Luiz Felipe Valério Alves - A PERSPECTIVA DE CHRISTIANE JATAHY COMO SUPORTE PARA O PROCESSO DE...

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A PERSPECTIVA DE CHRISTIANE JATAHY COMO SUPORTE PARA O PROCESSO DE CRIAÇÃO DO ESPETÁCULO ATÉ QUANDO?

Luiz Felipe Valério Alves Orientador: Felipe Cordeiro

RESUMO Este trabalho tem como proposta se debruçar sobre a trajetória intermídia de Christiane Jatahy, com o intuito de nortear – cênica e teoricamente – o processo de criação do espetáculo Até Quando?. Buscamos, ainda, trazer à baila outras proposições teóricas, de acordo com demandas específicas de cada objeto analisado, como suporte para assimilar os universos em questão, bem como ampliar as discussões propostas por Jatahy. Palavras-chave: Christiane Jatahy; Intermidialidade; Curta-metragem.

Processo

teatral;

Teatro

LGBTQI+;

RESUMEN Este trabajo se dedica a investigar la trayectoria intermedia de la artista Christiane Jatahy con la finalidad de orientar – escénica y teóricamente – el proceso de creación del espectáculo Até quando? (¿Hasta cuándo?, en traducción libre). Asimismo, buscamos traer a colación otras proposiciones teóricas – según las necesidades específicas de cada objeto analizado – como soporte para asimilar los universos suscitados y ampliar las discusiones propuestas por Jatahy. Palabras claves: Christiane Jatahy; Proceso teatral; Teatro LGBTQI+; Intermedialidad; Cortometraje

UM ESPETÁCULO HÍBRIDO Até quando? é uma proposta teórico/cênica que surge no início de 2019, em uma pesquisa para a conclusão do curso de Graduação em Teatro na Universidade Federal de Minas Gerais, e que se expande diante de inúmeras mudanças temporais ao longo deste ano, tendo uma previsão de término para 2020. Partimos do desejo de explorar as possibilidades do trabalho do ator, realizando um projeto em que pudéssemos experimentar técnicas do audiovisual, teatro e tecnologia, e que isso fosse pensado, principalmente, levando em consideração a relação espectador/espetáculo.


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Pesquisar múltiplas linguagens para produzir um espetáculo que questionasse sobre realidade e ficção era nosso desejo. Imediatamente, dentre tantos pesquisadores, Christiane Jatahy1 se alinha ao pensado para o processo de construção cênica de Até Quando?. Com diversas propostas de encenação, o norte da diretora está voltado a construir um pensamento que discute sobre o real e o ficcional em trabalhos nos quais as linguagens pudessem convergir e tensionar a ideia de atuação/representação entre teatro e cinema. Em entrevista ao Centro de Dramaturgia Contemporânea da Universidade de Coimbra, para o projeto Conceitos e Dispositivos de Criação em Artes Performativas (2016), Jatahy diz sobre suas concepções acerca do real e do ficcional: Em 2003, me lanço em outro tipo de trabalho que me interessa de fato, não só caminhar em linhas de fronteiras, mas como pensar sobre possíveis alagamentos de alguns territórios. Naquele momento, isso era muito novo para mim, e estava acontecendo no mundo, sobre esse teatro que vai buscar se constituir como dramaturgia a partir de elementos da realidade. É indissociável o pensamento dessas fronteiras tanto do ator com o personagem, quanto do público com a cena, até do teatro com cinema, no meu caso. Se eu não penso nessa questão desse binômio, que para mim ele é inseparável, que é da realidade e ficção, e é a partir dessa polaridade, [que vem a questão]: como é possível pensar na ideia de verdade na cena, como é possível colocar o público e o ator no mesmo momento, na mesma questão, lidando com o tempo presente, para além da ficção. Ainda que se constitua como ficção [...] a ideia sobre a realidade e ficção surge não para um afastamento da ficção, mas para repensar a ficção na cena, e para isso eu vou chegando muito perto da realidade (JATAHY, online).2

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Christiane Jatahy (1968) nasceu no Rio de Janeiro, formou-se em teatro, jornalismo e filosofia, dispondo também de uma pós-graduação em cinema. Iniciou seu percurso como atriz e desde 1994 trabalha como encenadora. Fundou o grupo TAL, com sede no Parque Lage (RJ), voltado para ocupação e intervenções artísticas no espaço público. Após o término do grupo, fundou a Companhia Vértice de Teatro, da qual é diretora artística. Seus trabalhos, desde então, têm uma busca contínua pela investigação entre os alagamentos das fronteiras entre linguagens nas artes. E uma pesquisa sobre a tensão permanente entre realidade e ficção, ator e personagem, teatro e cinema. 2 Disponível em: https://youtu.be/j5OvWFHWwzY. Acesso em: 9 de Outubro de 2020.


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Trabalhos dirigidos pela diretora Christiane Jatahy, como o espetáculo O livro,3 apresentado na Funarte MG em 2014, e E se elas fossem para Moscou?,4 no mesmo ano, no Galpão Cine Horto, tiveram um impacto no surgimento do interesse pela trajetória da pesquisadora. Jatahy extrapola tanto as linguagens quanto as possibilidades múltiplas do artista em um processo criativo, a fim de responder suas inquietações diante do interesse de se reinventar. Foi a partir de Julia (2011),5 que elegemos o trabalho de Jatahy como fonte de inspiração e pesquisa para a criação de uma proposta que pudesse investigar os métodos criados por ela. Tínhamos, antes de tudo, um compromisso em não nos desvencilharmos das propostas da dramaturga. Logo, todo o material recolhido era analisado e editado sob um processo de verificar sua coesão com: investigar o momento presente; interstícios entre o teatro e o cinema; novos dispositivos tecnológicos; diálogo íntimo com o espectador; e explorar o real e o ficcional. Tais escolhas fazem parte de um interesse prévio da equipe em investigar esse campo de estudo a longo prazo, portanto,

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O Livro retrata a história de um personagem que, juntamente com o público, vai perdendo a visão à medida em que lê as páginas do objeto que conta sobre quem foi seu pai. Após receber a notícia de que uma doença o deixaria cego, o personagem ganha de presente um livro contando sobre quem foi seu pai. À medida em que o personagem avança na leitura das páginas, também evolui a queda da luz na sala de espetáculos. A proposta de cenário, um livro gigante em que os espectadores podem acompanhar as linhas que o personagem lê, faz com que espectadores e personagem, percam a visão simultaneamente. Com o texto de Newton Moreno, encenação de Eduardo Moscovis e direção de Christiane Jatahy, a cegueira do personagem atinge também o público, que experimenta a perda gradativa da visão à medida em que a cena avança. 4 E se elas fossem para Moscou? é a continuação da pesquisa da diretora frente a sua busca frequente em suavizar as fronteiras entre teatro e cinema. Colocando novamente um clássico em cena, Anton Tchekhov e As três irmãs são a base dramatúrgica do trabalho da diretora. Jatahy se desafiou a criar duas obras que pudessem ser vistas em espaços diferentes por pontos de vistas distintos. O espetador deve escolher no ato da compra do ingresso se ele deseja assistir ao teatro ou cinema, sendo levado a cada uma das salas. As cenas gravadas ao vivo no teatro, são editadas e projetadas em tempo real no filme. Existe também uma relação objeto-câmera em relação às personagens, seus desejos e olhares. As câmeras se movem e deslocam pelo cenário/set que vai ganhando espaço nas criações de Jatahy. Todas as cenas são gravadas ao vivo para compor o filme, e todas as pessoas presentes são partes do mesmo acontecimento. 5 Julia - A adaptação do texto clássico Senhorita Julia (1888), do sueco August Strindberg, criada por Jatahy, investiga as fronteiras entre teatro e cinema trazendo aos palcos uma espécie de Set aberto. O enredo, que ressalta o romance entre uma jovem aristocrata com seu motorista, coloca em cena temas como disputa de classes sociais, desigualdade de gênero, dentre outros assuntos. A exposição de cenas previamente gravadas, intercaladas com cenas filmadas ao vivo no espaço teatral, carrega uma provocação constante sobre o fato de a obra ser teatro ou cinema, ficção ou realidade, clássico ou contemporâneo. Jatahy explora a visualidade cênica colocando o espectador frente a uma cena teatral e fílmica, fazendo com que este frequentemente tenha que escolher o visível no palco ou o planodetalhe captado pelo cinema, projetado concomitantemente. A encenação rendeu a Jatahy o prêmio Shell Rio de Janeiro de Melhor direção em 2012 e outras tantas indicações.


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escolhemos esse percurso para que pudéssemos ter continuidade de pesquisa após a finalização deste trabalho de conclusão de curso. O processo resultou numa proposta que dialoga com Christiane Jatahy, apropriando de suas premissas para o desenvolvimento do nosso trabalho. Cecília Almeida Salles (1998) afirma que, em um processo de trabalho, existe uma dedicação de tempo, esforço, perseverança, organização e continuidade por parte do artista, além de uma série de adversidades que o projeto pode sofrer desde o seu início até a sua finalização provisória ou definitiva, passando por momentos de conflitos com a obra, afastamento, desistência, reparos, entre outros. Fomos estimulados principalmente pela situação política do atual contexto social brasileiro. E surpreendidos por uma pandemia da COVID-19, que nos solicitava permanecermos em isolamento social. Essa última impactou diretamente o processo de trabalho, não só na questão de adiar o projeto, mas de se repensar toda uma estrutura teatral que existia antes dapandemia para um novo modo de se pensar teatro dentro e pós-pandemia. O teatro, como ressalta Jorge Dubatti (2015), é feito de convívio e tecnovívio.6 Permanecermos em distanciamento social, atualmente, é uma questão de necessidade. Novas teatralidades apareceram online, e muito tem sido discutido sobre como, a partir de uma mudança tão acentuada no comportamento humano, lidamos com a ideia de presença. Processos em andamentos, como este, precisaram se adaptar para continuar existindo. Aparentemente, ainda não existem respostas concretas, mas todas essas questões nos fizeram refletir sobre a nossa proposta, sobre as cenas do nosso espetáculo, sobre as possibilidades para este projeto, e, consequentemente, o que um dia será visto nas telas ou nos palcos é o atravessamento de todas essas questões que se manifestam agora. Com um trabalho praticamente concluído, precisamos passar por um momento de reinvenção. A opção pelo adiamento do espetáculo era a mais viável para segurança de todos os envolvidos. O momento de abrir mão de algumas ideias que tínhamos

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Para Dubatti (2015, p.45), convívio é a experiência teatral entre a copresença entre atores e espectadores no espaço/tempo em que o acontecimento teatral se dá. E tecnovívio, nas palavras do próprio Dubatti, seria a “cultura vivente desterritorializada por intermediação tecnológica”, se tornando duas formas de poética que se relacionam diferentemente com o mundo. “Llamamos convivio teatral a la reunión de artistas, técnicos y espectadores en una encrucijada territorial y temporal cotidiana (una sala, la calle, un bar, una casa, etc., en el tiempo presente), sin intermediación tecnológica que permita la sustracción territorial de los cuerpos en el encuentro. [...] Lo opuesto al convivio es el tecnovivio, es decir, la cultura viviente desterritorializada por intermediación tecnológica.”


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construído foi decisivo para a retomada do projeto. Neste momento, diante do contexto no qual estamos inseridos, entendemos que era importante adaptar o espetáculo. E por isso aceitamos o novo desafio de pensar essa criação para um novo contexto. Já tínhamos como concreto a inspiração sob a trajetória da pesquisadora e um filme desenvolvido antes da pandemia da COVID-19, que se tornaram bases sólidas para a conclusão desta pesquisa.

PROCESSO E PESQUISA ARTÍSTICA Nossa principal base teórica para o início deste processo foi o dossiê “Christiane Jatahy” (2015), organizado pela Revista Sala Preta, publicação do Programa de PósGraduação em Artes Cênicas da ECA/USP. José Da Costa (2015) irá pontuar que Jatahy desconstrói a forma e a composição, a fim de fazer da ficção um processo de invenção que modifica o movimento, o tempo, plasticidade, o jogo, tanto na cena teatral quanto na interferência cinematográfica. Ele ainda irá retomar que, desde a sua formação sobre sistemas dramatúrgicos com José Sanchis Sinisterra, 7 Jatahy cria processos de composição em uma reflexão constante da relação imprecisa entre ficção, vida e história. E que, ao longo da sua trajetória, ela explora as dimensões documentais, ficcionais, de depoimentos e cotidianas, a fim de diminuir as fronteiras estruturais entre peça teatral ou filme. A relação e o modo com que a dramaturga se apropria da pesquisa para a criação cênica nos interessa pela possibilidade ampliada da utilização deste material a serviço da obra. A autora olha para esse conteúdo, ainda na primeira fase de seu desdobramento, alinhando este a um roteiro preestabelecido que norteia todo trabalho. Posteriormente, ela seleciona o que mais se adequa para testagens e experimentações cênicas, e constantemente revisita o que foi eliminado. Com isso, o material ganha uma pluralidade na análise de suas possibilidades. A diretora ainda espera que atores e técnicos, como criadores da obra, apresentem recursos de trabalho e propostas a serem incorporados junto à sua autoria.

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José Sanchis Sinisterra é um dramaturgo e diretor teatral espanhol. Trabalhou com Jatahy em 1990 e passou a ser a principal referência em sua formação artística e intelectual. Seus trabalhos sobre sistemas permeiam a ideia de uma estrutura de dramaturgia que gera respostas sistêmicas em cena. Umas das diversas fontes de inspiração para criação desse conceito são os estudos psicanalíticos baseados nos sistemas familiares.


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Jatahy crê que as interferências da sua formação em jornalismo e filosofia fazem com que ela olhe para o real que está acontecendo no agora, tanto no seu íntimo, quanto no coletivo e social. Todos os seus trabalhos, que fortemente se relacionam com o público, vêm de uma premissa de que sua pesquisa é pensada para um público ativo,8 participante, e que muitas vezes o pensamento está centrado na ação que o público irá fazer e não nos atuantes, de onde o público irá assistir e não na marcação do ator. Daniele Ávila Small (2015) ressalta que os artefatos dos quais utiliza o teatro na contemporaneidade se relacionam com algo que ela acredita que o teatro sempre fez: levantar as questões que emergem nos artistas, e trazer, nas linguagens, o espaço para discutir, nas criações, questões do mundo. Neste caso, o ponto de vista,elemento com o qual trabalha Jatahy, vem para reforçar toda a concretude de se pensar o espectador em relação à misancene. Ainda no início do processo de Até Quando? as ideias partiam, principalmente, da troca entre a equipe, mas se mantinham centradas em questões definidas anteriormente pelo propositor deste projeto. A temática LGBTQI+ era uma necessidade de discurso e espaço para nós, e dialogava com o que propunha Jatahy em seus processos artísticos. As nossas inquietações pessoais nos levaram às temáticas para o desenvolvimento de cenas e contextos, a fim de incorporá-las a estudos que já estavam em desenvolvimento por parte dos integrantes da equipe, que versavam sobre o trabalho do ator no cinema brasileiro. Welington Andrade, em O teatro como lugar da subjetividade possível ou os impasses da crítica diante da criação (2015), vai rebater todo conteúdo do Dossiê da Sala Preta, quando diz que as interpretações de Jatahy beiram a um naturalismo extremo, acerca de uma narrativa contemporânea em que a encenação propõe um modo de ver o mundo como ele já é. Andrade ainda analisa o trabalho E se elas fossem para Moscou? (2014) como sendo uma interpretação neutra que só coabita algo que já conhecemos como sociedade. O autor ainda diz que esse tipo de linguagem pode levar a uma intepretação maneirista, já que as atrizes falam e se comportam como são na vida, não trazendo nada de novo às personagens escritas por Tchekhov. Ele finda sua argumentação dizendo que seu trabalho recusa o modo de representação 8

Para o filósofo francês Jacques Rancière, o conceito de espectador emancipado parte da definição de emancipação, que para o filosofo é “[...] embaralhamento da fronteira entre os que agem e os que olham, entre indivíduos e membros de um corpo coletivo” (2012, p. 23). Essa fronteira também é comum à pesquisa de Jatahy sobre o espectador, que será discutida mais adiante neste artigo.


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proposto por Jatahy, sustentado pelas exigências do próprio autor de uma ilusão, do jogo, da ficção e não só de uma experiência em tempo real com pessoas reais. Após lermos Andrade (2015), e observando os trabalhos da dramaturga, assumimos que Jatahy se tornou referência para nós exatamente pelo modo com que desenvolve seus personagens, ao ponto de torná-los mais próximos do cotidiano. Nos identificamos com a construção da diretora pelo novo modo de propor a ideia de personagem, mas principalmente pelo seu lado inventivo e renovador, que aborda e testa constantemente uma questão antiga sobre a atuação para diferentes linguagens. O nosso interesse era experimentar e verificar isso na prática. Iniciando assim este processo.

PROJETO FÍLMICO O primeiro passo deste trabalho foi o desenvolvimento do roteiro fílmico, mas, antes disso, precisávamos definir algo importante que era como se daria a inserção desse filme na cena. Um ponto significativo na pesquisa de Jatahy é saber dialogar com teatro e cinema, reforçando a ligação entre as linguagens, mas preservando o lugar próprio de cada uma delas em cena. Em entrevista à TV Brasil, para o programa Arte do Artista, de Aderbal Freire Filho (2016), Jatahy disse que, no início de seus projetos, o cinema era um registro que gerava material documental para a criação, e que juntar essas duas linguagens tinha que ter como foco a descoberta de uma terceira zona, um outro lugar que não somente o do encontro dessas duas artes. Alinhando-se às mediações mais próximas do que vinha trabalhando Jatahy em suas últimas criações, a escolha pelo formato curta-metragem era a que mais nos interessava por alguns fatores. Um curta-metragem representava um investimento de tempo e dedicação a um material mais complexo do que uma inserção de uma cena gravada para um espetáculo. Esse formato tem por característica técnico-cinematográfica contar uma história em um breve intervalo de tempo. Na escolha da estética que mais seadequava ao proposto por nós dentro do formato, era necessário nomear cenas que revelassem o contexto do personagem, os seus conflitos e resoluções, para que pudéssemos concretizar o planejamento de se colocar o filme na peça teatral no momento exato que desejávamos. A ideia era que o curta-metragem preenchesse o


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espaço anterior à última cena, em que o personagem revelava um futuro pós todos os acontecimentos do filme. Como em Jatahy, a questão de olhar o mundo em volta para falar de si foi decisiva para criarmos um diálogo com o cinema. Nos cabia também a escolha por um tipo de filme, que se findou em um filme dramático, tendo esse uma interferência direta sobre a dramaturgia do espetáculo e compondo a narrativa deste. O processo de roteirização do curta-metragem (ANEXO) se deu em conjunto com o filmmaker Arthur Borza,9 que captaria e editaria posteriormente as imagens. As escolhas pelos locais foram pensadas em cima do que Daniel Schenker (2015) aponta como locais de difícil materialização nos palcos. Também levamos em consideração as ideias de planos detalhes e os recursos audiovisuais de edição e montagem.10 A presença do ator Victor Damaso11 reforçava a ficcionalização do real, a qual explora Jatahy, quando em cena se apresentam situações relacionais que os atores viveram, não necessariamente juntos ou exatamente como visto em cena, mas que, quando apresentadas dentro do filme, levam a questionar sobre o caráter real e/ou ficcional.12 O enredo mostra a relação de um casal gay e a sua intimidade. Os cotidianos desses personagens revelam diferentes formas de lidar com a sexualidade. O conflito se dá nos desejos de futuro do casal. As lembranças, a memória, o sensorial, os sentimentos. Tudo o que ainda é presente para um, mas que já é passado para o outro. Em determinado momento do seu percurso, Christiane Jatahy inverte o olhar dos seus projetos, que a princípio carregam muito de um lugar particular e subjetivo, para a criação da unidade personagem, que vai de encontro com o externo político e social. A diretora utiliza em cena elementos que o mundo fornece, a fim de constituir novas

Arthur Borza – Filmmaker e Roteirista. Após sua formação em Publicidade e Propaganda, pela Estácio de Sá, dedica sua carreira a investigar a transição do roteiro para a cena montada, tendo como suporte a observação de projetos cinematográficos e audiovisuais. 9

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Além de ser uma produção de baixo custo, pela quantidade de horas brutas filmadas, equipe e serviços específicos reduzidos, e a busca por patrocinadores e apoiadores locais, o restante de todo investimento financeiro parte dos próprios idealizadores. A escolha por captar a cidade e espaços públicos reduzia a preocupação com locações. Contamos com apoio de uma maquiadora, e colaboradores para empréstimo de um apartamento. Todo aparato técnico de câmeras e áudio, foi cedido pela equipe do filmmaker. 11 Victor Damaso – Graduando do curso de Teatro da UFMG. 12 Pode-se discutir também a escolha de Damaso a partir de um enredo coletivo criado para supor a relação pessoal entre os atores. Tais elementos narrativos, do que imaginavam ser a relação de ambos, fornecidos pelos que conviviam com estes, foi material suficiente para a ficcionalização do real.


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subjetividades. Esse é um dos movimentos dentro da sua carreira como pesquisadora que coincidem com a própria experiência de criação fílmica do curta-metragem, um paralelo entre a criação que surge do íntimo à cena, ora parte da ficção como suporte para se compor o particular. Quando chego em Júlia, a câmera se desdobra de uma câmera que está tentando olhar dentro do outro. Então, ela se vira para fora, ao ponto de colocar o subjetivo do personagem, em contraste com a questão atual. E tem uma inversão dos trabalhos anteriores, eles partem de um material documental para se constituir ficção, e portanto ele parte de materiais da subjetividade para a ficção. E, a partir de Julia, primeiro existe o trabalho do material ficcional, clássico, da memória. Só que eu perfuro este trabalho com os dias de hoje, para trazer à realidade. (JATAHY, online).13

A escolha por um filme sem falas era um interesse desde o princípio. 14 Ainda que, durante as gravações, a ação verbal15 fosse importante para completar o objetivo da cena, que era mostrar as relações dos corpos viventes no espaço. A escolha pela trilha sonora, como discurso em relação ao que se vê, surge de uma aproximação do estudo de clipes feito com a artista Bruna Donini,16 em que avaliamos a letra, o ritmo, a atmosfera da música em relação simultânea ao movimento das imagens. Outro ponto discutido pela equipe era um filme em preto e branco, mas, na pós-produção, percebemos que a paleta de cores que tínhamos captado, principalmente as cores que ressaltam a cidade e o urbano, se amalgamavam com a narrativa e a trilha sonora, causando um efeito que poderia favorecer ainda mais o filme do que outra paleta. Diante disso, optamos por um filme colorido.

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Disponível em: https://youtu.be/j5OvWFHWwzY. Acesso em: 9 de Outubro de 2020. Em A Floresta que Anda (2015), Jatahy se pergunta, conceitualmente, sobre uma criação fílmica montada somente com imagens. Ou seja, quando se torna necessário que o filme seja visto unicamente por uma narrativa visual, sem um roteiro escrito em formato dialógico ou épico. 15 Quando mencionamos ação verbal, entendemos este conceito a partir dos estudos de Maria Knebel, sobre o sistema de Stanislavski, mais precisamente no capítulo “A palavra na arte do ator” em que cita: “teatro é ação, e tudo que acontece em cena é sempre ação, ou seja, uma expressão ativa do pensamento, da ideia íntima, uma transmissão ativa e atuante dessa ideia ao espectador” (2016, p. 122). E, mais adiante, completa sobre o uso da palavra: “pronunciada provoca na consciência do ser humano uma cadeia de representações e associações, imagens visuais e emotivas” (2016, p. 123). Knebel ainda irá ressaltar que “todo o sistema de Stanislavski está voltado ao processo de comunicação verbal entre os seres humanos, para que esse processo seja ativo e atuante, para que a palavra em cena seja apropriada, produtiva, enérgica, volitiva, e para que a palavra seja sempre ação” (2016, p. 124). 16 Bruna Donini é formanda do curso de Cinema de Animação e Artes Digitais na UFMG, e tem se especializado na produção de vídeo clipes em Belo Horizonte. Esteve próxima a toda a produção do curta-metragem Até quando?. 14


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MONTAGEM Small (2015) trará uma percepção sobre a criação, execução e filmagens em relação ao trabalho de Jatahy. Ela analisará o entre existente no processo de captura (no momento das filmagens) e o produto final, argumentando que os processos de montagem e edição devem ser minuciosos, para que digam, com detalhes, o que se quer dizer, já que o material bruto passa por várias alterações. A indicação de Small (2015), sobre a criação de um material múltiplo, com diferentes perspectivas, nos leva a rememorar o pesquisador Jorge Dubatti (2014, p. 257), quando cita algo que levamos em consideração sobre escolher o que é visível: “tratase de pensar não só o que estou vendo, mas o que eu poderia estar vendo e o que eu deveria estar vendo”. O pensamento de Dubatti nos instigava a questionar a montagem do filme por diversas possibilidades de se construir o visível. Jatahy, em A falta que nos move (2011), traz para a cena o elemento câmera como dispositivo dramatúrgico, a fim de captar todo o processo teatral. Em entrevista à TV Brasil, em 2016, ela conta que trabalhou por um ano em cima de 30 horas brutas filmadas, para conseguir criar um filme coerente em cima de imagens filmadas sem o propósito para ter uma continuidade. Na ilha de edição de vídeo, a diretora relata como foi inverter as linguagens, levando agora o teatro para dentro do filme. Ela analisa que, durante as exibições nos cinemas, em processo de observação do espectador, ela queria saber se tinha conseguido atingir no cinema a mesma espera que os espectadores sentiam no teatro, de uma personagem que estava para chegar e que não aparecia. Com isso, percebemos o quanto Jatahy é movida por questões que os próprios processos fornecem a ela: A falta que nos move (2011) foi onde me interessou experimentar ao extremo essa tensão entre a realidade e ficção, e foi onde eu coloquei pela primeira vez a câmera, não em cena, no processo. Este processo durou 7 meses de trabalho, e eu filmei tudo. Por que eu filmava? Porque me interessava registrar e guardar esse material, já que a dramaturgia depois foi construída a partir do que foi criado em sala de ensaio na relação com os atores. E me interessava ver através da câmera, foi quando eu descobri o quanto era cinematográfico essa linguagem de pesquisa com os atores, em que existia uma mistura radical da realidade com a ficção, e, portanto, uma mistura radical do ator e o personagem, a tal ponto que precisava [...] ensaiar muito, numa constante repetição, para anular a atuação. Com objetivo de chegar nessa qualidade de atuação que eu consiga colocar dúvida no espectador, sobre ser ator ou personagem. A atuação se aproximou muito de uma atuação cinematográfica, ou seja, ela começou de


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alguma maneira a caber nos dois lugares, não porque ela diminui de tamanho, mas por que passou a ser o registro de alguma coisa que é real, que é verdade. Ainda que com artifício (JATAHY, online).17

Uma das preocupações da nossa equipe era que a edição fosse feita em conjunto, assim como o roteiro e a direção, levando o olhar de ator do propositor do projeto em consideração no quesito atuação e o olhar técnico de Borza para as escolhas das melhores tomadas e planos. Essa junção nos proporcionou percepções sobre o conjunto

de

circunstâncias

que

devem

estar

alinhadas

para

uma

cena

cinematográfica. Algumas divergências, entre melhor técnica de filmagem e/ou melhor atuação para a escolha de uma cena, nos conduziram a observar os detalhes necessários para eleger a qualidade de uma construção cênica pós-roteiro. Apesar de o olhar para dentro estar aflorado no resultado final, principalmente pela temática do filme, o que motivou tal produção foi o contexto político e social brasileiro associado ao corpo LGBTQI+ e a relação com o espaço urbano. Vivência essa que nos possibilitou falar do nosso lugar, do que nós vivemos, mas sobretudo como esses personagens ainda são olhados. Um exemplo disso é que, mesmo com todo o aparato técnico e de produção, o olhar do outro sob um casal gay em momento afetuoso, indiferente do ficcional ou do real, foi o que nos incomodou profundamente nas gravações, bem como na visualização do material bruto. Como ressalta Jatahy, temos que estar atentos aos incômodos que surgem dentro do nosso processo criativo. E o que hoje é o título deste espetáculo, é uma pergunta frequente que fazemos a nós e aos outros. A nossa questão, quanto ao roteiro e desenvolvimento dos personagens do filme, perpetuava na conexão com o gênero cinematográfico LGBTQI+ e na relevância de se falar sobre o tema18 escolhido. A escolha por ser um homem gay parte principalmente do lugar do formando em questão e do desejo de se ver representado na tela. Quando questionado se não seria melhor escolher um papel heterossexual,

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Disponível em: https://youtu.be/j5OvWFHWwzY. Acesso em: 9 de Outubro de 2020. Jatahy, em seu livro Diálogos para criação (2017), diz que sua questão com cinema e teatro é a mesma: como fazer para ver dentro das pessoas. Ela acredita que, como em A falta que nos move (2011), um filme que tem muitos closes tem a intenção de olhar para dentro de uma pessoa para ver como ela vê o mundo. Como se pudéssemos entrar nos seus pensamentos, revelá-la, mas para isso ela ressalta que o ator precisa estar presente, ou não tem revelação. Para Jatahy este é um tipo atuação invisível, em que o personagem realmente desaparece, ainda que esteja ali o tempo todo, como um duplo. 18


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para que tivesse mais chances no mercado teatral/cinematográfico, tal questão nos fez refletir que a representatividade, neste caso, era mais importante para a nossa produção do que qualquer padrão preestabelecido pela sociedade. O nosso teor político estava em nós mesmos. Como em Conjugado (2004),19 a escolha por uma temática pode causar incômodo no espectador final desse processo. Mas é justamente sobre um incomodo das pequenas violências diárias, que a realidade impõe sobre o corpo LGBTQI+, é que trazemos à ficção personagens tão colados a nós, a fim de mostrar que o que parece estar tão distante, na verdade, está mais próximo do que imaginávamos. Emergiu uma necessidade de apresentar um contexto micropolítico do nosso corpo presente no mundo, na cena, no real ou no ficcional, em relação com questões das quais precisávamos falar, contrariamente ao que vemos instituído como padrão social pela macropolítica.20 Nessa relação entre a prática do teatro e os atravessamentos do mundo em que vivemos é que estão: o ator como materialidade absoluta do fato real; a narrativa ficcional e os relatos do real como elementos formadores de uma dramaturgia; o território comum do ator e do espectador no espaço do teatro; e o lugar da autoria, como ressalta Small (2015). Gabriela Monteiro (2015), em Corpo - imagem: o jogo do ator na cena intermedial, frisa que a presença do filme amplia o lugar de voyeur deste que experimentará a visão fílmica e teatral em apenas um evento. Esse era o nosso desejo como propositores artistas, criar um espetáculo que pudesse expandir o olhar dos espectadores frente a uma relação corpo e imagem, entre a presença e o gravado,

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Conjugado (2004) é considerado ponto de virada da pesquisa de Jatahy em relação ao jogo ficcional e vida, teatro e realidade. O enredo apresenta uma personagem feminina que adentra seu apartamento, e toda a questão cotidiana pós trabalho é colocada em cena como algo banal diante dos olhos do espectador. Foram recolhidos depoimentos anônimos de diversas mulheres que seriam fonte da dramaturgia. Um projeto que já apresenta o interesse da diretora em olhar para o cotidiano como poética cênica. 20 Jorge Dubatti (2016 p.54) exprime que o teatro em sua micropolítica (entendida como a construção de territórios de subjetividade alternativos às imposições micropolíticas hegemônicas), está sempre em vínculo com a macropolítica. Pelas características do acontecimento teatral, a porosidade entre a macropolítica e micropolítica não pode ser ignorada. A micropolítica teatral é definida por adesão, oposição, distanciamento, atrito, e colisão com a macropolitica (os grandes discursos de representação nacional, discursos institucionalizados, o Estado, os partidos políticos, a subjetividade organizada por instituições públicas e privadas e etc).“El teatro, en su micropolítica, se vincula permanentemente con las estructuras macropolíticas; si cambia el contexto de creación, esto modifica el desempeño de las poéticas y las formas de producción teatrales. Por las características del acontecimiento teatral, la porosidad entre macropolíticas y micropolíticas no puede ser ignorada. Las micropolíticas teatrales se definen por adhesión, oposición, alejamiento, fricción, choque con las macropolíticas vigentes.”


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para ampliar as possibilidades de construção narrativa diante do conteúdo. Luciana Romagnolli (2015) ainda irá ressaltar que, no processo de visualizar a obra, o espectador terá que organizar o visível, fazer escolhas do que ver em relação ao que foi criado, gerando um vínculo com a materialização cênica ou fílmica. O desafio de quem quer experimentar trabalhos de criação inspirados nos processos de Jatahy é conseguir criar foco em vários eixos narrativos, a fim de, como define Romagnolli (p.270), quadruplicar as dimensões do olhar do espectador.

PROJETO CÊNICO Dubatti (2007) vai apresentar o conceito de poiesis teatral, em que ele define a ideia de um mundo metafórico – não necessariamente ficcional, diferente da realidade – em que existe um duplo entre o espaço da realidade (o acontecimento da expecção) e o da metáfora (cena). Para Dubatti (2012), o teatro é a experiência resultante do momento do encontro entre os teatrantes e a expecção, sendo o resultado deste momento de convívio uma construção subjetiva, imprevisível e efêmera entre as pessoas que constroem este momento, não podendo repetir nem apreender as ações que se estabelecem. Da Costa (2015) observará que, a partir de sua formação, Jatahy começa a investigar como processo criativo o estudo continuo entre ficção, vida e história, em que o jogo teatral experimenta a cena do cotidiano como algo pueril e banal. Ele cita como exemplo o espetáculo Conjugado (2004), que se tornou uma referência para o nosso processo pela ideia documental de recolhimento de histórias e depoimentos de várias mulheres, para a construção de possibilidades diversas e plurais para uma única personagem. A cena de Até Quando? intitulada “Jogo da Coragem” propunha recolher histórias dos atores e equipe para que pudéssemos experenciar em ensaios a possibilidade de falar sobre tais situações, nos apropriando das informações fornecidas pelos outros. Também pensamos para essa cena a possibilidade de assumir textos clássicos21

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Em O agora que demora (2019) Jatahy inverte o pensamento que aparecia em suas obras de uma construção que parte do real para o ficcional, colocando a ficção dentro da realidade. Em várias partes do mundo, alguns artistas refugiados foram colocados em cena vivendo suas realidades num processo de construção de uma ficção documental em que eles relatam suas vidas por trechos do texto de Homero.


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como sendo nossos e contextualizar cada um destes à nossa realidade.22 O desejado era tornar o papel cada vez mais colado no ator que está narrando. A ideia era colocar os atores em um local de grande fluxo de passagem de pessoas, reservaríamos uma mesa e duas cadeiras, com o intuito de que alguém pudesse sentar à frente do ator/atriz para ouvir o relato. Nos interessava investigar como é tornar uma história cada vez mais factível, esse era o desafio desses atores em relação com o público.23 Diante da investigação, tínhamos o desejo de observar a relação ator/espectador, contador/ouvinte, como sendo o principal fato do acontecimento. O olhar, as ações, os sentimentos, emoções, e as reações do espectador. Tínhamos o desejo de investir em práticas como essas para o estudo, propondo investigar na cena como o texto alinha uma junção de elementos que podem reforçar ou não a natureza real ou ficcional da narrativa. Em cena, a proposta se inspira na pesquisa de dois espetáculos de Jatahy. Corte Seco (2009) é um espetáculo que propõe uma ação inesperada dentro do fluxo da cena. Como na vida muitas vezes somos interrompidos, Jatahy propõe cortar a cena, para que essa fosse retomada numa edição diária realizada pela própria diretora. Alterações de ordem das cenas, cortes em pontos diferentes, a cena era criada a partir de novos impulsos, oriundos da iminência da interrupção. Em Utopia.doc (2013) a diretora experimenta os recursos de arquivo, quando apresenta a ideia de recolhimento de cartas que respondessem questões previamente selecionadas pela produção do projeto, com a pretensão de selecionar algumas dessas para participar de um registro documental. Essa estruturação sugestionou a nossa equipe a levantar 22

Após assistir ao filme Jogo de Cena (2007), de Eduardo Coutinho, tínhamos este como referência que se alinhava a nossa ideia. No longa, atrizes recebem o papel/texto e um vídeo de uma mulher contando sua história, com o objetivo de que as atrizes se apropriassem de tais narrativas a fim de relatá-las como se fossem suas. No livro Sete faces de Eduardo Coutinho (2019) é detalhado o processo que cada atriz (Fernanda Torres, Andrea Beltrão, Marília Pera) fez para acreditar no que estava contando. O filme, que intercala as histórias reais e ficcionais, nos leva a refletir sobre os limites que separa o entre desses dois lugares, premissa dos trabalhos de Jatahy, que, como ressalta Da Costa (2015), nos leva a pensar uma noção tênue entre o drama e a vida. 23 Nossa prática se assemelha ao processo de estudo proposto por Jatahy, a convite de La Biennale di Venezia (2014), em que a diretora dá um workshop para atores e bailarinos, coincidindo este projeto com o início dos estudos de A Floresta que anda (2015). A diretora propõe aos artistas uma coleta de histórias por meio de entrevistas à pessoas que tiveram suas vidas atravessadas pelo sistema capitalista e se refugiaram em lugares na Europa. A proposta era que, inicialmente, cada um pudesse contar a outro participante do encontro uma história coletada em primeira pessoa, como se o enredo fosse próprio de cada um. Posteriormente, Jatahy propõe contar essa mesma história às pessoas nas ruas. Era verão em Veneza, e tinha muita gente aproveitando as sombras próximos ao local do encontro, cada um deveria sentar ao lado de alguém e começar a falar, puxar um assunto e depois levar para o processo como que as pessoas tinham ouvido a história deles.


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junto a amigos, equipe técnica e familiares: fotos, vídeos, bilhetes, cartas, que pudessem ser doados para a criação. Parte desse material norteou nossos passos frente aos ensaios. Na nossa concepção, o “Jogo da Coragem” é um botão ao qual o espectador tem livre acesso para apertá-lo e transformar o tempo e a dramaturgia de Até Quando?. Após os espectadores serem orientados sobre essa eventualidade, cabe a nós, atores, nos mantermos presentes para sofrer a paragem quando o outro desejar. O botão que faz a paragem está em um lugar especifico no espaço, e cabe aos participantes escolherem quando levantar do seu lugar para mudar o fluxo da dramaturgia. Imediatamente, um dos nossos atores pede que a pessoa decida por um tema (dentre temáticas dramatúrgicas previamente definidas). A ideia, baseada nos sistemas de Sinesterra, coloca um conteúdo em relação a uma ordem de três atores/técnicos que falarão o mesmo texto. Nosso desejo é jogar com a multiplicidade de um fato e fazer com que o público a nossa frente também esteja dentro da ficção. Isso ressalta uma das ideias de Jatahy, que é o risco iminente do tempo presente, em que a cena se torna viva, justamente por não se ter uma ideia precisa do que exatamente pode acontecer. Isso também está integrado aos estudos sobre como se criar um sistema e uma maneira de conduzi-lo. Daniel Schenker (2015) menciona que Jatahy se preocupa em fornecer aos espectadores diferentes ângulos de um mesmo acontecimento. Em Leitor por Horas (2006), o espectador pode testemunhar, por meio da cenografia, a observação da mesma cena vista de vários ângulos, já que a base em que o acontecimento se dá gira em torno do próprio eixo, revelando aos espectadores o olhar sobre a cena em todas as perspectivas. A criação da cena intitulada “HIV” apresenta o ponto de vista de cada personagem em um looping, em que a repetição modifica o protagonismo da narração cênica. Em um contexto hospitalar, no qual o personagem recebe a notícia de que seus exames de HIV foram discordantes (ou seja, um teste rápido positivo e outro negativo, levando a fazer o exame de sangue intravenoso), a não resposta nos leva a dois caminhos diferentes para uma mesma questão. As figuras da representante da saúde e do amigo que acompanha o protagonista nos permitem observar a mesma história por três lugares de fala diferentes.


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Nessa cena, ao fundo, se vê a presença de uma atriz montando um totem com a imagem do personagem, e, em um movimento repetitivo em volta deste objeto em sentido anti-horário, a ação da atriz apaga a imagem do personagem a medida em que o futuro desse homem fica cada vez menos concreto nas repetições da cena “HIV”. A performance24 contrasta a ideia do corpo e imagem. Um personagem que vai cada vez mais desaparecendo diante do público por meio da palavra, da imagem e do olhar do outro. Uma discussão que aborda a invisibilidade social do ser pela infecção que o personagem tem, e leva o espectador a perceber o próprio julgamento diante dos fatos apresentados. Uma das características que mais se assemelha às ideologias da nossa equipe é o fato de Jatahy abordar temas assumidamente políticos. Como define Rancière (2012, p.75) “[...] a relação entre arte e política não é uma passagem da ficção para a realidade, mas uma relação entre duas maneiras de produzir ficções”. Da Costa (2015) diz que o teor político está ligado ao fato de o sujeito poder, enquanto presença, usar da palavra para se expressar, seja na vida ou na ficção. Todos os textos escolhidos para o espetáculo abordam temas dos quais a discussão ainda é delicada na sociedade. Foi a partir desse impulso da pesquisa de Jatahy que criamos a cena “Minha Prisão”, em que uma atriz vestida de couro, com uma cabeça de pet play,25 usando a técnica shibari,26 despe o protagonista e o amarra, enquanto este evoca ao público que não deixe de olhar para ele, como em um poema de Caio Fernando Abreu.27 Ao fundo, se vê equipe e técnicos segurando outros poemas escritos pelo propositor deste projeto sobre violências (domésticas, escolares, sociais, familiares) sofridas em decorrência de sua orientação sexual. A cena, que amplia as entre linguagens, denuncia 24

Ao longo de seus processos, Jatahy cria o termo Performance Invisível. Conceito desenvolvido durante seus trabalhos, em que a ficção fica tão misturada com a realidade que se torna impossível definir se é real ou ficcional. Um exemplo de aplicação do termo aconteceu durante La Biennale di Venezia em 2014, quando os performers participantes criavam relações com as pessoas na rua e no teatro, sem mencionar se eram eles mesmos ou os personagens das histórias que eles contavam. 25 Fetiche de se comportar como animais de estimação. Existem no mercado máscaras de cachorro para pessoas que têm esse desejo de mimetismo. 26 Técnica japonesa de amarração com cordas, com foco na estética, fluidez, comunicação e conexão entre Rigger (quem amarra) e modelo (quem é amarrado). 27 O poema sem título (p. 59), de Caio Fernando Abreu, foi escrito no dia 22 de Novembro de 1978. E foi encontrado no livro Poesias Nunca Publicadas de Caio Fernando Abreu da editora Record em 2012. “não desvie os olhos/ me olhe/ essa cara que trago/ é justamente/ esta cara que trago/ o caco o mapa o trapo/ do que sobrou da viagem/ tome um trago/ me olhe/ não desvie os olhos/ de dentro dos meus olhos/ esta cara que é minha/ é o que restou/ dos naufrágios/ de todas as ventanias/ de todas as calmarias/ de todos esses contatos/ imediatos ou não/ me olhe/ não desvie os olhos [...]”.


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processos de formações sociais em que a violência acontece diariamente, e é invisibilizada pela própria estrutura social a que cada um está inserido. O ato se encerra com a música “Liberdade ou Solidão”, de Tiago Iorc. Maria Clara Ferrer (2015), em entrevista com o arquiteto Marcelo Lipiani28 e a diretora Christiane Jatahy, nos dá informações precisas sobre como ambos materializam suas ideias cenográficas diante da dramaturgia. Ferrer dialoga com Lipiani sobre seu conceito de cenografia dramatúrgica em que a planta cenográfica é pensada para provocar sensações, contar a estória, e estimular o olhar sobre a obra. Como ressalta o arquiteto, isso torna a cenografia menos decorativa, mais funcional e participativa da própria narração. Lipiani propõe uma cenografia dramatúrgica pensada sob o olhar de onde e como o espectador pode visualizar a cena. Ao conhecer o trabalho de Lipiani, uma das escolhas que fizemos foi conceber parte dos objetos cênicos levando em consideração algumas ideias sobre esse tipo de cenografia. Reunimos peças (ANEXO) que favoreciam a ampliação da experiência do visível ao espectador, fornecendo o movimento de escolher o que se ver diante de vários eixos apresentados simultaneamente. Dessa forma, customizamos objetos que por si só já constituíam uma narração. Jorge Dubatti, em entrevista a Renato Mendonça (2011), irá se opor à ideia de um espectador totalmente autor. Quando cita Jacques Rancière, 29 Dubatti dirá que não acredita num espectador completamente emancipado, ele defende sua ideia apontando o fato de que o espectador sempre cria a partir de uma poética já proposta. Para o pesquisador, se o artista oferece ao público determinada poética, é com esta que o espectador poderá se emancipar, logo, ele só cria com base no que já está proposto. Ele chamará esse tipo de “espectador companheiro” (p. 258). Existe a dificuldade de quem deseja experimentar processos como os de Jatahy, uma vez que todo esse arsenal técnico requer um alto investimento financeiro para ser materializado. Propostas como arquibancadas moventes, palcos giratórios, chuva em Marcelo Lipiani – Arquiteto e Fotografo da cena é parceiro de Christiane Jatahy desde 1997. Usa dos conceitos de Arquitetura e Desenho industrial para desenvolver plantas cenográficas que abordem as ideias de inter/externo, bem como as potencialidades dos materiais. Lipiani desenvolveu o conceito de cenografia dramatúrgica durante a concepção de seus projetos. 29 Jacques Rancière analisa historicamente o papel do espectador no teatro, e a partir de seus estudos apresenta a emancipação intelectual reformulando a função passiva do espectador, que é ensinado a deixar de ser espectador. Para o autor, é preciso eliminar uma lógica criada sobre o processo de recepção para dar espaço a um novo modo de se pensar a ideia de expecção. 28


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cena ou até mesmo viabilizar um processo de set ao vivo, como vemos nos trabalhos da pesquisadora, está além do que poderíamos sequer desejar. Mesmo assim não deixamos que esse fosse um lugar que diminuísse nossa capacidade criativa e imaginativa para adaptar tudo o que pensávamos à nossa realidade. A ideia cenográfica apresentada por Jatahy e Lipani, na entrevista a Ferrer (2015), nos leva a conectar com outra premissa de Jatahy, que é o olhar do espectador sobre a cena. Esse foi o principal ponto de formação intelectual do nosso grupo. As discussões sobre olhar do espectador eram o que motivava a pesquisa cênica experimental e seus desdobramentos. Monteiro (2015) diz que, no processo de visualizar cenas dos trabalhos de Jatahy, existe uma constante mudança de percepção em busca de reunir sentido no que é visto. A diretora expõe novos processos de recepção, entrelaçando as linguagens de teatro, cinema, performance e artes visuais. A sensação de estar compartilhando um lugar íntimo revela também um gosto da própria sociedade que cada vez mais consome redes sociais e reality shows. Uma das ideias de Jatahy é criar um teatro que não pareça ficção, com uma atuação coloquial e uma cenografia realista, numa espécie de intimidade partilhada. 30 O planejamento de exibição do filme em cena vem desse desejo de abrir uma janela do que ainda não se sabe sobre o personagem, para partilhar em outro dispositivo o que ainda não se viu no palco. Jorge Dubatti (2011) irá mencionar que este tipo de criação é chamada de relacional. Diferentemente dos modelos supraestruturais de Brecht, Sartre, Pirandello e Ibsen, os novos modelos são parte de um fenômeno poético de uma cartografia do desejo. Dubatti indica que os dramaturgos que desejam esses modelos contemporâneos devem, para além de conhecer Brecht, refletir sobre a sua própria história, se conectar com as diversas linguagens para aprofundar os vínculos relacionais com a arte. Trabalhar com os ensinamentos de Jatahy é renovar constantemente o espirito de criação, propulsionando, assim, o entusiasmo em investigar o acontecimento teatral.

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Jatahy estabelece em cena escolhas e posicionamentos com as quais emergem uma necessidade de abertura de espaço de diálogo, de compartilhamento. Possibilitando uma partilha em que sua visão política se faz presente não só pelos conteúdos, mas pela própria configuração do espaço, pela formatação dos corpos em cena e a relação espectador/cena que cada espetáculo carrega de aproximação a um espaço de reflexão comum (RANCIÈRE, 2005).


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É também saber abrir mão e transitar constantemente entre linguagens, de modo a explorar a arte por diferentes diretrizes. A artista tem como premissa principal suavizar as fronteiras que separam as linguagens. A multiplicidade de seus projetos faz com que atores que escolhem a diretora como referência tenham que ampliar a sua pesquisa para conseguir perceber essas fronteiras, com o objetivo de, talvez, cogitar borrá-las. Nesse caso, a repetição, condição da feitura teatral, entra como o impulso de modificar-se frente ao processo. Um constante movimento para observar nas artes a possibilidade de uma criação não óbvia. Um diálogo constante entre o pesquisador e muitas possibilidades de escolha. Frente às dificuldades tanto de definição teórica especifica do desejado para construção da dramaturgia, até a viabilização de produção e reunião de equipe, todas as etapas foram fundamentais para considerar possível a realização de tal planejamento. Nossa vontade era estar em cena, estar junto, estar no mundo e compartilhar o comum entre atores e espectadores, como ressalta Da Costa (2015), algo subjetivo que o trabalho do ator tem de tão precioso. Quando conhecemos a pesquisa de Jatahy, e sua complexidade, não tínhamos ainda uma noção do que seria preciso para a realização deste projeto.31 Em andamento com toda a produção fílmica e cênica, desenvolvíamos uma apresentação formal que pudesse expor nossa ideia para editais e demais possibilidade de captação de verba, bem como já tínhamos concluído parte do que seria a comunicação e assessoria de imprensa deste espetáculo (ANEXO III). Nosso desejo era fomentar a vontade de algumas pessoas em nos assistir, especialmente aquelas que não têm o hábito de ir ao teatro, e até mesmo os que nunca foram, para isso seria desenvolvido um marketing específico com esse público. Também tínhamos o desejo de fazer uma parceria para que parte dos ingressos pudessem ser doados a comunidade surda, já que Dinalva Andrade32 faria a tradução em libras de Até Quando?.

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Para viabilizar parte da criação contamos com dois patrocinadores: A Kbine e a Sil Souza Atelie de Sensações, e um apoiador a pizzaria Panorama, que compraram nossa ideia e disponibilizaram seus produtos a serviço do espetáculo. Também fizemos uma vaquinha online que obteve a participação de 65 doadores em prol da realização do espetáculo. 32 Dinalva Andrade é mestranda em Linguística pela FALE/UFMG, atriz formada pelo curso de Teatro da UFMG e tradutora em Libras.


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Mais do que conclusões assertivas, acreditamos que este processo nos trouxe algumas considerações sobre o tempo ser efêmero e transitório, ainda que arquitetemos planejar determinados acontecimentos. Tivemos a oportunidade de nos debruçar por um tempo considerável sob a trajetória de Christiane Jatahy, que contribuiu para formação intelectual deste grupo no que tange a reflexão sobre suas premissas e conceitos. O campo de pesquisa e temática deste artigo tornou-se interesse comum entre os participantes que desejam considerar a possibilidade de continuidade desta proposta. Temos como perspectiva futura inscrever o curta-metragem desenvolvido neste processo em categorias de festivais brasileiros de cinema, para que possamos tornar o tempo investido nesta produção ainda mais positivo dentro das nossas expectativas. Por fim, avaliamos que todas as interferências e adversidades ocorridas durante este processo são hoje o que podemos considerar como resultante da conclusão de uma formação que vai muito além do âmbito teórico/prático acadêmico, mas que reestrutura formas, tal como modifica aqueles que se predispõe a passar por elas.

REFERÊNCIAS ABREU, Caio Fernando, 1948-1996. Poesias nunca publicadas de Caio Fernando Abre/ Caio Fernando Abreu; organização de Letícia da Costa Chaplin, Márcia Ivana de Lima e Silva. Rio de Janeiro: Record, 2012. ANDRADE, Welington. O teatro como lugar da subjetividade possível ou Os Impasses da crítica diante da criação. Sala Preta, Vol.15, n.2, p. 277-287, São Paulo 2015. DA COSTA, José. O teatro de Christiane Jatahy: formação intelectual e pesquisa artística. Sala Preta, Vol.15, n.2, p.199- 210, São Paulo 2015. DUBATTI, Jorge. Filosofia del Teatro I: Convívio, experiência, subjetividade. Buenos Aires, 2007 DUBATTI, Jorge. Las poéticas políticas de Eduardo Pavlovsky y Mauricio Kartun, entre siglos: de la micropolítica de la resistencia a una nueva discusión macropolítica alternativa. Buenos Aires, 2016. DUBATTI, Jorge. Convívio e Tecnovívio: El teatro entre infância Y babelismo, 2015. Disponível em: < http://artescenicas.ucaldas.edu.co/downloads/artesescenicas9_5.pdf > Acesso em 03 Agosto 2020 >. FERRER, Maria Clara. Entrevista com Marcelo Lipiani e com a participação de Christiane Jatahy. Sala Preta, Vol. 15, n.2, p. 232-243 São Paulo 2015.


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ISAACSSOM, Marta. Cruzamentos Históricos: teatro e tecnologia da imagem. ArtCultura, Vol.13, n.23 p. 7-22, Uberlândia, 2011. JATAHY, Christiane. Fronteiras invisíveis: diálogos para criação de a floresta que anda. 1 ed. Rio de Janeiro: Cobogó, 2017. JATAHY, Christiane. Entre cinema e teatro. Entrevista concedia a Aderbal Freire Filho. TV Brasil. Disponível em < https://www.youtube.com/watch?v=Wqn2qQzH3l8&t=901s > JATAHY, Christiane. Entrevista a Christiane Jatahy. <https://www.youtube.com/watch?v=j5OvWFHWwzY&t=3287s>

Disponível

em

KNEBELL, Maria. Análise-ação: práticas das ideias teatrais de Stanislavski. Organização, adaptação e notas de Anatoli Vassiliev. Tradução e notas adicionais de Marina Tenório e Diego Moschkovich. São Paulo: Editora 34, 2016. MATTOS, Carlos Alberto. Sete faces de Eduardo Coutinho. 1ª edição. São Paulo: Boitempo: Itaú Cultural: Instituto Moreira Salles, 2019. MENDONÇA, Renato. Entrevista com Jorge Dubatti. Cena, n.10, p. 2-9, Porto Alegre, 2011. MONTEIRO, Gabriela Lírio Gurgel. Corpo-imagem: o jogo do ator na cena intermedial. Sala Preta, Vol. 18, n.1, p. 259-272, São Paulo, 2018. MUNIZ, Mariana Lima e FALCI, Carlos Henrique. A eficácia da presença na cena contemporânea mediada pela tecnologia: o caso Play Me. Visualidades, vol. 16, n.2, p. 2018. RANCIÈRE, Jacques. O espectador emancipado. 1ª edição. Trad. Ivone C. Beneditti. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2012. RANCIÈRE, Jacques. A partilha do sensível: estética e política. Trad. Mônica Costa Netto. São Paulo: EXO experimental org. Ed. 34, 2005. ROMAGNOLLI, Luciana Eastwood. Do corpo e da tela: especificidade e hibridismo na zona fronteiriça do teatro e do cinema. Sala Preta, Vol.15, n.1, p. 267-274 São Paulo 2015. ROMAGNOLLI, Luciana Eastwood; MUNIZ, Mariana de Lima. Teatro como acontecimento convival: uma entrevista com Jorge Dubatti. Revista Urdimento, UDESC, vol. 2, n. 23, p. 251-261, Florianópolis, 2014. SALLES, Cecília Almeida. Imagens em Construção. Revista Olhar, Ano 02, n.4, São Paulo, 2000. SALLES, Cecília Almeida. Gesto Inacabado. Ed.1. São Paulo, 1998. SCHENKER, Daniel. Teatro que interroga o tempo: Christiane Jatahy se distancia do lugar comum na conjunção entre passado e presente. Sala Preta, Vol.15, n.1, p. 289301, São Paulo, 2015. SMALL, Daniele Ávila. Repetição e diferença: dispositivos e mediações no teatro de Christiane Jatahy. Sala Preta, Vol.15, n.2, p. 245-265, São Paulo, 2015.


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REFERENCIA AUDIOVISUAL JOGO de cena. Direção Eduardo Coutinho. Rio de Janeiro: VideoFilmes, 2017. 1 DVD (107min). ATÉ Quando?. Direção Arthur Borza e Felipe Valavez. Belo Horizonte: BorzaFilmes, 2020. (13min).


A cena tem como inspiração o trabalho de autorretrato do artista Andy Warhol (1928-1987), que a partir de 1970 se fotografa travestido desfocando a linha entre gêneros. Sua série de imagens causa o desejo de olhar para reconhecer uma identidade entre o inexpressível e vulnerável do seu rosto. A ideia é que cada espectador fosse fotografado antes do início do espetáculo e carregasse consigo um registro do passado. Tal ação contava com o apoio da empresa Kbine – fotos instantâneas. O texto discute a crítica com a autoimagem, a criação social sobre a imagem do outro, e uma formatação constante de uma imagem virtual que distancia de uma veracidade.


É uma proposta cênica que consiste em um jogo, no qual o espectador pode interferir na dramaturgia/tempo do espetáculo por meio de um botão em que os participantes solicitam/escolhem outro percurso para cena. Inspirado em espetáculos dirigidos por Christiane Jatahy, a concepção visa manter o acontecimento vivo pelo risco do corte que pode acontecer quando o público desejar. A ideia do risco que mantém o teatro presente.


“Compondo monstros, acabo por aceitar a fatalidade do fracasso e da imperfeição. Nada se cria. Eu parodio o jogo recortando novos elementos em papel comum que vou pintando sem levar em conta o bom senso. Isso não se parece mais com coisa alguma; não me reconheço, a mim. Mas eu amo essa ‘coisa alguma’. COMPAGON, Antoine. O trabalho da citação. Tradução Cleonice Mourão. Belo Horizonte: Editora UFMG, 1996, p. 9-51

A cena é uma ficcionalização do real em que o personagem recebe a notícia de exames discordantes de HIV. Ao fundo, vê-se uma performance invisível. Os dois objetos cenográficos criados para esta cena levam em consideração os conceitos de Marcelo Lipiani


A cena revela poemas escritos pelo propositor deste projeto para denunciar violências que o corpo LGBTQI+ sofre diariamente. A cena ainda conta com a música Liberdade ou Solidão de Tiago Iorc.

“Colagem [...] é um processo que envolve tanto a técnica mais braçal quanto a ideia anterior e mais conceitual, abarcando essa contradição em sua própria definição.” Bruna Kalil Othero


“Recorte e colagem são as experiências fundamentais com o papel, das quais a leitura e a escrita são senão formas derivadas, transitórias, efêmeras. Entre a infância e a senilidade, que terei feito? Terei aprendido a ler e a escrever. Leio e escrevo. Não paro de ler e escrever. E por quê? Não seria pela única razão inconfessável de que, no momento, não posso me dedicar inteiramente ao jogo de papel que satisfaria o meu desejo? A leitura e a escrita são substitutos desse jogo.” COMPAGON, Antoine. O trabalho da citação. Tradução Cleonice Mourão. Belo Horizonte: Editora UFMG, 1996, p. 9-51

A cena propõe que o protagonista seja amarrado pela técnica japonesa de Shibari, enquanto fala o poema sem título de Caio Fernando Abreu escrito no dia 22 de Novembro de 1978. A estética com as flores é inspirada no trabalho do artista Mottaart.


É um medley cantado e tocado pelos artistas: Clara Ernest, Felipe Valavez, Letícia Leão, Lilian Santiago e Túlio Dayrell – alunos do Curso de Teatro UFMG, acompanhados pelo aluno do curso de Música Nicodemos Gabriel. A escolha das músicas foram, respectivamente: O tempo não para, Codinome Beija-flor, Eu preciso dizer que te amo, Exagerado, Bete Balanço, Brasil.


O painel de referência do filme foi criado inspirado em clipes e filmes com casais LGBTQI+. Durante o processo de recorte de imagens escolhemos as que mais se aproximavam do que já estava preestabelecido no roteiro escrito.

O painel de montagem fez parte de uma seletiva de cenas dentro do material bruto filmado, que deveria entrar no enredo para completar a narrativa. Nesse momento, ainda não tínhamos a certeza da permanência da cena em cada posição no painel, o que posteriormente acabou sofrendo alterações, mas ele foi o norteador do processo de montagem e edição do curta-metragem Até Quando?



Com texto de Caio Fernando Abreu a cena revela uma relação do personagem com o futuro. O sofá doado para o trabalho estabelece o espaço de aprisionamento em si deste personagem em relação aos amores não correspondidos na vida – da própria família, do homem que ele ama e do próprio eu.


Desde o início do processo algumas cartografias foram feitas para arquivar as ideias. Posteriormente, descobrimos o conceito de planta cenográfica utilizada pelo arquiteto Marcelo Lipiani, que faz a cenografia dos trabalhos de Jatahy. E passamos usar mais ativamente os desenhos e esquemas como forma de registrar o processo.


O arquiteto Marelo Lipiani desenvolve o conceito de cenografia dramatúrgica ao longo de sua carreira. Isso implica em objetos cenográficos que por si só já compõe uma narrativa junto com todo o desenvolvimento da planta espacial no trabalho que o cenógrafo desenvolve. Em Até Quando? aplicamos o conceito desenvolvido por ele em um banco de hospital com uma plotagem de fotos do modelo Lucas Villa.


Toda a programação de ensaios e propostas era de responsabilidade do formando em questão. A sala Laranja no prédio de Teatro UFMG e espaços do Teatro Universitários foram utilizados para os primeiros exercícios cênicos. A produção também ficou por conta do propositor deste projeto. Acima temos algumas camisas do espetáculo criadas para cena Até Quando?


A comunicação do espetáculo já estava pronta. Eram dois modelos de pop card impressos em formato convite. Dois modelos de cartazes sobrepostos por tipos de plásticos. O programa do espetáculo foi feito pela designer gráfico Bruna Donini, com arte da capa pelo desenhista Guilherme Moreto, fundador do projeto corpos traçados. Também tínhamos um modelo de pop card online digital com nossos patrocinadores e apoiadores.


ATÉ QUANDO? por Felipe Valavez e Arthur Borza

Terceiro Tratamento

luizphellypeh@hotmail.com (31) 9912627098 arthurborza@gmail.com (31) 987525922


TELA PRETA: Ruídos e ambiência de rua. Trilha. CRÉDITOS INICIAIS: Fotografias colocadas sobre a mesa. TÍTULO: Até Quando?

PARTE I 1

EXT. CIDADE BELO HORIZONTE (METRÔ) - DIA Ruídos e ambiência permanecem ao fundo. VICTOR caminha em direção ao último encontro com seu namorado por um tunel do metrô que da acesso a rua Sapucaí em Belo Horizonte. Ele sobe as escadas e avista Felipe o aguardando no topo dela. CORTA PARA:

2

EXT. CIDADE BELO HORIZONTE (RUA SAPUCAÍ) – DIA FELIPE e VICTOR estão sentados conversando sobre assuntos cotidianos.

CORTA PARA:

3

EXT. CIDADE BELO HORIZONTE (RUA SAPUCAÍ) – DIA FELIPE está sentado no mesmo lugar que antes estava com VICTOR, agora sem ele. Percebe-se uma emoção e lembranças passando pela sua expressão. CORTA PARA:

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EXT. CIDADE BELO HORIZONTE (RUA SAPUCAÍ) – DIA FELIPE está a espera de Victor. CORTA PARA:

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EXT. CIDADE BELO HORIZONTE (RUA SAPUCAÍ) –


DIA

FELIPE e VICTOR conversam. VICTOR apresenta certo incomodo. CORTA PARA:

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EXT. CIDADE BELO HORIZONTE (RUA SAPUCAÍ) – DIA FELIPE e VICTOR se encontram. abraçam.

Eles se

CORTA PARA:

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EXT. CIDADE BELO HORIZONTE (RUA SAPUCAÍ) – DIA Paisagem. SapucaÍ. CORTA PARA:

8

EXT. CIDADE BELO HORIZONTE (RUA SAPUCAÍ) – DIA Um super close revelam as emoções de FEILPE. CORTA PARA:

9

EXT. CIDADE BELO HORIZONTE (RUA SAPUCAÍ) – DIA De mãos dadas FELIPE E VICTOR caminham pela cidade.

CORTA PARA:

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EXT. CIDADE BELO HORIZONTE (RUA SAPUCAÍ) – DIA


FELIPE e VICTOR fumam. Conversam. Vemos FELIPE admirar VICTOR. FELIPE tenta se aproximar, VICTOR foge. CORTA PARA:

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INT. APARTAMENTO (CHUVEIRO) – DIA FELIPE toma banho enquanto lembra da falta que sente de VICTOR. CORTA PARA:

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INT. APARTAMENTO (SOFÁ) – DIA FELIPE lembra do cheiro de

VICTOR. CORTA PARA:

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INT. APARTAMENTO (CAMA) – DIA FELIPE e

VICTOR estão dormindo. CORTA PARA:

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INT. APARTAMENTO (JANELA) – DIA FELIPE e

VICTOR se beijam. CORTA PARA:

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INT. APARTAMENTO (JANELA) – DIA FELIPE sente a falta de VICTOR. CORTA PARA:

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INT. APARTAMENTO (MESA) – DIA


FELIPE desenhando VICTOR. CORTA PARA:

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INT. APARTAMENTO (PORTA) – DIA VICTOR vai embora e deixa FELIPE.

CORTA PARA O PRETO:

CRÉDITOS FINAIS.


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