preposição de uma cultura em comum – memória coletiva em Ortiz –, trata de uma concepção que se assemelha às ideias de multiculturalismo e reorganiza o debate cultural, especialmente em termos de cultura nacional. Entender as culturas retratadas nas cédulas brasileiras é compreender que, em todas as sociedades – em um determinado momento histórico –, como coloca Williams, convivem três formas de estruturação de significados e valores: a dominante, a emergente e a residual. Mais importante: a forma dominante nunca é estática, pois prevê mecanismos constantes de incorporação e reprodução de formas. Os mecanismos de incorporação são fundamentais para a manutenção do sistema dominante: cada vez que surge algo que possa desestabilizar essa ordem, isso é combatido e, muitas vezes, adaptado ao sistema vigente. Instituições como a família, a escola e os modos preponderantes de organização do trabalho estão entre os principais agentes de transmissão das formas dominantes. (CEVASCO, p. 126, 2003)
Nessa perspectiva, esses mecanismos de incorporação e transmissão geram uma ligação estrutural entre o dominante e o emergente, criando também um espaço de contradição e uma cultura de funcionamento simbiótico com o capital. A forma mais evidente dessa relação – não sendo apenas a produção de mercadorias que servem a estilos de vida e criações culturais –, mas também na representação gráfica de uma identidade decidida a priori é o presente objeto de estudo. Olhando em retrospectiva, fica evidente a forma minoritária ao qual a cultura brasileira é resumida nas cédulas das moedas nacionais. Aqui elas refletem justamente esses contrapontos teóricos discutidos: no papel-moeda há uma representação de uma cultura de minoria. Mesmo no real, tanto a efígie da República quanto a fauna retratada mostram uma posição conservadora e desatenta às condições contemporâneas da identidade nacional. Em teoria, “a cultura é de todos, em todas as sociedades e em todos os modos de pensar” (WILLIAMS, p. 4, 1958). Porém isso, em termos práticos e especificamente em termos de representatividade gráfica, não ocorre.
o real encenado Por 300 anos, a Coroa portuguesa proibiu qualquer atividade impressora no Brasil Colônia. Consequentemente, somente com a chegada da família real em 1808 é criada a Impressão Régia, a partir de máquinas tipográficas inglesas trazidas por Dom João VI. De acordo com Chico Homem de Melo (2011), nas primeiras décadas do século XIX, os recursos técnicos disponíveis limitavam-se à tipografia de chumbo, criando consequentemente uma dependência em relação à produção e impressão dos réis brasileiros. Apesar de a trajetória do papel-moeda no Brasil ser irregular, oscilando entre uma produção nacional e uma terceirização estrangeira, as primeiras cédulas de réis foram impressas pelo Tesouro Nacional e, conhecidas como “Troco do Cobre”, circularam em 1833 na Província do Ceará. Contudo, por serem assinadas individualmente por uma autoridade local, mostraram-se vulneráveis a falsificações. “Em virtude disso, já em 1835 elas começaram a ser substituídas por papel-moeda produzido na Inglaterra” (MELO, p. 33, 2011) e, posteriormente, nos Estados Unidos; tradição que seguiu, salvo curtos períodos, até 1966. Com a terceirização da produção numismática, ainda não há um aplicação vigorosa de narrativas nacionais. Segundo Amaury Fernandes da Silva (2008) a partir de 1857, com a permissão do governo, bancos particulares passaram a dividir a tarefa de emitir cédulas junto ao Tesouro Nacional. Nisso, os órgãos autorizados solicitaram para tradicionais “fornecedores” a criação das cédulas: a estadunidense American Bank Note e a inglesa Thomas de La Rue; estas sendo as principais fornecedoras também de projetos gráficos – “oferecidos” como parte do contrato. Essas notas, portanto, traziam fortes referências estrangeiras, particularmente por apresentarem um layout que seguia o padrão utilizado para atender outras demandas. As casas impressoras que participam dessas concorrências, em geral, abastecem vários países, em especial da América Latina, África e Ásia. Seus
24,25 | rearranjos