Ana Luiza Arantes Zocrato - ENTRE CABANAS, MALAS E ESTRELAS: O faz de conta em aulas de teatro no...

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I- Até quando a gente brinca?

A importância de uma coisa há que ser medida pelo encantamento que a coisa produza em nós. Manoel de Barros

Tenho tantas lembranças da minha infância que é difícil inclusive falar dela. Como posso descrever as cores, os sons e os cheiros da minha vida? Meu pai ouvia músicas e me ensinava a cantar MPB desde bem pequena, uma das primeiras que eu aprendi foi “João e Maria” do Chico Buarque de Hollanda: Agora eu era herói e meu cavalo só falava inglês: é curioso pensar que tal música tenha tanto a ver com o faz de conta que por sua vez me encanta e instiga nos dias de hoje. Papai também contava histórias às vezes lendo, mas a maior parte das vezes inventando alguma que nunca tinha fim, eram tão boas que pedíamos (eu e meu irmão mais velho) para repetir, mas ele não se lembrava mais. Meu pai sempre foi de inventar vozes, histórias, criar suas músicas e sonhar alto, sempre teve um lado imaginativo que me encantou e encanta até hoje. Mamãe sempre foi mais rígida e ao mesmo tempo a “alegria em pessoa”, minha mãe canta alto e enquanto faxina dança uma música no meio da sala. Minha mãe é artesã e parece uma fada com as mãos, quando me lembro dela, lembro também das suas várias caixas cheias de fitas, tecidos e outros materiais, que na minha infância pareciam mágicos e até hoje produzem em mim certo encantamento. Cada caixa para mim era uma caixa mágica, tinha uma paixão especial pelas de fitas coloridas, principalmente pelas vermelhas; outro material que gostava muito eram os potes de areia colorida. Mamãe é o tipo de pessoa que conserta/resolve qualquer coisa. Durante minha infância mudávamos muito de casa, passei por cerca de quatro delas antes de instalarmos na nossa residência própria quando eu tinha oito anos. Mudar era, antes de qualquer coisa, um prazer. Gostava de ir visitar as casas com meus pais e dar opinião. Em cada casa um novo mundo, mas também o nosso mesmo mundo: o mundo da minha família que era transferido de lugar. Cheiros da comida da minha mãe, das tintas e vernizes, cheiro de papel no carro de trabalhos da gráfica do papai, cheiro imaginado em cada vez que eu montava minha cozinha 9


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