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1.2 Técnica, Individuação e Transdução

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Introdução

Introdução

Apresentar e compreender uma estrutura partindo do esquema de árvores, necessariamente representa configurar um sistema que contém um ponto central e até mesmo colabora com a ideia de uma direção desses fluxos. Esta construção, por vezes, denota uma condição de finalidade ou linearidade, onde esses fluxos (tendências, influências, informações) ganham direção e objetivos finais. Então essa representação, embora seja útil em determinadas analogias (como representações de sistemas hierárquicos ou mesmo autoritários), não dá conta de reproduzir todas interações possíveis, já que nem todas interações acontecem num esquema de centralização. Este sistema, portanto, não condiz com o conceito de Rizomas proposto por Deleuze e Guattari porque os rizomas não comportam, necessariamente, uma direção nem uma finalidade para estas interações ou processos e talvez nem exista uma representação fiel para os rizomas, mas certamente árvores não contemplam a multiplicidade que os rizomas necessitam (ibid., p. 45, tradução nossa). Tratar as interações humanas e processos de forma hierárquica é esquecer como não há um controle total e passa a ser uma concepção enganosa, existindo somente em teoria, já que na realidade os espaços, relações, processos e desenvolvimentos se encontram em cada vez mais conexões e em novos caminhos. Portanto, descrever as influências e tendências entre trabalhos de animação comercial e experimental sob a perspectiva da árvore acaba sendo insuficiente e é preciso desconsiderar a ideia de um ponto-origem, que inclusive traz a ideia de um purismo técnico. É necessário lembrar que as coisas coexistem e se influenciam, do contrário, resta somente uma observação muito linear sobre as relações. Para exemplificar o quão equivocada é essa organização em árvore, Lima (2011) apresenta também as ideias de Christopher Alexander em “A City is Not a Tree" (1965), quando ele também compreende essa inflexibilidade da organização em árvore.

Como Alexander, claramente, sugere, os seres humanos não obedecem naturalmente a esse modus operandi altamente compartimentado. Nossas conexões, entre nós e com o meio ambiente, não seguem esse tipo de ordem conceitual e simplicidade. Somos ambíguos, complexos e idiossincráticos. (ibid., p. 45, tradução nossa)

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Não é possível nomear um ponto absoluto dentro dessa estrutura, pois este ponto faz parte de uma corrente e é assim que se torna possível os processos que territorializam e logo desterritorializam, já que nenhum ponto é imutável. O gerúndio auxilia nesse aspecto, assim, é possível falar em um movimento que vai se tornando e não que se tornou ou se torna.

constituir um pensamento que se efetue através do 'múltiplo' – e não a partir de uma lógica binária, dualista, do tipo “um-dois” , “sujeito-objeto” , que se efetue por dicotomia, tal como vemos na psicanálise, na lingüística e na informática (CABRAL;BORGES, 2005. p.2)

As lógicas binária e dualista e/ou dicotômica, podem gerar equívocos, já que não comportam nuances e noções multidirecionais e o objeto deste trabalho é justamente olhar para essas nuances. Pensar em territórios muito pré-estabelecidos ao tratar de correntes e tendências, pode não ser interessante, pois desse modo trarão uma leitura linear e segmentada, enquanto processos de desenvolvimento são contínuos e podem apresentar multiplicidades. Faz-se uso da segmentação por assuntos ou temas em áreas do conhecimento de maneira que entenda-se as partes como independentes, e esquece-se que estão relacionadas. Como dizer que o que Gerges Méliès fazia era puramente Cinema, ou puramente Teatro? Quando se tratava de várias combinações entre Teatro, Cinema e princípios da animação associados.

1.2 TÉCNICA, INDIVIDUAÇÃO E TRANSDUÇÃO

Para “Gilles Deleuze (1968 e 1980), a técnica é a característica mais importante daquilo que se considera humano” (NEVES; 2006, p. 19). Através da técnica que constrói-se cognitivamente e socialmente e a técnica, por sua vez, se desenvolve a partir dessas novas trajetórias que estabelece-se rumo à sofisticação tecnológica. Sendo assim, torna-se impossível dividir o desenvolvimento humano da técnica e vice-versa. Gilbert Simondon é quem vai se debruçar sobre o assunto e decorrer o que ele chama de individuação:

para pensar a individuação, é preciso considerar o ser não como substância, ou matéria, ou forma, mas como sistema tenso, sobressaturado, por cima do nível da unidade, não consistente apenas em si mesmo, é não adequadamente pensável por meio do princípio do terceiro excluído; o ser concreto, ser completo, isto é, o ser pré-individual, é um ser que é mais que unidade. (SIMONDON, 1989a: 13).

Para Simondon, as coisas passam por processos de individuação, onde volta-se para a ontologia delas. Primeiro é a pré-coisa, passando pela zona obscura se tornando a coisa: “um devir do ser, aquilo em que ele se torna na medida em que é, como ser” (Simondon, 1989a: 13). Essa lógica servirá para compreender as tendências em animação que, ainda não consolidadas, vão se adaptando ou sendo resgatadas mais tarde, após um amadurecimento de noções e aparatos técnicos que acabam por se instaurar a ponto de poder receber um nome. Outra noção importante que Simondon traz é a de transdução, que é propriamente esse processo de adaptação que viabiliza a individuação das coisas, sendo ele contínuo e inerente, por isso o motivo da busca humana por sofisticação técnica ao longo da história.

Os objetos técnicos não são apenas uma forma de ordenar processos exteriores ao humano. Pelo contrário, estão intimamente articulados com o humano através de processos transdutivos. (NEVES; 2006, p. 59)

Este processo é responsável pelos fluxos e conexões que os rizomas encontram caminho. Por este processo de transdução é que individuações acontecem e vão se conectando com as demais através dos rizomas. A transdução, na física ou química, também pode ser o fator que permite a metaestabilidade, estado que carece de condições específicas para que ocorra, sendo considerado instável, mas pode manter-se por tempo indefinido, enfim, uma instabilidade estável, por conta desse fator que não é suficiente uma leitura linear sobre estes processos. Ao explicar sobre o estudo de Leroi-Gourhan, Neves exemplifica (2006, p. 72):

O surgimento da postura vertical implica uma espécie de ruptura que nos separa decisivamente dos outros primatas. Contudo, a questão fundamental

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