Antologia poética da obra de Ruy Belo por Cláudia Sequeira, Brígida F., J Gromicho e J. Viegas

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Escola Secundária Dr. Jorge Augusto Correia

Antologia Poética da Obra de Ruy Belo

Trabalho realizado por: Cláudia Sequeira, N.º 2 Brígida Fernandes, N.º 6 Joana Gromicho, N.º10 Joana Viegas, N.º11 12.º B


Escola SecundĂĄria Dr. Jorge Augusto Correia

Disciplina: PortuguĂŞs

2017/2018

Professora: Ana Cristina Matias 1


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Em vida só, na morte ainda mais só, até ser a permanente ausência de tudo. - José Bação Leal1

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Militar e poeta português (1942-1965). Morreu em combate na guerra colonial, em Moçambique. O seu único livro Poesias e Cartas (1971) foi publicado postumamente.

Disciplina: Português

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Professora: Ana Cristina Matias 2


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Introdução O texto poético caracteriza-se pela expressão única e singular da intimidade do eu poético com o intuito de despertar a sensibilidade no leitor. Para isso, transmite emoções e sentimentos, respeitando os critérios e estilo do poeta, dando ainda especial atenção ao ritmo e musicalidade do poema. As suas marcas distintas são a interiorização e a subjetividade, sendo um belo exemplo do trabalho com a palavra e da manipulação da linguagem. O texto poético acompanha a evolução da História, da Cultura e da Literatura, do mundo e das suas transformações, tal como os textos narrativo e dramático. Assim, entre a miríade de linhas temáticas que podemos determinar na poesia contemporânea, destacamos o retratar do viver e do sentir dos poetas, através de representações do contemporâneo; assim como o testemunhar da sua permeabilidade face à memória e ao passado, ao enquadrar a tradição literária portuguesa. Esta aborda, também, um tópico que tem sido recorrente na literatura desde a antiguidade clássica: a arte poética, centrando-se na essência da poesia, e revisita as figurações do poeta. As representações do quotidiano, quer num ambiente citadino, quer numa envolvência rural ou mais intimista, são um reflexo deste, como uma imagem

caracterizada

pela

brevidade,

pelas

sensações

e

pelas

transformações. O poema não se foca exclusivamente no presente, interligando-se com a tradição literária através dos temas abordados, como o amor ou a passagem do tempo e, simultaneamente, através da forma. Os poetas contemporâneos continuam a utilizar estruturas formais, como o soneto em verso decassilábico, cultivado desde o renascimento; ou poemas em redondilha, cujas origens remontam à poesia palaciana do século XV. Porém, frequentemente, não respeitam na íntegra todas as regras formais. A tradição literária refere, direta ou indiretamente, outros poetas e as suas obras, “num jogo intertextual de enorme riqueza”. (Silva, Cardoso & Rente, 2017, p. 387)

Disciplina: Português

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Os temas da arte poética e das figurações do poeta remetem para o papel central do autor e da sua poesia no processo de criação. Assim, muitas obras apresentam uma definição do poema, ditando regras para a técnica da sua construção; outras analisando a figura do poeta, como homem e/ou artista, a nível pessoal e laboral. Como se enquadra o poeta Ruy Belo nesta conceção e desenvolvimento poético? Ruy Belo apresentou, desde jovem, uma preferência pelas ciências humanísticas, ao seguir Direito e Filosofia Romântica na universidade e tirar o doutoramento em Direito Canónico, todos com distinção. Começa a sua vida profissional na Editorial Aster, o que desperta o seu amor pela poesia, traduzindo vários livros e escrevendo e editando os seus. A sua poesia tem uma escrita própria, onde o autor desconstrói a tradicional técnica poética, criando as suas regras para, assim, embelezar o seu trabalho e torná-lo único. O seu estilo de poesia era, deste modo, o versilibrismo, uma opção literária que surgiu no século XIX com o romantismo e que substituiu as normas tradicionais da métrica, rima e estrutura, pela expressão apoiada só no ritmo. Ainda que tenham sido os modernistas, já no século XX, quem mais cultivou esta opção de construção formal. Este estilo é evidente nos poemas de Ruy Belo a seguir apresentados, pela falta de vírgulas, pontos finais e outras formas de pontuação. Também, por vezes, não utiliza letras maiúsculas onde seria natural colocá-las; em muitos poemas a rima é livre, chegando até a usar a mesma palavra no final de vários versos para um efeito de rima (cf. poema “Algumas proposições com crianças”, evidente nos vv.1-3). Ruy Belo aborda nas suas obras diversas temáticas: a vida, dando especial ênfase à nostalgia infância e ao sofrimento da vida adulta, um tema também fortemente abordado por Fernando Pessoa ortónimo e o seu heterónimo Álvaro de Campos; a Natureza, onde a metaforiza com o sofrimento humano, embelezando, assim, uma fase negra da sua vida; o ser humano, realçando principalmente os seus momentos de tristeza, de sofrimento; a teologia e a metafísica, onde interroga a sua existência; entre outros. De entre tantas temáticas abordadas por Ruy Belo, as escolhidas para serem abordadas nesta antologia foram: a nostalgia da infância (3 poemas); o Disciplina: Português

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amor, com um toque na temática da natureza (1 poema); e a tristeza, solidão e escuridão (7 poemas). Os poemas selecionados são os seguintes, por ordem de apresentação: “Segunda Infância”, “Algumas Proposições com Crianças”, “Génese e Desenvolvimento do Poema”, “Povoamento”, “Poema Quotidiano”, “A Mão no Arado”, “Exercício”, “Um dia não muito longe não muito perto”, “Uma vez que já tudo se perdeu”; “A Flor da Solidão” e “Em Legítima Defesa”. Para melhor compreendermos a escrita do autor, foi feita a análise do poema “Um dia não muito longe não muito perto”, inserido na temática Tristeza, Solidão e Escuridão. Também aprofundamos sobre a vida de Ruy Belo na biografia, situada no fim desta antologia, permitindo ao leitor uma maior compreensão da sua poesia, por vezes não tão direta e fácil de entender. Nós próprias discordamos na interpretação de certos poemas, dada a sua subjetividade, pluralidade semântica e conotações implícitas que são estabelecidas de modo diverso consoante as referências culturais e o sentir particular de cada leitor que interaja com os poemas desta antologia. Não se encontra grande quantidade de análises e interpretações feitas por terceiros, por isso recorremos sobretudo à nossa troca de ideias e debate, procurando chegar a uma conclusão plausível.

Disciplina: Português

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Poemas com a temática: Nostalgia da Infância Segunda Infância À tua palavra me acolho lá onde o dia começa e o corpo nos renasce Regresso recém-nascido ao teu regaço minha mais funda infância meu paul Voltam de novo as folhas para as árvores e nunca as lágrimas deixaram os olhos Nem houve céus forrados sobre as horas nem míseras ideias de cotim despovoaram alegres tardes de pássaros O sol continua a ser o único acontecimento importante da rua Eu passo mas não peço às árvores

In Obra Poética, vol. 1 [Aquele Grande Rio Eufrates] (1961)

Disciplina: Português

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Algumas Proposições com Crianças A criança está completamente imersa na infância a criança não sabe que há-de fazer da infância a criança coincide com a infância a criança deixa-se invadir pela infância como pelo sono deixa cair a cabeça e voga na infância a criança mergulha na infância como no mar a infância é o elemento da criança como a água é o elemento próprio do peixe a criança não sabe que pertence à terra a sabedoria da criança é não saber que morre a criança morre na adolescência Se foste criança diz-me a cor do teu país Eu te digo que o meu era da cor do bibe e tinha o tamanho de um pau de giz Naquele tempo tudo acontecia pela primeira vez Ainda hoje trago os cheiros no nariz Senhor que a minha vida seja permitir a infância embora nunca mais eu saiba como ela se diz

In Homem de Palavra [s] (1973)

Disciplina: Português

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Génese e desenvolvimento do poema Vozes vizinhas vindas da infância através do sotaque de quem fala aqui ao lado o sol inexorável sobre as águas pressentimentos vindos com o vento a velha fortaleza a vista da baía a maré cheia a tarde as nuvens o azul memória disto tudo noutro verão noutro lugar e pelo meu olhar visivelmente vitimado tudo possível pela mesa e pela esferográfica pelo papel desculpa ó minha amiga pelo bar a solidão assegurada pela multidão a luz a hora as lérias o domingo o cruzeiro de pedra o largo o automóvel tudo isto não importa importam só as mínimas e únicas palavras que me ficam disto tudo e tudo isto fixam: «tempo suspenso» ou «mar imóvel» ou «sinto-me bem» ou – que sei eu? – «alguém morreu»

In Obra Poética de Ruy Belo- Vol. 2 (1990)

Disciplina: Português

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Poema com a temática: Amor Povoamento No teu amor por mim há uma rua que começa Nem árvores nem casas existam antes que tu tivesses palavras e todo eu fosse um coração para elas Invento-te e o céu azula-se sobre esta triste condição de ter de receber dos choupos onde cantam os impossíveis pássaros a nova primavera Tocam sinos e levantam voo todos os cuidados Ó meu amor nem minha mãe

Edvard Munch, “Standing Nude”, 1902 Stenersenmuseet (Norway - Oslo)

tinha assim um regaço como este dia tem E eu chego e sento-me ao lado da primavera

In Aquele Grande Rio Eufrates (1961)

Disciplina: Português

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Poemas com as temáticas: Tristeza, Solidão e Escuridão Poema Quotidiano É tão depressa noite neste bairro Nenhum outro porém senhor administrador goza de tão eficiente serviço de sol Ainda não há muito ele parecia domiciliado e residente ao fim da rua O senhor não calcula todo o dia que festa de luz proporcionou a todos Nunca vi e já tenho os meus anos lavar a gente as mãos no sol como hoje Donas de casa vieram encher de sol cântaros alguidares e mais vasos domésticos Nunca em tantos pés assim humildemente brilhou Orientou diz-se até os olhos das crianças para a escola e pôs reflexos novos nas míseras vidraças lá do fundo Há quem diga que o sol foi longe demais Algum dos pobres desta freguesia apanhou-o na faca misturou-o no pão Chegaram a tratá-lo por vizinho Por este andar... Foi uma autêntica loucura

Edward Hopper, “Office in a small city”, 1953 Metropolitan Museum of Art, New York, USA.

O astro-rei tornado acessível a todos ele que ninguém habitualmente saudava Sempre o mesmo indiferente espectáculo de luz sobre os nossos cuidados Íamos vínhamos entrávamos não víamos aquela persistência rubra. Ousaria alguém deixar um só daqueles raios atravessar-lhe a vida iluminar-lhe as penas? Mas hoje o sol morreu como qualquer de nós Ficou tão triste a gente destes sítios Nunca foi tão depressa noite neste bairro In Aquele Grande Rio Eufrates (1961) Disciplina: Português

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A mão no arado Feliz aquele que administra sabiamente a tristeza e aprende a reparti-la pelos dias Podem passar os meses e os anos nunca lhe faltará Oh! como é triste envelhecer à porta entretecer nas mãos um coração tardio Oh! como é triste arriscar em humanos regressos o equilíbrio azul das extremas manhãs do verão ao longo do mar transbordante de nós no demorado adeus da nossa condição É triste no jardim a solidão do sol vê-lo desde o rumor e as casas da cidade até uma vaga promessa de rio e a pequenina vida que se concede às unhas Mais triste é termos de nascer e morrer e haver árvores ao fim da rua É triste ir pela vida como quem regressa e entrar humildemente por engano pela morte dentro É triste no outono concluir que era o verão a única estação Passou o solidário vento e não o conhecemos e não soubemos ir até ao fundo da verdura como rios que sabem onde encontrar o mar e com que pontes com que ruas com que gentes com que montes conviver através de palavras de uma água para sempre dita Mas o mais triste é recordar os gestos de amanhã Triste é comprar castanhas depois da tourada entre o fumo e o domingo na tarde de novembro e ter como futuro o asfalto e muita gente e atrás a vida sem nenhuma infância revendo tudo isto algum tempo depois A tarde morre pelos dias fora É muito triste andar por entre Deus ausente Mas, ó poeta, administra a tristeza sabiamente

In O Problema da Habitação – Alguns Aspectos (1962)

Disciplina: Português

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Exercício Nos dias em que o vento anima a roupa suspensa desta ou daquela janela o meu olhar perdido não a poupa e vai seguindo os movimentos dela.

Aqui estou tristezas alegrias Nesta colina do instante canto esta vida indecisa de maresias ó vida ameaçada enquanto

a minha grande esperança é o café Agora que o tomei com pressa e frenesim até o que vai ser a vida ainda não sei

Mosteiro dos Jerónimos fachada impassível ao vão vaivém humano aqui ando eu perdido de ano em ano ó vida noves fora nada

Nos dúbios dias da destruição do verão quando tudo parece acabar regresso então à versificação e encontro nos papéis o meu segundo mar

In Homem de Palavra[s] (1973)

Disciplina: Português

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Um dia não muito longe não muito perto Às vezes sabes sinto-me farto por tudo isto ser sempre assim Um dia não muito longe não muito perto um dia muito normal um dia quotidiano um dia não é que eu pareça lá muito hirto entrarás no quarto e chamarás por mim e digo-te já que tenho pena de não responder de não sair do meu ar vagamente absorto farei um esforço parece mas nada a fazer hás-de dizer que pareço morto que disparate dizias tu que houve um surto não sabes de quê não muito perto e eu sem nada pra te dizer um pouco farto não muito hirto e vagamente absorto não muito perto desse tal surto queres tu ver que hei de estar morto?

In Homem de Palavra[s] (1973)

Disciplina: Português

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Uma vez que já tudo se perdeu Que o medo não te tolha a tua mão Nenhuma ocasião vale o temor Ergue a cabeça dignamente irmão Falo-te em nome seja de quem for No princípio de tudo o coração Como o fogo alastrava em redor Uma nuvem qualquer toldou então Céus de canção promessa e amor Mas tudo é apenas o que é levanta-te do chão põe-te de pé Lembro-te apenas o que te esqueceu Não temas porque tudo recomeça Nada se perde por mais que aconteça Uma vez que já tudo se perdeu

In Obra Poética - vol.1 (1981)

Disciplina: Português

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A flor da solidão Vivemos convivemos resistimos cruzámo-nos nas ruas sob as árvores fizemos porventura algum ruído traçámos pelo ar tímidos gestos e no entanto por que palavras dizer que nosso era um coração solitário silencioso profundamente silencioso e afinal o nosso olhar olhava como os olhos que olham nas florestas No centro da cidade tumultuosa no ângulo visível das múltiplas arestas a flor da solidão crescia dia a dia mais viçosa Nós tínhamos um nome para isto mas o tempo dos homens impiedoso matou-nos quem morria até aqui E neste coração ambicioso sozinho como um homem morre cristo Que nome dar agora ao vazio que mana irresistível como um rio? Ele nasce engrossa e vai desaguar e entre tantos gestos é um mar Vivemos convivemos resistimos sem bem saber que em tudo um pouco nós morremos In Obra Poética de Ruy Belo – vol.2 (1990)

Disciplina: Português

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Em legítima defesa Sei hoje que ninguém antes de ti morreu profundamente para mim Aos outros foi possível ocultá-los na sua irredutível posição horizontal sob a capa da terra maternal Choramo-los imóveis e voltamos à nossa irrequieta condição de vivos Arrumamos os mortos e ungimo-los são uma instituição que respeitamos e às vezes lembramos celebramos nos fatos que envergamos de propósito nas lágrimas, nos gestos, nas gravatas com flores e nas datas num horário que apenas os mate o estritamente necessário Mas decerto de acordo com um prévio plano tu não só me mataste como me destruíste as ruas os lugares onde cruzámos os nossos olhos feitos para ver não tanto as coisas como o nosso próprio ser A cidade é a mesma e no entanto há portas que não posso atravessar sítios que me seria doloroso outra vez visitar onde mais viva que antes tenho medo de encontrar-te Morreste mais que todos os meus mortos pois esses arrumei-os festejei-os enquanto a ti preciso de matar-te dentro do coração continuamente pois prossegues de pé sobre este solo onde um por um persigo os meus fantasmas e tu és o maior de todos eles Não suporto que nada haja mudado Disciplina: Português

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que nem sequer o mais elementar dos rituais pelo menos marcasse em tua vida o antes e o depois forma rudimentar de morte e afinal morte que por não teres morrido muito mais tenhas morrido Se todos os demais morreram de uma morte de que vivo tu matas-me não só rua por rua nalguma qualquer esquina a qualquer hora com coisa por coisa dessas coisas que subsistem vivas mais que na vida vivas na imaginação onde só afinal as coisas são Ninguém morreu assim como morreste pois se houvesses morrido tudo estava resolvido Os outros estão mortos porque o estão só tu morreste tanto que não tens ressurreição pois vives tanto em mim como em qualquer lugar onde antes te encontrava e te posso encontrar e ver-te vir como quem voa ao caminhar Todos eram mortais e tu morreste e vives sempre mais

In Todos os poemas II (2004)

Vincent Van Gogh,“Old Man in Sorrow”, 1890, Rijksmuseum Kröller-Müller, Otterlo, Netherlands.

Disciplina: Português

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Análise do poema: “Um dia não muito longe não muito perto” O poema “Um dia não muito longe não muito perto” começa por retratar um sentimento de aborrecimento e melancolia, interligando-o com o espaço e o tempo envolvente, numa confidência intimista a um “tu”: “às vezes sabes sintome farto”. Os três versos seguintes são compostos por anáforas “Um dia” (vv.3 - 5), que retratam um dia numa data indefinida ( “Um dia não muito longe não muito perto”, v.3), embora num contexto normal e quotidiano. É num dia como esse que, numa data futura indefinida, o sujeito poético prefigura a sua morte. Quando o sujeito poético se encontra “hirto” (vv. 5 e 14) e “absorto” (vv. 8 e 14), alguém entrará no quarto à sua procura. Isto demonstra uma relação de proximidade e, até mesmo, afetiva entre essa pessoa e o sujeito poético. O “eu” lírico ao se encontrar nesta situação, antevê, desde já, que sentirá pena por não responder a essa pessoa, mas a sua condição de cadáver será irrevogável: “farei um esforço parece mas nada a fazer” (v. 9). Os adjetivos “hirto” (vv. 5 e 14) e “absorto” (vv. 8 e 14) são metáforas para morto, de modo a suavizar uma situação macabra. Assim, o “tu” encontrá-lo-á morto, desconhecendo a razão e sentindo-se surpreso por acontecer de forma tão súbita (v. 10). O sujeito poético, numa autoanálise, apercebe-se de que sempre prestou pouca importância à sua companheira (“E eu sem nada para te dizer”, v. 13), mantendo-se indiferente às notícias que esta trazia do mundo exterior: “(…) dizias tu que houve um surto / não sabes de quê não muito perto” (vv. 11-12). Essa atitude pode justificar-se pela maneira de ser do sujeito poético, aborrecido com a sua vida (“um pouco farto”, v. 14) e concentrado nos seus pensamentos (“vagamente absorto”, v. 14) e ainda por considerar que o surto noticiado não poria a sua vida em perigo (“Não muito perto desse tal surto”, v. 15). Repare-se, ainda, que a expressão “não muito perto” surge repetida duas vezes (v. 12 e v. 15) como que a sublinhar que estaria a salvo da morte.

Disciplina: Português

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No verso 14, encontra-se uma adjetivação múltipla, “um pouco farto não muito hirto e vagamente absorto”, serve para descrever o estado psicológico e físico do “eu” lírico. No último verso, o sujeito poético espanta-se com a possibilidade de, num futuro próximo, se encontrar privado da vida, comprovada através da interrogação retórica: “queres tu ver que hei de estar morto?”. Assim, quanto à estrutura interna, o poema desenvolve-se em três partes: a primeira parte é constituída pelos dois primeiros versos, onde o sujeito poético se foca no seu estado de espírito desmotivado e dececionado com a monotonia da vida; a segunda parte é composta pelos versos 3 a 15, quando o sujeito poético prefigura o dia da sua morte e, por último, a terceira parte encontra-se no verso 15 que deixa uma pergunta em aberto. Quanto à estrutura formal, o poema é constituído por uma estrofe de dezasseis versos em verso livre. O título “Um dia não muito longe não muito perto” resume a ideia dos dezasseis versos na medida em que se refere ao dia da sua morte, desconhecido, mas, talvez, desejado. Esta composição poética representa, assim, Ruy Belo, que chegou a dizer que: “A vida toda e todo o meu escrever são uma preparação para a morte” (Erthal, 2011, p. 4) Era também da sua opinião que num poema, nenhuma palavra deve levantar a cabeça acima das outras, daí a sua resistência no uso de letras maiúsculas, de modo a não interferir com a velocidade do pensamento e da escrita. Por razão idêntica, a pontuação é praticamente inexistente.

Disciplina: Português

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Biografia Ruy Belo foi um poeta e um ensaísta. Nasceu a 27 de fevereiro 1933, em Rio Maior, Portugal. Tirou a sua licenciatura em Filosofia Romântica e em Direito na Universidade de Lisboa, continuando os seus estudos na Universidade Gregoriana de Roma, onde tirou o doutoramento em Direito Canónico2. Retornou a Portugal e, em 1961, entrou na Faculdade de Letras de Lisboa, pois recebeu uma bolsa da Fundação Calouste Gulbenkian para pesquisa académica. De seguida, trabalhou no Ministério da Educação Nacional, porém, devido à sua oposição ao governo de Salazar, à participação numa greve académica em 1962 e à sua candidatura a deputado pela Comissão Eleitoral de Unidade Democrática em 1969, tornou-se num perigo para a conjuntura política do país, levando-o a ser vigiado pelo Governo e à recusa da sua candidatura para lecionar na Faculdade de Letras de Lisboa. Entre 1971 e 1977, foi professor de Línguas e Literatura Portuguesas em Madrid. Faleceu a 8 de agosto de 1978, de edema pulmonar. Em 1991 foi condecorado, a título póstumo3, com o grau de Grande Oficial da Ordem Militar de Sant’iago da Espada4. Em relação ao seu trabalho escrito, intercalou o labor poético com o exercício da crítica e da reflexão teórica, tendo uma maneira própria de escrever. A sua escrita rompe com a tradição poética, desintegrando a função utilitária para melhor embelezá-la. É frequente a utilização de repetições,

2

Este curso tem como objetivo compreender o espírito, a origem, a evolução, o sentido teológico e o fim pastoral do direito da Igreja. 3 Atribuído após a morte do autor. 4 Atribuído a pessoas cujo feitos são considerados de natureza extraordinária e de especial relevância para Portugal.

Disciplina: Português

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anáforas, aliterações, assonâncias5, rimas internas e externas que contribuem para a perplexidade e a permanente surpresa do leitor. Os seus primeiros livros de poesia foram Aquele Grande Rio Eufrates (1961) e O Problema da Habitação (1962). Depois de alguns ensaios de poesia, seguiram-se obras que abordam temáticas teológicas e metafísicas, sob a forma de interrogações acerca da sua existência, como Toda a Terra (1976). A sua poesia é caracterizada pelo versilibrismo6 conjugado com o domínio das técnicas poéticas tradicionais. Postumamente, a sua obra foi organizada em três volumes na Obra Poética de Ruy Belo, em 1981. Ao ser alvo de revisão crítica, foi considerada uma das obras cimeiras, apesar da brevidade

da

vida

do

poeta

(1933-1978),

da

poesia

portuguesa

contemporânea.

5

Recurso linguístico que consiste em repetir sons de vogais num verso ou numa frase, especialmente as sílabas tónicas. 6 Corrente literária moderna que substituiu as normas tradicionais da métrica, rima e estrutura, pela expressão apoiada só no ritmo.

Disciplina: Português

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Índice Introdução

3

Poemas com a Temática: Nostalgia da Infância

6

Segunda Infância

6

Algumas Proposições com Crianças

7

Génese e Desenvolvimento do Poema

8

Poemas com a Temática: Amor

9

Povoamento

9

Poema com as Temática: Tristeza, Solidão e Escuridão

10

Poema Quotidiano

10

A Mão no Arado

11

Exercício

12

Um dia não muito longe não muito perto

13

Uma vez que já tudo se perdeu

14

A Flor da Solidão

15

Em Legítima Defesa

16

Análise do Poema: “Um dia não muito longe não muito perto”

18

Biografia

20

Bibliografia

23

Disciplina: Português

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Bibliografia Belo, R. (1981). Obra poética de Ruy Belo. Vol. 2. Organização e posfácio de Joaquim Manuel Magalhães. Lisboa: Presença. Belo, R. (2004). Todos os Poemas I. 2.ª ed. Lisboa: Assírio & Alvim. Belo, R. (s.d.). Poema Quotidiano. Ruy Belo. Obtido em 22 de fevereiro de 2018, de Poemário: https://textosdepoesia.wordpress.com/category/ruybelo/ Belo, R. (s.d.). Algumas proposições com crianças. Obtido em 22 de fevereiro de 2018, de Citador: http://www.citador.pt/poemas/algumas-proposicoescom-criancas-ruy-belo Erthal, A. D. ( 2011). Ruy Belo:Tempo, corpo e paisagem. Convergência Lusíada, n.º 26. Obtido em 22 de fevereiro de 2018 de Real Gabinete: http://www.realgabinete.com.br/revistaconvergencia/pdf/633.pdf Pires, I. (s.d.). Ruy Belo. Obtido em 22 de fevereiro de 2018, de Escritas. Org.: https://www.escritas.org/pt/bio/ruy-belo Ruy Belo. (s.d.). Obtido em 22 de fevereiro de 2018, de Wikipédia: https://pt.wikipedia.org/wiki/Ruy_Belo Silva, P., Cardoso, E., & Rente, S. (2017). Outras Expressões, Poetas Contemporâneos. Porto: Porto Editora.

Disciplina: Português

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