Filosofia ética carla sardinha

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ÉTICA

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Um homem é realmente ético [...] quando se desvia do seu caminho para evitar prejudicar seja o que for que esteja vivo. Albert Scweitzer

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Foi durante um passeio no campo, junto à praia do Telheiro, que pela primeira vez me questionei sobre se o facto de colher uma flor seria eticamente reprovável. Nunca me tinha confrontado com este problema, pois desde pequena o ato de colher uma flor, para a contemplar, para me enfeitar ou para oferecer a outrem, jamais me causara qualquer dilema. Talvez porque as plantas não são seres sencientes – seres capazes de sentir dor ou prazer – e como não o são, qual o problema de colher uma simples flor? O dilema surgiu porque pela primeira vez olhei para aquela flor de uma outra maneira; porque pela primeira vez me questionei se aquele ser vivo não teria exatamente o mesmo direito à vida que qualquer outro ser vivo, humano ou não humano? Num primeiro momento, a minha questão poderá parecer, à maior parte das pessoas, absurda. Então uma simples flor, possui o mesmo direito à vida que um homem ou que um animal? Não fomos nós educados de forma a defendermos que o homem, enquanto ser vivo racional, detém uma superioridade sobre todos os seres vivos e que os interesses do homem se devem sobrepor aos interesses dos seres vivos não humanos? A maior parte de nós responderá que os interesses do homem devem prevalecer sobre os interesses dos outros seres vivos não humanos, visto que nós é que somos seres racionais!... Este argumento foi utilizado durante séculos, muito por culpa da Filosofia, pois esta sempre valorizou a razão humana, conferindo ao Mundo Natural – aos animais, plantas e microorganismos - apenas um valor instrumental. Deste modo, a Natureza servia apenas para satisfazer as necessidades e os interesses do homem. Ora, foi precisamente esta maneira de pensar que provocou a crise ambiental que hoje presenciamos. Conduzimos à extinção inúmeras espécies, poluímos o ar, os rios e os oceanos, destruímos progressivamente as florestas, provocámos no ambiente tal ESCOLA SECUNDÁRIA DR. JORGE AUGUSTO CORREIA, Biblioteca

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desequilíbrio que hoje o aquecimento global já não é um problema hipotético, mas, sim, uma realidade ameaçadora para todos os membros da Comunidade da Terra. Se a crise ambiental resultou, em grande medida, desta suposta superioridade humana sobre as demais espécies e se, de facto, nós somos o único ser vivo que dispõe dessa magnífica faculdade que é a racionalidade, então, também não nos podemos esquecer que somos nós os responsáveis por todos aqueles que, connosco, partilham a Comunidade da Terra, pois só a quem age intencionalmente podemos atribuir a responsabilidade das suas ações. Queremos com isto dizer que, por sermos racionais, somos responsáveis pela vida dos outros seres vivos e que as nossas ações podem infligir um bem ou um malefício aos outros seres vivos que connosco habitam o Mundo Natural. A assunção da nossa responsabilidade pressupõe que compreendamos que todo o ser vivo é possuidor de dignidade inerente, devendo assim ser compreendido como um fim em si mesmo e nunca como um meio para o homem alcançar qualquer finalidade. Assim, o homem deve respeito aos outros seres vivos pelo simples facto de cada vida ser digna de ser vivida, pois cada ser vivo persegue o seu próprio bem do seu próprio modo e nós não temos qualquer legitimidade de interferir nessa demanda. Se somos agentes morais, se são as nossas ações que podem prejudicar ou beneficiar os outros seres vivos, então, devemos ser responsáveis pelo bem e pela vida de todos os sujeitos morais. Esta ideia pode parecer um pouco radical, na medida em que atribuímos a mesma consideração moral a todos os seres vivos, humanos e não humanos. Mas, se na verdade toda a vida tem valor inerente, que legitimidade temos nós para interferir na vida dos outros seres vivos? Há. de facto, muitas situações que legitimam a nossa interferência sobre o Mundo Natural, pois precisamos de comer e não hesitamos em tomar um antibiótico, quando estamos doentes... mas, a questão ética coloca-se fundamentalmente quando são os interesses não-básicos do homem, como, por exemplo, a caça e a pesca desportiva, que interferem com os interesses básicos dos outros seres vivos não humanos. E, quando tal conflito sucede, não há qualquer justificação ética para a nossa ação, pois estamos a infligir um mal, pensando única e exclusivamente no nosso prazer.

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Se assim é, e voltando à questão inicial, enquanto passeamos no campo, não devemos colher uma flor, pois ela, tal como nós, persegue o seu próprio bem, tem uma determinada finalidade, ainda que seja “apenas” permanecer viva. Para terminar, talvez já seja tempo de assumirmos uma verdadeira Atitude de Respeito pela Natureza, valorizando os membros do Mundo Natural pelo valor que eles próprios encerram e não pela utilidade que, eventualmente, possam ter para o homem. Só quando nós assumirmos que toda a vida é digna de ser vivida é que nos compreenderemos como verdadeiros membros da Comunidade da Terra.

Carla Sardinha (professora de Filosofia)

Dia Internacional da Filosofia 2014

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