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1 Introdução

1 Introdução

e compromisso renovado. O NQC cresceu rapidamente embrionariamente no início, com seus primeiros passos nos anos de 1985-91, depois explodindo em 1992-1997 com uma força formidável. Sua chegada foi acompanhada pela emoção de ter vídeos e filmes queer suficientes para atingir a massa crítica e se transformar em visibilidade. Uma invenção. Uma marca. Um nicho de mercado.¹ (Rich; 2013, pág. 11)

Nos EUA, os nomes mais conhecidos que surgiram desse meio são Todd Haynes e Gus Van Sant. Em Portugal temos o exemplo de João Pedro Rodrigues, e na Espanha, Pedro Almodóvar. Segundo o Catálogo New Queer Cinema: Segunda Onda:

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O cinema queer não só continuou a ser realizado com certa frequência, mas ganhou um espaço cada vez maior. Alguns dos principais cineastas daquele momento eram queers e suas obras eram completamente calcadas nessa constante presença e discussão de temas relacionados à sexualidade, corpo e erotismo. (Murari, Nagime, Lopes; 2016, pág. 5)

Apesar das únicas semelhanças entre os diretores inseridos no movimento ser a temática que passou a ser mais difundida no cinema e a maneira despretensiosa de representação LGBTQ, eles passaram a fazer parte de um grupo de diretores queers que estavam, no momento, fazendo filmes independentes com narrativas e tramas inusitadas sem personagens incluídos nas normas de sexualidade e gênero estabelecidas pela sociedade. No entanto, tais representações não muito positivas geravam certas reclamações e desconfortos por parte da comunidade, não só nos EUA como em várias partes do mundo durantes os anos seguintes. Porém, é inegável que certos filmes que chegaram não só no circuito independente e alcançaram destaque mundial, trouxeram maior visibilidade diante o público geral.

My Own Private Idaho

My Own Private Idaho (1991, EUA), ou Garotos de Programa no Brasil, retrata a vida de pessoas marginalizadas que vivem nas ruas e se prostituem. Considerado até hoje um dos filmes mais ousados de Gus Van Sant,

é parcialmente baseado em Henrique IV (1592), de Shakespeare. Inspirado na vida real de garotos de rua que Van Sant havia conhecido, especialmente Mike Parker, ele reúne suas influências e faz uma mistura experimental de gêneros. A um certo ponto do filme, com os garotos relatando seus primeiros encontros e vida na prostituição, temos elementos documentais. Com os monólogos e viagens de Mike Waters, interpretado por River Phoenix, temos elementos de faroeste e de road movies, misturados a fantasias e sonhos quando o protagonista tem seus rompantes e ataques de narcolepsia¹. Segundo sua entrevista com Todd Haynes nos extras do DVD na versão da Criterion Collection, Van Sant tem várias influências cinematográficas tanto em relação à narrativa com Chimes at Midnight (1965, Espanha/Suíça) de Orson Welles, onde o próprio diretor interpreta Falstaff e adapta o roteiro contendo muitas passagens originais das peças Henrique IV, Ricardo II e Henrique V de William Shakespeare. Há também a visualidade de Stanley Kubrick, com sua estética, cores e planos simétricos, que influenciou Van Sant desde o início de sua carreira como cineasta. O filme trata também da família, desigualdade social, amor e sexualidade do ponto de vista subjetivo de seu protagonista, Mike Waters. O enredo une vários temas, muitas vezes sem a pretensão de trazer uma representatividade de fato. Por vezes, há quem questione se ele pode ser incluído no movimento New Queer Cinema.

A principal razão pela qual My Own Private Idaho foi incluído dentro deste movimento é porque Gus Van Sant era um homem abertamente gay, fazendo filmes sobre homens gays em uma época em que outros gays estavam fazendo o mesmo.² (Otterwell; 2013)

É o terceiro filme de Van Sant, que se segue à estreia em Mala Noche (1986,

________________ ¹ Narcolepsia é uma perturbação neurológica crônica caracterizada pela diminuição da capacidade de regulação do ritmo de sono e de despertar. ² OTTERWELL, Jessica. Getting Into the Outside. Representations of Class and Homosexuality in Gus Van Sant's My Own Private Idaho, 2013. The main reason that My Own Private Idaho has been included within this movement is because Gus Van Sant was an openly gay man, making films about gay men at a time when other gay men were doing the same. Traduzido pelo autor. Original inglês.

EUA), sobre um vendedor de licor apaixonado por um imigrante mexicano, e por Drugstore Cowboy (1989, EUA), sobre um casal viciado em drogas que vive de cometer pequenos furtos. Idaho narra a vida de Mike Waters, um garoto narcoléptico que vive nas ruas de Portland e se prostitui para sobreviver. Seu transtorno que não o permite controlar quando e onde irá dormir e despertar, o que deixa-o, de certa forma, a deriva e marginalização emocional e psicológico, o que é uma boa analogia para onde ele se encontra fisicamente. Desde o início do filme, fica claro que ele não teve uma família bem estruturada e que deseja reencontrar a sua mãe, quem ele não vê por muitos anos e que permeia suas memórias e sonhos enquanto ele entra em seus colapsos narcolépticos ocorridos geralmente em momentos de estresse e aborrecimentos. A busca por sua mãe, amor e aceitação fica ainda mais intensa no decorrer do filme. Mike tem seu amigo Scott Favor, interpretado por Keanu Reeves, que também vive nas ruas, porém, sua situação mostra ser diferente comparada à de Mike e dos demais garotos retratados do filme. Scott é o personagem inspirado em Henrique IV e, assim como na peça, ele é o Príncipe Hal, ou Henrique V, que sai da casa de sua família, rica e supostamente bem estruturada, e vive uma vida que o pai desaprova. Até que o momento de assumir os negócios e responsabilidades da família chega e ele, deliberadamente, abandona sua vida nas ruas e seus antigos amigos. Scott, diferente dos outros que não possuem escolha sob as circunstâncias sociais em que se encontram, tem a opção de sair das ruas quando bem entender e voltar para a riqueza, conforto e a vida de boas aparências da família. Scott tem também uma relação com o morador de rua Bob Pigeon, inspirado no personagem Falstaff, a quem ele alega ser seu verdadeiro pai por lhe ensinar tudo o que sabia. Falstaff, assim como Bob, esperava que assim que o príncipe herdasse o trono, recebesse a sua ajuda e, possivelmente, até deixaria a vida de pobreza para traz juntamente com Henrique V.

________________ ¹ OTTERWELL, Jessica. Getting Into the Outside. Representations of Class and Homosexuality in Gus Van Sant's My Own Private Idaho, 2013. Van Sant is able to make the comment that both homosexuals and the homeless are viewed as outsiders by the rich in society and the film questions whether it is just and fair that heterosexuality and wealth are viewed as more socially acceptable. Tradudizo pelo autor. Original inglês.

Van Sant é capaz de fazer o comentário de que tanto os homossexuais quanto os sem-teto são vistos como estranhos pelos ricos da sociedade, e o filme questiona se é justo e correto que a heterossexualidade e a riqueza sejam vistas como mais socialmente aceitáveis.¹ (Otterwell, 2013)

Durante o filme, Mike e Scott mostram ser amigos há anos enquanto vivem nas ruas de Portland. Scott ajuda Mike em seus colapsos. A relação dos dois é baseada na de Príncipe Hal e Poins na peça Henrique IV, onde andavam sempre juntos enquanto o príncipe vivia sua vida boêmia juntamente aos pobres plebeus.

Na véspera do lançamento de My Own Private Idaho, [Gregg] Araki expressou alguma curiosidade sobre o tipo de impacto que o filme de Van Sant teria sobre as atitudes e os mercados do mainstream. “Eu acho que [My Own Private Idaho] será importante como um teste para a aceitação de Hollywood do conceito de um jovem autor que faz filmes com temas quase gays e grandes estrelas”¹ (Lang; 1997, pág. 332)

Uma das cenas do filme que se tornaram mais emblemáticas foi a campfire scene ou a cena da fogueira. Após a primeira metade do filme, onde a vida de Mike e Scott em Portland foi introduzida, Mike diz que precisa visitar seu irmão em Idaho e Scott o acompanha. Os dois viajam de moto e, numa noite passada à beira da estrada em frente a uma fogueira, eles começam a conversar. O ambiente é escuro no filme que, até então, possui emblemática e colorida fotografia com cores quentes que representam a vida na noite da cidade e suas luzes de neon. Nessa cena, a única fonte de luz é a fogueira no centro com Scott e Mike em diferentes extremos do enquadramento. A montagem alterna entre o plano geral e o primeiro plano em cada um dos personagens.

________________ ¹ LANG, Robert. The Road Movie Book: My Own Private Idaho and The New Queer Road Movies, 1997. On the eve of My Own Private Idaho’s release, [Gregg] Araki expressed some curiosity about what sort of impact Van Sants film would have on mainstream attitudes and markets. “I think [My Own Private Idaho] will be important as a test of Hollywood’s acceptance of the concept of a young auteur who makes films with quasi-gay themes and big stars” Traduzido pelo autor

Mike pergunta o que ele significa para Scott e ele responde prontamente que Mike é seu melhor amigo, até que entende as reais implicações da pergunta e responde que só faz sexo com homens por dinheiro e que dois homens não podem se amar. Mike retruca dizendo “Sim. Bem, eu não sei. Digo… Digo, para mim, eu poderia amar alguém mesmo se eu, sabe, não fosse pago para isso… Eu te amo, e… você não me paga.”¹ . Após essa declaração, Mike, já interpretado de uma maneira sensível e que desperta a empatia do público, está mais vulnerável do que nunca. Scott o chama para um abraço e a cena termina assim, sem que se saiba o que aconteceu em seguida, com Mike acordando no meio do asfalto, na estrada, no dia seguinte. A cena em questão, com a declaração de Mike, foi reescrita pelo ator River Phoenix que queria que seu personagem fosse explicitamente gay e que expressasse seus sentimentos por Scott.

Como Van Sant disse ao documentário The Celluloid Closet (1995), 'River queria fazer seu personagem definitivamente gay, o que não estava no roteiro. Então ele fez essa declaração de amor na cena da fogueira'. Ao discutir sua motivação em escrever a cena, Phoenix disse ao jornalista James Ryan, 'meus motivos eram apenas que eu me senti muito próximo do personagem. Os motivos foram baseados completamente em uma necessidade profunda de comunicar e compartilhar informações'² (Otterwell; 2013)

Após o lançamento e divulgação do filme, Phoenix passou a, de certa forma, posicionar-se em defesa a comunidade LGBTQ em entrevistas. E, levando em conta seus status de ídolo adolescente e estrela de Hollywood em ascensão, seu impacto e alcance ao público comum do país com relação a essas

________________ ¹ “Yeah. Well, I don't know. I mean... I mean, for me, I could love someone even if I, you know, wasn't paid for it... I love you, and... you don't pay me”. Traduzido pelo autor ² OTTERWELL, Jessica. Getting Into the Outside. Representations of Class and Homosexuality in Gus Van Sant's My Own Private Idaho, 2013 – posição 380. As Van Sant told The Celluloid Closet documentary (1995), 'River wanted to make his character definitely gay, which he wasn't in the script. So he fashioned this declaration of love in the campfire scene'. When discussing his motivation in writing the scene, Phoenix told journalist James Ryan, 'my motives were just that I felt very close to the character. The motives were based completely on a deep need to communicate and share information' Traduzido pelo autor. Original inglês.

questões abordadas no filme foi significativa. Numa entrevista para a revista The Face de 1992, Phoenix afirma para o entrevistador James Ryan:

A linguagem do filme evoluiu o suficiente para que as pessoas interagissem com o filme. É excitante para nós exibi-lo, e é emocionante para as pessoas assisti-lo... Eu acho que é muito importante para a comunidade gay ter personagens aleatórios que representam nada mais do que pessoas... Eu acho que é parte de uma onda que vai definir algum tipo de precedente para que você não precise mais de um rótulo.¹ (Phoenix, 1992)

Em This Road Will Never End (1996, EUA, William Perry), um documentário em homenagem a River Phoenix, enfatizando seu impacto e de seu personagem nas vidas da comunidade queer, há inúmeros relatos de fãs, críticos e pessoas próximas a ele sobre o quão significativo foi o filme e seu papel. Muitos falam de como nunca haviam visto um filme, até aquele momento, onde um homem expressa seus sentimentos românticos para outro de forma tão natural e do quanto isso os impactou. Assim como River, Gus Van Sant, relata ouvir² até hoje pessoas vindas de várias partes do país lhe dizendo que o filme e seu protagonista colaboraram para que conseguissem assumir sua sexualidade. Em dezembro de 2014, ao receber uma homenagem e retrospectiva de carreira no BAFTA, o ator Ethan Hawke mencionou Phoenix, com quem trabalhou e que conheceu com apenas 14 anos, e seu trabalho e impacto em My Own Private Idaho:

Há um nível de honestidade em relação a tudo que River fez que é realmente impressionante a ponto de quando ele fez My Own Private Idaho, eu realmente sinto que as pessoas estão em busca de direitos lésbicos e gays, e elas esquecem o quão inovador o River foi. River

________________ ¹ PHOENIX, River; The Face, 1992. The film language has evolved enough that you should get people interacting with the film. It's exciting for us to exhibit it, and it's exciting for people to watch it... I think it's very important for the gay community to have random characters that represent nothing more than people... I think it's part of a wave that will set a precedent of some sort so that you will no longer need a label. Traduzido pelo autor ² Em sua conversa com Todd Haynes presente nos extras do DVD da Criterion Collection

era um ídolo adolescente completo; Ídolo adolescente tipo Justin Bieber! Eu estava apoplético de ciúmes sobre o quanto todo mundo amava o River! Se você quer saber porque, vá assistir Stand By Me. Tem o James Dean. James Dean não tem nada daquele garoto! E River trabalhou com um cineasta realmente experimental (Gus Van Sant), uma pessoa que usava o cinema como arte, como autoexpressão, não como indústria.

River interpretou um personagem gay em num período em que isso era completamente desaprovado. Foi ativamente incendiário naquele momento. Foi um fardo enorme para suportar, porque River era um homem jovem, e isso o empurrou a frente de muitas situações que ele não estava realmente certo de como... ele era apenas totalmente um pedaço da desigualdade desconstruída da humanidade! Mas ele não precisava ser um porta-voz para isso, aquilo ou aquilo. Mas eu sempre achei que ele era um líder maravilhoso nesse sentido.¹ (Hawke; 2014)

Gus Van Sant, River Phoenix e Keanu Reeves eram nomes novos e que despertavam interesse do público e mídia do momento. A união dos três na produção desse projeto trouxe uma grande repercussão. Gus, por ser um dos

________________ ¹ HAWKE, Ethan. A Life In Pictures, BAFTA London - Dezembro 18, 2014. There’s a level of honesty to everything River did that’s really striking to the point that when he did My Own Private Idaho, I really feel that people are looking around today about lesbian and gay rights, and people forget what a groundbreaker River was. River was a full-blown teen idol; Justin Bieber, teen idol! I was apoplectic with jealousy about how much everyone loved River! If you wonder why, go watch Stand By Me. There’s James Dean. James Dean has got nothing on that kid! And River worked with a really experimental filmmaker (Gus Van Sant), a person who was using cinema as art, as self-expression, not as industry.

River played a gay character at a time period when it was completely frowned upon. It was actively incendiary at that moment. It was a huge burden to bear, because River was a young man, and it pushed him into the forefront of a lot of situations that he wasn’t really sure how… he was just totally a piece of the unlabored inequality of mankind! But he didn’t need to be a spokesperson for this, that or the other. But, I always found him to be a beautiful leader in that way. Traduzido pelo autor

novos diretores abertamente gays a surgir na cena do cinema americano, e Phoenix e Reeves por elogiarem e defenderem abertamente seus papéis, especialmente por conta de sua sexualidade, numa época onde atores de Hollywood preferiam se abster de certos assuntos por medo de comprometerem a sua carreira.

O entusiasmo da mídia sobre o filme, Phoenix e Reeves falando positivamente sobre os papéis e Phoenix reescrevendo uma cena para transmitir o amor homossexual de seu personagem pelo personagem de Keanu Reeves fez duas coisas. Em primeiro lugar, mostrou que os estúdios de cinema e mainstream demonstraram uma homofobia latente, em que, eles foram surpreendidos por um ator de Hollywood e ídolo adolescente aceitar tal papel. Em segundo lugar, Phoenix e Reeves, assumindo os papéis e acreditando no filme, estabeleceram um precedente para as futuras estrelas de Hollywood e abriram o caminho para os estúdios de Hollywood (quase quinze anos depois) escalarem dois outros ídolos adolescentes, Heath Ledger e Jake Gyllenhaal, em Brokeback Mountain (2005). My Own Private Idaho foi capaz de definir um presciente porque o elenco de estrelas de Hollywood em papéis positivos e abertamente homossexuais não tinha sido visto antes. Em essência, elevou o nível para outros cineastas e atores se aproximarem. Phoenix havia criado um personagem que atravessou as seções de platéias simpatizantes dele ou que queriam imita-lo.¹ (Otterwell; 2013)

________________ ¹ OTTERWELL, Jessica. Getting Into the Outside. Representations of Class and Homosexuality in Gus Van Sant's My Own Private Idaho, 2013. The media hype about the film, Phoenix and Reeves talking positively about the roles and Phoenix rewriting a scene to convey his character's homosexual love for Keanu Reeves' character did two things. Firstly showed that the film studios and mainstream demonstrated a latent homophobia, in that, they were surprised a Hollywood actor and teen idol would accept such a role. Secondly, Phoenix and Reeves taking the roles and believing in the film had set a president for future Hollywood stars and paved the way for Hollywood studios to (nearly fifteen years later) cast two other teen idols, Heath Ledger and Jake Gyllenhaal, in Brokeback Mountain (2005). My Own Private Idaho was able to set a prescient because the casting of Hollywood stars in positively and overtly homosexual roles had not been seen before. In essence it raised the bar for other film makers and actors to step up to. Phoenix had created a character which cross sections of audiences sympathised with or wanted to emulate. Traduzido pelo autor.

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