo de digitalização se tornou irreversível para os meios, produtos e culturas de comunicação, que haviam se desenvolvido desde os primórdios da imprensa.
O desenvolvimento dos meios analógicos no Brasil Desde a segunda metade do século 19 até ao final da Primeira Guerra Mundial, em 1918, o desenvolvimento de novas tecnologias gráficas e do modelo de jornalismo sustentado pela publicidade foram ferramentas vitais para a organização das economias e das sociedades modernas. A imprensa assegurava a opinião pública favorável à hegemonia política e econômica das burguesias liberais do ocidente, e ajudou, naquele período, a expandir os mercados internos e externos, ao divulgar novos modos de vida, estimular o consumo e criar outras necessidades coletivas. Algumas décadas depois, o rádio viria ampliar a hegemonia capitalista, ao alcançar com sua mensagem oral e instantânea os analfabetos e também os habitantes isolados nos locais mais distantes de cada território nacional. A contribuição da radiodifusão mais apontada pelos autores e especialistas no assunto, foi a sua capacidade de despertar o desejo coletivo pelo consumo de bens materiais e simbólicos, valores que são basilares para as sociedades urbano-industriais (MAGNONI, 2010). A partir de 1920, a multiplicação internacional de emissoras ampliou as bases da cultura informativa, de consumo e de entretenimento, que haviam sido geradas pela imprensa, pela publicidade, pela fonografia e pelo cinema. Na década de 1950, a radiodifusão audiovisual e domiciliar da televisão viria reforçar mundialmente a cultura de consumo de massa. Aliás, é válido ressaltar que a invenção do transistor, tecnologia que permitiu também nos anos 1950, a fabricação dos primeiros aparelhos portáteis de rádio, foi quem deu início a era dos microprocessadores e da informatização dos meios de comunicação e dos maquinários fabris.
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A partir da década de 1970 começou a mudança mais profunda do modelo industrial moderno: o computador e a automatização digital passaram a alcançar todos os espaços sociais e as atividades produtivas mecanizadas, tão típicas das sociedades desenvolvidas. Um ciclo transformador e desestabilizador, amplo e duradouro, que em plena metade da segunda década do século 21, segue agindo e alterando todas as atividades humanas dependentes do uso de recursos tecnológico de comunicação e informação e de qualquer tipo de maquinário. A digitalização começou a ganhar relevância no ambiente produtivo dos grandes meios de comunicação na década de 1980. O processo ganhou forma com a introdução experimental de computadores nas redações dos veículos impressos e, pouco depois, nos estúdios de produção de conteúdos para televisão, nas produtoras de vídeo, em agências de publicidade e em gravadoras de áudio. Nas emissoras de rádio, a informatização dos estúdios começou a se popularizar nos anos 1990, tanto na produção artística e publicitária, quanto no radiojornalismo. Os computadores serviram como máquinas mais avançadas de escrever e de compor páginas inicialmente, pois dispunham de diversos recursos para redigir, revisar e formatar textos, e também para a criação de projetos gráfico-editoriais, para “diagramar” e montar matrizes de impressão de jornais e revistas. Tais inovações permitiam substituir antigas ferramentas e aperfeiçoar muitíssimo a qualidade de todas as etapas de editoração, além de atualizar e agilizar a produção gráfica em geral. Cada nova geração de equipamentos informatizados lançada no mercado internacional apresentava recursos mais sofisticados, potentes e mais versáteis para a criação, desenvolvimento, gravação, edição, finalização, armazenamento e também para o envio de conteúdos sonoros, audiovisuais e gráficos. [...] Durante os anos 1980, o “patronato” da mídia analógica pretendia investir na informatização de seus veículos motivados pela mesma lógica dos industriais, que desde a década anterior vinham automatizando suas fábricas. Todos buscavam digitalizar suas linhas de produção para reduzir o número de trabalhadores e os custos operacionais, enquanto planejavam aumentar a qualidade, a competitividade, a [ 51 ]
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produção, a diversificação de mercadorias e o lucro de suas empresas. A informatização suprimiu um grande volume de tarefas manuais, intelectuais, ou realizadas com máquinas-ferramenta e extinguiu muitas funções profissionais diretas ou de prestadores de serviços complementares às diversas atividades midiáticas. (MAGNONI, p.43-45, 2014)
Em meados de 1990, o público brasileiro que dispunha de computadores domésticos começou a utilizar a internet, que na época tinha conexão precária pela linha telefônica, e logo descobriu que o novo meio era um imenso suporte aglutinador e armazenador de dados, além de ser também um potente localizador de informações. Em um primeiro momento, foram as linguagens e os conteúdos impressos que exigiram menos complexidade técnica e capacidade de memória para a digitalização, que começaram a trafegar pela rede. A transmissão digital eficiente de conteúdos musicais, de mensagem de rádio, televisão e vídeo precisava esperar o aumento da capacidade de tráfego nas redes de conexão e a evolução dos sistemas de transmissão por streaming, que permitiu em 1995 a transmissão de música e de radiofonia. Em 1997, a mesma tecnologia foi adaptada para transmitir conteúdos audiovisuais pela internet. O constante aperfeiçoamento tecnológico da rede e de todas as plataformas e dispositivos conectados ao seu fluxo informacional estimulou e acelerou a sua popularização mundial. No Brasil, desde o início dos anos 2000, a expansão da internet ocorreu simultaneamente à expansão dos serviços de telecomunicações e de telefonia celular. É notório que veículos de difusão massiva de informação, de comunicação noticiosa e publicitária têm servido desde o século passado, como instrumentos de incremento ao modo de produção e de consumo vigente nas sociedades urbanas. Apesar da intensa ofensiva das corporações multinacionais produtoras e vendedoras de tecnologias e dos Estados capitalistas dominantes com clara intenção de controlar e de mercantilizar a internet, desde o início da construção coletiva do ciberespaço, um emergente movimento de atração interdisciplinar entre diferentes [ 52 ]
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especialidades de conhecimento se ampliou. Uma ação coletiva movida pela necessidade de alimentar uma forma livre e colaborativa de rede, para assegurar a padronização mundial da comunicação “internáutica” de forma gratuita, descomplicada, amigável e democrática. Para Steven Johnson, A mudança mais profunda prenunciada pela revolução digital não vai envolver adereços ou novos truques de programação. Não virá na forma de um navegador digital em três dimensões, do reconhecimento da voz ou da inteligência artificial. A mudança mais profunda vai estar ligada às nossas expectativas genéricas em relação à própria interface. Chegaremos a conceber o design de interface como uma forma de arte - talvez a forma de arte do próximo século. E com essa transformação mais ampla virão centenas de efeitos concomitantes, que penetraram pouco a pouco uma grande seção da vida cotidiana, alterando nossos apetites narrativos, nosso senso de espaço físico, nosso gosto musical, o planejamento de nossas cidades. Muitas dessas mudanças vão ser sutis demais para que a maioria das pessoas a perceba, ou melhor, vamos perceber as mudanças, mas não na sua relação com a interface, porque vários elementos vão parecer pertencer a categorias diferentes, como diferentes alas de um supermercado. Mas a história da tecnocultura é a história dessas mesclas, os efeitos secundários improváveis de novas máquinas se espraiando para transformar a sociedade que os envolve. A analogia mais fértil para esse processo é a invenção da perspectiva na pintura. (JOHNSON, 2001. p.155)
A interatividade rompe com a comunicação vertical típica da relação funcionalista emissor-canal-receptor dos meios analógicos. Ela estabelece a simetria entre os entre os interlocutores, ao permitir o diálogo e a visualização entre todos, o que dá aos participantes a sensação de contato direto, de presencialidade virtual. É evidente que a “audiência” da internet, mesmo quando as pessoas navegam em busca de entretenimento, não se comporta passivamente como o público dos veículos tradicionais. [ 53 ]
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O ato de conexão exige do internauta atitude bem mais objetiva que aquela do radiouvinte ou do telespectador, que ligam os seus receptores em busca de informações pontuais, de música de fundo para aliviar a rotina ou para ajudar aqueles que estão travados no trânsito a passar o tempo de forma menos extenuante. Boa parte da comunicação online é interpessoal e de grupos sociais e organizações que buscam interlocução, que divulgam sua existência e suas ideias na rede, do mesmo modo que pregariam cartazes em murais ou quadros de aviso, telefonariam, enviariam cartas ou distribuiriam panfletos para atrair interessados. São mensagens com apelo específico e sem vínculo mercadológico, em busca apenas de outros interlocutores ou de mais adeptos para determinada causa. Longe de ser um meio para introvertidos e incapazes de sair de casa, o computador pessoal revela-se a primeira tecnologia [...] que aproxima estreitamente pessoas que não se conhecem, em vez de afastá-las. A maioria das grandes inovações dos últimos cem anos tornou progressivamente mais fácil evitar contato, em especial a conversa com pessoas que não são nossos colegas, ou familiares, ou amigos. O automóvel criou as clausuras dos condomínios fechados; o telefone e a televisão nos mantém firmemente plantados nos nossos espaços domésticos; até no cinema a vida pública se desenrola sob um voto de silêncio. A última revolução tecnológica de vulto que aproximou estranhos foi o descaroçador de algodão e seus descendentes industriais, que transferiram milhões de trabalhadores da esparsamente povoada zona rural da Europa e do leste dos Estados Unidos e os apinhou nos cortiços e nas linhas de montagem de cidades fabris como Manchester e Lowel. A Internet está permitindo novamente que estranhos se interajam, embora desta vez sem a violência e a labuta da Revolução Industrial. Há algo de profundamente animador nessa vida pública redescoberta, mas grande parte dela ainda é especulativa. Grande parte dela, de fato, depende das interfaces que serão concebidas nos próximos anos, projetadas para representar comunidades de pessoas e não espaços privados de trabalho. (JOHNSON, 2001. p.51-52) [ 54 ]
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A diferença fundamental entre as tecnologias analógicas e as digitais é que todos o sistemas informáticos atuais, embora não estejam ainda disponíveis para todos indivíduos, alteram o cotidiano e as percepções vivenciais em todo o mundo, porque estão presentes de forma direta e indireta, em praticamente todos os espaços de vivência humana. A rapidez das transformações tecnológicas atuais não reservam tempo e fôlego para a reflexão mais apurada sobre seus múltiplos efeitos e pressões sobre o ecossistema humano.
Hegemonia e contra-hegemonia na comunicação Por mídia tradicional ou “grande” mídia, entendemos os veículos de comunicação que construíram suas bases e edificaram suas empresas de jornais, revistas, emissoras de rádio e televisão e grupos multimídia de comunicação jornalística, entretenimento e publicidade. O ciclo mais significativo de desenvolvimento dos veículos nacionais de comunicação comercial no Brasil ocorreu durante a ditadura militar de 1964. Foi o Marechal Humberto Castelo Branco, primeiro “presidente” militar, que começou a construir a infraestrutura da Empresa Brasileira de Telecomunicações (Embratel), criada em 1965 como uma estatal de economia mista, para assegurar ao país os serviços de telefonia e de telecomunicação. A partir da Embratel foi possível implantar a Rede Nacional de Televisão e interligar, com troncos de micro-ondas, todos os estados brasileiros, além de iniciar a comunicação mundial via satélite com a construção da estação terrestre do município de Tanguá (RJ). O sistema público foi cedido preferencialmente à TV Globo em 1969, para enviar os sinais para suas retransmissoras. Com o explícito apoio dos militares, a emissora carioca criou sua rede nacional durante o “milagre brasileiro”, um surto desenvolvimentista que completou até a metade a década de 1970 o ciclo urbano-industrial brasileiro. [ 55 ]
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A ditadura militar de 1964 favoreceu as condições técnicas e políticas para que a televisão comercial brasileira fosse organizada como rede nacional, um projeto inspirado na radiodifusão comercial de Getúlio Vargas. O regime dos generais elegeu a televisão como seu meio de comunicação oficial. As redes abertas de televisão reproduziram e ampliaram o papel econômico e ideológico que o rádio comercial desempenhou nas décadas de 1930, 40 e 50. E, do mesmo modo que o rádio “inaugurou” a modernidade brasileira, a televisão realizou no país a transição dessa modernidade tardia para a pós-modernidade precoce, que foi adquirindo formato nos anos 1970, dentro das conflitantes e autoritárias estruturas modernas da época. (MAGNONI, 2010, p. 27-28)
Acobertado por uma espiral de silêncio, o oligopólio midiático tomou forma no Brasil e impôs um alinhamento noticioso centralizado, um processo verticalizado de seleção de notícias, que se tornou mais do que simples agendamento noticioso ou um problema de jornalismo oficialista. Na prática, o jornalismo “chapa branca” se tornou parte do controle político das informações de interesse da sociedade civil e um sistema de defesa dos interesses mútuos dos estamentos dominantes comprometidos com a ditadura. Da parte dos governos militares, não interessava a divulgação de torturas, prisões e desaparecimentos de ativistas políticos e intelectuais contrários ao regime ditatorial, e de outras ações “incomuns”, que não poderiam ser formalmente praticadas por agentes do Estado. Para os grandes meios de comunicação, manipular a realidade fazia parte do projeto de desenvolvimento, do “milagre brasileiro”, que foi preconizado pelo regime. Assim, com a prática da autocensura, se tornou mais fácil conseguir concessões e financiamentos governamentais para consolidar grandes conglomerados midiáticos, bloquear os espaços da concorrência e de evitar aborrecimentos com os órgãos reguladores. O conceito de hegemonia desenvolvido pelo filósofo Antonio Gramsci pode ser aplicado, de forma negativa, ao contexto jornalístico [ 56 ]
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que presenciamos hoje na realidade midiática brasileira. Lembrando que as formas de hegemonia nem sempre são as mesmas, e que variam de acordo com a natureza das forças que a exercem (MORAES, 2010), o poderio midiático representa, na verdade, muito mais do que parece: a detenção da informação nas mãos de poucos – no caso, de poucas famílias – faz com que o público-alvo dessas empresas enxergue a realidade a partir do ponto de vista determinado pela linha editorial dos veículos pelos quais se informa. A crise conceitual e institucional solapa a lógica racional moderna e escolhe arbitrariamente a globalização como sua substituta paradigmática. Ao “atropelar” as formas modernas de organização e resistência popular e democrática dos trabalhadores, e de poucos setores remanescentes das burguesias nacionais, a globalização emerge como nova diretriz universal de progresso, de atualização produtiva, como fonte financeira de acumulação de riquezas e de reorganização social dos povos. Detentora da nova razão pósmoderna, o ente sobre-humano que, como observa Forrester, são poucos os que dispõem de audácia para contestar: Será que alguém se arrisca a murmurar algumas tímidas reservas, a demonstrar certa vertigem em face da hegemonia de uma economia mundializada abstrata, desumana? Não demoram muito para nos calar o bico com os dogmas dessa mesma hegemonia na qual, sejamos realistas, nos encontramos aprisionados. Não demoram muito para nos opor as leis da concorrência, da competitividade, o ajustamento às regras econômicas internacionais – que são as da desregulamentação – e de nos entoar loas sobre a flexibilidade do trabalho. Cuidado então para não insinuar que, por esta razão, o trabalho se acha, mais do que nunca, submetido ao bel-prazer da especulação, às decisões de um mundo considerado rentável em todos os níveis, um mundo totalmente reduzido a ser apenas uma vasta empresa – aliás, não forçosamente administrada por responsáveis competentes. Alguns diriam: um vasto cassino. Não demoraram muito para nos opor e nos impor o respeito das leis misteriosas, mais ou menos clandestinas, da competitividade, e de coroar tudo isso com a chantagem de deslocamento de empresas e [ 57 ]
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de investimentos, a transferência mais ou menos legal de capitais, acontecimentos que, de resto, ocorrem de qualquer maneira. Chantagem em suma, com meios cada vez mais opressivos. (FORRESTER, 1997. p.32)
A destruição criativa, que era utilizada como estratégia para forçar a modernização das tecnologias industriais e alimentar a competição produtiva, parece estar sendo aplicada na remodelação financeira e na regulagem do tamanho e do dinamismo de economias periféricas dependentes. Um ajuste global realizado com a supervisão de economistas neoliberais que integram a burocracia financeira do Fundo Monetário Internacional, do Japão aos Estados Unidos, da Indonésia e Coreia do Sul à Rússia, da Argentina ao Brasil. O que faz a diferença entre os países ricos e pobres é o sentido do fluxo financeiro, que segue sempre da periferia para o centro durante a “transfusão” de recursos amealhados com o aperto dos orçamentos nacionais dos países dependentes. Ninguém se importa se o “doador” está anêmico: sempre será possível subtrair mais algumas reservas de suas artérias econômicas, para preservar intacta a robustez do capitalismo central. Tomando como base o fato de que diversas camadas sociais de brasileiros ainda vivem sob tremendas desigualdades estruturais e sociais, assimetrias que estão na base da organização de nossa sociedade (SOUZA et al, 2009, p. 334), não é surpresa o aparecimento impulsionado pelas novas tecnologias, de canais não hegemônicos, como instrumentos de expressão pós-massiva, de representação simbólica e de defesa política do ideário das minorias subestimadas no debate social brasileiro, como são por exemplo, a população negra, a população pobre e a população indígena. Essa disparidade na qualidade de vida – ou na falta de qualidade – influi na possibilidade do próprio acesso à internet. São 38% os brasileiros ainda estão apartados da realidade do mundo virtual (IAB Brasil, 2014). Como forma de se contrapor à essa abordagem dos grandes veículos nacionais e regionais, a comunicação alternativa busca [ 58 ]
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maneiras de permear as relações sociais, de seguir ladeando o jornalismo tradicional na formação das opiniões que permeiam as diversas camadas da sociedade brasileira. A imprensa nanica, como foi chamada na época do regime militar, atingiu hoje um patamar antes inimaginável. Tudo graças a realizável façanha de se conectar ao mundo em um dispositivo – ou em vários, de acordo com a possibilidade ou preferência do usuário. Da pesquisa de iniciação científica, realizada entre 2013 e 2015, se motivou o estudo dos meios de comunicação do Brasil que traça seu percurso até este livro-reportagem Projeto de Conclusão de Curso. As Jornadas de Junho foram o cenário perfeito para acompanharmos e distinguirmos, conceitualmente e visualmente, a cobertura noticiosa dos veículos e de prática jornalística durante os protestos, com o objetivo de apresentar o contexto do jornalismo no Brasil, a estabilidade dos oligopólios comunicacionais em detrimento da liberdade de informação e de representação do povo brasileiro, das lutas sociais e movimentos de massa. Agora, como complemento, a teoria fundamenta a prática na busca de entendimento sobre os novos veículos, que mudam a cada dia, o tipo de produção moderna e informativa, que ainda entendemos por jornalismo. Um breve retrato das ações e dos meios jornalísticos alternativos brasileiros, que também se tornam relevantes no sentido de “reconhecer as potencialidades do jornalismo, e não apontar somente suas mazelas, [o que] pode ser um caminho a ser trilhado pela imprensa popular alternativa” (CASSOL, 2010, p. 28). No mesmo ano de 2013, que parece ter sido palco de grandes enfrentamentos e mudanças não só para a mídia tradicional, mas para o jornalismo brasileiro como um todo. Começaram a se dar grandes cortes de pessoal e de veículos, uma maneira de eliminar despesas em grupos e empresas como a Editora Abril, que em agosto de 2013 fechou quatro de suas revistas. No ano de 2015, a editora da família Civita abriu mão de mais sete de suas publicações, desta vez não as fechou, mas vendeu os direitos de propriedade de suas revistas para a Editora Caras [ 59 ]
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(REVISTA FÓRUM, 2015). Outros casos de relevante repercussão se seguiram, como o do jornal Estadão, que demitiu cinquenta profissionais da comunicação em 2015 e também diminuiu o número de cadernos e suplementos do jornal impresso (CARTA CAPITAL, 2015) . Falou-se, então, em crise do jornalismo. Acostumada a ditar regras ou modismos e a conduzir a vida política e cultural do país, a mídia tradicional depois de “reinar” absoluta por décadas encontra hoje um contraponto exemplar: a internet. Longe de controles econômicos ou paradigmas a internet chegou para tirar o bolor e a manipulação constante do noticiário, notadamente, da chamada grande imprensa e seus articulistas que se consideram os “donos da verdade”. (BRASIL247, 2013, s/p)
A internet, uma plataforma ainda desenvolvimento, coloca em xeque-mate as maneiras tradicionais de se fazer jornalismo, de difundir e de consumir os conteúdos. O próprio comportamento e a demanda dos públicos se alteram e se adaptam a cada novidade lançada pelo mercado tecnológico. As vendas diárias de grandes jornais brasileiros como Folha de S. Paulo e O Globo têm caído desde o ano 2000. Dados divulgados pelo Instituto Verificador de Circulação (IVC) revelam que a Folha, O Globo e O Estado de S. Paulo perderam, respectivamente, 10,84%, 7,75% e 16,93% de circulação média diária em abril de 2009, se comparada aos números de abril de 2008. (FERREIRA; LIMA, apud MATTOS, 2014, p. 24, grifo do autor)
Veja bem, a crise está no modelo de negócio, nas linguagens e formas de diálogo com o público que estão presentes – ou ausentes – nos veículos da antig mídia consolidada no Brasil. A expressão popular jornal só serve para embrulhar peixe cabe como um reflexo da queda de demanda pelo produto, enquanto que, em rede, os acessos e a busca por informação nunca foram tão volumosos: de um
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lado, a venda de jornais impressos está em queda, de outro, a circulação da notícia em outras plataformas aumenta. É quase como dizer que 2013 foi o ano do “chacoalhão” para a mídia tradicional, que de fato se torna não só uma velha mídia, mas, acima de tudo, que pratica um jornalismo caduco, que perde rapidamente a confiança e a credibilidade dos seus públicos. A lição, anotada às duras penas pelos jornalistas mais antiquados, foi dada pelo povo nas ruas que ativamente se movimentou dentro e fora da rede; foi dada pelos veículos alternativos que despontaram com seus novos formatos de coberturas jornalísticas, veículos esses também das ruas, junto com a população. O desafio que sobrou aos grandes conglomerados da comunicação foi reaprender a justamente se comunicar com o seu próprio público, que não se contentava mais com o papel passivo que lhe fora dado e passou a explorar um verdadeiro leque de possibilidades informativas que se abriu com a internet. Possibilidades essas que demoraram, mas foram aos poucos sendo descobertas pelos que fazem a notícia, restando aos profissionais da comunicação o dilema de como tirar da notícia que está em rede, disponível de maneira ilimitada, o sustento econômico do jornalismo. A dificuldade em assimilar novos modelos de negócio perpassa o relacionamento conflitante do jornalismo com a internet, e, ao passo que são feitas tentativas e investimentos nessa nova plataforma, o leque se revela mais e mais promissor. (...) os jornais brasileiros tiveram crescimento médio de 1,8% na circulação em 2012, mas o que é digno de nota é que o aumento se deveu ao avanço das edições digitais, que aumentaram 128% na comparação com 2011. Elas responderam por 100% do aumento no ano e já representam 3,2% da circulação total. Esse crescimento das edições digitais deve se manter. (ANJ apud MATTOS, 2014, p. 26)
O que é possível de se observar e interpretar com certa rapidez, é que essa “crise do jornalismo” que acossa os antigos [ 61 ]
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veículos de comunicação não tem suas origens somente na área tecnológica e concorrencial, fatores tradicionais que costumam sufocar os sistemas produtivos e econômicos mais defasados – tanto que esses sistemas estão se integrando cada vez mais às novas mídias com portais online para atender ao público internauta. Os veículos da mídia tradicional também enfrentam uma crise de origem simbólica e cultural, que deriva das mudanças de mentalidades individuais e dos comportamentos coletivos, e que acabam alterando os modelos sociais e os processos criativos, até afetar os processos produtivos, as estruturas e as relações de natureza econômica, política e moral.
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Os movimentos sociais em rede
Basta rememorar o começo da internet comercial no início dos anos 1990: naquele período, a incipiente rede de computadores permitiu divulgar ao mundo o Movimento Zapatista, organizado por populações indígenas extremamente pobres da remota província mexicana de Chiapas. Os Zapatistas souberam entender e utilizar com maestria a informática em rede, e contaram com o talento comunicativo de seu emblemático subcomandante Marcos para a troca de informações e conhecimento pela web. Conseguiram divulgar sua causa política e humanitária para os principais veículos da mídia internacional e para todo o resto da população mundial. Os movimentos antiglobalização que eclodiram nos Estados Unidos em 1999, a articulação do Fórum Social Mundial, realizado anualmente a partir de 2001, são também organizações que se tornaram possíveis com o uso coletivo da internet. A crise capitalista iniciada com a bolha imobiliária americana em 2008 provocou uma infinidade de ações coletivas de denúncia e resistência social nos EUA e em diversos países da Europa. Todas as mobilizações dependeram dos canais e de recursos de comunicação do ciberespaço. Três anos depois, com a constatação de um processo de influência empresarial, ganância e corrupção cada vez maiores – além da crescente desigualdade econômica e social – explodiu o movimento Occupy Wall Street. Os 99%, como se denominavam os manifestantes, contestavam politicamente o comportamento que reflete a máxima de Edmund Burke, que parece reger não só o “Partido de Wall Street” (HARVEY, et al., 2012, p.58), mas o mundo capitalista como um todo. Em sociedades compostas de diferentes classes, algumas devem estar necessariamente por cima.
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Existem certos momentos na história em que um acontecimento aparentemente localizado, regional, tem a força de mobilizar uma série de outros processos que se desencadeiam em diversas partes do mundo. Ou seja, as ideias, quando começam a circular, desconhecem as limitações do espaço, pois têm a força para construir um novo. (HARVEY, et al., 2012, p.44)
“Manifestantes”, “vândalos”, “rebeldes”, “vagabundos” “black blocs”, “depredação do patrimônio público”, “protesto pacífico”, “protesto com baderna”, são expressões que cansaram os olhos e ouvidos dos brasileiros durante as Jornadas de Junho de 2013. Com o aumento da tarifa do transporte público na capital São Paulo, desembocou-se uma revolta geral da população – paulista de início, mais tarde, brasileira –, contra a má administração dos serviços públicos do metrô e do transporte de ônibus da cidade. Todos os meios e veículos de comunicação estiveram ligados aos protestos e manifestações, bem como toda a população brasileira, seja de maneira temerosa, seja apoiando de casa, seja na rua, protestando também. As manifestações se fizeram ver e ouvir para abrir os olhos não só dos que concentram a renda da população brasileira – os 10% mais ricos concentram 41,9% do dinheiro, enquanto os 40% mais pobres são responsáveis por 13,3% da renda total do país (IBGE, 2013, p.173). Os protestos de junho de 2013 agregaram para a opinião pública brasileira, a repentina e intensa movimentação popular contra o aumento de tarifas do transporte público, o debate ocasional sobre a necessidade de maior participação política e a clareza sobre a ação ideológica dos oligopólios midiáticos comerciais. Os manifestantes começaram a observar nas redes de rádio e televisão e nos grandes jornais e revistas, um tipo de cobertura que não mostrava a realidade vivida por eles mesmos naqueles atos organizados pelas ruas das maiores cidades do país. O grito desafiante “o povo não é bobo, abaixo à Rede Globo!”, ecoou forte em todas as capitais brasileiras. Foi então que os grandes veículos comerciais sentiram de fato a força concorrencial da internet, com a intensa e contínua cobertura [ 64 ]
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alternativa feita ao vivo e de forma colaborativa, graças aos recursos multimídia de pequenos dispositivos digitais utilizados pelos novos meios e pelos coletivos de jornalistas independentes, como aqueles que cobriram as manifestações pela Mídia Narrativas Independentes, Jornalismo e Ação (NINJA). A queda de audiência e o descrédito, tanto das grandes emissoras de rádio e de televisão quanto da imprensa, forçou a “velha mídia” a reformular as estratégias de diálogo com os seus públicos. No movimento, uma das bandeiras que mostra a força da internet dentro dos protestos era na verdade um pedido aos moradores próximos dos locais onde se realizavam os protestos: “liberem seu Wi-Fi”. Isso porque a maioria das residências que possui um roteador, aparelho que possibilita a conexão à internet, o mantém bloqueado com uma senha pessoal, o que acaba dificultando o acesso dos manifestantes à rede, para divulgar informações em tempo real e também se comunicar com os mais variados grupos de organização. A crise representativa dos cidadãos em relação à imprensa e aos veículos de radiodifusão fica evidente depois das manifestações pela tarifa zero no transporte público. A revolta contra os jornalistas da “grande mídia” se intensificou a partir do momento em que o público brasileiro percebeu a discrepância entre as notícias e informações divulgadas por esta e por meios mais plurais, como as transmissões online da Mídia Ninja, que muitas vezes mostravam em suas filmagens ao vivo, exatamente o contrário do noticiado “oficialmente” pelos grandes meios comerciais. Os manifestantes e as parcelas da população que se sentiram convencidos pelos protestos também começaram a participar dos registros dos acontecimentos em muitas localidades brasileiras criando uma rede de compartilhamento de conteúdos informativos. A participação voluntária na cobertura das Jornadas é uma prova de que os ambientes virtuais estão cada vez mais utilizados por usuários críticos que procuram possibilidades comunicativas e colaborativas em diferentes meios digitais, como resposta aos veículos tradicionais, pela omissão ou alteração dos fatos, que eles praticam rotineiramente. [ 65 ]
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O aumento de R$ 0,20 que causou toda a mobilização inicial na internet, aos olhos dos empresários e autoridades do governo, deveria ser “só mais um aumento”, como outro qualquer, dentro das taxas de circulação pública de São Paulo. Mas, o que não puderam prever foi a ação do Movimento Passe Livre (MPL), que desde 2004 se faz presente na luta pelo transporte público gratuito no Brasil, e que prontamente organizou eventos nas redes sociais para divulgar os atos e protestos na capital paulista. O MPL mantém um site14 no qual divulga todas as informações, relatórios e pesquisas abertos ao acesso público, o que mantém um histórico atualizado do movimento. O aumento da taxa somou-se à precariedade do serviço (vide as notícias frequentes naquele ano de descarrilamento de trens do metrô, sem contar a lotação no transporte público) e foi então que em julho de 2013 a denúncia contra a empresa Siemens, de um cartel nas obras do metrô, expôs o caos administrativo paulista, com envolvimento de partidos e de políticos vinculados ao governo estadual em esquemas de corrupção. Porém, 21 anos de ditadura militar parecem ter incrustado na grande mídia brasileira o conservadorismo e a intolerância ao pensamento crítico, resquícios de um regime repressor. A velha mídia, pelos cantos e como quem não quer nada, na ambição de um verdadeiro oligopólio midiático, se apoderou da produção informativa do país através de acordos de bastidores nada transparentes. Não deu outra: os veículos tradicionais de informação se limitaram, a princípio, a denunciar as manifestações de 2013 como atos de vandalismo e que atrapalhavam o trânsito da grande capital paulista. O alinhamento editorial dos oligopólios midiáticos mascara, com uma visão estereotipada e falsamente moralista, os interesses econômicos e políticos aos quais eles estão ligados. O jornalismo praticado pelos conglomerados de veículos comerciais subestima e desqualifica a disputa de projetos políticos14
Ver: http://saopaulo.mpl.org.br/ [ 66 ]
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administrativos entre os setores democráticos da sociedade e os setores autoritários e minoritários, comprometidos com bandeiras de estado mínimo e de internacionalização indiscriminada da economia brasileira. A mídia “oligárquica” não hesita, quando lhe interessa, em “colocar panos quentes” sob atos que seriam condenados ilegais, ou, em assediar e pressionar os governantes, de municípios até o Palácio do Planalto. São recorrentes os filtros ideológicos e econômicos aplicados aos conteúdos jornalísticos dessas empresas. A manipulação da informação na edição jornalística, no entanto, muitas vezes não é opção dos jornalistas que produzem matérias e reportagens; há um “regulamento”, os “princípios editoriais” que são seguidos em cada jornal, revista ou emissora. Assim, os veículos comerciais priorizam os interesses mais particulares de seus proprietários, em detrimento da informação e das demandas da sociedade por notícias precisas e confiáveis. Com a grande demanda da população por notícias e pela cobertura dos protestos em 2013, chegou-se em um ponto no qual a mídia tradicional não poderia mais limitar seus relatos aos boletins sobre o trânsito caótico, que era atrapalhado pelas manifestações. Uma reviravolta nas famosas espirais do silêncio promovidas de vez em quando, por um veículo tradicional descontente com algum acordo político ou comercial desvantajoso. A mobilização das mídias alternativas foi tamanha que a grande mídia não pôde mais ignorar os fatos, e tampouco falsear as informações. Foi preciso noticiar para não perder o público leitor, ouvinte ou telespectador. Ao utilizar a hashtag #vemprarua – ferramenta que filtra buscas sobre determinado assunto em redes sociais como o Facebook, Twitter e o Instagram – os manifestantes concentravam informações sobre os protestos que estavam acontecendo. Não muito tempo depois, durante o período eleitoral de 2014, a ferramenta da hashtag passou a ser incorporada na campanha #vempraurna do governo federal. Com uma clara referência às ferramentas utilizadas pelos manifestantes no ano anterior, as autoridades passam de modo implícito a ideia de que as mudanças [ 67 ]
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desejadas pelo povo brasileiro aconteceriam com uma maior participação coletiva no processo eleitoral, e não no “quebra-quebra” das ruas, ao qual tanto se referiu a mídia comercial. De um jeito ou de outro, subestimando ou exaltando os movimentos sociais e os protestos, uma coisa é certa: o poder do ativismo no ciberespaço deixou de ser ignorado pelas autoridades brasileiras. Hoje em dia, ativistas, organizações, campanhas, empresas, e até mesmo políticos já possuem páginas próprias no Facebook para divulgar suas ações e propostas – como exemplo temos a página da presidenta Dilma Rousseff, com 800 mil “curtidas” antes das eleições, e atualmente, com quase 2,6 milhões. O deputado pelo PSOL do Rio de Janeiro Jean Wyllys, eleito três vezes o melhor deputado federal pelo Congresso em Foco, tinha aproximadamente 400 mil “curtidas” antes do período eleitoral. Agora, conta com quase 800 mil em sua página pessoal no Facebook. As redes sociais tiveram um papel fundamental para pautar a discussão dos direitos cidadãos e buscar o caminho da participação democrática nas decisões e políticas públicas. Por meio de eventos criados no Facebook, a programação e os atos da população eram divulgados para toda a rede de internet. Um protesto na cidade de São Paulo poderia ser acompanhado por quem estava no interior, em outro estado, ou até mesmo fora do Brasil, isso somente por meio da navegação nas redes sociais. Além do Facebook, Twitter, Instagram e Youtube foram muito utilizados na produção de conteúdo independente e da informação contra-hegemônica das manifestações. Atualmente, quando entramos na internet, podemos observar uma série de veículos de comunicação já conhecidos por seus formatos impressos, radiofônicos e televisivos, que também se fazem presentes na rede, seja em um site, portal de notícias, ou em forma de aplicativo para smartphones e tablets. Por esta razão, e também por querer conciliar comunicação e as novas tecnologias, restringimos o campo de análise da pesquisa aos aparatos online dos jornais e revistas escolhidos: os sites de notícias dos jornais Folha de S. Paulo, Estado de S. Paulo, da revista VEJA e o [ 68 ]
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portal de notícias G1, representando a mídia tradicional do país. No campo dos veículos de jornalismo pós-massivo e independente selecionamos os sites do jornal Brasil de Fato, da Revista Caros Amigos, do portal e Revista Fórum e também do portal Outras Palavras – na época, a Agência Pública e o projeto Repórter de Rua, citados no segundo capítulo deste livro, não tratavam tão ativamente das manifestações no Brasil. A Revista Fórum, que em 2014 passou a ser exclusivamente digital, possui um trabalho mais analítico no sentido do próprio papel das mídias alternativas e redes sociais na construção dos atos e manifestações. Sua posição editorial destaca a necessidade de se democratizar a comunicação no Brasil. Por meio de pesquisas, dados, gráficos e da alusão histórica, o cenário atual das comunicações e o jornalismo brasileiro são apresentados ao leitor como ultrapassados e, até mesmo, arrogantes e “autistas” em seu tradicionalismo. O grande problema da mídia hegemônica é não reconhecer que perderam o monopólio da novidade e da informação, e que os fluxos informativos se desenvolvem por outras vias. (...) Esta postura de arrogância que cheira a um certo “autismo” a medida que ignora outros fenômenos e processos que ocorrem na sociedade da informação cria situações patéticas como esta. (OLIVEIRA, 2013, s/p)
“Se a necessidade das reformas é latente, há que se indicar claramente que duas delas merecem ser disputadas nas ruas: a reforma política e a democratização da comunicação” (PIVA, 2013, s/p). Ao contrário da atitude tomada pela mídia hegemônica – de prontamente julgar os manifestantes e taxá-los de vândalos, criando a fábula do “bom protesto”, o pacífico, e do “mau protesto”, o “com baderna” – vemos na mídia pós-massiva a tentativa de fomentar um debate mais saudável, incluindo pautas que “tocam na ferida” do status quo brasileiro, como a da democratização da mídia, além do apoio aos itens já defendidos pelos manifestantes em 2013. [ 69 ]
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Um mapeamento realizado pela Interagentes, dirigida pelos sociólogos Sérgio Amadeu e Tiago Pimentel em parceria com a Revista Fórum mostra a análise das postagens do Facebook no período das manifestações. Mais precisamente, são os compartilhamentos do dia 05 ao dia 13 de junho de 2013, “quando São Paulo foi governada e dominada durante toda a noite pelas bombas e as balas de borracha da Polícia Militar” (ROVAI, 2013).
Temas em discussão no Facebook no dia da manifestação de 13/06/13. (Fonte: INTERAGENTES/REVISTA FÓRUM)
A pesquisa comprova que a maioria dos comentários na rede social eram favoráveis ao Movimento Passe Livre (62%), enquanto que os comentários negativos corresponderam à menor soma (16%). Os comentários restantes (22%) foram classificados como neutros por não assumirem um posicionamento. Essa pesquisa não foi divulgada pela grande mídia hegemônica em nenhum momento durante as semanas em que se sucederam os protestos pela tarifa zero.
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Participação das redes sociais na construção dos atos. (Fonte: INTERAGENTES/REVISTA FÓRUM)
A partir da análise do gráfico acima, igualmente disponibilizado pela pesquisa do Interagentes, fica visível a magnitude que alcançaram as manifestações após o 4° ato, do dia 13 de junho, marcado pela violência e pelo confronto direto da Polícia Militar com os civis. O engajamento virtual se expande de maneira viral, dado o crescimento no número de compartilhamentos de notícias, imagens e outros tipos de conteúdos publicados nas redes sociais. A informação produzida pelos veículos de informação, sejam eles hegemônicos ou contra-hegemônicos, se espalha pela rede com a ajuda dos manifestantes e da população que compartilha com seus círculos de amizade os links diretos para os portais de notícias. Sem contar as informações que são dadas pelos próprios cidadãos, [ 71 ]
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ilustradas com vídeos e fotos de seus próprios dispositivos móveis, e, muitas vezes, em tempo real. As Jornadas de Junho também ficaram conhecidas como a Revolta do Vinagre, por conta do vinagre que era levado nas mochilas de manifestantes como proteção do gás lançado pela polícia - esta que chegou ao ponto de confiscar o produto. Foram as primeiras grandes mobilizações da população brasileira desde os protestos pelo impeachment do presidente Fernando Collor. Por essa convergência de ideias que se alastrou pelo país em 2013, a sociedade toma aos poucos a consciência da necessidade de uma reinvenção da democracia, mais participativa, mais dialógica, mais horizontal. O povo nas ruas mostrou que sabe se unir, sabe fazer barulho para chamar atenção das autoridades, e mostrou que o poder popular não ficou no passado. A cobertura intensiva, a interação nas redes, algo até então inédito, apresentam novos horizontes para uma conectividade ativista de cada mulher e cada homem conectado. É então escancarada a crise de representação política vivenciada no Brasil. A revolta do povo iniciada em 2013 ainda nos dá sinais de sobrevivência: nas manifestações durante a Copa do Mundo em 2014, com um leque de pautas que se estende ao nível das relações exteriores do Brasil, no ano de 2015 e 2016, com a retomada do Movimento Passe Livre, dos “black blocs” e dos “pula-catracas”, com um fôlego que parecem ter recuperado durante o intervalo de pouco mais de um ano sem manifestações. Outras discussões e pautas também tomaram as redes sociais na forma de agregadoras para a organização de protestos nas ruas, como a Primavera das Mulheres contra o Projeto de Lei 5069/13, que dificultaria o acesso ao aborto nos casos permitidos pela legislação brasileira; mulheres essas que com as hashtags #meuprimeiroassédio e #meuamigosecreto também instauraram o debate sobre o machismo na sociedade brasileira; a mobilização contra a reorganização e fechamento de escolas estaduais em São Paulo com a hashtag #nãofechemminhaescola, para acompanhamento da movimentação dos estudantes e mídias acerca do assunto; a Marcha das Mulheres [ 72 ]
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Negras em Brasília em novembro de 2015, dentre tantas outras lutas que ganharam força nas redes sociais. Henry Jenkins em Cultura da Convergência (2009) afirma que os antigos consumidores, antes da World Wide Web, eram indivíduos isolados. Com a convergência, a internet e as redes sociais, os novos consumidores são mais conectados socialmente. A inteligência coletiva, termo apresentado no livro, refere-se à capacidade das comunidades virtuais de alavancar a expertise combinada de seus membros. O que não podemos ou não sabemos fazer sozinhos, agora podemos fazer coletivamente. Outra razão de crise no universo do jornalismo atual, envolve a internet, onde qualquer [um] pode agir como um repórter. Basta um pequeno relato, uma foto de câmera digital para contar uma informação. Podemos chamar isto de jornalismo? Existe uma briga intensa em relação ao tema. Pode-se chamar de jornalismo cidadão, uma situação em que as pessoas relatam o que acontecem no seu bairro ou na região que vivem. É o tipo de noticiário local que possibilita a participação do público. Sob esta ótica, o jornalismo colaborativo, como aponta Christofoletti (2008), é muito bem-vindo uma vez que ajuda na composição dos fatos. Mas jornalismo continua exigindo responsabilidade, ética e o comprometimento com a credibilidade. (TEIXEIRA, 2010, p.8).
O papel dos veículos brasileiros de comunicação fica abalado considerando-se o fato de que o próprio manifestante e cidadão passa a querer ser seu próprio porta-voz, por não mais acreditar – ou confiar – unicamente nos meios de comunicação, na capacidade deles de transmitir de forma verdadeira a sua fala e as ideias para o restante da população. A comunicação feita de modo tradicional, de um jeito ou de outro, teve seus pilares remexidos e precisa o quanto antes, rever suas políticas como mediadora da informação, e consequentemente, redescobrir o jornalismo que se transforma mais uma vez, em nova plataforma mais direta, capilar e coletiva.
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Dentro das análises feitas em pesquisa de iniciação científica, comparando as reportagens de cobertura dos protestos de 2013 produzidas e divulgadas pelas mídias massiva e pós-massiva brasileiras, pudemos observar uma série de questões que diferem uma da outra. Ao começar pela linguagem, que é o pilar indispensável para que qualquer ação comunicativa possa ocorrer. No que se refere às formas de comunicação, constitui-se como linguagem textos visuais ou imagéticos, sinais, signos, gestos ou movimentos, e até mesmo as taxas de diferenças hormonais, sistemas sonares e outras ações programadas na natureza animal. A linguagem utilizada pela mídia, por sua vez, vai muito além do escrito, fotografado ou filmado que está registrado no papel ou em tela digital, da reportagem que vai ao ar pela tevê ou no rádio. Nas reportagens analisadas da mídia tradicional, observa-se uma linguagem fria, por vezes meramente descritiva das consequências dos atos organizados pelo Movimento Passe Livre. Ou seja, dos engarrafamentos no trânsito, das ruas fechadas, do barulho, do congestionamento do tráfego, da violência, da depredação de patrimônio privado, etc. “Acesso ao Porto de Santos fica 4h fechado. (...) O ato terminou por volta das 20h30 e não houve brigas nem vandalismo” (ASSUNÇÃO, 2013, p. A14 da edição de 25/06 do Estadão, encontrada no acervo online até a data de consulta, 02/08/14, depois, não mais disponível no site do jornal). Além disso, as reportagens geralmente descrevem os números de manifestantes presentes, números de policiais feridos, às vezes as estatísticas de manifestantes feridos, mas nem sempre, e números de manifestantes presos/levados para a delegacia. Temos um retrato desse sensacionalismo com tendências conservadoras, por meio de uma reportagem feita pela equipe do jornal O Estado de S. Paulo na edição do dia 08 de junho de 2013, que começa com a seguinte manchete: “No 2° dia de confronto e destruição, protesto fecha Marginal do Pinheiros” (grifo nosso). Constatamos na grande mídia em 2013, uma tendência para evitar a combinação de palavras “transporte” e “público”, quando em [ 74 ]
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notícias que abordavam as reivindicações dos protestos e do MPL pela redução da tarifa do mesmo. Eles usavam sempre, em vez disso, algo como “transporte coletivo”, “tarifa de ônibus e metrô”, “custo do transporte”, assim por diante. “Por que saem para a rua para protestar contra o aumento de preços dos transportes jovens que não usam esses meios de transporte porque têm carro, algo impensável há 10 anos?” (ESTADÃO, 2013, p.A18, edição de 19/06, grifo nosso) – nesse trecho, além da omissão do termo “público”, tem-se o sofisma apresentado ao leitor de que não é necessário um transporte coletivo de qualidade e barato, uma vez que já temos carros o suficiente. Tal comportamento evidencia o poder que está por trás da mínima manipulação advinda da escolha das palavras: evitar que o leitor associe ideias não convenientes para a elite do país, como a de que o transporte público, como já diz o nome, deveria ser de graça. Muitas são as ocasiões e datas em que se repete esse comportamento por parte da mídia tradicional brasileira. Outros exemplos mais alarmantes e escancarados desse “mau jornalismo”, passional e confortavelmente acolhido pela direita política, podem ser encontrados em publicações como a Revista Veja: A Polícia Militar montou cordões de isolamento e efetua revista nos grupos de manifestantes que protestam contra o reajuste das tarifas de transporte na região central de São Paulo. Cinquenta pessoas foram detidas nesta quinta-feira para averiguação, alguns portando pedras, gasolina e coquetel molotov. (...) A preocupação dos policiais, que monitoram a área com câmeras e helicópteros, é evitar a presença de arruaceiros que usam o protesto como pretexto para depredar a cidade. (...) Diante do descontrole das manifestações, que degeneraram em balbúrdia e tumultuaram a rotina do paulistano, o governo de São Paulo prometeu ser mais duro. (...) A explicação para o vandalismo está na natureza do movimento, cujo discurso é raivoso e beligerante. (VEJA, 2013, s/p)
Depois dos “boletins de trânsito” e de produções textuais raivosas, deu-se o que podemos chamar de próximo estágio da [ 75 ]
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cobertura noticiosa dos meios tradicionais, foi a classificação dos atos em “pacífico” ou “violento”, isso logo depois do reconhecimento por parte da grande mídia da validade dos protestos, coincidentemente assim que seus próprios jornalistas começaram a ser feridos pela PM, enquanto faziam o seu trabalho de documentar o que acontecia. Desde então, as manifestações passaram a ser classificadas e narradas do mesmo jeito, quase que de modo idêntico, pelos grandes veículos de comunicação. Primeiro, o julgamento: se o protesto foi pacífico, ou se teve vandalismo, se houve algum tipo de dano ao patrimônio alheio ou ao fluxo do trânsito. Depois, os manifestantes poderiam ter suas pautas reportadas, e, se dessem sorte, sem alteração dos fatos ou manipulação de números dos presentes nos atos – a famosa versão da contagem feita pelos movimentos sociais comparada com a da polícia militar, sempre menor que a primeira. É importante lembrar que as mídias massivas no Brasil têm sim seu papel e sua relevância, dado o contexto dos oligopólios midiáticos. É por meio dela – quase que somente dela – que se assegura abrangência e credibilidade, o famoso bordão “se não deu no Jornal Nacional, não aconteceu”. Por outro lado, a centralidade das pautas anula a regionalidade e faz com que no país todo se tenha como prioridade as notícias de grandes capitais como São Paulo, ou Rio de Janeiro. Além de toda a seleção dos temas que são ou não de interesse para os veículos participantes desses oligopólios, há também os filtros econômicos e políticos de seus patrocinadores, financiadores e participantes de diversos acordos sociais, econômicos e políticos, daquilo que se deve divulgar em rede nacional. Para o jornalista Antônio Martins, do portal Outras Palavras a questão é problemática e está enraizada no jornalismo da velha mídia. “O Brasil hoje é um Brasil muito mais país do que ele era há 20 anos, por exemplo. Temos inúmeros polos de produção, não só de bens, mas produção de conhecimento e de cultura, e esse jornalismo continua baseado nos mesmos centros de sempre. Talvez porque ele esteja em decadência, ele ainda não percebe essa falta”.
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Uma vez constatada a amplitude da informação e do fluxo construído por essas organizações, é que a mídia tradicional alimenta o debate que bem entender, o que é de real valor para discussões que envolvem a sociedade como um todo, de importância pública como um projeto de lei, por exemplo. Assim, “(...) a centralidade da velha mídia – televisão, rádio, jornais e revistas – é tamanha que nada ocorre sem seu envolvimento direto e/ou indireto” (MARICATO et al, 2013, p. 89). Esse aparente paradoxo decorre do fato de que a velha mídia, sobretudo a televisão, (ainda) controla e detém o monopólio de ‘tornar as coisas públicas’. Além de dar visibilidade, ela é indispensável para ‘realimentar’ o processo e permitir sua própria continuidade. (MARICATO et al, 2013, p. 90)
O controle e a formatação da informação são derivados da “ibopização do pensamento”, um condicionamento pragmático dos projetos editoriais aos indicadores de audiências, cujas pesquisas da maior parte do mercado nacional são monopolizadas pelo Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística (Ipobe). Conhecer a opinião dos públicos é essencial para guiar as estratégias de comunicação dos veículos midiáticos. Eles são movidos pela busca de ganhos mercadológicos, pela ampliação do alcance de seus anúncios publicitários e a liderança de seus conteúdos de informação e de entretenimento. É verdade que nem os sites deixam de se preocupar com o controle do número de acessos. A mensuração dos ambientes virtuais serve para categorizar os interesses dos internautas e para facilitar ao comércio online, o direcionamento de ofertas e de propagandas adequadas ao perfil de cada dispositivo e usuário. De maneira complementar a atividade da mídia contrahegemônica se instaura nesse contexto por meio da coleta das pautas locais, de assuntos com apelo social e coletivo, que são ignorados e não selecionados pela grande imprensa brasileira. A participação desse jornalismo social na mídia brasileira é relevante justamente pelo [ 77 ]
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sentido de trazer à tona informações que não seriam divulgadas se não fossem por esses micromeios, que não são barrados pelos mesmos interesses dos oligopólios do jornalismo no país. No entanto, é aí que se encontra o atual problema da mídia alternativa no Brasil, esse mercado não apresenta grande visibilidade perante o público, nem de seus veículos, muito menos do material que é divulgado neles. A concorrência com a grande mídia é mais do que acirrada, é desigual a partir do momento que esta concentra para si a maioria dos espaços disponíveis para a comunicação – espectros, canais de televisão, emissoras de rádio, grupos empresarias de jornais e revistas – e também a maioria dos patrocínios e dos anúncios publicitários. Como principal diferença das notícias e reportagens massivas e pós-massivas, temos a abordagem e o direcionamento dado em cada uma de suas matérias. Logo de cara, ao estudar o portal Outras Palavras, nos deparamos com uma reportagem que apresenta o contexto que deu início aos protestos pelo Passe Livre, algo não encontrado de forma tão direta e expressiva no conteúdo pesquisado na grande mídia. Na próxima quarta-feira, 14 de agosto, os paulistanos, quem sabe todos os brasileiros, terão mais uma oportunidade de dar um chacoalhão na classe política tradicional. (...) Para este dia está marcado um protesto contra o “propinoduto tucano”, alcunha com que se convencionou denominar ao recém-divulgado esquema de corrupção envolvendo três administrações do PSDB à frente do governo do estado (Mário Covas, Geraldo Alckmin e José Serra) e grandes empresas do setor metroferroviário, como a alemã Siemens, a francesa Alstom, a japonesa Mitsui e a espanhola CAF. (BREDA, 2013, s/p)
Em nossa pesquisa, procuramos por palavras específicas nos sites de cada veículo: “protestos”, “passe livre” e “tarifa zero”, sendo delimitado o período – quando possível, ou seja, quando os sites possuíam mecanismos de busca e pesquisa – para os meses de junho, julho e agosto, majoritariamente. Também foram analisadas algumas [ 78 ]
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notícias, notas e reportagens sobre os protestos que se seguiram às Jornadas de Junho, como os da Copa do Mundo 2014 e os protestos de 2015 também. Quando na versão online do veículo não estava presente o recurso busca por data, procuramos dentro das matérias exibidas, aquelas que se encaixavam no período/tema. Fizemos uma pesquisa qualitativa buscando a análise crítica em relação à linguagem dos conteúdos divulgados, dentro da cobertura das manifestações de 2013, tanto quanto suas manchetes, linhas finas – os subtítulos das reportagens – o direcionamento e até mesmo em relação às imagens escolhidas pelos diferentes veículos. Assim como acontece no Outras Palavras, o jornal Brasil de Fato também assume uma posição editorial a favor do povo, ao lado dos que protestam nas ruas e reivindicam, como eles, em suas pautas de reportagens e de outros materiais produzidos. Como prova dessa postura popular adotada pelas mídias de comunicação alternativa, verificamos que vários deles divulgaram o anúncio de uma das conquistas das mobilizações populares que se desdobraram após as pautas iniciais pelo Passe Livre, e, como para enfatizar sua união com o povo, o jornal se utiliza da primeira pessoa do plural, “nós”, chamando todos para “as próximas disputas”. Aprovado na última quarta-feira, 14, o substitutivo do PL 323/2007 do deputado federal André Figueiredo (PDT/CE), que vincula as receitas da exploração do petróleo à saúde e educação, representa uma vitória para o povo brasileiro, que em junho mostrou sua força nas ruas. (...) Este é o momento para nos prepararmos para as próximas disputas, construir unidade das organizações e mobilizarmos as bases para pressionar o governo, garantindo os interesses do povo. (PARÁ, 2013, s/p)
Percebe-se no Brasil de Fato uma linha de reportagens que faz referência aos protestos, mas nada que se limite ao factual e ao descritivo. Os temas, em todas as matérias analisadas, são conduzidos para análises históricas e políticas, dentro do visão política da [ 79 ]
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esquerda, ou seja, na defesa de movimentos sociais, de pautas que representem o povo, do mercado mínimo, da soberania popular, etc. Tem-se, como exemplo desse jornalismo que vai além do fato, uma reportagem veiculada na versão online do Brasil de Fato que é inteiramente dedicada a explicar ao leitor os motivos pelos quais não há necessidade de taxas no transporte público – pauta jamais abordada na mídia de massas. O custo variável por passageiro, embora mensurável, é desprezível em relação ao custo fixo da operação. Um passageiro a mais não custa nada a mais (rigorosamente, custa uma fração infinitesimal do custo). (...). Assim, não tem o menor sentido falar-se em custo ou remuneração por passageiro. (...) O número de passageiros transportados não é, em si mesmo, o objeto de cálculo do custo do sistema, mas a base do seu dimensionamento. (...) O intuito é ocupar no tempo, inteiramente, a rede operacional, cujo capex (gasto de capital) já foi feito na instalação do sistema e o opex (custo da operação) não cresce por conta da ligação a mais que o usuário completa. (...). Para resumir: num sistema como o atual, que leve em conta a remuneração também por passageiro, o empresário é levado a baixar seu custo ofertando menos viagens, de modo a lotar um número menor de veículos, o que significará serviço de pior qualidade. (ZILBOVICIUS; GREGORI, 2013)
Como vemos, a questão da representatividade afeta o jornalismo brasileiro, que, assombrado pelo oligopólio, ramifica-se na esperança de criar um canal mais aberto de comunicação com o povo, na produção contra-hegemônica, também comunitária, a de mídia radical. Com menor visibilidade, menor credibilidade, os veículos do jornalismo alternativo conquistam, aos poucos, seu espaço na social na opinião pública. Mas isso basta? Vimos que durante as manifestações a visão dada pela grande mídia contribuiu sim – e ainda contribui, qualquer que seja a pauta abordada – para a construção do imaginário popular, a formação de opinião dos brasileiros, mesmo que o dado não fosse o mais correto, ou o mais [ 80 ]
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ético, como taxar os manifestantes de “vagabundos”. O debate da democratização e da regulação da mídia, enfim, se mostra cada vez mais necessário. O medo de debater este tema tem um longo histórico, pois desde a época de Getúlio Vargas na presidência da república (1930-1945), a imprensa brasileira conviveu com a interferência direta de governos sobre suas ações e com a questionável relação com o poder político e com o poder econômico. Nota-se claramente em nossos meios de comunicação a estreita ligação dos órgãos de informação com interesses políticos dominantes e com o inteiro compromisso desses mesmos meios com a infindável difusão de novos hábitos de consumo e de comportamento. A ideia de que os meios de comunicação são serviços públicos e que por isso devem ser constantemente avaliados pela sociedade foi devidamente colocada de lado e, de modo bastante contundente, qualquer tentativa de questionar essas práticas é taxada de cerceamento de liberdade e de uma afronta à democracia. (...) O fato de não haver qualquer forma de controle da sociedade civil sobre os meios de comunicação pode abrir uma lacuna para a restrição à amplitude das informações. Ou seja, a não avaliação pela própria sociedade de seus veículos de comunicação pode tornar-se para ela uma interseção entre ter uma comunicação comprometida com toda a sociedade ou uma comunicação comprometida com os interesses de alguns pequenos grupos de pessoas. (BUSATO, 2001, p. 30-33)
Talvez agora, em tempos atuais, a forma de controle das mídias pela sociedade tenha vindo à tona com a ferramenta da internet: novas fontes de informação com canais cada vez mais acessíveis. São milhões de dados a serem comprovados, refutados e discutidos por cada usuário, cada internauta que tenha em suas mãos um dispositivo que pode lhe mostrar verdades não disponíveis nos até então únicos meios confiáveis de informação, os tradicionais meios de comunicação de massa brasileiros. As mídias alternativas e pós-massivas brasileiras que analisamos brevemente neste livro-reportagem, juntamente a seus [ 81 ]
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mais variados projetos e desdobramentos em contraponto à mídia tradicional, contribui para mostrar ao mundo, nas palavras de Juan Arias para o El País – Edição Brasil, que compomos agora um país “normal” como os outros tantos de “primeiro mundo”. Para ele, isso se deve ao fato de agora apresentarmos nossa indignação em protestos e mais protestos, e não mais no conformismo da inércia. O Brasil parecia alheio às agitações das ruas que sacudiram meio mundo em busca de novas formas de participação cidadã e que exigiam maior qualidade de vida para todos e mais decência nos locais de poder político e econômico. Não existiam indignados no Brasil. O país continuava sendo misteriosamente diferente, feliz e até orgulhoso com o pouco que tinha, diferenças das quais, fora de suas fronteiras, tantos tinham inveja e saudades, incluindo no rico primeiro mundo. De repente, por estes milagres que o acaso às vezes cria ou pelo acúmulo de exigências reprimidas, o Brasil, embalado pelo eterno mantra de país "do futuro", despertou e começou a exigir o presente. A partir deste momento, o Brasil começa a surpreender o mundo, desta vez pelo paradoxo de seu repentino inconformismo. Surpreende hoje a "normalidade" de um país que parecia e que acreditávamos diferente. Já não é mais, e começa a agir como os demais. (ARIAS, 2014, s/p)
Na verdade, contrariando as observações do jornalista espanhol, não se trata estritamente do fato de que antes os brasileiros e brasileiras não se rebelavam, mantinham-se passivos e obedientes dentro de suas casas, ligados à hipnotizante televisão, ou, num período mais longínquo, ao aparelho de rádio. O que mudou, na nossa visão e no sentido jornalístico, foram as novas possibilidades informacionais que trazem agora um aspecto mais realista ao telespectador, ouvinte ou leitor. A opinião pública não recebe informações trazidas por um único ou por poucos veículos, que seguem um mesmo agendamento jornalístico, como normalmente acontecia antes do surgimento da internet. Os veículos de comunicação mais reconhecidos, tradicionais e “famosos”, podiam [ 82 ]
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sem a menor dificuldade, formar de maneira privilegiada a opinião de sua audiência, divulgando a sua exclusiva versão dos acontecimentos. Talvez seja por isso que não se “ouvia falar” tão frequentemente de protestos, manifestações e atos públicos, porque para tais veículos não seria interessante divulgar esse tipo de acontecimento, digamos, por seus tratados com grupos de poder, fossem públicos ou privados, uma distorção da função pública do Jornalismo, que ainda prevalece. Ficou claro o surgimento de uma plataforma que veio para ficar: a internet revolucionou e continua revolucionando a forma como as pessoas veem o mundo e interagem com ele. E não só isso, consequentemente são alteradas todas as atividades humanas. Em todos os setores de trabalho, interação entre pessoas, os aparelhos e ferramentas tecnológicas representam, em maior ou menor grau, um novo estágio, uma nova era na humanidade. Especificamente no campo do jornalismo, a revolução da internet dá sequência a uma série de mudanças já ocorridas nesse campo por conta do aparecimento recorrente de novas plataformas, como o papel, o rádio, a tevê, que foram igualmente inéditos e transformadores em suas épocas de popularização. Discussão já conhecida pelo profissional da comunicação é a do “fim do jornalismo”, sempre pautada em tempos de crise, que, nos tempos de hoje, deveria ser entendida como uma crise de formatos ou de modelos de negócio, e não do jornalismo em si. A comunicação, como elo entre o cidadão do Japão e o do Brasil, dos Estados Unidos e da África do Sul, conecta acontecimentos e informações para o crescimento de um espírito do “nós” da humanidade. [A] conectividade faz com que se comece a produzir um efeito de nosotrificación, a construção de um sentido renovado de nós que não só se manifesta na identidade do grupo, mas no aumento da capacidade para processar a informação, definir os problemas e resolvê-los de maneira coletiva (GONZÁLEZ apud PERUZZO, p.92, 2010).
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Visto o levantamento de dados que conseguimos concretizar, a mídia pós-massiva brasileira possui mais desafios a serem vencidos, por ser o Brasil um país que ainda convive com oligopólios e propriedade cruzada de meios de comunicação em seu território. Devemos evitar aqui uma confusão comum: o monopólio não ocorre apenas quando uma empresa detém 100% do mercado, mas também quando, nas palavras de Calixto Salomão Filho, “um dos produtores detém parcela substancial do mercado (por hipótese, mais de 50%) e seus concorrentes são todos atomizados, de tal forma que nenhum deles tem qualquer influência sobre o preço de mercado” (...). Seria, portanto, mais claro afirmar que há monopólio quando um dos agentes econômicos possui poder de alterar unilateralmente as regras do jogo, atuando de forma independente em relação a seus concorrentes. (CALIXTO; FORGIONI, apud LIMA; ARAÚJO, 2015, s/p)
Partindo desse ponto de argumentação, poderíamos afirmar que lidamos com um grande monopólio da comunicação no setor da radiodifusão brasileira, comandado pela Rede Globo, por apresentar maior porcentagem de emissoras próprias e afiliadas (39,61%) de acordo com dados da Subcomissão Especial – Formas de financiamento de mídias alternativas (CÂMARA DOS DEPUTADOS, 2013). A maior parte da receita publicitária da tevê aberta também pertence ao grupo (73,5%), segundo pesquisa do projeto Donos da Mídia disponibilizada no Observatório da Imprensa 15. Para além dos critérios do direito econômico, a propriedade cruzada e a formação de redes de rádio e televisão consolidaram, ao longo do tempo, uma estrutura fortemente concentrada nos meios de comunicação social no Brasil – especialmente no setor de radiodifusão – seja por falta de regulamentação, quanto por violação Para ler a pesquisa, acesse: www.observatoriodaimprensa.com.br/news/view/_ed833_monopolio_ou_ol igopolio_contribuicao_ ao_debate 15
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às raras restrições impostas pela legislação. No caso específico da radiodifusão, dados sobre a concentração no mercado demonstram que a TV Globo exerce posição dominante e sugerem que esse poder pode ser configurado como monopólio, em razão da fatia do mercado controlada pela empresa e do poder de alteração unilateral das regras, como ficou evidenciado no exemplo da negociação dos direitos de transmissão do campeonato brasileiro de futebol. A concentração desmesurada da propriedade implica ausência de pluralidade e diversidade nos meios de comunicação social, princípios centrais da vida democrática. (LIMA; ARAÚJO, 2015, s/p)
A mídia alternativa, assim, tem um longo caminho a percorrer para driblar as grandes empresas e para fazer valer a legislação brasileira, que, de tão grave a situação, de tão influente a mídia tradicional, acaba submetida ao esquecimento, à vista grossa das autoridades, para evitar “maiores problemas”. O espaço livre disponibilizado pela internet tem muito a contribuir para esse debate, o que nos aparece como forma de continuidade ao trabalho investigativo, no sentido de estudar como acontece a mobilização popular e de movimentos sociais em torno da democratização da mídia. Muitas são as iniciativas contrahegemônicas que se valem da nova plataforma do ciberespaço para abrir um canal de comunicação, mas que, por outro lado, tampouco alcançam os que não estão conectados – o que torna a regulação da televisão e do rádio, mais acessíveis, um primeiro passo importantíssimo para oficialmente dar espaço às outras vozes do Brasil, que não as defensoras do status quo. Considerando que qualquer forma de expressão pode ser uma mídia em si, todas têm seu papel frente ao processo democrático e à expansão de informações e reflexões, e que contemplam “uma vasta gama de atividades, desde o teatro de rua e os murais até a dança e a música (...) e não apenas os usos radicais das tecnologias de rádio, vídeo, imprensa e Internet” (DOWNING, 2002, p. 39). Como exemplo dessa pluralidade de expressões culturais e alternativas ao padrão hegemônico criado, temos o trabalho de diversos coletivos [ 85 ]
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independentes, que se mostram persistentes na ideia de levar o conhecimento e uma atitude crítica para suas comunidades e círculos sociais, dentro e fora da internet. Na cidade de Bauru, no interior de São Paulo, o projeto Wise Madness começou em 2006 como um grupo de artes de rua e é hoje uma organização que tem como principal objetivo atrair crianças e jovens de comunidades carentes para “andar na contramão do caminho do tráfico, das drogas e da marginalidade”, segundo Danny Pagani, responsável de Comunicação e Marketing da organização. A Wise Madness, “sábia loucura” em português, é sediada em um galpão próximo aos bairros periféricos da cidade. Sustentada inicialmente com o dinheiro dos próprios organizadores e muito trabalho voluntário, a Wise hoje é contemplada com verbas direcionadas da Secretaria Municipal da Cultura e do Bem-Estar Social, como também do Conselho Municipal da Criança e do Adolescente. Para tanto, durante o dia ONG oferece em seu espaço atividades extracurriculares, ou seja, no contra turno escolar, para os grupos de jovens e crianças que não estão na escola; durante a noite, são ministradas oficinas de street dancing, skate, break, clown, entre outras atividades, para um público sem restrições de faixa etária. Além da construção de carreiras, a Wise, como defende Danny Pagani, acredita na formação do cidadão e na motivação das crianças e adolescentes para uma vida politicamente ativa – a formação do senso crítico se dá após as oficinas no galpão, quando todos se reúnem para um debate com tema pré-definido, geralmente acerca do que está acontecendo no mundo, no Brasil e em diversos outros contextos que possam ser abordados nas reuniões-debates. E é justamente porque a consciência popular se renova, porque os homens estão vivos e não deixam de sentir e pensar, porque eles são capazes de contestar a ideologia imposta por poderosos aparelhos, de reinterpretar o seu passado a partir de uma perspectiva não hegemônica, que são também capazes de recriar signos e fazê-los significar aquilo que eles querem que signifique, obrigando às classes
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hegemônicas o esforço contínuo de apropriação, esvaziamento e mistificação. (PAIVA; DOS SANTOS, 2008, p. 67)
A pauta do midialivrismo entrou definitivamente em cena depois do aumento do fluxo de mobilização e participação popular nas políticas e sociais. A demanda por mais liberdade de expressão e de informação midiática passou a agregar cada vez mais defensores e ativistas. Em pesquisa realizada pelo Núcleo de Estudos e Opinião Pública (NEOP) da Fundação Perseu Abramo (FPA), divulgada em 16 de agosto de 2013, o brasileiro revelou que não se sente representado pela produção midiática que é veiculada no país, sendo que a pesquisa relata que “a maioria dos entrevistados afirmou também que a TV costuma dar mais espaço para os empresários que para os trabalhadores, com 61% ante 18%, e 44% consideram que o noticiário veiculado é quase só de São Paulo e Rio de Janeiro”, o que desponta, claramente, como uma crise de representação na imprensa brasileira (AGÊNCIA FPABRAMO, 2013). Com base em 2400 entrevistados, a pesquisa mostra ainda que a internet é o meio de comunicação que mais cresce atualmente, e já ultrapassou o número de leitores de jornal impresso. Não poderia ser diferente, uma vez que já é constatada a plena versatilidade para se obter informação no mundo virtual. Mais do que isso, a liberdade de não só “mudar o canal”, mas escolher previamente os conteúdos, de cada um desses “canais”, a serem acessados. Com público crescente, nada mais urgente do que uma política democrática para a utilização da rede com fins sociais e de formação cultural e educativa. A grande mídia nasceu e cresceu nos vendendo um serviço de construção de sentido nessa massa crescente de informações. Claro que o sentido que nos vendem traz embutido uma profunda orientação ideológica. Nem poderia ser diferente. Ora, uma mídia democrática não deveria nos imputar um sentido único para os fatos. Mas, tampouco poderia abrir mão de tentar construir sentidos possíveis. O jornalismo não pode abdicar do seu papel socialmente relevante de construir cenários, analisar contextos, propor [ 87 ]
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alternativas e sugerir nexos causais. E isso a simples cobertura em tempo real não nos fornece. Muita informação sem contexto pode acabar sendo informação nenhuma. (...) Essa massa de mídias pode ser muito democrática, mas também pode nos empurrar para um mundo de hiper-fragmentação ou, pior, de segmentação por nichos de mercado. (...) Sem negar a conquista da interatividade e da oferta de informações segmentadas, resta o desafio de saber como construir pautas coletivas a partir de um jornalismo democrático e colaborativo. (GINDRE, 2013, s/p)
As contradições, os prós e os contras da internet como meio de comunicação e nova plataforma para o jornalismo estão aí para serem vivenciadas e descobertas pelos produtores e receptores da informação – que podem agora ser também produtores de seus conteúdos quando desejarem. A construção desses espaços é o que vai definir os moldes da profissão, os novos modelos de negócio e embalar discussão da regulação e democratização da mídia no Brasil. Processo sem o qual, ficam limitadas as perspectivas para uma ampliação da atividade jornalística no país, com a regionalização da notícia, a dissolução de grandes grupos empresariais e seus oligopólios. Este livro-reportagem, elaborado como Produto de Conclusão do Curso de Jornalismo da FAAC-UNESP, sintetiza uma série de discussões que envolvem a comunicação e o jornalismo brasileiro na teia do ciberespaço. A comunicação pós-massiva ganha, dia após dia, seu reconhecimento, e se expandem possibilidades para esses veículos alternativos, populares e comunitários, de adentrar o mercado da comunicação com reais chances de manutenção econômica e de alcance do público. As novas mídias no Brasil batalham para chegar ao mesmo patamar de estabilidade dos grandes veículos de comunicação, e têm ao seu lado uma grande aliada, a crise de formatos e de linguagens da “velha mídia”, que derruba, aos poucos, as formas tradicionais de se fazer jornalismo. A balança do jornalismo no Brasil passa, lentamente, a pender para o lado da comunicação alternativa.
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Referências
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