Alexandre O’Neill Antologia do Poeta
Professora: Ana Matias Disciplina: Português
Trabalho realizado por: - Andreia Almeida, nº22, 12ºB - Catarina Mangas, nº2, 12ºE - Margarida Carrusca, nº6, 12ºE - Rui Ramos, nº14, 12ºE
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Índice Introdução ..................................................................................................................................... 2 Biografia ........................................................................................................................................ 5 Poemas do Autor ........................................................................................................................... 6 O Tempo sujo ............................................................................................................................ 6 Entre a cortina e a vidraça......................................................................................................... 7 Aos Vindouros, se os Houver... ................................................................................................. 8 A Ti............................................................................................................................................. 9 O Amor é o Amor .................................................................................................................... 10 Ofélia ....................................................................................................................................... 11 O Morto ................................................................................................................................... 12 A Morte, esse Lugar-Comum................................................................................................... 13 Os Botões ................................................................................................................................ 14 A meu favor ............................................................................................................................. 15 Solidão ..................................................................................................................................... 16 Amigo ...................................................................................................................................... 17 Análise do poema “O Amor é o Amor” ....................................................................................... 18 Conclusão .................................................................................................................................... 21 Bibliografia .................................................................................................................................. 22
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Introdução
O conceito de poesia e de poeta é algo bastante discutido entre diferentes autores. Fernando Pessoa, através do seu heterónimo Alberto Caeiro, afirma: “Ser poeta não é uma ambição minha./ É a minha maneira de estar sozinho”1, enquanto Umberto Eco diz:“ Eu definiria o efeito poético como a capacidade que um texto oferece de continuar a gerar diferentes leituras, sem nunca se consumir de todo.”2. Já O’Neill, um poeta influenciado pelo surrealismo, caracteriza a poesia pelas antíteses ”Esperadas inesperadas”3 (1958), ao relacioná-las com o amor e com as palavras. O movimento surrealista teve origem na França, no início do século XX, tendo grandes influências das teses psicanalíticas do austríaco Sigmund Freud, o pai da psicanálise. O surrealismo mostrava a importância do inconsciente na criatividade do ser humano, questionava as crenças culturais na Europa, a postura do ser humano, que se mostrava vulnerável diante da realidade que era cada vez mais difícil de compreender e dominar. Os surrealistas desejavam alcançar a total liberdade de expressão, onde o homem se libertaria de toda a repressão exercida pela razão. Dessa forma, ele poderia explorar o seu inconsciente, ou seja, o interior de cada mente. Os escritores dessa época eram inovadores, rejeitaram a forma do romance e da poesia que eram representados pelos valores sociais da época. Nas suas poesias e textos o que predominava era a liberdade, a livre associação de ideias, frases montadas com palavras recortadas de revistas ou jornais e outras imagens 1
Guardador de Rebanhos, 1ª publicação in Athena, nº 4, Lisboa, Jan. 1925 Apud Citador http://bit.ly/2Gt4I49 3 “Há Palavras que Nos Beijam“ in O Reino Da Dinamarca,1958 2
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que mostravam um pouco do inconsciente, misturando a criatividade. Alguns dos principais escritores foram: Paul Éluard, Louis Aragon, Jacques Prévert e André Breton. Em Portugal, este movimento começou no ano de 1947. Alexandre O’Neill encaixa-se neste movimento, caracterizado pela sua efemeridade e instabilidade, cuja primeira consequência é a sucessão de dissidências, debates e escândalos. O grupo fundado neste movimento, onde O’Neill se inseria, não durou mais de três anos, embora tivesse tido um grande impacto na literatura contemporânea. Para além da sua curta duração, o surrealismo português foi sujeito de um circunstancialismo histórico, uma vez que se opunha à atmosfera opressiva do Estado fascista que vigorava na época, sendo que a consequência benéfica na poesia foi a introdução da “escrita automática”, que demonstrou ser o motor que impulsionou a linguagem, uma vez que valoriza o inconsciente do escritor, evitando qualquer pensamento racional. Nesta valorização são visíveis as influências atribuídas pelas teses da Psicanálise. O surrealismo libertou a imaginação para uma busca sem fronteiras e conseguiu o equilíbrio entre o que as palavras geram e a disponibilidade para a leitura. Alguns poemas de O’Neill, como “A Meu Favor”4 e “O Poema Pouco Original do Medo”, mostram precisamente o uso da “escrita automática”, anteriormente referida. Encontramos na poesia deste autor um certo mal-estar diante das instituições, do estabelecimento de julgamentos morais e sociais, o que demonstra a oposição à opressão sentida nos anos 40 em Portugal. Outra característica surrealista da poesia de O’Neill é apresentada pela busca constante por liberdade, busca essa que faz parte do universo surreal, uma procura que vai, nesta sua poesia, desde a libertação da palavra até a libertação do homem (sendo uma necessária para que a outra se alcance). Essa liberdade traz ao poeta, essencialmente, a capacidade de invenção, uma intervenção imaginativa, 4
Cf. p. 19
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compatível aos moldes do movimento surrealista. Trata-se da busca de uma literatura livre mais imaginativa, menos ligada às regras e ao tradicionalismo da poesia. Um terceiro ponto relativo à inserção da poesia deste poeta no movimento surrealista português é o tema do amor, o qual é consequência da liberdade, o amor como possibilidade de desenvolver uma nova linguagem, de encontrar um ponto que contemple tanto o sonho quanto o real, ponto esse que seja a convergência da imaginação e do real, da síntese desses elementos surreais e reais. Alexandre O’Neill é considerado um poeta da pátria, ao evocá-la em poemas como “Portugal”5, onde ele enaltece as qualidades tanto do país como do povo português:“ Minho verde, Algarve de cal,/ jerico rapando o espinhaço da terra,/ surdo e miudinho,/ moinho a braços com um vento/ testarudo”. Para além da poesia, o poeta português escreveu crónicas em forma de prosa, como, por exemplo, “As Andorinhas não Têm Restaurante”, de 1970. A sua poesia pode ser rotulada de, segundo Maria Antónia Oliveira6, ”realismo subversivo, um realismo transtornado por um olhar alucinado simultaneamente por Cesário Verde e pela breve mas fortíssima experiência surrealista”. Para além da influência do poeta anteriormente referido, Alexandre O’Neill inspira-se no dramaturgo britânico William Shakespeare, especificamente na obra Hamlet, referida no poema “Ofélia”7. Muitos outros aspetos são trabalhados por O’Neill, como, por exemplo, a destruição de realidades estabelecidas, a oposição às regras da sociedade, a moral, a busca do absoluto (inacessível, daí o a constante busca), o humor, a crítica, o jogo de palavras..., uma enumeração que descreve alguns dos temas que podemos encontrar na sua poesia. Os poemas destacados nesta antologia incluem temáticas como o Tempo, o Amor, a Morte e os Sentimentos.
“Portugal” in Feira Cabisbaixa, 1979. Alexandre O’Neill, Uma bibliografia literária, Lisboa, Dom Quixote, 2007 7 Cf. p. 13 5 6
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Biografia Alexandre Manuel Vahia de Castro O'Neill de Bulhões nasceu a 19 de dezembro de 1924, em Lisboa, e morreu a 21 de agosto de 1986, na mesma cidade. Descendente de irlandeses, era filho do bancário António Pereira de Eça O’Neill de Bulhões e de Maria da Glória Vahia de Castro O’Neill de Bulhões, dona de casa. Da infância, conservou breves recordações: um menino triste e fechado, a espreitar a Rua da Alegria dum quarto andar; as visitas breves e marcantes da avó Maria O’Neill. Nas férias, a família mudava-se para Amarante, terra natal da mãe. Ainda estudante do Liceu, iniciou-se na escrita. Em 1942, com dezassete anos, publicou os primeiros versos num jornal de Amarante, o Flor do Tâmega. Esta atividade não foi muito incentivada pela família. Apesar de ter recebido prémios literários no Colégio Valsassina, no final da adolescência, O’Neill falhava nos estudos. Acabou por abandonar o Curso Geral dos Liceus: queria dedicar-se à vida marítima. Fez exames para a Escola Náutica, mas não prosseguiu estudos que, de resto, lhe eram impossibilitados pela miopia. Em 1946, tornou-se escriturário, na Caixa de Previdência dos Profissionais do Comércio, onde permaneceu até 1952. O poeta viveu sempre da sua escrita ou de trabalhos relacionados com livros – viria a ser copywriter de publicidade, cronista de jornal, encarregado de uma Biblioteca Itinerante da Gulbenkian, tradutor e assessor literário. Data de 1947 o seu envolvimento com o Surrealismo em Portugal, do qual foi um fundador. O Grupo Surrealista de Lisboa nasce de um encontro na pastelaria Mexicana, em outubro, o qual será constituído por Alexandre O’Neill, António Domingues, Fernando Azevedo, Vespeira, José-Augusto França, Mário Cesariny, Moniz Pereira e António Pedro. Em janeiro de 1949, O'Neill expôs O Sr. e a Srª Mills em 1894, Instrução Primária, De Terça a Domingo, Looping-the-loop e A Linguagem, numa exposição do grupo surrealista. Na mesma altura, sai nos Cadernos Surrealistas o primeiro livro de Alexandre O'Neill, A Ampola Miraculosa, com o subtítulo “romance”. Da sua vasta bibliografia, destacamos: No Reino da Dinamarca, 1958; De ombro na ombreira, 1969; A Saca de Orelhas, 1979 e Dezanove Poemas, 1983.
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Poemas de O’Neill O Tempo sujo Há dias que eu odeio Como insultos a que não posso responder Sem o perigo duma cruel intimidade Com a mão que lança o pus Que trabalha ao serviço da infecção São dias que nunca deviam ter saído Do mau tempo fixo Que nos desafia da parede Dias que nos insultam que nos lançam As pedras do medo os vidros da mentira As pequenas moedas da humilhação Dias ou janelas sobre o charco8 Que se espelha no céu Dias do dia-a-dia
Salvador Dali, A Persistência da Memória, 1931, óleo sobre tela, 24 x 33 cm, MoMA Museu Arte Moderna, Nova Iorque, Estados Unidos.
Comboios que trazem o sono a resmungar para o trabalho O sono centenário
Mal vestido mal alimentado Para o trabalho A martelada na cabeça A pequena morte maliciosa Que na espiral das sirenes Se esconde e assobia Dias que passei no esgoto dos sonhos Onde o sórdido9 dá as mãos ao sublime Onde vi o necessário onde aprendi Que só entre os homens e por eles Vale a pena sonhar. Alexandre O’Neill, in Tempo de Fantasmas, 1951 8 9
Poça extensa, mas não profunda, de água estagnada e suja. Imundo; porco
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Entre a cortina e a vidraça
Vem o tempo de varejeira10 entre a cortina e a vidraça. O tempo assim à minha beira! Que é que se passa? E eu,que estava tão enredado11 nos baraços do eternamente, nos lacetes12 do já passado, sou esfregado contra o presente. A varejeira é nacional. Terei, assim, de preferi-la? Ora! É a mosca-jornal -e já agora vou ouvi-la... Alexandre O’Neill, in Entre a Cortina e a Vidraça, 1972
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Espécie de mosca grande que utiliza matéria orgânica em putrefação para depositar os seus ovos Enleado; Envolvido em enredos 12 Pequeno laço 11
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Aos Vindouros, se os Houver...
Vós, que trabalhais só duas horas a ver trabalhar a cibernética13, que não deixais o átomo a desoras14 na gandaia15, pois tendes uma ética; que do amor sabeis o ponto e a vírgula e vos engalfinhais16 livres de medo, sem preçários17, calendários, Pílula, jaculatórias18 fora, tarde ou cedo; computai, computai a nossa falha sem perfurar demais vossa memória, que nós fomos pràqui uma gentalha19 a fazer passamanes com a história; que nós fomos (fatal necessidade!) quadrúmanos20 da vossa humanidade. Alexandre O’Neill, in Poemas com Endereço, 1962
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Ciência que estuda os mecanismos de comunicação e de controlo nas máquinas e nos seres vivos Fora de tempo; demasiado tarde 15 Ato de remexer o lixo à procura do que nele se pode aproveitar 16 Deitar as unhas; agarrar 17 Relação de preços autorizados 18 Oração curta e fervorosa 19 A classe social mais baixa; plebe; vulgo 20 Ordem de mamíferos que, como os macacos, têm os dedos polegares das mãos e pés separados. 14
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A Ti
Já do amor eu, triste, desesperara, Quando, doce visão, tu consentiste Em desvelar p’ra mim a tua cara. E então fiquei mais triste, ‘inda mais triste, Pois medi nos teus olhos a distância, Ó divina, que entre nós existe! Quem acalmar pudera tanta ânsia E dizer-me, oxalá, onde demora Esse amor entrevisto, essa ganância Que a alma toma, devassa21 e explora. Quem pudera revelar-me esse segredo Por que a minh’alma, noite adentro, chora! Ó serrana gentil, eu tenho medo De um bruto impulso, de um ressalto louco Dos sentidos, de um desvario tredo22, Ao passares o teu muito pelo meu pouco. E assim te imploro, se terrena fores, Mata-me já, em vez de pouco a pouco, Que ele há insuportáveis dores! Alexandre O’Neill, in Poesias Completas, 1982
21 22
Invadir (lugar que é ou que se pretende ser defeso), espreitar, ver, olhar Falso; traiçoeiro
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O Amor é o Amor
O amor é o amor — e depois?! Vamos ficar os dois a imaginar, a imaginar?... O meu peito contra o teu peito, cortando o mar, cortando o ar. Num leito23 há todo o espaço para amar! Na nossa carne estamos sem destino, sem medo, sem pudor24 e trocamos — somos um? somos dois? espírito e calor! O amor é o amor — e depois? Alexandre O’Neill, in Abandono Vigiado, 1962
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Cama Constrangimento; vergonha
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Ofélia25
Cantando vai Ofélia pelo rio, A caminho do nada- e não tem frio! De flores coberta, ei-la morta de amor, Olhos espelhando o céu o livor. -Ofélia, ó triste, quem te segue empós? - Um amor sobre-humano e um pai atroz26… -Cumpriste, não foi, teu dever de filha? - E agora não sou mais do que uma ilha… -De Hamlet27 a doideira acaso não temias? -Doido por mim, fazia-me poesias… O que mais temo, cá no outro mundo, É o mano Laertes28 furibundo! Tremo por Hamlet, meu Príncipe querido!
Magritte, René, Os Amantes, 1928 óleo sobre tela, 54.2 cm x 73 cm, Galeria Nacional da Austrália, Camberra.
Temo Laertes, que é tão insofrido… Eu não quero mais mortes, lá da Dinamarca. Levo a minha a bordo- e não desembarca! Assim se expressou, tristíssima, Ofélia, Baixando a juzante29, humanal camélia! Alexandre O’Neill, in No Reino da Dinamarca, 1958
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Personagem de Hamlet Cruel; desumano 27 Obra e personagem de William Shakespeare 28 Personagem da obra Hamlet 29 Baixa-mar; vazante 26
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O Morto
O morto, assim barbeado, assim vestido, calçado, está pronto a ser enterrado, está pronto a ser olvidado30, que ele agora é uma coisa, é de fora para dentro. Só os vivos falta o tempo. A ele não, que é uma coisa. Não tem lazer, que fazer, nem aflição ou dívida. Qualquer destino lhe serve à maravilha. E tanto se lhe daria ser o defunto31 da sala, somo carcaça na vala ou objeto de poesia. Mas não se esquecem os vivos de condimentar o morto. Para que dele não fique mais que o osso? Alexandre O’Neill, in Anos 70 - Poemas Dispersos, 2005
30 31
Esquecido Morto
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A Morte, esse Lugar-Comum
É trivial32 a morte e há muito se sabe fazer - e muito a tempo! - o trivial. Se não fui eu quem veio no jornal, foi uma tosse a menos na cidade... A caminho do verme, uma beldade — não dirias assim, Gomes Leal33? — vai ser coberta pela mesma cal que tapa a mais intensa fealdade34. Um crocitar de corvo fica bem neste anúncio de morte para alguém que não vê n'alheia sorte a própria sorte... Mas por que não dizer, com maior nojo, que um menino saiu do imenso bojo35 de sua mãe, para esperar a morte?... Alexandre O'Neill, in Abandono Vigiado, 1960
32
Comum; vulgar; ordinário Poeta do século XIX 34 Qualidade de feio 35 Grande barriga 33
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Os Botões
«- A pena de morte é a única solução para muitos casos. E o próprio juiz e o júri é que carregam, todos ao mesmo tempo, nos botões e um deles liquida o condenado». O’Neill, Alexandre, in Anos 70- Poemas Dispersos, 2005
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A meu favor
A meu favor Tenho o verde secreto dos teus olhos Algumas palavras de ódio algumas palavras de amor O tapete que vai partir para o infinito Esta noite ou uma noite qualquer A meu favor As paredes que insultam devagar Certo refúgio acima do murmúrio Que da vida corrente teime em vir O barco escondido pela folhagem O jardim onde a aventura recomeça.
Alexandre O’Neill,, in Poemas De Amor, org. Inês Pedrosa, 2003
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Solidão A que vens, solidão, com teu relógio de ponteiros de visgo36, de bater de feltro? Ombro nenhum ao meu ombro encostado, a que vens, ó camarada solidão? Companheira, amiga, até amante, até ausente, ó solidão, te amei, como se ama o frio até o frio dar a chama que tu dás, a solidão! A que vens, enfermeira? Não Sabes que estou morto, que se digo meu sim ou o meu não é só para que os outros me julguem mais um outro, é só para que um morto não tire o sono aos outros? A que vens, solidão? Vai antes possuir os que amam sem esperança e sem saber esperam, dá-lhes o teu conforto, encostalhes ao ombro o teu ombro nenhum, ó solidão! Alexandre O’Neill, in Poesias Completas, 2000 36
1. Suco vegetal glutinoso e pegajoso, extraído da casca do azevinho, usado para apanhar pássaros pequenos
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Amigo Mal nos conhecemos Inauguramos a palavra amigo! Amigo é um sorriso De boca em boca, Um olhar bem limpo Uma casa, mesmo modesta, que se oferece. Um coração pronto a pulsar Na nossa mão! Amigo (recordam-se, vocês aí, Escrupulosos detritos?) Amigo é o contrário de inimigo! Amigo é o erro corrigido, Não o erro perseguido, explorado. É a verdade partilhada, praticada. Amigo é a solidão derrotada! Amigo é uma grande tarefa, Um trabalho sem fim, Um espaço útil, um tempo fértil, Amigo vai ser, é já uma grande festa! O’Neill, Alexandre, in No Reino Da Dinamarca, 1958
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Análise do poema “O Amor é o Amor” O Amor é o Amor
O amor é o amor — e depois?! Vamos ficar os dois a imaginar, a imaginar?... O meu peito contra o teu peito, cortando o mar, cortando o ar. Num leito37 há todo o espaço para amar! Na nossa carne estamos sem destino, sem medo, sem pudor38 e trocamos — somos um? somos dois? espírito e calor! O amor é o amor — e depois? Alexandre O’Neill, in Abandono Vigiado, 1962
37 38
Cama Constrangimento; vergonha
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Temática do Poema:
O Amor
Análise interna: Neste poema, o sujeito poético menciona o amor como algo que faz parte da natureza humana (“O amor é o amor- e depois?!”, v.1) e que oscila entre o mundo real e o mundo onírico. É algo absoluto e imaginativo. O sujeito poético deste poema encontra-se perdidamente apaixonado (“cortando o mar, cortando o ar”, v.5) por alguém que o faz sentir completo (“somos um? somos dois?”, v.10). Para que este sentimento seja realizado, os indivíduos envolvidos têm de ser livres (“sem destino, sem medo, sem pudor”, v.9). O “eu” lírico exalta o poder que o amor tem sobre ele, distinguindo que, apesar de haver dois corpos nítidos (“Na nossa carne estamos”, v.8), os seus espíritos unem-se num só (“somos um? somos dois?”, v.10). A fusão metafisica de ambos os espíritos apaixonados é traduzida como o auge do relacionamento amoroso entre eles (“E trocamos - somos um? somos dois?/ espírito e calor!”, vv.10-11). Para além disto, o surrealismo pode ser visto pelo imaginário remetido ao leitor através do poema (“Cortando o mar, cortando o ar.”, v.5).
Recursos expressivos utilizados: “a imaginar, a imaginar” (v.3):Repetição que tem o propósito de reforçar a ideia de que o amor é movido pela parte emocional do ser humano. “cortando o mar, cortando o ar” (v.5): Paralelismo, o qual tem como fim realçar que, para o sujeito poético, o amor, para além não possuir barreiras, tem uma força invencível, capaz de superar qualquer obstáculo, desafiando a própria natureza (“mar”, “ar”). “sem destino, sem medo, sem pudor” (v.9): Enumeração que realça a liberdade entre os amantes deste poema. “O amor é o amor- e depois?!” (v.1): Interrogação retórica que obriga o leitor a refletir sobre o sentimento amoroso enquanto algo natural.
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Métrica
S.M.39
Rima
O a/mor/ é/ o a/mor —/ e/ de/pois?!/
8
a
a
Va/mos/ fi/car/ os/ dois/ dois
6
a
a
a i/ma/gi/nar,/ gi/nar,/ a i/ma/gi/nar?.../ i/ma/gi
8
b
b
Rima emparelhada
Rima cruzada
39
O/ meu/ pei/to /con/tra /con o /teu/ pei/to,
8
c
c
C
Cor/tan/do o/ mar/, cor/tan/do o/ o ar./
8
b
b
D
Num/ lei/to
22
c
C
Há/ to/do o es/pa/ço/ pa/ra a/mar!/ a/
8
b
E Na/ nos/sa/ car/ne es/ta/mos es/ta
6
d
F Sem/ des/ti/no/, sem/ me/do/, sem /pu/dor/ /pu/dor
10
10 e
G e/ tro/ca/mos/ — so/mos/ um? /so/mos/ dois?/ dois? 10
10 a
F
es/pí/ri/to e/ ca/lor!/ ca/lor!
6
6
e
G
O a/mor/ é/ o a/mor —/ e/ de/pois?!/
8
8
a
Rima cruzada
Rima cruzada
Verso solto
Sílabas Métricas
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Conclusão
Ao longo deste trabalho ficámos a saber mais e descobrimos várias curiosidades não só sobre o poeta Alexandre O´Neill mas sobre o Surrealismo na literatura portuguesa. Escolhemos este poeta pela sua escrita invulgar, que nos obriga a “viajar” ao nosso inconsciente e a refletir sobre diferentes assuntos (Portugal enquanto país; o amor; a morte;…). Após a escolha já referida, encontrámos alguma dificuldade ao escolher o poema que iriamos analisar, já que há vários por onde escolher. “O Amor é o Amor", o poema que analisámos, embora seja pequeno, pareceu-nos o mais adequado não só pela concordância por parte de todo o grupo na escolha do mesmo, mas também pela universalidade existente no seu significado, já que o amor é um sentimento humano. Para além da escolha do poema anteriormente referido, não foi fácil escolher os quadros surrealistas que iriam melhor representar os poemas, isto porque temas como o amor ou qualquer outro sentimento são muito retratados em pinturas surrealistas, havendo uma grande variedade de escolha.
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Uma antologia logia onde o real se funde com o irreal. Um convite para as profundezas do subconsciente. subconsciente. Serรก atrevido suficiente a aceitรก-lo? aceitรก
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