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Análise da montagem da sequência A Explosão do Grande Septo de Baelor, da série Game Of Thrones 1 Analysis of the montage of the sequence The Explosion of the Great Sept of Baelor, of the Game of Thrones series Luiz Henrique Vidigal Ribeiro 2 Universidade Federal de Minas Gerais Resumo Este artigo tem como objetivo analisar, a partir das teorias e discussões sobre a montagem fílmica de Eisenstein, Murch, Leone e Mourão e Chion, cenas da sequência “A explosão do Grande Septo de Baelor”, do décimo episódio da sexta temporada da série Game of Thrones, uma das mais premiadas séries da televisão contemporânea, produzida pela HBO, e exibida de 2011 a 2019. Palavras-Chave: Arte, Cinema, Montagem e Edição, Séries televisivas, Game of Thrones. 1 Introdução A série Game of Thrones, produzida pela HBO e exibida do ano de 2011 ao ano de 2019, originada da obra As crônicas de gelo e fogo, de George R. R. Martin, tornou-se um grande sucesso de audiência mundial, tendo atingido cerca de 32,8 milhões de pessoas, nos Estados Unidos na penúltima temporada 3 conforme as mídias oficiais e foi o programa da HBO mais licenciado globalmente, com 100 licenças. Contando a audiência por meios não oficiais este número aumenta significativamente. Além da grande popularidade, a série teve um bom recebimento da crítica, sendo nominada em 608 categorias de premiações e ganhado em 376 categorias 4 durante todo esse tempo de oito temporadas, de 2011 até 2019. Dentre as categorias, destacam-se o editor Tim Porter que teve 7 nomeações 5 e ganhou 6 vezes na categoria edição, e o compositor Ramin Djawadi que teve 10 nomeações 6 e ganhou 14 vezes na categoria trilha sonora. A relevância que a série atingiu, tanto no campo do audiovisual quanto à popularidade, não é por acaso, pois existe toda uma construção de um trabalho cinematográfico para atingir tal empenho. Neste artigo vamos focar na função de Porter, o editor, e Djawadi, o compositor, quais sejam a montagem e o som da série, buscando entender o potencial dessas duas áreas do cinema que contribuíram para tal sucesso, considerando a montagem sonora fazendo parte da montagem como um todo. Uma sequência imponente e marcante da série é a “A Explosão do Grande Septo de Baelor”, que tem mais de 8 minutos de duração, com uma trilha sonora elaborada juntamente com a montagem, feita por Ramin Djawadi. Uma carga emocional é produzida harmonicamente, gerando uma mistura de sentimentos para o espectador. Esta relação entre uma obra e o espectador foi destacada por Eisenstein, um dos mais importantes teóricos da montagem. Uma obra de arte, entendida dinamicamente, é apenas este processo de organizar imagens no sentimento e na mente do espectador. É isto que constitui a peculiaridade de uma obra de arte realmente vital e a distingue da inanimada, na qual o espectador recebe o resultado consumado de um determinado processo de criação, em vez de ser absorvido no processo à 1
Trabalho apresentado na disciplina Trabalho de Conclusão de Curso (TCC), sob a orientação do professor Leonardo Alvares Vidigal. 2 Graduando do curso de Cinema de Animação e Artes Digitais. Escola de Belas Artes/UFMG. 3 Dados retirados do site https://www.forbes.com/sites/danafeldman/2019/04/11/game-of-thrones-bythe-numbers/?sh=5fec3f141685. 4 Dados retirados do site https://www.imdb.com/title/tt0944947/awards. 5 Dado retirados do site https://www.imdb.com/name/nm1707071/awards. 6 Dado retirados do site https://www.imdb.com/name/nm1014697/awards.
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medida que este se verifica. [...] a interpretação realista de um ator é constituída não por sua representação da cópia dos resultados de sentimentos, mas por sua capacidade de fazer estes sentimentos surgirem, se desenvolverem, se transformarem em outros sentimentos - viverem diante do espectador. (Eisenstein, 2002, p.21) Apesar da sequência a ser analisada ter sido filmada no século XXI, ela carrega os fundamentos da montagem, que se estabeleceram desde o início do século XX, teorizados na concepção da montagem soviética de Serguei Eisenstein ou na montagem moderna de Walter Murch. A análise de cenas da sequência selecionada, partindo das teorias e discussões sobre a montagem cinematográfica de Eisenstein (2002,2004), Murch (2004), Leone e Mourão (1993) e Chion (2011) irá auxiliar o entendimento de como é o processo para atingir tal potencialidade de sentimentos, emoções e fluidez da narrativa. Segundo Leone e Mourão (1993), o filme é resultado de uma complexidade de fatores e a montagem é a responsável pela articulação das várias texturas que o compõe. Portanto, a montagem é o processo em que essas texturas são manipuladas, não só do ponto de vista técnico, mas, também, como meio que conduz o espectador a penetrar inadvertidamente nos recintos mais escondidos do imaginário: as ilusões se tomam perceptíveis, e, o que é mais importante ainda, visíveis. (Leone e Mourão, 1993, p.13-14) Além da montagem por si só, outro fator importante, se não fundamental, para atingir o potencial dramático da sequência é o som. Outro aspecto a ser estudado é o design sonoro e a trilha sonora feita especialmente para a sequência a ser analisada, o que proporcionou um ritmo que guiou emocionalmente os espectadores. Ao combinar a música com a sequência, esta sensação geral é um fator decisivo, porque está diretamente ligada à percepção da imagem da música assim como dos quadros. Isto requer constantes correções e ajustamentos dos aspectos individuais para preservar o importante efeito geral. (Eisenstein, 2002, p.56) Remover as barreiras entre a visão e o som, entre o mundo visto e o mundo ouvido! Realizar uma unidade e uma relação harmoniosa entre estas duas esferas opostas. Que tarefa absorvente! (Eisenstein, 2002, p.62) Relativamente ao som, Chion (2011) ressalta o contrato audiovisual, ou seja que a associação do som com a imagem colabora para acrescentar valor ao audiovisual. Para ele, os objetos audiovisuais originam uma perspectiva específica, a audiovisão, que funciona essencialmente por projeção, contaminação ou sugestão recíproca do ouvido sobre o visto. Em termos de processo de montagem, houve uma evolução, considerando as novas tecnologias que foram surgindo. Para Murch (2004, p.9), “o ano de 1995 foi um divisor de águas para a edição de filmes. Foi o último ano em que o número de filmes montados mecanicamente se igualou ao daqueles editados digitalmente”. Vale ressaltar que seja a montagem feita de forma mecânica ou digital, ela se tornou o processo articulatório dos fatores que concorrem para a narrativa fílmica, pois o filme, segundo Leone e Mourão (1993), se caracteriza pela sua natureza heterogênea. As unidades selecionadas vão sendo articuladas através da montagem gerando que a narrativa fílmica transpareça. Ressaltam também que a construção de um filme é um processo interdependente das etapas do roteiro, realização e montagem e que “é a harmonia entre elas que permitirá a fluência geral do filme e, consequentemente, a noção do ritmo do espetáculo” (Leone; Mourão, 1993, p.21).
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2 Análise da montagem da sequência A Explosão do Grande Septo de Baelor da série Game Of Thrones 2.1 Sobre o episódio da sequência a ser analisada A sequência analisada faz parte do décimo e último episódio da sexta temporada da série Game of Thrones, filmado do final de julho a dezembro de 2015 com cenas rodadas na Islândia, Espanha, Croácia e Irlanda do Norte, que estreou em 24 de abril de 2016. A história foi baseada principalmente no sexto livro The winds of winter, que na época ainda não tinha sido lançado, da série de livros As Crônicas de Gelo e Fogo, do escritor George R. R. Martin. O episódio teve a direção de Miguel Sapochnik, roteiro de David Benioff e Dan Weiss e edição de Tim Porter. 2.2 Sinopse da sequência a ser analisada Trata-se da sequência sobre dois julgamentos, o de Cersei, mãe do rei Tommen, e o de Loras, um cavaleiro, preso por ser homossexual. Cersei já estava presa no castelo, por ordem do Alto Pardal, ou Alto Septão, o mais alto dirigente da Fé dos Sete, religião predominante nos sete reinos. Ela seria julgada por crimes cometidos, alguns já confessados para o Alto Pardal. O julgamento reúne os integrantes da Fé dos Sete e pessoas da corte no Grande Septo de Baelor, centro do culto religioso da Fé dos Sete. Mas Cersei não vai e nem Tommen, o rei, seu filho, que é impedido de sair do seu aposento. O julgamento de Loras acontece, ele confessa sua homossexualidade, renuncia a seu nome e título, e se junta à Fé Militante, braço armado da Fé dos Sete. Lancel, braço direito do Alto Pardal, vai buscar Cersei, que até então não tinha comparecido ao seu julgamento. Lancel, ao seguir uma das crianças espiãs que servem à Cersei, encontra um esconderijo, abaixo do Grande Septo repleto de fogovivo, que tinha sido espalhado a mando dela. Mesmo esfaqueado pela criança espiã, tenta apagar as chamas que farão explodir o fogovivo, mas morre sem conseguir apagá-las. Dentro do Grande Septo, Margaery, prima de Cersei e amada do rei Tommen, percebe que poderiam estar correndo perigo, caindo numa armadilha preparada por Cersei, e avisa para todos abandonarem o recinto, mas o Alto Pardal impede que saiam. As chamas fazem o fogo selvagem explodir o Grande Septo, matando todos que lá estavam. Cersei, do seu castelo, olha a explosão tomando uma taça de vinho, comemorando a sua vingança. Além disso, temos Cersei junto com seu Meistre chamado Qyburn, um sábio que ajuda o soberano a tomar decisões, a planejar a morte do Meistre do seu filho, Pycelle, para conseguir maior soberania nas decisões do trono. 2.3 Análise de cenas da sequência Figura 1 - Quadro da cena 1:
Vamos analisar a primeira cena da sequência, relembrando que, neste trabalho, entendemos cena como um conjunto de planos que acontecem num mesmo ambiente e num mesmo momento e sequência como um conjunto de cenas. Nessa primeira cena é apresentada a antagonista da série, Cersei, mãe do rei Tommen. A iluminação da cena traz uma camada de emoção e suspense, pelo plano médio, que revela as personagens e o ambiente onde elas estão, num ângulo de câmera de perfil das
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mesmas e numa altura contra-plongée, quando a câmera está abaixo do nível dos olhos, o que proporciona um teor de superioridade à personagem, por ser a mãe do rei. Além disso, há uma movimentação da câmera pan, ou seja, um movimento horizontal da mesma, com a perspectiva de apresentar, com esse movimento lento de câmera, a personagem, importante para a sequência. Ao mesmo tempo não revela a sua expressão, já que nesse quadro a vemos somente de perfil. Há uma serviçal arrumando a antagonista já dando uma informação para o espectador de que Cersei irá participar do julgamento no Grande Septo, que sabemos de antemão pela série, que ela é obrigada a comparecer. Toda essa construção cênica é indicada no roteiro. Leone e Mourão ressaltam que “ao escrever uma estória para o cinema, (...) é o roteiro que indica qual é a geografia da tomada. (...) teremos níveis de determinação fundamentais: a câmera, através do recorte do enquadramento, nos dará relações mais abertas ou mais fechadas (...)” (Leone e Mourão,1993, p.23). A montagem, para eles, não é apenas uma pós produção. “Devemos pensar o roteiro como peça de uma expressão em que a montagem nos fornece possibilidade de objetivação pelo espetáculo fílmico” (Leone e Mourão, 1993,p.19). Esta cena possui 10 segundos de duração, correspondendo aproximadamente a 2% do tempo total da sequência, lembrando que esta última corresponde a 523 segundos, com isso 1% corresponde a 5,23 segundos. Além disso, esta cena constitui-se de apenas um plano. Figura 2 - Quadro da cena 2 do plano 1:
A segunda cena é constituída de sete planos. Ilustrarei três quadros representando três destes planos. O primeiro quadro representa o primeiro plano quando nos apresenta o filho da principal antagonista num plano médio, num ângulo de nuca, pegando as costas da personagem, estando a câmera acima dos seus olhos (plongée). Essa altura de olhar sobre a personagem nos revela uma inferioridade, uma fragilidade, além de preparar a visão da próxima personagem que irá aparecer na cena, que está abrindo a porta e é mais alta. Figura 3- Quadro da cena 2 do plano 4:
O segundo plano a ser analisado é o quarto plano, onde é apresentado quem abre a porta, que é um guarda. Há o movimento de câmera verticalmente para apresentar esta personagem, que termina num plano americano da cintura para cima e tudo acontece num ângulo contra-plongée. A angulação e o movimento da câmera remetem à visão do pequeno rei, além disso, enfatizam a superioridade do guarda em relação ao mesmo e sua importância na sequência, de não permitir a saída do rei do recinto. Leone e Mourão citam uma frase de Alfred Hitchcok sobre a emoção da cena: “É sempre a questão de escolher o corte das imagens em função dos objetos dramáticos e da emoção, e não simplesmente com o desígnio de mostrar o cenário (...)” (Leone e Mourão, 1993, p.23).
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Figura 4 - Quadro da cena 2 do plano 7:
O terceiro plano a ser analisado é o sétimo plano, que mostra a reação do rei perante a ação de proibição do guarda. O plano fechado num ângulo plongée, tendo a nuca do guarda mais alta do que o rosto do rei enfatiza mais uma vez a relação de fragilidade do último. Essa simples ação e reação nesta cena remete a Walter Murch quando sugere que “o princípio básico é tentar sempre fazer o máximo com o mínimo (com ênfase no ‘tentar’). Você pode não conseguir sempre, mas tente produzir os maiores efeitos na cabeça do espectador com o menor número de coisas na tela.” ( Murch, 2004, p.26). Ou seja, a cena revela ao espectador uma contraposição da primeira cena, quando talvez a antagonista não esteja se arrumando para o evento já que está protegendo seu filho para que ele não vá ao Grande Septo de Baelor. Figura 5 - Quadro da cena 3:
A terceira cena volta ao ambiente da primeira cena num plano americano revelando as costas da antagonista num ângulo de câmera normal. A cena, que corresponde a 1% aproximadamente do tempo total da sequência, neste único plano, reafirma a ideia do segundo plano de que ela não está se arrumando mais para ir ao evento, reiterando a ideia de algum desfecho diferente. Esta cena pode ser considerada uma cena de transição, pois faz uma conexão com o próximo ambiente onde irão ocorrer novas ações. Assim considerando, as três primeiras cenas acontecem no palácio e a quarta cena muda completamente de clima e tensão, já que as iniciais eram de apresentação e a quarta indica para o espectador de que algo diferente irá acontecer. Esta mudança de ritmo “decorre de um conjunto de elementos anotados no texto: uma espécie de ‘andamento’ da ação” (Leone e Mourão, 1993, p. 29). Além disso, interpreta-se como uma montagem rítmica que, de acordo com Eisenstein (2002), é quando o movimento dentro do quadro, calculado de forma mais sutil, é impulsionador do movimento da montagem de um quadro para o outro. Figura 6 - Quadros dos planos 1 e 2 da sequência 1:
A quarta “cena” é composta por 22 planos decorridos em 1 minuto e 3 segundos, correspondendo a aproximadamente 12% do tempo total da sequência. Na verdade esta “cena” seria
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uma sequência, já que há duas cenas acontecendo ao mesmo tempo. Isto revela o caráter de uma montagem alternada que “intercala os planos de duas ou mais cenas e/ou sequências, apresentando ações que se desenrolam ao mesmo tempo em locais diferentes, mas que estão diretamente relacionados” (Canelas, 2010,p.4). Essa primeira sequência foi determinada pela ação, de um momento de uma montagem que intercala duas cenas até a inserção de uma nova sequência de uma nova montagem alternada entre 2 cenas. O primeiro quadro desta primeira revela um plano detalhe de um pé sangrando e logo mostra num outro plano detalhe de quem é o sujeito deste pé. Ambos os planos são em um ângulo normal e os dois de perfil da personagem. Esse segundo plano tem um movimento de foco da lente, onde primeiramente há o foco na personagem sangrando e depois um foco na plateia assistindo à tortura, foco este no pai e em um conhecido da vítima. O fato de relatar duas informações importantes num único plano reitera da ideia do motivo do corte de um plano para o outro. “Num mesmo plano, podemos ter o plano geral, o plano médio e o primeiro plano.” (Leone e Mourão 1993, p. 35) Caberia ter outro plano com a reação da plateia que tem um vínculo com a vítima, porém, o efeito de desfoque e foco cria uma emoção extra. Walter Murch já alertava que “um editor hiperativo que muda de corte com frequência é como um guia de turismo que não consegue parar de apontar coisas...” (Murch, 2004, p.27) e isso mostra que o editor Tim Porter fugiu dessa técnica hiperativa. Figura 7 - Quadros dos planos 3 e 4 da sequência 1:
Os próximos planos começam a ser intercalados basicamente na forma de um diálogo entre a irmã da vítima, Margaery, e o Alto Pardal, seguindo uma linha comum de comunicação entre duas personagens, um plano mostrando a reação da irmã, outro com os dois de perfil revelando a plateia. Seguindo a ideia da ‘piscada’ de Walter Murch, temos que “um plano nos apresenta uma ideia, ou uma sequência de ideias, e o corte é uma ‘piscada’ que separa e pontua essas ideias” (Murch, 2004, p. 67). Para ele, a comparação com o piscar pode ajudar a identificar potenciais pontos de corte (Murch, 2004). Percebe-se, nesse diálogo, que as personagens não piscam, que é uma das técnicas de corte de Walter Murch. O único momento em que Margaery pisca é quando demonstra uma conclusão de pensamento. Figura 8 - Quadros dos planos 10 e 12 da sequência 1:
Seguindo essa linha de montagem, há outros dois planos mostrando a reação do Alto Pardal e de Lancel, seu braço direito, revelando a reação de Lancel. O interessante é que o plano fechado no rosto de ambos é após a aparição alternada das cenas de Cersei. De certa forma eles são antagonistas da série também e, portanto, há um certo suspense dentro do suspense, no sentido do suspense da cena por si só e do suspense moral, na torcida pelo planejamento de algo por parte da Cersei, que o espectador não sabe, ou na torcida para que esses outros dois antagonistas descubram o que Cersei está tramando.
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“Da mesma forma que falamos da montagem interna, aquela que se dá no plano, podemos, com segurança, falar de um ritmo interno, resultado da construção dos diálogos, das pausas, das relações entre personagens do quadro” (Leone e Mourão, 1993, p.29). A questão da moralidade é bem forte na série, principalmente relacionada à Cersei, uma vilã que mesmo detestada, a montagem, direção e roteiro direcionam o público a, de certa forma, torcer por ela em algumas situações como esta. “O montador pode dirigir e controlar as emoções do espectador, reorganizando a realidade descrita pelos planos e fazendo com que o espectador seja envolvido pelo filme, relacionando-se com ele de maneira passiva” (Leone e Mourão, 1993, p. 51). A diferença neste diálogo em termos de composição é a montagem alternada, pois enquanto o diálogo acontece, revela-se o que Cersei está fazendo no palácio. Ela está tomando vinho, comprovando ainda mais que algo está por acontecer, planejado por ela, e ainda reiterando a ideia de que ela irá permanecer no palácio. Figura 9 - Quadros dos planos 5 e 8 da sequência 1:
Após o diálogo, temos uma movimentação de câmera num travelling lateral, o acompanhamento da personagem lateralmente num plano americano (do joelho até a cabeça da personagem). Além disso, há o aproveitamento do movimento para conectar com o próximo plano do movimento de câmera de travelling acompanhando Lancel saindo do Grande Septo para buscar Cersei. Figura 10 - Quadros dos planos 14 e 15 da sequência 1:
Toda essa montagem alternada pode ser identificada, conforme Eisenstein, como uma montagem harmônica, pois “conjuga os tipos de montagem métrica, rítmica e tonal, manipulando a duração temporal do plano, ideais e emoções com o objetivo de provocar o efeito pretendido ao público” (Canelas, 2010, p.9). Ou seja, esta sequência utiliza elementos do tempo, alternando cenas que acontecem ao mesmo tempo, juntamente com a emoção descrita pela tensão e suspense, provocando, de forma intencional, este efeito pretendido no público. Figura 11 - Quadro dos planos 2 e 4 da sequência 2:
A próxima cena trata-se de uma nova sequência de uma montagem alternada, agora novos elementos são revelados para a construção do suspense. Lancel, que vai buscar Cersei para o julgamento, começa a seguir uma criança espiã e o Meistre de Cersei, Qyburn, começa o planejar o assassinato do Meistre de Tomman, Pycelle.
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Repara-se que ambas as cenas onde irão acontecer os crimes são filmadas em plano médio, no subsolo e em ambientes escuros, e estes ambientes remetem à ideia de que algo sórdido vai acontecer, auxiliando no clima emocional de tensão. As primeiras cenas seriam de apresentação da nova ação da sequência como um todo, na primeira o jovem descobrindo o fogovivo e na segunda Pycelle se encontrando encurralado e sendo assassinado. Figura 12 - Quadro dos planos 8 e 9 da sequência 2:
Estes dois quadros exemplificam o uso de uma boa transição de uma cena para outra. Ao tratar-se de uma montagem alternada, há a variação recorrente de cenas, e o uso de diferentes situações podem cansar menos essas transições secas de uma cena para outra, como neste caso. Quando Lancel chega bem próximo do quadro à direita, corta-se para o Pycelle entrando no quadro, continuando o movimento da esquerda para a direita. Figura 13 - Quadro dos planos 13, 14 e 16 da sequência 2:
Estes planos referentes aos diálogos entre o Qyburn e Pycelle trazem uma dinâmica diferente dos diálogos tradicionais que geralmente constituem da variância de apenas dois planos (plano e contra plano). Neste exemplo, utiliza-se uma variante de aproximação das personagens do quadro onde os planos não se repetem, potencializando a cena, já demonstrando que não se trata de um diálogo comum, e com essa “dança” a cena ajuda a instigar a tensão que acontecerá nos próximos planos, o assassinato do Meistre do filho de Cersei. Relembrando que a montagem está presente no roteiro, temos que “o escritor da peça cinematográfica (...) estará preocupado em já ‘visualizar’ uma possível cadência para as ações. E por trabalhar com ações, o movimento encontra-se implícito a todo momento” (Leone e Mourão, 1993, p. 30). Figura 14 - Quadros do plano 16 da sequência 2:
Este movimento com a câmera de baixo para cima (tilt) apresentando uma faca, que, na história do cinema, muitas vezes remete a um assassinato, e finalizando com o plano no rosto da criança que segura a faca é bem forte, pois são elementos com simbologias diferentes, já que a figura da criança remete à inocência. Assim, os dois elementos em um mesmo plano e em movimento de tilt potencializam a emoção pretendida. “Os diretores de hoje, não muito diferentes dos de ontem, ainda procuram o susto, e, portanto a reação das plateias” (Leone e Mourão,1993, p. 33).
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Figura 15 - Quadros dos planos 21 e 22 da sequência 2:
Para tentar destoar uma cena da outra, além do fogo na mão da criança que Lancel está seguindo, temos a constituição dos planos mais longes, na perseguição no esgoto e no assassinato no porão, planos médios e fechados. Para Leone e Mourão, por meio de um corte, a mudança de um ambiente para outro pode acontecer pela diferença entre os ambientes, servindo assim de informação para o espectador (Leone e Mourão, 1993). Figura 16 - Quadros dos planos 36 e 37 da sequência 2:
Mais uma vez uma transição de referência ao quadro anterior, o corpo de Pycelle sendo esfaqueado e a tocha deitada da outra cena. “cada corte deve gerar um conflito entre dois planos unidos, fazendo com que na mente do espectador surja um terceiro conceito, (...) que Eisenstein chama de ‘imagem’” (Leone e Mourão, 1993, p. 51). Além disso, temos novamente uma criação de tensão, há 57 segundos desde a aparição do plano 16, onde aparece a faca, até o primeiro plano de ação de assassinato de Pycelle. Em termos de planos temos 16 planos para a construção desse suspense e tensão e 5 planos revelando o ato do assassinato. “Qualquer idéia, antes de se transformar em filme, passa obrigatoriamente pela montagem, E na montagem final, propriamente dita, o ritmo do espetáculo surgirá da obediência a essa dinâmica interna do texto fílmico através dos cortes” (Leone e Mourão,1993, p. 31). Figura 17 - Quadros dos planos 42 e 43 da sequência 2:
O golpe de faca que Lancel sofre na perna é rápido, com a intenção de ser um susto e não uma mutilação como no caso de Pycelle. Neste último caso, como se trata de uma vingança, os 5 planos promovem essa ideia de tortura. Já o plano 42, como é um golpe rápido, quando a criança acerta Lancel com a faca, dura cerca de 1 segundo. A sequência 2 é marcada por 49 planos durante 3 minutos e 7 segundos correspondendo a quase 36% da sequência total. Ou seja, já se destaca no tempo comparado às outras cenas e sequências que foram analisadas, pois temos uma perseguição que levará ao desfecho final, no caso da perseguição de Lancel pela criança e temos também uma das vinganças da Cersei sendo concluída, o assassinato de Pycelle. “A decupagem nos leva a um conjunto de planos nos quais existe uma intencionalidade temporal” (Leone e Mourão,1993, p.39).
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Figura 18 - Quadro dos planos 1 e 2 da sequência 3:
A sequência 3 volta-se para o Grande Septo, num plano geral visto de cima seguido de um plano fechado de Margaery, caracterizando-se por desconfiança e inquietude, pois, após os 3 minutos e 7 segundos representando o tempo dentro do filme (tempo diégetico) da segunda sequência, não se obteve nenhuma resposta do comparecimento de Cersei e de seu filho. Este tempo é importante para comprovar e exemplificar tal demora, auxiliando na criação de realidade dentro do filme. Leone e Mourão destacam o tempo narrativo, ou seja o tempo diegético, que “está ligado à articulação sequencial do espetáculo fílmico. Se considerarmos que cada sequência é um segmento dramático, contendo nele uma relação de causa e efeito, fica simples compreender este importante aspecto da montagem na peça cinematográfica” (Leone e Mourão, 1993, p. 26). Além disso, são mostrados em outros planos personagens importantes que estão no Grande Septo, como a família e conhecidos de Margaery e seu irmão. Figura 19 - Quadro dos planos 5 e 22 da sequência 3:
Estes dois planos são marcados pelo momento em que Lancel descobre pontos de luz, através de um movimento de câmera feito horizontalmente (pan), do rosto de Lancel até o fundo mostrando 3 pontos de luz desfocados. Lancel começa a rastejar até eles e se passam 80 segundos, decorridos de 17 planos, no tempo diegético, para identificar que são velas acesas quase acabando. “Ao buscar o tempo de duração de um plano, ele estará implicado com a narrativa e com sua evolução no espaço da tela” (Leone e Mourão, 1993, p. 46). Este é um ponto importante do roteiro, raciocinar como será mostrada a vingança de Cersei e de que forma fazer isto lentamente para criar um suspense. Lancel tem este papel nesta sequência, o espectador só vai ficar sabendo através do que Lancel for descobrindo. “Agora, graças à câmera, o público faz a parte da cena, e é preciso sobretudo que a câmera não se torne bruscamente distante e objetiva, sob pena de destruir a emoção que foi criada” (Leone e Mourão, 1993, p.24). Além disso, o fato dele ter sido golpeado na perna de forma rápida, fazendo com que rasteje, criando assim a lentidão necessária para a tensão e suspense, reforça a ideias de que a montagem é contemplada também no roteiro. “A montagem não é apenas a etapa terminal de um processo, mas também a modalidade articulatória que participa do conjunto, indo do roteiro até o resultado/produto” (Leone e Mourão, 1993, p.15). Figura 20 - Quadros dos planos 9 e 10 da sequência 3:
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À inserção desses planos adiciona-se mais uma cena para a montagem alternada da sequência, a reação de Cersei. Principalmente o primeiro quadro que, ao apresentar o Grande Septo ao fundo, já indica que algo irá acontecer. Figura 21 - Quadros dos planos 15 e 16 da sequência 3:
O diálogo entre Margaery e o Alto Pardal possui poucos cortes de planos, tendo o plano 66 que mostra o ambiente novamente onde estão. “Pela contiguidade espacial, conseguimos interpor personagens, desenvolver ações dialogadas e construir a geografia cinematográfica, desconstruindo-a em planos que, na etapa terceira, serão cortados para a reconstrução dessa geografia” (Leone e Mourão, 1993, p. 36). O foco do diálogo é nas expressões de Margaery, já que é a única que está desconfiando de algo da parte de Cersei. Mostra-se o Alto Pardal em evidência quando a expressão dele é significativa para a fluidez do diálogo. Este tempo também serve para dilatar o tempo dos planos 55 e 72, auxiliando no suspense e tensão da sequência. “Podemos, assim, falar de um tempo dramático, que existe em função da narrativa, e não de uma busca do ‘tempo real’” (Leone e Mourão, 1993, p. 40). Figura 22 - Quadros dos planos 23 e 25 da sequência 3:
É nestes quadros que é revelado, de forma bem clara, o objetivo de Cersei, explodir o Grande Septo. É mostrada a reação de Lancel através de um plano fechado frontal e no outro quadro um plano detalhe do barril escorrendo o líquido verde, já mostrado na série em outra temporada. “A ideia de espacialidade no plano surge com a distância que a câmera ocupa em relação ao objeto ou objetos” (Leone e Mourão, 1993, p. 35). Lancel, então, começa a rastejar mais rápido, tentando conter o fogo da vela já quase no final. Figura 23 - Quadros dos planos 29, 38 e 35 da sequência 3:
Estes quadros exemplificam a alternância entre cenas para criar tensão. Enquanto Lancel está rastejando até as velas, Margaery percebe a demora de Cersei e aconselha todos a saírem do Grande Septo. Porém, o Alto Pardal não permite e uma barreira é formada por seus seguidores para impedir a saída, como no plano 88. O tempo diégetico, de quando Lancel começa a rastejar mais rápido até chegar e perceber que eram velas em cima de líquidos derramados de barris explosivos, é de 1 minuto e 15 segundos. Isto exemplifica a fluidez, o caminho da tensão pretendida para atingir o espectador. “O bom diretor, ao
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encenar, possui absoluto controle desse tempo interno que determinará a montagem final. É desse controle que nasce o desenho da ação dramática” (Leone e Mourão,1993, p. 42). Figura 24 - Quadros dos planos 51, 52 e 53 da sequência 3:
As cenas alternadas após Lancel descobrir as velas e o barril aparecem menos vezes do que as do Grande Septo. O intuito agora é reiterar que estão acontecendo ao mesmo tempo e dar mais ênfase no clímax da tensão da sequência total. Quando há o plano detalhe das velas quase acabando e Lancel não conseguindo apagá-las, e logo após um movimento de câmera aproximando (zoom in) do rosto de Margaery e, no plano 103, do rosto do Alto Pardal, a tensão da cena que antecede a explosão é complementada. “Para cada tipo de ação, a montagem deve ser utilizada a fim de reforçar a utilização da estória” (Leone e Mourão, p. 59). Figura 25 - Quadros dos planos 54 e 70 da sequência 3
Os planos que mostram a explosão, que é o ápice da sequência total, somam 17 planos no decorrer de 24 segundos, tendo em média menos de 1 segundo e meio de duração por plano. O plano 120 é o mesmo enquadramento do plano 59 da sequência 3, onde já era indicado que algo daria para ser visto daquele último plano. “A montagem é a articulação em três etapas distintas: a escritura do roteiro, (...) a realização, (...) e a seleção e organização dos planos, buscando aproximação estrutural com o roteiro; a isso também chamaremos de montagem propriamente dita.” (Leone e Mourão, 1993, p.15). Além disso, revelam pessoas inocentes sendo atingidas pela explosão, aumentando o potencial destrutivo da situação e acrescentando o tamanho da vingança e do ódio de Cersei que, ao ver a cena, celebra com seu copo de vinho na mão. Figura 26 - Quadro do plano 71 da sequência 3:
A sequência 3 constitui-se de 73 planos no total de 3 minutos e 53 segundos representando aproximadamente 44% do tempo da sequência total. “Num primeiro momento, temos o tempo sequencial, isto é, aquele desenvolvido no interior de uma sequência através de planos montados que delimitam um começo, um meio e um fim para a ação proposta. Nesse
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momento teremos uma maior incidência do espaço determinando a harmonia do tempo da ação. Num segundo momento, na intersequencialidade, temos uma maior incidência temporal, pois a montagem produzirá diferenças substanciais para que possamos perceber a transição de uma ação para outra” (Leone e Mourão,1993, p. 43). Na totalidade da sequência analisada percebe-se que, pelo fato de conter em vários momentos a montagem alternada, têm-se um tipo de montagem que, de acordo com Leone e Mourão (1993) explicita significação quando dois planos distintos criam uma nova visão com a intenção de escancarar a troca de plano. Esta técnica facilita a identificação de troca de cenas, já que são várias ao mesmo tempo. Para Murch (2004, p. 22), “a edição consiste na estruturação, na cor, na dinâmica e na manipulação do tempo”. Para ele, o corte ideal segue uma determinada ordem: 1) reflete a emoção do momento; 2) faz o enredo avançar; 3) acontece no momento "certo", dá ritmo; 4) respeita o que podemos chamar de "alvo de imagem" (eye trace) - a preocupação com o foco de interesse do espectador e sua movimentação dentro do quadro; 5) respeita a "planaridade" - a gramática das três dimensões transpostas para duas pela fotografia (a questão da linha de eixo, stageline, etc.); e 6) respeita a continuidade tridimensional do próprio espaço ( onde as pessoas estão na sala e em relação umas com as outras). (Murch, 2004, p.29) A emoção considera 51% do potencial, o enredo 23%, ritmo 10%, alvo de imagem 7%, plano bidimensional da tela 5% e espaço tridimensional da ação 4% de acordo com Murch ( 2004, p.29). Analisando, de modo mais amplo, todos os planos da sequência analisada, observa-se essa concretude. A emoção de cada momento é evidenciada nos momentos de diálogos mais extensos, até o instante em que criam outras emoções, principalmente a tensão e o suspense. Outra preocupação com a montagem se refere ao avanço do enredo e isso é notável, ainda mais com a utilização da montagem alternada. Muitas das vezes, ela está em constante movimento e intercalação, reiterando a existência do terceiro item que seria o ritmo. Os três últimos critérios, que são mais técnicos, funcionam de forma correta, não havendo nenhum erro de espacialidade entre as personagens e o cenário. Em relação aos diálogos, todos são maiores, na média de cortes por minuto, que um diálogo “normal” de acordo com Murch (2004, p. 74). A média para uma cena de diálogo seria de 6 cortes por minuto. Isso demonstra que os diálogos possuem um ritmo mais acelerado, mas que não compromete a narrativa. Essa quantidade maior de cortes se dá pelo uso da montagem alternada, onde são utilizadas cenas de outros ambientes durante o diálogo que ocorre em uma outra cena, o que faz aumentar o número de cortes. Já em relação aos cortes do assassinato do Meistre ou os da explosão, eles seguem uma média alta seguindo a linha de raciocínio de Murch (2004). Ele dá um exemplo, considerando luta como planos agitados, que “se você estiver numa luta estará piscando dezenas de vezes por minuto porque está pensando dezenas de coisas conflitantes por minuto – portanto quando se está assistindo a uma luta num filme, o ideal são dezenas de cortes por minuto” (Murch, 2004, p.73). Gráfico 1: Tempo (s)
Seq. 3
Seq. 2
Seq. 1
Planos Cenas…
300 200 100 0
(%)
A partir do gráfico 1, elaborado a partir da quantidade de planos (em azul), tempo em segundos da sequência (em vermelho) e porcentagem do tempo total (em verde), conseguimos obter
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algumas informações de ritmo da sequência total. As três cenas iniciais juntas possuem uma maior relação de planos por tempo, pois têm como objetivo a apresentação das personagens Cersei e seu filho, e a revelação da primeira ação importante do roteiro, a de que elas permaneceram no castelo. Como a sequência 1 é constituída principalmente dos diálogos entre o Alto Pardal e Margaery sobre Loras, seu irmão, que acaba de ser julgado, temos um menor tempo dessa ação até o começo da cena onde o Meistre Pycelle vai ser assassinado. A próxima sequência, no caso a 2, mostra o assassinato de Pycelle e a perseguição de Lancel a uma criança, espiã de Cersei, até o local onde encontrará as velas. Esta sequência, comparada com as outras, necessita de um certo tempo para criar a tensão necessária, até chegar na sequência 3 que demanda ainda mais tempo. É nesta última sequência, quando Lancel descobre o que Cersei planejava e vai arrastando, por causa da sua perna ferida, para apagar as velas, que o tempo é dilatado para acrescentar mais suspense e tensão na trama. A relação de porcentagem do tempo total mostra a necessidade de dilatar o tempo nas ações necessárias para criar tensão, que seriam as sequências 2 e 3. Estas últimas, somadas, correspondem a aproximadamente 80% do tempo total. Já as cenas iniciais da sequência 1 correspondem a aproximadamente 20%. “O trabalho do editor é em parte antecipar e em parte controlar o processo de pensamento do público. Dar a ele o que ele quer e/ou o que precisa imediatamente antes de ele ter que ‘pedir’ – surpreender e explicitar ao mesmo tempo” ( Murch, 2004, p.74). Isto é notório na sequência total onde, logo de início, é dada uma pista que o espectador quer, de que algo vai acontecer quando Cersei e seu filho ficam no castelo, quando eles teriam que ir ao Grande Septo. Com isso o espectador quer mais, quer saber o que vai acontecer, e as pistas vão sendo dadas aos poucos, primeiro por meio da desconfiança de Margaery, depois o suspense até o assassinato do Meistre, depois as velas, depois a possível explosão, depois o Alto Pardal não permitir que saiam do Grande Septo e por final a explosão. “(...) mas se estiver em harmonia com o público, direcionando-o sutilmente, o fluxo dos acontecimentos parecerá normal e estimulante ao mesmo tempo” (Murch, 2004, p. 75). “As camadas vão sendo sobrepostas, criando determinações e interdependências necessárias, para que no final desse processo possamos ter como resultado um objeto artístico” (Leone e Mourão, 1993, p.31). Quanto à análise sonora da sequência, percebemos uma nova ordem a ser analisada, pois o som não necessariamente termina no final de um plano, ele pode continuar ou interligar com outro plano. Surge então uma nova estrutura já explicada por Eisenstain: “(...) uma nova superestrutura surge de forma vertical sobre a estrutura horizontal do quadro. O comprimento destas novas faixas da superestrutura são diferentes das da estrutura do quadro, mas, no comprimento total são iguais. As unidades sonoras se encaixam em ordem simultânea e não em ordem sequencial. A questão é “encontrar uma sincronização interna entre a imagem tangível e os percebidos de modo diferente”, que vai além da sincronização externa, “estamos falando de uma sincronização interna "oculta", na qual os elementos plásticos e tonais encontram total fusão” (Eisenstein, 2004, p. 58-59). Por exemplo, nas três primeiras cenas, a trilha sonora feita por Ramin Djawadi começa com um suave piano que ultrapassa as primeiras cenas e adentra no plano 1 da sequência 1 (figura 6). A trilha sonora seria extra diegética, ou seja, é escutada fora da cena, as personagens não escutam a música. Quanto aos elementos de cenário sonoro, ou seja, os sons de fontes pontuais, segundo Chion (2011) , eles podem ter um papel narrativo além de pontuativo “pois a sua distribuição inteligente no ritmo da cena pode renová-la ou mudar a sua utilização”. Destaca ainda que “esta pluralidade de funções lembram-nos que a análise sonora do filme deve levar sempre em conta uma sobredeterminação possível dos elementos, ou seja, que um deles possa fazer sentido simultaneamente em diversos níveis” (Chion, 2011, p.48-49). O som do barulho da armadura do braço do guarda, que impede o filho de Cersei de sair dos seus aposentos, contribui e altera a emoção da cena, já que a cena
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estava somente com a trilha sonora do piano e com o ruído dos passos de Tommen, num volume bem baixo. Quanto à impressão de silêncio numa cena de filme Chion (2011) afirma que não é o simples efeito de uma ausência de ruído, não é um vazio neutro, “é o negativo de um som que ouvimos anteriormente ou que imaginamos; é o produto de um contraste” e que “só se produz quando é trazido por todo um contexto e por toda uma preparação, que consiste, no mais simples dos casos, em fazê-lo preceder de uma sequência barulhenta” (Chion, 2011, p.50). O silêncio total nesta sequência é comum no início de diálogos como no plano 3 da sequência 1 (figura 7). Outros momentos em que ocorre, é quando da mudança da melodia da trilha sonora, que altera a atmosfera e ritmo da cena visual. Além disso, acontece nos momentos de ápice, como no da explosão, quando há um breve silêncio entre a trilha e o barulho de explosão. Os pontos de sincronização, momentos síncronos entre um momento sonoro e um momento visual, quando significativos, emergem de modo especial na sequência analisada. Concluindo, esta análise evidencia o que Chion (2011) chama de contrato audiovisual pois, de fato, a associação do sons com as imagens acrescenta um grande valor à sequência A explosão do Grande Septo de Baelor, da série Game of Thrones. Considerações finais A análise da montagem da sequência A Explosão do Grande Septo de Baelor, da série Game of Thrones possibilitou compreendermos melhor a contribuição da montagem para a relevância que a série assumiu em termos de qualidade, tendo em vista as várias indicações e prêmios conquistados. Encontramos fundamentos e sugestões de montagem fílmica dos autores escolhidos para a análise, Sergei Eisenstein, Walter Murch, Michel Chion , Eduardo Leone e Maria Dora Mourão, que nos ajudaram a entender o processo para atingir potencialidade de sentimentos, emoções e fluidez presentes na narrativa fílmica. Quanto à trilha sonora composta pelo premiado compositor Ramin Djawadi foi fundamental para que a sequência transparecesse como uma única peça, já que, em depoimento, o diretor Miguel Sapochnik comentou que as cenas foram gravadas em diferentes sets e locações, inclusive em diferentes países. Também em depoimento, o premiado editor Tim Porter, ressaltou, a respeito dos episódios que editou que, na sua avaliação, é como se tudo estivesse no lugar certo. Apesar do uso das novas tecnologias, dos efeitos especiais, do trabalho articulado de inúmeras pessoas, dos grandes orçamentos, a análise desta sequência nos mostra que os processos e as técnicas de montagem fílmica foram aperfeiçoadas com o tempo, por tentativa e erro, e que obedecem a princípios que devemos a precursores com Edwin Porter e David Griffith, aos praticantes e teóricos, como Sergei Eisenstein e Walter Murch e a tantos outros cineastas e pesquisadores que contribuíram para a construção de todo um conhecimento nesta área. Referências Canelas, Carlos. Os fundamentos históricos e teóricos da montagem cinematográfica: os contributos da escola norte-americana e da escola soviética. Lisboa: Instituto Politécnico da Guarda. 2010. Disponível em: <http://www.bocc.ubi.pt/_esp/autor.php?codautor=1804>. Acesso em: 27.jan.2021. Chion, Michel. A audiovisão: som e imagem no cinema. Coleção MI. ME.SIS Arte e espetáculo. Vol. 8. Lisboa: Edições Texto & Grafia. 2011. GAME of Thrones. Produção: David Benioff, D.B. Weiss. Direção: David Benioff, D.B. Weiss e outros. Los Angeles: HBO, 2011-2019. Série de 8 temporadas e 73 episódios. Eisenstein, Sergei. O sentido do filme. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed.. 2004. Eisenstein, Sergei. A forma do filme. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed.. 2002.
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Leone, Eduardo e Mourão, Maria Dora. Cinema e montagem. São Paulo: Editora Ática. 1993. Murch, Walter. Num piscar de olhos – A edição de filmes sob a ótica de um mestre. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed.. 2004