Portanto, essas identidades flutuantes, ainda não consolidadas, precisam – em sua particularidade – lidar com o nó da dualidade da cultura nacional, em permanente oscilação entre um falso cosmopolitismo e um falso nacionalismo. Além disso, o debate sobre o caráter “imitativo” da cultura brasileira é em si mesmo ideológico: “o problema central nunca foi escolher entre imitar o estrangeiro ou defender posições nacionalistas” (CEVASCO, p. 182, 2008); o próprio foco do conceito de cultura vigente sendo problemático e deteriorando a questão. A dialética das identidades, aqui, é de suma importância. A contestação dos “contornos” estabelecidos pela identidade nacional, de sua centralidade cultural, levanta discussões sobre a categoria problemática que é, em tempos globais, o desejo por um sentimento de identidade “coerente” e integral. Com o questionamento confrontativo da continuidade e da historicidade da identidade única, o campo das identidades foi ampliado, deslocando identidades centradas e propiciando a emersão de identidades culturais suspensas – em transição –, que são produtos de intricados cruzamentos culturais. São esses aspectos específicos da cultura e da identidade contemporânea (e pós-colonial), bem como seus paradoxos, que serão utilizados nos capítulos a seguir.
² A identidade se define numa contraposição ao estrangeiro ao considerar, por exemplo, que os textos e as iconografias produzidas pelos viajantes europeus do século XVI colaboraram significativamente para uma construção da brasilidade – especificamente num aspecto inicial de matriz naturalista do país “gigante pela própria natureza”.
Brasil(s) “Quem somos nós, os brasileiros, feitos de tantos e tão variados contingentes humanos?” A pergunta lançada pelo antropólogo mineiro Darcy Ribeiro implica uma problemática histórica atrelada a um processo de construção da identidade nacional fundamentada em diversas interpretações. Numa história construída em contextos alheios a acordos, conveniências, convergências e pragmatismos entre grupos sociais distintos – assim como, obviamente, conflitos, opressões e resistências –, estes detentores de culturas e identidades específicas, a pergunta mostra-se fruto dessa dinâmica cultural complexa e multifacetada que envolveu, ao longo de séculos, aqueles submetidos aos projetos de dominação portuguesa. Nisso, percebe-se como o Brasil – e o continente sul americano – foi “inventado” pela Europa a partir de um processo fervoroso de colonização ibérica. Uma vez que a identidade se define em relação a algo que lhe é exterior, ou seja, numa contraposição ao estrangeiro², a pergunta de Darcy torna-se uma imposição estrutural, considerando que a identidade nacional está inegavelmente ligada a uma reinterpretação do popular por grupos sociais e, principalmente, à construção do Estado brasileiro. $ Em termos de Brasil, entende-se que o fervor lusitano de uma cruzada “salvacionista” na busca da expansão de uma regência católico-romana, gerou singularidades de uma cultura implantada por colonizadores “sempre desabusados, acesos e atentos aos mundos novos, querendo fluí-los, recriá-los, convertê-los e mesclar-se racialmente com eles. Multiplicaram-se, em consequência, prodigiosamente, fecundando ventres nativos e criando novos gêneros humanos”. (RIBEIRO, p. 67, 1995). O produto real de Portugal, portanto foi, segundo Darcy Ribeiro, um povo-nação híbrido, composto por brasilíndios, afro-brasileiros e neobrasileiros deculturados das tradições de suas matrizes an-
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