Osmar Bertoldi, Idéias para uma Metrópole Sustentável

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Osmar Bertoldi


Copyright © 2006 by Esplendor Produtora de Audivisuais e Editora Ltda. PROJETO EDITORIAL

Esplendor Produtora de Audivisuais e Editora Ltda. CONSULTORIA DE TEXTO

Eduardo Sganzerla PLANEJAMENTO DE CONTEÚDO

Pedro Chagas Neto PROJETO E PRODUÇÃO GRÁFICA

Marco Medeiros REVISÃO DE TEXTO

Jefferson Freitas FOTOGRAFIAS

Arquivo pessoal de Osmar Bertoldi www.esplendorbrasil.com osmar_bertoldi@yahoo.com 2006

Bertoldi, Osmar Idéias para uma metrópole sustentável / Osmar Bertoldi. – Curitiba : Editora Esplendor, 2005. 116 p. : il. ; 21 cm ISBN XXXXXXXXXXXXXX Inclui bibliografia 1. Planejamento urbano. 2. Desenvolvimento sustentável. 3. Política ambiental. I. Título. CDD (21ºed.) 363.7

Dados internacionais de catalogação na publicação Bibliotecária responsável: Mara Rejane Vicente Teixeira


Para minha mulher Cris



Sumário

Apresentação........................................................ 9 Metrópoles, planejamento e serviços integrados ............ 17 O ambiente urbano e as novas estratégias de planejamento e ação .......................................... 25 Lixo urbano, um grande gerador de oportunidades .......... 33 Transportes coletivos urbanos, o usuário tem que ser tratado como cliente ................... 47 Bicicleta, transporte mais do que alternativo .................55 O pedestre em primeiro lugar ................................... 71 Hidrogênio como combustível, um futuro que começa já ......................................... 79 Saúde padronizada nas metrópoles ............................ 87 Florestas urbanas, vida mais saudável nas cidades ......... 93 Águas urbanas merecem melhor tratamento .................. 99 Construção sustentável, um diferencial para o futuro ..... 103 Referências bibliográficas ..................................... 111



Apresentação


H

oje, o planeta Terra tem seis bilhões de habitantes. Metade dessa população vive em centros urbanos. Dentro de três

décadas, o planeta terá perto de nove bilhões de habitantes. Dois terços estarão vivendo em centros urbanos. As soluções para os problemas e desafios das metrópoles certamente vão exigir idéias inovadoras na gestão e no planejamento. As cidades crescem na ordem de um milhão de pessoas por semana. Cem residências novas são construídas por minuto. Se todos os seres humanos passassem a consumir, no padrão do mundo desenvolvido, teríamos que ter o equivalente a cinco planetas, em termos de recursos, para atender à demanda dessa imensa população. Números de tal magnitude, por si só, mostram a dimensão e a complexidade das necessidades das populações de todos os continentes, nos próximos anos. Como homem público, sempre me interessei pelas questões urbanas. Problemas e desafios como os que afetam o Brasil e a minha cidade, Curitiba, fizeram-me estudar e reunir, de maneira sistemática, num caderno de idéias, o que especialistas, autoridades e órgãos não-governamentais estão pensando, planejando e executando, em busca das melhores soluções para as cidades. Deste caderno, surgiu a motivação de escrever uma série de reflexões, tratando de forma temática cada assunto que considero relevante. Por fim, amadurecendo o conjunto dos temas, decidi reunir o resultado do trabalho neste livro que denominei Idéias para uma metrópole sustentável. É evidente que esta coletânea de artigos, que gira em torno de um tema central, não tem o objetivo de esgotar os assunIDÉIAS PARA UMA METRÓPOLE SUSTENTÁVEL

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tos. Muito menos de apontar como solução definitiva qualquer uma das questões aqui abordadas. Isto é tarefa para os especialistas, governo e a sociedade. O título deste livro, Idéias para uma metrópole sustentável, parte do princípio de que só boas idéias podem resultar em boas soluções. Pretendo, assim, diante dessas considerações, chamar a atenção para as idéias e conceitos que estão sendo debatidos, em âmbito mundial, com o intuito de resolver os problemas das metrópoles. Considero, também, como parte dessas reflexões, o resultado de minha experiência como vereador em Curitiba, por três mandatos. Como homem público, pude vivenciar na prática muitos dos problemas urbanos. Além disso, minhas visitas de trabalho à Europa e a outros lugares do mundo, meus recentes estudos sobre a problemática urbana que fiz na Universidade de Berkeley (Califórnia, EUA), durante curso de especialização em planejamento e gestão autosustentáveis, ajudaram a aprimorar meus conceitos e me estimularam a realizar este projeto. A vida urbana apresenta muitos matizes. De modo geral, no entanto, os problemas, com maior ou menor intensidade, são os mesmos nos quatro cantos do planeta. No Brasil e nos países em desenvolvimento, o fenômeno da desigualdade social gera uma realidade bem mais problemática. É aí que devemos nos concentrar. É neste ponto que devemos unir esforços para que essas idéias se transformem em soluções. A verdade hoje é que a situação é bastante preocupante na esfera dos países em desenvolvimento e, em muitos casos, 11

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pode-se dizer, dramática. Isto por causa das desigualdades sociais acentuadas; da pobreza crônica, do desemprego, da moradia precária e da falta de infra-estrutura urbana adequada para atender às necessidades da grande maioria dessas populações. Sem falar de um gama quase infindável de outros problemas que há muitos anos estão sem solução. Este livro traz, justamente, idéias para realidades como a brasileira e a latinoamericana, enfocando a questão dos problemas urbanos do ponto de vista global. Tenho convicção de que, para enfrentarmos os problemas de realidades urbanas como a do Brasil e de outros países nessa mesma situação, é preciso, fundamentalmente, vontade política. Pode parecer que este tema esteja batido demais, diante dos desmandos e das vulgaridades que somos obrigados a ver todos os dias estampados nos jornais. No entanto, a política, que pode ser entendida também como a instância que prioriza diretrizes econômicas, sociais e de investimentos, é e continuará sendo a esfera mais legítima para qualquer mudança. Precisamos, então, ter vontade política, em primeiro lugar – e ter a coragem de dizer isso –, de mudar a política! Temos que mudar de atitude. Esta nova política, na minha visão, deve moldar-se nos conceitos de eficiência, produtividade, transparência, planejamento e agilidade. Só com uma base sólida assim poderemos empreender um modelo de gestão auto-sustentável. Muitos caminhos já foram trilhados, avanços fundamentais conquistados, no atual processo de modernização da socieIDÉIAS PARA UMA METRÓPOLE SUSTENTÁVEL

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dade brasileira e de consolidação de sua democracia. Temos que levar em conta, necessariamente, todo o conjunto desses elementos sociais, econômicos e culturais do passado e do presente, para analisar os fenômenos dos grandes centros urbanos e encontrar as melhores soluções para o futuro. Considero fundamental, para a solução duradoura dos problemas urbanos, a criação de uma política de planejamento e gestão que conceba as metrópoles como um fenômeno unitário, transpassando as limitações geográficas e políticas de cada cidade que as compõem. Esta é a linha central de Idéias para uma metrópole sustentável. No mundo de hoje, no qual o elemento dinâmico é a globalização em todas as esferas da sociedade, não há mais lugar para as políticas compartimentadas. As soluções têm que ser pensadas para as metrópoles como um todo. Dentro dessa visão, este modo de encarar os problemas das metrópoles deve ser executado por intermédio de uma política urbana de sustentabilidade, com a administração integrada dos serviços. É cada vez maior no Brasil e no mundo a corrente em favor deste conceito de gestão urbana, pelas novas perspectivas que oferece, quando o planejamento e as soluções são integradas, entre os municípios ou as regiões formadoras das metrópoles. No transcorrer da minha vida pública, passei a apoiar este conceito. Os problemas das metrópoles são imensos. Muitos deles já vêm sendo tratados adequadamente. Outros estão longe das soluções. É quase impossível querer abarcá-los de uma só vez. 13

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Dentro dos propósitos deste trabalho, fiz o elenco de dez grandes questões que, na opinião dos especialistas, são as mais discutidas na atualidade. Por último, é preciso considerar um fato relevante que permeia este contexto. Por melhores que sejam as idéias ou por mais avançadas que sejam as tecnologias, devemos levar em consideração a opinião da população. O Poder Público, em suas diversas instâncias, ao tomar qualquer decisão que afete a vida das metrópoles, deve estar sempre sintonizado com o interesse daqueles que são os maiores interessados, os cidadãos, dentro do autêntico espírito democrático. Gostaria de deixar registrado o meu mais sincero agradecimento à Maria Cristina, minha mulher, que cuidou, com carinho e dedicação, de minha agenda de visitas técnicas no ano em que permanecemos nos EUA. Ela foi a maior incentivadora desta empreitada e suas observações e opiniões fizeram enriquecer este trabalho. Gostaria de agradecer, também, aos meus amigos jornalistas Pedro Chagas Neto e Eduardo Sganzerla, que também me estimularam a realizar este projeto e que me deram todo o apoio editorial e de pesquisa. Também com suas críticas e sugestões, ajudaram-me a formatar e amadurecer os temas em debate. Ao professor George Basile, Ph.D. em Desenvolvimento Sustentável da Universidade de Berkeley (Califórnia, EUA), deixo registrada aqui a minha gratidão. Todo o conhecimento e a experiência que ele me transmitiu na sala de aula, nas visitas práticas e, especialmente, em nossas discussões, foram muitos IDÉIAS PARA UMA METRÓPOLE SUSTENTÁVEL

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importantes. Neste ambiente, de reflexão, pesquisa e troca de experiências, surgiu a semente deste livro. Como já disse o grande cientista e inventor norte-americano Alexandre Graham Bell: “Nunca ande pelo caminho traçado, pois ele conduz somente até onde os outros foram”.

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Metr贸poles, planejamento e servi莽os integrados

A metr贸pole da atualidade e do futuro tem que ser vista como uma totalidade, com planejamento e servi莽os integrados


O

s modelos de desenvolvimento econômico da maioria dos países do mundo, no último século, independente de mati-

zes ideológicos, estimularam, de maneira direta e indireta, a concentração populacional. A urbanização massiva criou demandas de grande amplitude, tornando a vida dessas populações complexa. Um dos desafios da atualidade é resolver os problemas das metrópoles. No Brasil, muitos caminhos já foram trilhados no atual processo de modernização do país. No entanto, considero fundamental, para uma solução duradoura desses problemas, a implementação de uma política nacional de planejamento urbano que conceba as metrópoles como um fenômeno unitário, transpassando as atuais limitações geográficas e políticas.

Não há mais lugar para as políticas compartimentadas Em sociedades complexas como as nossas, num mundo em que o elemento dinâmico é a globalização, entendo que não há mais lugar para as políticas compartimentadas ou iniciativas isoladas para resolver problemas comuns. Pela nossa própria vivência em grandes cidades, vemos cada dia com mais nitidez que só existe solução duradoura para um determinado problema de uma cidade, se esta solução valer para toda uma região metropolitana. IDÉIAS PARA UMA METRÓPOLE SUSTENTÁVEL

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No dia-a-dia das metrópoles, atualmente, vemos na prática que muitos dos serviços públicos oferecidos pela cidade-mãe são mais atrativos para os habitantes dos municípios vizinhos, por uma série de motivos. Esta situação, comum nas regiões metropolitanas brasileiras, denota um fato marcante: o grande planejamento termina no limite geográfico do município vizinho. Ou, em sentido contrário, o planejamento de menor escala não tem capacidade suficiente para atender às necessidades correntes dos cidadãos desses municípios menores. A partir desta concepção de planejamento urbano, creio que será possível desatar o nó que impede soluções efetivas dos problemas mais graves de nossas metrópoles. Sabemos que o desenvolvimento econômico concentrado numa só cidade de uma área metropolitana é perverso. Como conseqüência, observamos hoje a exclusão social e ambiental de milhões de pessoas que trabalham na cidade mais desenvolvida, mas são obrigadas a morar nos municípios periféricos. Estas cidades, geralmente, não são contempladas de forma igualitária com condições habitacionais adequadas e serviços de qualidade. Nas metrópoles, prioridades como saúde, transporte, habitação, saneamento, educação, destino do lixo e preservação do meio ambiente, por exemplo, são de interesse de todos. O que é mais comum acontecer, como já observamos, é que os serviços públicos essenciais do município mais dotado de recursos e infra-estrutura ficam sobrecarregados, diante das necessidades das cidades vizinhas que não têm esta capacidade de atendimento, na maioria dos casos. 19

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O Brasil precisa criar nova legislação para gerir as metrópoles Vamos ao ponto: é preciso criar uma legislação no Brasil que incentive os municípios e as instituições de uma metrópole a agirem de maneira coordenada, solidária, do ponto de vista político-administrativo. É preciso, em suma, decretar, nas metrópoles, o fim das barreiras políticas municipais, quando se tratar de resolução de problemas comuns. É necessário reconhecer que muitos dos avanços e das novas soluções para este universo de problemas ocorreram por pressão das próprias populações urbanas. Hoje, felizmente, podemos ver na sociedade uma grande mobilização, envolvendo universidades, instituições públicas e organizações não-governamentais. Exemplos de avanços significativos foram a criação do Ministério das Cidades, o Conselho das Cidades (ConCidades) e a lei do Estatuto das Cidades. Outra boa iniciativa é o projeto de lei número 3.460, do deputado Walter Feldman (PSDB-SP), que está em discussão na Câmara Federal desde maio de 2004. Este projeto, denominado de Estatuto da Metrópole, institui diretrizes para a chamada Política de Planejamento Regional Urbano. Cria, também, o Sistema Nacional de Planejamento e Informações Regionais Urbanas, para unir, em uma única base de dados, os serviços oficiais de estatística, geografia e cartografia, em âmbito nacional.

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Os Estados Unidos já têm Governos Metropolitanos Nos Estados Unidos, o Governo Metropolitano já é uma realidade em Portland, no Oregon, experiência que vem trazendo resultados surpreendentes e que fui conhecer ao lado de minha mulher Maria Cristina. Em Portland, pude ver na prática um plano urbano de uso do solo; uma lei de zoneamento e desenvolvimento econômico; os programas de coleta de lixo e reciclagem de resíduos; os sistemas de transporte e trânsito; o setor educacional, programas de preservação do meio ambiente, entre outros. Todos os serviços são planejados e executados, do ponto de vista da metrópole como um todo. Ficou claro, por meio dos números que vi, que aquele conjunto de cidades ali formado está conseguindo maior economicidade e eficiência nos serviços. Em síntese, Portland está praticando um grau de sustentabilidade invejável. Não há dúvidas de que os seres humanos – por livre escolha ou não – viverão cada vez em maior número nas grandes cidades e regiões metropolitanas. Por esta razão, as metrópoles, nas próximas décadas, deverão ter um modelo de gestão que atenda de fato às suas necessidades. Para que isso ocorra, dentro desta visão aqui exposta, será preciso articular e compatibilizar o planejamento territorial urbano e os planos diretores urbanos dos municípios integrantes da metrópole. Além disso, é primordial criar uma forte economia

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Rex Burkholder, deputado metropolitano da Região de Portland, onde foi criado primeiro o Governo Metropolitano dos EUA.

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local; incentivar um eficiente sistema de uso do solo; restaurar e proteger o meio ambiente; estabelecer um sistema de transporte integrado; revolucionar os padrões de habitação popular; e integrar todos os serviços públicos da mesma região urbana. Assim, tenho certeza de que poderemos gerar as condições necessárias para que nossas metrópoles comecem a resolver de fato seus principais problemas.

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O ambiente urbano e as novas estratégias de planejamento e ação

Desenvolvimento urbano sustentável, cidades melhores para as futuras gerações


A

diversidade dos problemas das metrópoles, na atualidade, está exigindo cada vez mais o aprofundamento dos estudos e das soluções para as necessidades das populações dessas áreas urbanas. A maneira mais eficaz de enfrentar esses problemas é a administração integrada da gestão e dos serviços, por meio de uma política de sustentabilidade. Conheci de perto, nos EUA e na Europa, algumas experiências que estão trazendo bons resultados. Tenho certeza de que esse novo modelo de gestão representará no futuro, para as grandes populações metropolitanas, em termos de planificação e equalização dos serviços e problemas, mudança de qualidade de vida.

Planejamento sustentável O planejamento urbano no mundo ocidental e no Brasil tem introduzido novos parâmetros de análises, dando destaque ao modelo de desenvolvimento sustentável, como principal referência para a evolução dessas sociedades. Planejar o desenvolvimento urbano sustentável tem sido um grande desafio. É preciso entender que o conceito de desenvolvimento sustentável está em processo permanente de construção, diante de sua própria complexidade. Ao adotá-lo como idéia-força para formular e executar políticas públicas, é preciso operacionalizálo sem, contudo, dar-lhe um tratamento fragmentado. O planejamento é um meio que disponibiliza aos gestores IDÉIAS PARA UMA METRÓPOLE SUSTENTÁVEL

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urbanos os instrumentos capazes para enfrentar os problemas e desafios de uma cidade ou metrópole. A sustentabilidade é um conceito abrangente, que envolve todas as dimensões e leva em conta os múltiplos aspectos de uma determinada realidade. Portanto, o planejamento urbano sustentável deve ser entendido de como um processo de políticas que identificam problemas, reavaliam prioridades, selecionam ações e desenvolvem soluções, atendendo às necessidades do presente e garantindo ao mesmo tempo as demandas das gerações futuras.

Osmar observa maquete de Berlim, em reunião sobre o plano urbanístico da cidade

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Gestão urbana sustentável Uma gestão urbana sustentável consiste em basear as soluções nas melhores práticas globais, mas deixando às instâncias decisórias locais a escolha dos objetivos e das melhores iniciativas para resolver cada problema. Esta estratégia de ação deve levar em consideração, ao mesmo tempo, o ambiente urbano e as questões econômicas e sociais. As políticas praticadas hoje nas zonas urbanas são, freqüentemente, isoladas umas das outras. Cada área de trabalho (zoneamento, infra-estruturas, desenvolvimento econômico, transportes, tratamento do lixo, saúde, etc.) tem administração própria e o gerenciamento do conjunto de setores funciona, de modo geral, na base de troca de informações. A gestão urbana auto-sustentável, pelo contrário, é integrada de forma sistêmica. No âmbito da vida urbana, um dos exemplos que melhor podem ilustrar este conceito é a gestão ambiental. As capitais e cidades com mais de cem mil habitantes deveriam adotar um plano de gestão ambiental na sua globalidade. E, nas regiões conurbadas, um plano para toda a área, independente das limitações político-administrativas. Esse plano permitiria combinar a gestão ambiental em todos os seus aspectos, desde as atribuições obrigatórias dos municípios (como controlar a qualidade do ar e o ruído ambiente), passando pelo reforço da cooperação entre os diferentes níveis de administração (local, regional e nacional), bem como entre os múltiplos serviços das administrações locais.

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Assegurar a continuidade das políticas desenvolvidas pelos diversos municípios e garantir uma melhor comparabilidade entre as cidades, no que diz respeito às suas obrigações e iniciativas, também são diretrizes prioritárias, do ponto de vista da gestão urbana sustentável.

Transportes coletivos urbanos sustentáveis O tráfego urbano tem impactos significativos no meio ambiente, na saúde das pessoas e na qualidade geral de vida das cidades. O uso do automóvel e de outros veículos é uma das principais fontes poluentes da atmosfera (o tráfego urbano representa cerca de 40% das emissões de gás carbônico na atmosfera); e é responsável por grande parte das barreiras dentro das cidades. Além disso, os veículos representam outro perigo urbano: o número de acidentes cresce cada vez mais em grandes aglomerações. Sem falar nos ruídos (80% dos casos na zona urbana são originários do tráfego), um problema exponencial. Diante da dimensão desse problema, a planificação e a eficiência do sistema de transporte coletivo urbano são essenciais para a vida de seus cidadãos. Os transportes urbanos sustentáveis podem fazer a diferença. Assim, cada capital e cidade com mais de cem mil habitantes deveriam adotar regularmente um plano de transporte urbano sustentável, com metas a curto, mé29

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dio e longo prazos. Deveriam, também, desenvolver outras ações, principalmente para incentivar a aquisição de veículos menos poluentes e mais econômicos; criar linhas alternativas para quem usa carro; e promover a substituição dos combustíveis originários do petróleo por combustíveis de fontes limpas e renováveis, entre outras medidas.

Construção sustentável Uma má concepção dos projetos de habitação e a utilização de métodos inadequados de construção podem ter um impacto significativo na saúde de seus ocupantes, bem como no meio ambiente e na qualidade de vida das cidades. A produção desnecessária de milhões de toneladas de resíduos de construções e de demolições tem causado grande preocupação às autoridades de todas as esferas. São necessárias ações que possam mudar este quadro. Este conjunto de ações busca representar um novo modelo de habitação para as cidades e metrópoles, a construção sustentável. Além disso, é importante incentivar e implementar programas para a utilização de materiais de construção sustentáveis. Para melhorar o padrão de habitação das cidades, é preciso prever medidas adicionais, como a possibilidade de recuperação áreas urbanas degradadas; o estabelecimento de novos IDÉIAS PARA UMA METRÓPOLE SUSTENTÁVEL

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requisitos de desempenho ambiental; rotulagem ambiental dos materiais de construção; bem como a instituição de políticas sobre prevenção e reciclagem de resíduos.

Zoneamento sustentável O zoneamento urbano é uma peça fundamental para a harmonia e o futuro de qualquer cidade. Alguns problemas nesta área são latentes: a expansão urbana para as zonas rurais, que criam regiões habitacionais de baixa densidade e aumentam os problemas de toda a ordem, especialmente de transporte; o grande número de terrenos vagos e de áreas irregulares; os recursos necessários para a implantação da infra-estrutura; a necessidade permanente de aumentar e proteger os espaços verdes. Para se alcançar um zoneamento sustentável, precisamos estabelecer políticas de expansão urbana que levem em conta as questões ambientais. Outras ações importantes: promover a revalorização de terrenos urbanizados; estabelecer parâmetros de densidades mínimas para novas zonas urbanas (isto ajudaria a barrar o fenômeno do alastramento ilimitado das cidades); integrar, no processo de planejamento, a política de utilização do solo.

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Lixo urbano, um grande gerador de oportunidades

Compostagem, industrialização do gás metano e reciclagem em grande escala podem mudar a situação do tratamento de lixo nas metrópoles


A

questão do tratamento do lixo urbano é sempre um assunto prioritário. Isto porque, apesar do avanço dos estudos, da aplicação de novas técnicas e fórmulas para atacar o problema principal, a resolução planejada e duradoura do tratamento dos resíduos sólidos das metrópoles ainda está longe de ser alcançada. E hoje estas soluções passam, necessariamente, pela mudança de conceito no tratamento do lixo: está provado que só com a integração desses serviços as metrópoles terão resultados eficientes. O grande problema da maioria das metrópoles, hoje, é que os gestores públicos estão mais preocupados em ampliar os aterros sanitários e lixões, quando a questão central é mais ampla: o que deveremos fazer para que menos lixo seja levado para estes locais. O Brasil, infelizmente, convive, na grande maioria de suas cidades, com os lixões, e grandes depósitos de detritos, que representam o que há de mais primitivo em termos de disposição final de resíduos. Neste caso, todo o lixo coletado é transportado para um local afastado e simplesmente descarregado no solo, sem tratamento, gerando uma série de malefícios para a população e o meio ambiente, ou seja, a maioria de nossas cidades não têm sequer aterros sanitários. Quais são os caminhos, então, para equacionar a questão do lixo? Este é um dos maiores problemas das metrópoles, mas, ao mesmo tempo, um gerador de oportunidades de emprego e renda. Existem muitas soluções inteligentes, como os aterros sanitários (com o aproveitamento do gás metano como energia), a compostagem, a reciclagem, a incineração de lixos perigosos ou o tratamento a plasma. Além disso, um passo importante é IDÉIAS PARA UMA METRÓPOLE SUSTENTÁVEL

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que as próprias administrações municipais também mudem sua visão sobre o lixo, estabelecendo políticas públicas para a sua gestão, com o objetivo de transformar os resíduos urbanos em fonte de renda e emprego. O aterro sanitário é um tratamento baseado em técnicas como a impermeabilização do solo, a compactação e a cobertura diária das células de lixo, a coleta e o tratamento de gases, a coleta e o tratamento do chorume, entre muitos procedimentos executados para evitar os aspectos negativos da disposição do lixo final. Apesar das vantagens, este método de tratamento dos resíduos urbanos enfrenta limitações por causa do grande crescimento das cidades, associado ao aumento contínuo da quantidade de lixo produzido.

Compostagem, solução simples de largo alcance A compostagem, que acontece por meio da decomposição de alimentos, podas de árvores e outros materiais biodegradáveis, é um processo eficiente de reciclagem do lixo orgânico das cidades. Sabe-se que, de todo o lixo produzido por uma cidade, de 30% a 40% podem ser destinados à compostagem. É possível transformar o lixo em adubo orgânico, livre de pesticidas e outros elementos químicos nocivos à saúde. Tive a oportunidade de conhecer algumas regiões metropolitanas dos Estados Unidos e da Europa, que utilizam o pro35

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Usina de compostagem da Waste Manegement, empresa da California (EUA).

Osmar, sua mulher Cris Casagrande Bertoldi e Melissa St. John, gerente da WM, durante visita a um aterro sanitário da empresa.

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Manta de impermeabilização de solo do aterro.

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cesso de compostagem, na gestão do lixo. Trata-se de um ciclo sustentável. Bares, restaurantes, cozinhas industriais e residências, por exemplo, separam seu lixo orgânico, que é levado para o processo de compostagem. Este lixo se transforma em adubo natural, que vai produzir alimentos mais saudáveis, chamados orgânicos. O melhor é que o custo do manejo de uma planta de aterro sanitário ou de compostagem é o mesmo, em muitos casos. É preciso observar que tais plantas recebem o lixo orgânico, e nela é feito um processo de transformação que gera um subproduto, o adubo orgânico, assim, fazendo um ciclo sustentável. Ao contrário dos aterros sanitários e lixões, que são apenas depósitos e necessitam o tempo todo de ampliação de seus espaços. Para se ter uma idéia, uma planta de compostagem que ocupa uma área de 10 mil metros quadrados tem capacidade de reciclar cerca de 200 mil toneladas/mês, ou seja, mais de seis mil toneladas/dia.

Gás metano, passivo ambiental que pode virar energia Um dos passivos ambientais dos aterros sanitários é o gás metano, resultado da decomposição de produtos orgânicos. Se um aterro sanitário for fechado hoje, nos próximos 20 anos ainda estará gerando gás metano. Produto altamente tóxico, este

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gás polui 25 vezes mais do que o gás carbônico, que é um dos principais causadores do efeito estufa. É possível transformar o gás metano em energia, que pode ser destinado a fábricas e residências, entre outras tantas utilidades. Esta tecnologia já é aplicada em vários países. O Banco Mundial, por meio de linhas de crédito especial, utilizando o mecanismo do crédito de carbono, financia este tipo de investimento. Embora em números muito inferiores aos necessários, já existem hoje, no mundo, centenas de aterros sanitários com tratamento de gás metano. O Brasil não pode ficar para trás. Quando falamos deste tema, queremos chamar a atenção da sociedade e dos governos para esta alternativa correta do ponto de vista de sustentabilidade para a gestão dos passivos ambientes relacionados ao lixo urbano.

Casa de força da usina. Milissa t. John explica o funcionamento da usina de transformação de gás metano.

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Lixos perigosos, técnicas mais modernas de tratamento Temos, também, que achar soluções inovadoras e eficientes para o destino dos lixos perigosos, especialmente o hospitalar e de produtos químicos e tóxicos de maneira geral (lâmpadas, baterias, etc.). A maioria das cidades não tem um sistema adequado de gestão dos lixos perigosos. xA incineração com monitoramento adequado já seria um avanço, com a vantagem de reduzir de forma significativa o volume do lixo. No entanto, existem outras técnicas mais modernas, como a empregada na cidade de São Paulo. Trata-se de uma usina, no bairro de Jaguaré, que pode desinfetar, diariamente, 50 toneladas de lixo hospitalar. Este novo sistema substituiu a incineração pelo tratamento de microondas. Além de matar microorganismos, reduz o volume de lixo em 70%.

Precisamos avançar na reciclagem A palavra de ordem é reciclar. A gestão das cidades deve disponibilizar alternativas de reciclagem e o tratamento adequado para os mais diversos tipos de lixo. Temos de encarar o lixo como oportunidade de renda e emprego e não como problema. A grande vantagem de reciclar é a transformação do lixo em subprodutos que têm valor econômico. IDÉIAS PARA UMA METRÓPOLE SUSTENTÁVEL

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O Brasil não aproveita o potencial do lixo urbano. Os números da reciclagem demonstram que ainda há muito a fazer. Apenas 2% do lixo de todo o país são reciclados. Só no município de São Paulo são mais de 10 mil pessoas que trabalham, hoje, como catadores formais e informais de resíduos passíveis de reciclagem, reunidos em mais de 80 grupos e cooperativas. Como dá para ver, este número de trabalhadores poderia ser muitas vezes maior na capital paulista e em todo o Brasil, assim como a receita desta atividade, se o potencial de reciclagem fosse aproveitado em sua plenitude. A entidade Cempre (Compromisso Empresarial para Reciclagem, www.cempre.org.br) apresenta alguns números que dão as dimensões desse tipo de destinação, no país. São reciclados: 1,5% dos resíduos orgânicos domésticos (compostagem); 15% das embalagens PET; 18% do óleo lubrificante; 35% das embalagens de vidro; 38% do papel e papelão; 71% das latas de alumínio; e 71% do papelão ondulado. Calcula-se que o Brasil perca, por ano, pelo menos R$ 4,6 bilhões por não reciclar adequadamente o lixo residencial (fonte: Os bilhões perdidos no lixo, de Sabetai Calderoni). Quando falamos de reciclagem não podemos nos esquecer que é muito importante a participação de todos: cidadãos, que devem separar o lixo em casa; governos, responsáveis pelos mecanismos que viabilizam o processo; e as próprias empresas prestadoras do serviço, que precisam oferecer rapidez e qualidade. A meu ver, as empresas prestadoras de serviço devem ser remuneradas de forma diferenciada, dentro de uma lógica que 41

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favoreça ao meio ambiente: ganhar menos pelo lixo que levarem ao aterro sanitário; e receber mais pelo volume que destinarem às plantas de reciclagem. Cabe ao governo criar os instrumentos para a sociedade aderir à reciclagem, especialmente com a veiculação permanente de campanhas educativas e de educação ambiental nas escolas. A cidade de São Francisco, na California (EUA), recicla 67% do lixo urbano e tem como meta reciclar 100% até o ano de 2020. Reaproveita muito o lixo da construção civil, que é altamente reciclável. A prefeitura local utiliza toda a caliça para a base na construção de ruas e calçadas. Reutiliza também restos de tintas (outro grave agente de poluição), por meio de processos simples. Existem até catálogos dessas tintas, que são destinadas às populações carentes a preços simbólicos. Na Califórnia, as atividades relacionadas à reciclagem e o reaproveitamento do lixo geram cerca de 85 mil empregos, mesmo número gerado pela milionária indústria cinematográfica de Hollywood. Outro bom exemplo é o que vem acontecendo no Japão. Várias cidades implantaram dez categorias de classificação para o lixo. Na verdade, existe um esforço nacional no Japão para reduzir o lixo e aumentar a reciclagem. Bairros, prédios comerciais e as grandes cidades estão aumentando o número de categorias de lixo. Em Yokohama, cidade de 3,5 milhões, a prefeitura distribuiu um manual sobre como separar o lixo, com instruções detalhadas sobre nada menos que quinhentos itens. Olhem o exemplo do batom: o produto em si, a pasta, está classificado como “incinerável”. Já o tubo, depois de usado, vai para o departamento de metais pequenos ou plásticos. IDÉIAS PARA UMA METRÓPOLE SUSTENTÁVEL

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Otimizar o tratamento do lixo e reaproveitar os resíduos urbanos de forma eficiente e cada vez com mais abrangência é o nosso desafio. Para isso, é preciso executar uma série de medidas simultâneas. A principal delas é um bem imaterial, a educação ambiental. A escola e a casa são os terrenos mais férteis para ser difundida. A educação ambiental (ou de outra natureza) é uma campanha permanente, que deve ser feita com pertinácia – uma nobre missão de pais, professores, responsáveis e autoridades. O sábio ditado do químico e cientista Antoine Laurent Lavoisier (1743-1794), “Na natureza, nada se cria, nada se perde, tudo se transforma”, continua atual e é utilíssimo no contexto deste tema. Afinal, o lixo é um grande gerador de oportunidades. Tudo que pudermos reutilizar não precisaremos retirar da natureza e, assim, deixaremos de contaminar o meio ambiente. Nossa casa, nossa cidade, nosso planeta agradecem.

Usina de Reciclagem de tinta. Deborah Munk, coordenadora do Programa de Reciclagem da WM.

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Usina de reciclagem de São Francisco (EUA). A cidade recicla 67% do lixo urbano.

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Transportes coletivos urbanos, o usuรกrio tem que ser tratado como cliente

O planejamento sustentรกvel das metrรณpoles precisa incluir em suas prioridades o transporte coletivo para quem usa carro


O

transporte coletivo precisa buscar continuamente soluções para atender ao aumento crescente de passageiros e aos

novos desafios do tráfego das grandes metrópoles. A busca da meta “transporte bom, barato e com qualidade” ainda é o maior desafio dos gestores públicos, que operam o transporte coletivo. O papel principal do transporte coletivo, hoje, nos países em desenvolvimento, é servir de meio de locomoção para as pessoas que não têm opções de outros meios de ir e vir. Essas populações, que se situam nas menores faixas de renda da escala social, representam a grande maioria dos habitantes das metrópoles. Portanto, ao servi-las, o sistema de transporte coletivo desempenha um papel muito importante para o equilíbrio social e econômico. Os desafios das metrópoles são permanentes e cada vez maiores. Sejam quais forem, o transporte coletivo de massas está no centro das questões. As grandes políticas das metrópoles, como o planejamento do uso do solo, da habitação e saúde, passam necessariamente pela solução dos problemas do transporte urbano. Dentro das modalidades de transporte, o metrô tem se mostrado eficiente nos países ricos, que podem investir grandes volumes de recursos em novas linhas e tecnologias avançadas. Temos soluções intermediárias, como o transporte sob trilhos de superfície, que se mostraram eficazes em muitos lugares do mundo. Conheci os sistemas de trens de superfície de Portland, nos EUA, Lyon e Estrasburgo, na França, e em Praga, na República Tcheca.

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Linha 14 do metrô de Paris, uma das mais modernas da atualidade.

Estrutura de vidro protege os usuários.

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Acredito, no entanto, que uma boa opção para os países em desenvolvimento é o transporte sob pneus. Porque as soluções são rápidas e mais baratas. Não comprometem recursos de outros setores essenciais para a população, como educação, saúde e habitação. Isso não invalida a boa opção do metrô para grandes centros, como São Paulo, Rio de Janeiro e outras metrópoles emergentes. Neste contexto, o sistema de transporte deve ser integrado no espaço territorial das regiões metropolitanas, preferencialmente, com uma única tarifa. Deve permitir, também, que os usuários façam vários trajetos com uma única passagem. O futuro da modalidade de transporte sob pneus, no entanto, depende da mudança gradativa do uso de combustíveis originários do petróleo para energias limpas e renováveis.

É essencial uma mudança de mentalidade A questão dos transportes coletivos urbanos no Brasil, na sua modalidade principal (sob pneus), precisa ser repensado. É necessário formar uma nova mentalidade nos gestores públicos que planejam e administram os sistemas. O usuário deve ser tratado como cliente. Na sociedade desigual que vivemos hoje, o usuário das camadas de menor renda da pirâmide social depende, incondi-

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cionalmente, dos transportes coletivos para se deslocar nos centros urbanos. Isto porque não tem outros meios de locomoção. Este é o principal “cliente” do sistema atual. Cliente entre aspas porque, na realidade, hoje ele não é tratado como tal. É visto como “um ser cativo”, pelas condições que, na prática, lhe são oferecidas. E o mais grave: um refém por conta de sua condição social. Esta não é só uma condição verificada no Brasil, mas em todos os países em desenvolvimento. É possível constatar em nosso país, por exemplo, que houve uma deterioração do sistema, nos últimos anos. A relação ônibus em circulação/número de passageiros caiu muito, com todas as conseqüências inerentes a isso. O passageiro passa por toda a sorte de dissabores quando pega um ônibus para ir e vir do trabalho. Trafega geralmente em carros superlotados, sem conforto e com pouca previsibilidade para chegar ao seu destino. Os ônibus atuais têm um design inadequado (é difícil entrar; é difícil sair); os degraus são muito altos, porque os carros são montados em chassis de caminhão. Os assentos são de plásticos duros e escorregadios. Sem falar do mobiliário urbano, ou melhor, da falta de instalações adequadas nos pontos, terminais e estações de ônibus. Estes são apenas alguns exemplos do que se pode dizer do descaso, da falta de respeito com o usuário do sistema de transporte coletivo. A mudança de mentalidade, acredito, pode alterar radicalmente o sistema como um todo. E somente com a melhoria da

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Trem de superfície de São Francisco (EUA).

Ônibus “low entry”, que facilita o acesso de passageiros, linha Bonnevay, de Lyon (França).

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qualidade dos serviços é que haverá condições de atrair para o sistema os usuários de automóveis. Este é o ponto que eu queria chegar. Com o aumento do poder aquisitivo das populações nos últimos trinta anos, o automóvel passou a ser um produto de consumo em larga escala. Hoje, com as novas tecnologias e a globalização, o automóvel tornou-se um bem mais acessível. O resultado desse fenômeno – o excesso de carros nas ruas – trouxe grandes problemas para as metrópoles: congestionamento, poluição e um número excessivo de acidentes. Nos Estados Unidos, existe quase um automóvel por habitante. Na Europa, cada dois habitantes têm um carro. Na China, o crescimento da frota é da ordem de 20% ao ano. Nas capitais brasileiras de maior poder aquisitivo, como São Paulo, Curitiba e Belo Horizonte, o número de automóveis por habitante é idêntico ao europeu. Esses exemplos por si só mostram a dimensão dos problemas atuais e do futuro que as metrópoles vão enfrentar. Dificilmente, as pessoas da classe média que utilizam seu carro numa cidade vão optar (se assim puderem) pelo transporte coletivo urbano, nas condições em que se encontra. É necessário, portanto, acontecer esta mudança substancial. Com rapidez, conforto e pontualidade, ganham os atuais e os novos usuários. Ganham as cidades. Haverá menos poluição. Os congestionamentos e acidentes diminuirão. Cada pessoa que trocar seu carro pelo transporte coletivo representa ou representará uma vitória do bom senso e da racionalidade. 53

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Muitas medidas podem ser tomadas, sem complicações, desde que os serviços sejam de qualidade. Penso que é possível criar linhas especiais ou intermediárias, oferecendo qualidade, rapidez e segurança para atrair esses novos “clientes”. Existe sempre a alternativa de integração do transporte coletivo com outros meios, que vão desde a bicicleta até o metrô, que podem facilitar este processo. A tecnologia pode também ajudar a melhoria da qualidade dos serviços do transporte urbano. Com passes eletrônicos, os usuários terão mais praticidade no uso do transporte. As estações e os ônibus certamente ficarão mais seguros com sistemas de vigilância (câmaras e outros equipamentos eletrônicos de proteção ao usuário). Um sistema de informações, com horários de chegadas e partidas, nas estações e pontos de ônibus, dará mais tranqüilidade a todos que utilizam esses serviços. Em resumo, o equacionamento do transporte coletivo e individual do presente e do futuro, nas metrópoles, passa por um planejamento arrojado e a utilização gradativa de combustíveis renováveis.

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Bicicleta, transporte mais do que alternativo

O uso da bicicleta deve ser estimulado nas grandes cidades. Parece ironia, afinal a bicicleta, “um meio de transporte do século XIX”, foi relegada à lista das “invenções obsoletas”, nesta era de predomínio dos veículos motorizados. Temos que combater esta idéia de “obsolescência”, pois é parcial e só serve à indústria automobilística. A bicicleta, na visão da cidade sustentável, tem seu lugar garantido, por todos os benefícios que representa. Cada vez que alguém incorpora a bicicleta como meio de transporte cotidiano, contribui para uma cidade melhor. Para que isso aconteça, são necessárias ações que assegurem cidades possíveis para a bicicleta e que reduzam a dependência do automóvel. É preciso, também, garantir segurança aos ciclistas e criar meios adequados para seu deslocamento. É imprescindível uma legislação específica para ciclistas. Com medidas simples, podemos tornar o uso da bicicleta seguro, conveniente e confortável. 55

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Ciclofaixas.

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Equipamento urbano para estacionar bicicleta.

Ônibus com suporte para bicicleta.

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Essas ações vão desde a conscientização dos motoristas ao preparo dos ciclistas para enfrentar o trânsito compartilhado com carros e ônibus. Passam, também, pela integração com o transporte coletivo, a criação de rotas alternativas, ciclofaixas, estacionamentos exclusivos e de uma instituição que cuide das demandas e dos interesses dos ciclistas. O Brasil tem uma frota de 50 milhões de bicicletas, que representam, segundo o Ministério das Cidades, 7,4% dos deslocamentos urbanos (são 250 mil viagens estimadas por dia). No país, existem só 600 quilômetros de ciclovias para uso exclusivo de bicicletas. Apenas a cidade de Hamburgo, na Alemanha, conta com 1.800 quilômetros de ciclovias. Como se pode ver, comparado à nossa população de 180 milhões de habitantes, o uso da bicicleta (e a infra-estrutura para tal) neste princípio de século XXI ainda é ínfimo. Relaciono aqui algumas idéias para o incentivo do uso da bicicleta no ambiente urbano, que já se mostraram eficazes em muitos países. Uma primeira, e importante, é a delimitação de ciclofaixas, com sinalização específica. As ciclofaixas não são separadas fisicamente das pistas para veículos automotores – como é comum em muitas cidades americanas e européias – porém, induzem-nos a trafegar naquele espaço “reservado”. Deixam, assim, os motoristas mais conscientes da presença das bicicletas e encorajam a co-existência segura. Os semáforos em cruzamentos mais movimentados ganhariam uma luz a mais, com um símbolo de uma bicicleta, dando preferência aos ciclistas nas conversões. Preparar os ciclistas para o tráfego seguro e compartilhado, IDÉIAS PARA UMA METRÓPOLE SUSTENTÁVEL

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assim como os motoristas são obrigados a freqüentar auto-escolas, é outra sugestão. Criar rotas alternativas para bicicletas, que fujam do tráfego pesado. Com sinalização específica, é possível conduzir o tráfego de bicicletas para ruas de tráfego mais calmo, ligando universidades parques, centros comerciais, e criando uma alternativa segura e econômica para que as pessoas façam seus deslocamentos sem necessitarem de carros ou ônibus. Na integração do transporte coletivo com a bicicleta, a criação de estacionamentos próprios, nos terminais, e suportes para carregar as bicicletas nos próprios ônibus vêm apresentando bons resultados. As prefeituras podem adotar medidas que incentivem e divulguem o uso da bicicleta. Como a publicação de mapas com rotas alternativas e seguras e a promoção de passeios ciclísticos, durante todo o ano. Por sua vez, as empresas privadas poderiam receber incentivos para estimular seus funcionários a usarem bicicletas, no trajeto do trabalho. Lembro-me bem de ter visto, em Amsterdã, na Holanda, milhares de trabalhadores se dirigindo de bicicleta para as estações de metrô. Vi estacionamentos imensos para bicicletas. Pessoas que deixavam ali seus veículos de duas rodas e iam trabalhar de metrô. Centenas de ciclistas circulavam pelo centro da cidade, despreocupadamente. No meio daquela bela cidade com as marcas da história, estampadas em seus prédios seculares, praças de árvores centenárias bem delineadas e ruas calmas, a primeira sensação que eu poderia ter sentido era de que tinha retornado ao passado. Mas não foi isso que me ocorreu. Senti que estava no futuro. 59

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Osmar e Cris Casagrande Bertoldi, ao lado de um carro movido a hidrogênio.

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Visita ao Centro de Pesquisas de Tecnologia de Hidrogênio California Fuel Cell Partnership na cidade de Sacramento (EUA).

Meghan Blate, do Centro de Tecnologia California Fuel Cell Partnership, com Bertoldi.

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Usin de gás metano, em São Francisco (EUA).

Al Gore, exvice presidente norte americano, depois de sua palestra sobre o aquecimento global.

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Encontro com Peter O’Donnell, diretor de programas de Energia Renováveis, da Secretaria de Meio Ambiente de São Francisco (EUA).

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Reunião com técnicos do sistema de transportes de Praga, República Checa.

Trem de Praga.

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Trem de Estrasburgo (França).

Ônibus com sistema “low entry”, que facilita o acesso dos passageiros, Lyon (França).

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Trem de superfície de Lyon.

Parte interna trem de Lyon.

Sistema de bilhetagem do trem de Lyon.

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Trem de Portland, Oregan (EUA).

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Usina de incineração de lixo de Berlim (Alemanha).

Visita à usina de incineração de lixo de Berlim.

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Osmar com Chris Taylor (de chapéu), gerente de compostagem da usina de WM, na California, e Jack Macy, coordenador comercial de reciclagem da Secretaria Municipal de Meio Ambiente de São Francisco (EUA).

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O pedestre em primeiro lugar

É preciso priorizar os espaços para o pedestre, o verdadeiro dono do ambiente urbano


A

cidade é um ente vivo, nunca está pronta e passa por constante mutação. Devemos pensar a cidade a partir do ponto de vista e do interesse de seus moradores. Este é o ambiente onde as pessoas nascem, estudam, trabalham e vivem. E, quando digo pensar, refiro-me à necessidade de tornar a cidade mais humana; de transformá-la em um lugar no qual todos possam viver com dignidade e segurança. O homem que se movimenta na cidade é o pedestre. Diante das atuais dimensões urbanas, este vive uma situação difícil. O pedestre transformou-se em um refém das barreiras de concreto, dos veículos motorizados, da falta de segurança, da falta de respeito e do descaso. É nas ruas das grandes cidades que ocorre o maior número de mortes por atropelamento. As mortes para cada grupo de cem mil habitantes por atropelamento/ano chegam a duas em Londres, três em Los Angeles e sete em São Paulo. Conforme dados do programa Criança Segura, do Ministério da Saúde, os atropelamentos lideram o ranking das causas mais comuns de morte por lesões não-intencionais entre as crianças brasileiras. Todo ano, no Brasil, cerca de 1.500 crianças abaixo de 14 anos morrem atropeladas; e outras 20 mil se machucam com maior ou menor gravidade. É preciso reagir a isso. Não podemos simplificar o problema, jogando a culpa no descuido de pedestres e motoristas. A legislação do trânsito e a engenharia de tráfego deveriam proteger o pedestre e não privilegiar os veículos, como acontece hoje. Investir na segurança do pedestre não requer projetos mirabolantes. IDÉIAS PARA UMA METRÓPOLE SUSTENTÁVEL

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As calçadas brasileiras são exemplos de descaso ao pedestre e, principalmente, aos portadores de necessidades especiais. As calçadas devem ser construídas de modo a propiciar conforto aos pedestres, com materiais antiderrapantes ou que possibilitem conforto, garantindo segurança, acima de tudo. Além disso, as calçadas devem ser projetadas para assegurar acessibilidade aos portadores de necessidades especiais. Vejam um exemplo de desconsideração com a segurança do pedestre em benefício do veículo. Imagine a seguinte situação: uma pessoa está numa esquina de uma via principal com uma secundária, caminhando no mesmo sentido de trânsito. O semáforo abre para esta pessoa e para os carros. No momento em que vai atravessar a rua, deveria olhar só para frente. No entanto, este pedestre é obrigado a olhar para trás, para a rua secundária, porque, se um carro fizer a conversão no sentido da rua secundária, terá a preferência, ou seja, o pedestre precisa olhar obrigatoriamente para a frente para não tropeçar e para trás para não ser atropelado. É um absurdo!

O pedestre deve ter prioridade sobre o carro Em todos os países, a sociedade vem se mobilizando para resgatar e assegurar os direitos dos cidadãos e, portanto, o direito do pedestre. Os europeus acordaram para o problema. No final da década de 80, o Parlamento Europeu adotou uma legislação

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Semáforos de pedestres.

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Carro aguarda enquanto pedestres atravessam a rua. Passarela que liga prédio residencial a praça pública.

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própria denominada “Direitos do Pedestre”. O texto diz, basicamente, que as cidades e as metrópoles devem investir nos pedestres e não nos carros. Não podemos deixar de mencionar, entretanto, que em algumas cidades brasileiras já existe uma consciência mais apurada em torno dos direitos do pedestre. Este é o caso de Brasília, a capital federal. Embora a cidade tenha sido projetada com amplas avenidas, “sem esquinas”, é visível que existe um grau de respeito mais elevado em relação ao pedestre. O exemplo de Brasília mostra que este item de civilidade pode ser lembrado e posto em prática por todo motorista brasileiro. Pode-se dizer que a grande maioria dos motoristas do Distrito Federal aprendeu a respeitar o direito de prioridade do pedestre, quando está na faixa, para atravessar a rua. É um ato espontâneo, sem a presença de sinal vermelho, sem fiscais de trânsito e sem controle eletrônico. Penso que todos nós gostaríamos que isso acontecesse nas cidades brasileiras. Conforme o carro avança, a cidade se deteriora. Precisamos reverter esse processo. É oportuno lembrar que, no final dos anos 60, houve um movimento na Europa que resgatou os espaços urbanos, transformando ruas que eram destinadas a carros em vias exclusivas para pedestres. O mesmo movimento chegou ao Brasil no início da década de 70 em Curitiba, quando foi criado o primeiro calçadão. Esta tendência foi adotada em boa parte das grandes cidades brasileiras, mas hoje está abandonada. Resgatar esta idéia vai ajudar, com certeza, a melhorar a vida dos pedestres brasileiros.

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O planejamento urbano deve ser pensado para que um pedestre necessite caminhar menos a fim de acessar serviços e bens de consumo. Por isso, sou a favor da idéia de que a lei do uso do solo deve conciliar os ambientes de moradia com os locais de trabalho e serviços. Também devem ser prioridades: a instalação de equipamentos públicos que estimulem a presença do pedestre nas vias públicas e parques; a instituição de serviços de informações (com mapas, guias e outras publicações) para orientar e informar os pedestre sobre as melhores opções dos trajetos; semáforos especiais para pedestres; acessibilidade dos portadores de necessidades especiais a todos os serviços públicos e privados; e a veiculação de campanhas educativas. A luta do pedestre, no entanto, é mais ampla. O homem que atravessa a rua depende de fatores muito mais complexos para sobreviver e melhorar de vida. Portanto, precisamos ter consciência de que a nossa causa é muito mais profunda. Para ser alcançada em sua plenitude, envolve mudanças sociais, políticas, econômicas e culturais.

Osmar e Cris Casagrande Bertoldi, em reunião com técnicos do Plano Diretor de Pedestres de Genebra (Suíça).

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Hidrogênio como combustível, um futuro que começa já

Carros que não utilizem petróleo e que não poluem, este é o caminho para o futuro


N

ossa geração tem usufruído de forma irracional dos combustíveis fósseis, principalmente o petróleo e seus derivados – os grandes geradores da poluição. Se não houver uma mudança radical de atitude, as próximas gerações serão penalizadas. Tanto por conta do fim das reservas como da contaminação ambiental irreparável. Quando falo nesta questão não me refiro a um futuro remoto, mas a algo que está muito próximo. Vamos, então, imaginar o seguinte: se você está na faixa dos quarenta anos e tem um filho com cinco, ele estará pagando esta conta ambiental quando tiver a idade que você tem hoje. Atualmente, 80% das fontes energéticas do mundo são provenientes dos combustíveis fósseis. O petróleo, a principal delas, é a mais poluente de todas, porque seus derivados, especialmente a gasolina e o óleo diesel, liberam gás carbônico, na atmosfera. Elemento poluente que destrói a camada de ozônio e faz a temperatura do planeta subir, com todos os riscos que os cientistas apontam, como o derretimento das calotas polares e a conseqüente elevação do nível dos oceanos. A pergunta é: o que fazer para que se comece a corrigir o rumo desta civilização acostumada a consumir como se nossos recursos naturais nunca fossem acabar? É importante recordar as lições da história para vislumbrarmos o futuro. Primeiro, tivemos o ciclo do carvão, do qual a famosa “Maria Fumaça” permanece como um dos mais marcantes símbolos. Era o triunfo da máquina a vapor, que substituía as engenhocas feitas em madeira. A maior parte da energia daquela época dependia do carvão mineral e do carvão vegetal. Florestas IDÉIAS PARA UMA METRÓPOLE SUSTENTÁVEL

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foram devastadas, cidades poluídas. Depois, por volta de 1900, descobriu-se o uso do petróleo com seu imenso potencial energético. E veio o automóvel, graças à utilização dos derivados do petróleo. Muitos diziam que aquela máquina iria pegar fogo. Estes tinham certa razão, já que deste tipo de combustível, dos 100% queimados, 30% na melhor das hipóteses viram energia e o resto é só calor, energia desperdiçada.

A era do hidrogênio e das energias limpas Pois é, o hidrogênio é diferente. Representa uma ruptura radical destes ciclos de energia. “A Era do Hidrogênio”, como já vem sendo chamada, representa a era das energias renováveis. O hidrogênio é um gás incolor, inodoro e mais leve que o ar. É com a energia do hidrogênio que o sol aquece a terra, propiciando a vida em nosso planeta. O hidrogênio é a molécula mais abundante do universo e do nosso planeta, compondo perto de 70% da superfície terrestre. Pode ser encontrado na composição molecular da água. Dos 100% que representa em termos de combustível, 80% do hidrogênio são transformados em energia. Parece maluquice dizer que um carro vai ser movido à água... Bem não é exatamente movido à água, mas sim a hidrogênio, que pode ser extraído da água. Carros movidos a hidrogênio estarão disponíveis em 81

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Exposição do dia Internacional do Meio Ambiente, em 2005, na cidade de São Farncisco, destaca os combustíveis renováveis (ônibus movido a hidrogênio, ao fundo).

Interior do ônibus movido a hidrogênio. Osmar Bertoldi com Matt Riley, gerente da UTC Fuel Cells.

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grande escala para o publico em futuro não muito distante. Especialistas acreditam que isto ocorrerá daqui a dez ou quinze anos. A tecnologia que converte o hidrogênio em energia, as células combustíveis, que vai possibilitar o movimento do carro do futuro, tem como emissão final água pura e calor. Em suma, o único subproduto deste combustível é vapor d’água. Tive a oportunidade de visitar o centro de estudos California Fuel Cell Partnership, na cidade de Sacramento (EUA), que está desenvolvendo um audacioso projeto para a obtenção da tecnologia do combustível do futuro. Trata-se de um programa envolvendo as principais montadoras do mundo, fabricantes de componentes automobilísticos, universidades e o governo do estado da California. Este projeto prevê o desenvolvimento de todo o ciclo para o uso de carros e ônibus movidos a células de hidrogênio. Desde o posto de abastecimento, a rede de distribuição e o protótipo da primeira rodovia norte-americana provida de redes de abastecimento para carros movidos a hidrogênio. Tive a oportunidade de dirigir alguns carros movidos a hidrogênio na California. Além de não poluir, é silencioso. Já existem carros experimentais das montadoras Toyota, DaimlerChrysler (Mercedes-Benz), GM, Volkswagen Audi, Honda, Ford, Hunday e Nissan. Empresas como Shell Hydrogen, ChevronTexaco e ExxonMobil estão investindo bilhões de dólares no desenvolvimento de tecnologias para a produção e armazenamento do hidrogênio. Ônibus também movidos a células de hidrogênio já estão

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Hyo Hattori, diretor de energia e pesquisa da Toyota, na California, dando explicações sobre carro movido a Hidrogênio desenvolvido pela montadora.

sendo utilizados para transporte coletivo em algumas cidades nos EUA, Europa, Austrália e China. Segundo o Departamento de Energia dos Estados Unidos, se hoje os veículos movidos a célula combustível somassem 10% da frota daquele país, a economia de petróleo seria de 800 mil barris/dia. Do mesmo jeito que as gerações anteriores instituíram os ciclos dos combustíveis fósseis, estamos começando um novo ciclo, o dos combustíveis limpos. O Brasil tem grandes perspectivas de estar presente na ponta deste ciclo, pois já adquiriu experiência no desenvolvimento de novas tecnologias para a geração de energia em grande escala, como é o caso das hidrelétricas. Aliás, é bom lembrar que, sendo hidráulica a base da geração da energia elétrica em nosso país, poderemos aproveitar muito bem as fases de “entrepico” das hidrelétricas já instaladas para produzir hidrogênio. IDÉIAS PARA UMA METRÓPOLE SUSTENTÁVEL

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O potencial brasileiro do biocombustível Dentro das opções de desenvolvimento de novas fontes de energias renováveis, é possível dizer que o Brasil tem capacidade para liderar o maior mercado de energia renovável do mundo. Isso porque no país existe matéria-prima renovável em abundância para fabricar o biocombustível – combustível de origem vegetal, como cana-de-açúcar, óleos vegetais, da madeira e gordura animal, entre outros. O Brasil já deu uma demonstração de eficiência ao desenvolver a tecnologia do álcool combustível, a partir da cana-de-açúcar. Temos alguns problemas conjunturais com relação à política nacional do álcool, em especial na administração de preços, mas esta é uma outra questão. O biocombustível ou combustível biológico também é uma alternativa viável para substituição do petróleo com uma série de vantagens, tanto ambientais, como econômicas e sociais. De olho nessa nova tecnologia, o governo federal lançou, em 2005, o Pólo Nacional do Biocombustível (PNB), com sede na Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz” (Esalq), em Piracicaba, (SP). Aproveitando os níveis de excelência desta instituição, a idéia de criar o pólo é agregar todas as pesquisas e projetos sobre biocombustível existentes no Brasil. Cabe aos governos fazerem a sua parte de incentivador e regulador dessas novas tecnologias. A sociedade, por sua vez, precisa se conscientizar de que estas inovações representam o futuro das novas gerações. É obvio que se trata de um processo complexo. Mas vale a pena começar a pensar: se eu puder ter um carro que não polui o meio ambiente, porque eu vou comprar um que polui? Carros que não utilizem petróleo e que não poluam: este é o caminho para o futuro. Futuro que, por sinal, já começou. 85

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Saúde padronizada nas metrópoles

Serviços com uma só gestão metropolitana, tendo os mesmos padrões de procedimentos, tecnologia e edificações, podem agilizar e dar mais qualidade ao sistema de saúde


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saúde é um dos problemas que mais afetam as populações das grandes metrópoles, por causa da ineficiência dos serviços existentes. Embora não ache que a ineficiência dos serviços seja a causa única dos problemas de saúde, esta é a ponta mais visível do iceberg, que mostra como o atual sistema de saúde brasileiro está longe de atender às necessidades da população. Entre os problemas graves mais freqüentes, em termos de assistência ao cidadão, é preciso registrar com ênfase: as pessoas sofrem ao enfrentar longas filas para serem atendidas nos ambulatórios emergenciais; os doentes que necessitam de consultas especializadas precisam aguardar meses para serem recebidos pelo médico; faltam leitos e equipamentos adequados nos grandes hospitais e centros médicos; a administração do Sistema Único de Saúde (SUS) é muito lenta e burocrática; as verbas das três esferas (federal, estadual e municipal) que compõem o orçamento nacional da saúde são insuficientes. Este quadro mostra que o sistema atual de saúde no Brasil precisa de reformulações importantes. Em primeiro lugar, é preciso entender que o atual processo de municipalização da saúde tem requerido maior atuação do poder local, cabendo aos municípios o planejamento e a gestão do atendimento à saúde. Entretanto, o poder municipal enfrenta dificuldades que, muitas vezes, não podem ser resolvidas com a ação de uma prefeitura isoladamente. A partir daí, os problemas se avolumam. O SUS (Sistema Único de Saúde), criado em 1988, induz a autonomia dos municípios na gestão da saúde. Porém, como não há verbas fixas destinadas ao SUS, os repasses dependem do fluxo de caixa do Ministério da Saúde e dos governos estaduIDÉIAS PARA UMA METRÓPOLE SUSTENTÁVEL

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ais e municipais. Isto dificulta o planejamento das ações. O que, então, está acontecendo com a saúde das grandes metrópoles diante desse quadro? Os municípios brigam pelo repasse de verbas e, diante disso, a situação se torna bastante desfavorável para a população que precisa do atendimento. No Brasil, o atual sistema gera um círculo vicioso que penaliza os que precisam dos serviços de saúde. Como a cidade maior de uma região metropolitana, a capital, tem geralmente mais estrutura e equipamentos, pelas próprias condições históricas de desenvolvimento, pacientes dos municípios vizinhos (menores) e do interior são enviados a esses centros urbanos para o atendimento que não podem fornecer. Por estes serviços, recebem a maior parte da remuneração do SUS, inibindo o destino de recursos para os pequenos municípios. Acontece que hoje, na maioria das 26 grandes regiões urbanas do país, as populações metropolitanas já são maiores do que as capitais. Curitiba é um exemplo dessa situação: recebe cerca de 70% das consultas especializadas, enquanto a outra parte, 30%, é distribuída pelos outros municípios da região metropolitana. Na verdade, deveria acontecer uma distribuição mais eqüitativa, considerando a população metropolitana que é quase a mesma da capital paranaense. Isto provocou um inchamento do sistema e está acelerando a sua deterioração (para romper com isto o Ministério da Saúde propõe a regionalização de serviços hierarquizados). É preciso destacar, também, que o atendimento especializado necessita de investimentos que seriam vultosos para as prefeituras, individualmente, atenderem à demanda dos serviços 89

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médicos de suas cidades. Na maioria das vezes, o equipamento de tal especialidade seria subutilizado. Não é razoável que um município de 20 mil habitantes invista num centro cirúrgico altamente especializado em cardiologia, por exemplo.

Metropolização dos serviços de saúde Como mudar esta situação? A questão da saúde urbana precisa ser analisada do ponto de vista da “metropolização”, como os outros serviços essenciais prestados a essas populações, em discussão neste livro. Aliás, o conceito de “metropolização” é viável somente se todos os serviços fundamentais fizerem parte da mesma política. Em resumo, esses serviços precisam ser unificados, de forma que os aglomerados humanos sejam pensados e planejados como únicos, tendo uma só gestão. No caso da saúde, isso implica na unificação dos serviços, dos procedimentos, do uso da tecnologia e mesmo dos padrões de edificação – coisas que o atual sistema não proporciona, globalmente. Dentro dessa abordagem, é preciso considerar a relevância da questão “saúde urbana”, fenômeno que apareceu com o crescimento das grandes cidades. Isto é nada mais do que os efeitos da urbanização na saúde coletiva dos cidadãos. As três formas principais, pelas quais os ambientes urbanos afetam a saúde, ocorrem: através das mudanças sociais que acompanham o urbanismo e que modificam comportamentos

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de risco; por intermédio dos riscos diante de novos agentes tóxicos e infecciosos; e pelo impacto em grande escala provocado no ecossistema. As cidades são consideradas locais com altos índices de doenças como tabagismo, obesidade e AIDS. Temos que considerar também que a vida nas cidades, por ser muitas vezes impessoal, alienante e violenta, aumenta a escala dos problemas da área de saúde. Tudo isso só torna muito maior a responsabilidade do sistema de saúde. Se não forem encontradas novas soluções, como a da integração e harmonização dos serviços nas metrópoles, com certeza vamos enfrentar graves dificuldades no futuro. Em síntese, a otimização dos recursos destinados à saúde e a compreensão sistêmica de inter-relação, entre todos os aspectos que envolvem a qualidade de vida dos cidadãos, serão fatores decisivos para a implantação de qualquer novo modelo de saúde no Brasil. E, por conseqüência, nas grandes cidades. É aí, nesse contexto, que a metropolização da saúde poderá demonstrar a sua eficiência.

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Florestas urbanas, vida mais saudรกvel nas cidades

A melhora da qualidade de vida nas metrรณpoles depende muito de como tratamos as รกrvores, matas e รกreas verdes


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conservação nas cidades de árvores, matas e áreas verdes de modo geral traz uma série de benefícios para seus habitantes. Uma floresta urbana bem planejada ajuda na estabilização e na melhoria microclimática, chegando em algumas cidades a reduzir, em determinadas condições, em até três graus centígrados a temperatura ambiente. Através da produção de oxigênio e consumo de dióxido de carbono, no processo de fotossíntese, como na interceptação das poeiras em suspensão pelas folhas de algumas espécies, as árvores contribuem para a diminuição da poluição atmosférica. Elas ajudam também a diminuir a poluição sonora, a melhorar a estética de nossas ruas, a trazer sensação de conforto, entre muitos benefícios em termos de qualidade de vida. Quando estive em Portland, fiquei impressionado com o número de árvores e o volume de vegetação no perímetro urbano. A região metropolitana de Portland, onde vivem mais de 1,3 milhão de pessoas, tem um dos mais expressivos planos de florestas urbanas, do mundo. Em 2002, as autoridades locais lançaram a primeira edição de dois guias (“Green Streets” e “Trees for Green Streets”), apresentando soluções para “cidades mais verdes”, como sugerem os próprios títulos das publicações. Esses guias têm sido reeditados, sucessivamente, e vem orientando a população em todos os aspectos relativos ao plano de florestas urbanas. Com fundamentos técnicos e bem ilustrados, eles dão uma idéia do grau de preocupação das autoridades metropolitanas de Portland com a preservação do meio ambiente urbano. O guia “Trees for Green Streets” (“Árvores para Ruas

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Verdes”), por exemplo, informa com detalhes quais são as árvores mais adequadas para plantio nas cidades, suas características morfológicas, período de longevidade e como devem ser conservadas. Outra cidade que tem um cuidado especial com esta questão é Vancouver, no Canadá. A municipalidade criou o Plano Diretor de Florestas Urbanas, que define como “chave da sustentabilidade do futuro”. O plano está sendo executado desde 2001, quando, na primeira fase, foi feito um inventário das árvores de ruas. Atualmente, a prefeitura está fazendo o manejo e ampliando o plantel de árvores. O próximo passo é ampliar os parques e as regiões de florestas da cidade. Segundo estudo da municipalidade de Vancouver, com a crescente degradação dos grandes centros urbanos, a árvore passou a ter valor econômico. Hoje, as árvores trazem valorização imobiliária. Os imóveis de uma rua arborizada valem mais do que os imóveis de uma rua sem árvores. As ruas de comércio arborizadas vendem mais do que ruas de comércio sem árvores. A questão da floresta urbana está cada vez mais presente na pauta das principais instituições mundiais. A Organização Mundial da Saúde (OMS) fixou índices mínimos de áreas verdes por habitante para a preservação da qualidade de vida dos centros urbanos. A OMS recomenda uma proporção mínima de doze metros quadrados de área verde por habitante ou 25% da área urbana dos municípios. A preservação dos parques urbanos, bosques, praças e fundos de vale é de fundamental importância.

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Rua Marcelino Champagnat, em Curitiba, exemplo de via bem arborizada.

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Floresta da Tijuca, o maior exemplo O Brasil tem, talvez, um dos melhores exemplos do mundo de recuperação de floresta urbana, a Floresta da Tijuca. Localizada no coração do Rio de Janeiro, a poucos minutos de grande parte dos bairros da cidade, é a maior floresta urbana do mundo, com cerca de 3.200 hectares. Muita gente não sabe que esta floresta foi devastada e depois recomposta. É importante recapitular esta história: a área da Tijuca foi reflorestada no século XIX após anos de desmatamento intenso, especialmente para o plantio de café. O reflorestamento foi uma iniciativa pioneira em toda a América Latina. O responsável por isso, indicado pelo Imperador Pedro II, em 1861, foi o Major Gomes Archer, o primeiro administrador da floresta. Ele trabalhou inicialmente com seis escravos e, depois, com 22 trabalhadores assalariados. Plantou, em treze anos, 100 mil mudas. O replantio foi feito com espécies, em sua maioria, nativas da mata atlântica. O segundo administrador, Barão Gastão d’Escragnolle continuou o replantio, de 1874 a 1888. Além de introduzir mais 30 mil mudas, realizou um trabalho de transformação da floresta em área de lazer, um parque para uso público, inserindo espécies exóticas, criando pontes, lagos, fontes e locais de lazer, com auxílio do paisagista francês Augusto Glaziou. Outro exemplo de iniciativa moderna para a preservação das áreas verdes é de Curitiba. A capital paranaense possui, hoje, mais de 77 milhões de metros quadrados de vegetação nativa de porte arbóreo, entre bosques públicos e em IDÉIAS PARA UMA METRÓPOLE SUSTENTÁVEL

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áreas particulares. A capital paranaense inovou ao criar, dentro da lei municipal do uso do solo, benefícios específicos para proprietários que preservam bosques em suas áreas. Em troca, eles ganham a chamada moeda de potencial construtivo, que pode ser utilizada em edificações de determinadas zonas urbanas de Curitiba. Toda a cidade sustentável precisa estudar a floresta urbana com critério. É preciso, primeiro, inventariar as suas espécies vegetais, ter um plano diretor de arborização e manejo (que planeja o ciclo arbóreo), além de elaborar projetos de regeneração da flora urbana.

Águas urbanas merecem melhor tratamento

As águas urbanas estão no mesmo contexto das florestas. Segundo dados da ONU (Organização das Nações Unidas), 50% da taxa de doenças e mortes nos países em desenvolvimento ocorrem por falta de água ou pela sua contaminação. Com o rápido crescimento da população mundial e a crescente poluição, a água transformou-se no recurso natural mais estratégico de qualquer país. 99

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Dados do International Water Management Institute (IWMI) mostram que, no ano de 2025, 1,8 bilhão de pessoas de diversos países deverão sofrer com a falta de água potável. Diante dessa grave constatação, precisamos ter plena consciência de que a água limpa e acessível se constitui em um elemento indispensável para a vida humana e que, para tê-la no futuro, é preciso protegê-la de todas as formas. Os centros urbanos têm responsabilidade redobrada, porque são ao mesmo tempo os maiores consumidores (e esbanjadores) e os maiores poluidores. Um dos problemas mais sérios das grandes cidades é a presença de indústrias, favelas e outras ocupações irregulares às margens dos rios. Isso acontecia, até o início do século passado, em quase todas as capitais européias. Rios como o Tamisa e Sena, que cortam os corações de Londres e Paris, eram totalmente poluídos. Normalmente, os dejetos clandestinos industriais e das populações poluíam continuamente os cursos d’água. Felizmente, as principais cidades européias já estão livres, hoje, deste mal e são o melhor exemplo do que possível fazer pela despoluição dos rios das metrópoles. No Brasil, é preciso uma política mais firme e abrangente para tratar dessa questão, já que o problema não é novo. Da mesma forma que foi mencionada em outros capítulos deste livro, a minha proposta é a mesma: instituir uma visão metropolitana para a abordagem do problema. Até porque rios e fundos de vale não começam e terminam conforme as divisas político-geográficas dos municípios que compõem uma metrópole. É óbvio que é preciso um planejamento envolvendo todas as cidades de IDÉIAS PARA UMA METRÓPOLE SUSTENTÁVEL

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determinada região metropolitana. Ao mesmo tempo, os órgãos governamentais devem priorizar os investimentos em saneamento básico nas áreas das bacias dos rios. Outra defesa importante do meio ambiente, neste aspecto, é a criação de parques lineares, ao longo dos leitos dos rios que cortam uma cidade. O planejamento de reservas ambientais, em áreas ainda não ocupadas totalmente pelo homem nos centros urbanos, é uma medida preventiva fundamental. Da mesma forma, a incorporação dos fundos de vale nesses parques, porque são peças-chaves na regulação das águas das chuvas. O parque urbano, aliás, além de ser um importante espaço de lazer e de evitar novas ocupações irregulares, é um dos mais fortes elementos da auto-estima dos cidadãos urbanos, porque é um bem da coletividade. Não podemos esquecer que a regulamentação do uso do solo é elemento-chave na preservação das águas urbanas. O melhor meio para se evitar grandes transtornos em épocas de inundação é regulamentar esse uso. Limitar a ocupação de áreas inundáveis é a melhor forma de prevenir. É sempre importante observar que os rios geralmente possuem dois leitos. O leito menor onde a água escoa na maior parte do tempo e o leito maior, que é inundado em média a cada dois anos. Os impactos devidos às inundações ocorrem quando a população ocupa o leito maior do rio.

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Construção sustentável, um diferencial para o futuro

O uso de ecomateriais e de soluções tecnológicas nas construções sustentáveis ajudará a promover o melhor uso dos recursos não renováveis


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construção sustentável pode se transformar em um diferencial importante para melhorar a qualidade de vida nas metrópoles. Trata-se de um produto da sociedade moderna. Não é aquela construção ecológica, romântica, que alguns sonhadores pregam para nos encerrar num pretenso paraíso, em uma megalópole urbana. É uma construção inteligente, eficaz e com capacidade de ofertar praticidade, conforto e economia de recursos. Construção que se utiliza da tecnologia e dos recursos materiais da forma mais racional possível, levando sempre em conta a preservação do meio ambiente. O embrião da construção sustentável foi o conceito de green building, que surgiu nos Estados Unidos e na Europa, a partir da década de 1970. Foi um caso de necessidade. Com a crise energética decorrente dos altos preços do petróleo, os construtores passaram a pensar modos de se construir de forma “mais amigável” ao ambiente urbano, com uso de fontes alternativas de energia, como a solar, e outros tipos de materiais inovadores. Nos anos 1980, a avaliação positiva da performance ambiental dessas edificações fortaleceu esta tendência. As construções sustentáveis sempre levam em conta o impacto ambiental que causam; usam ao máximo os recursos naturais de seu entorno; utilizam-se de materiais reciclados e recicláveis; aproveitam o uso da energia solar e da água da chuva; têm planos bastante rígidos para a gestão dos resíduos sólidos; possuem preocupação com o conforto termo-acústico; e são, sobretudo, construções saudáveis. Além disso, evitam também que os solos urbanos fiquem mais impermeáveis. IDÉIAS PARA UMA METRÓPOLE SUSTENTÁVEL

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Em dois conjuntos habitacionais na Holanda foram desenvolvidos alguns projetos interessantes. Um deles foi elaborado pelo Word Wildlife Fund (WWF), que teve como proposta uma construção com baixíssimo consumo de energia. O consumo de energia nas unidades habitacionais desse conjunto é em média 60% menor do que as construções tradicionais. Neste mesmo condomínio, há também um sistema de reaproveitamento do calor para o ambiente e da água ali utilizada. Cada teto tem um captador solar e um painel fotovoltaico. No outro projeto, um conjunto residencial situado à beira de um lago possui paredes transparentes, que propiciam iluminação natural. O interior das casas conta com tetos altos e diferentes níveis de piso. Esta concepção promove um “efeito estufa” artificial, provocando o aumento da temperatura interna e reduzindo o consumo de energia elétrica. Em São Francisco, na California (EUA), os sistemas de aproveitamento da energia solar e de reaproveitamento da água das chuvas já estão bem difundidos entre seus habitantes. Esses sistemas são encontrados com facilidade nas lojas do setor de material de construção e relativamente fáceis de instalar. Existe também um grande número de publicações a respeito, tanto a nível técnico como de noções básicas. Além disso, é prática comum a difusão de manuais de economia de energia pelas próprias companhias do setor elétrico, disponibilizando cursos e palestras para a comunidade. No Brasil, algumas construtoras estão descobrindo este filão. Muitos construtores estão apostando no potencial deste mercado. Por exemplo, a construtora Setin lançou, em São Pau105

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Jim Chace, diretor da Pacific Energy Center (PG8E), durante demonstração de equipamento para direcionar construções com maior aproveitamento da luz natural. IDÉIAS PARA UMA METRÓPOLE SUSTENTÁVEL

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lo, o Mundo Apto, um projeto que agrega fundamentos da construção sustentável a um conjunto de residenciais urbanas. Os dez edifícios que estão sendo erguidos terão coleta seletiva dos resíduos e aquecimento de água misto (energia solar e gás), que, segundo a empresa, possibilita uma redução de custos da ordem de 80%, se comparados aos gastos com energia elétrica (dados do jornal “O Estado de S. Paulo”, de 20.02.2005). Os edifícios terão ainda sistema de reuso de água – a água dos chuveiros e lavatórios, após tratamento, volta para abastecer os sanitários e as torneiras das áreas comuns. Isso, segundo o jornal “O Estado de S. Paulo”, possibilita uma economia de água da ordem de 35%. Segundo Antonio Setin, presidente da construtora, “um empreendimento com viés sustentável tem investimento de 5% a mais, que acaba sendo amortizado com a economia nos custos operacionais”. Estes exemplos mostram que é possível conciliar desenvolvimento com sustentabilidade.

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Moscone Center, um exemplo de aproveitamento de luminosidade natural.

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Visita às instalações do Moscone Center. Reunião com Danielle Dours (centro da mesa), Utility Specialist, com comitiva russa, em visita ao Centro de Exposição Moscone Center, de São Francisco (EUA), que possui o maior sistema de Energia Solar do mundo instalado em um prédio municipal. O prédio também possui um sistema de construção com aproveitamento de luminosidade natural.

Jim Chace e Osmar conversam sobre os serviços que o centro presta à comunidade, como cursos para arquitetos e engenheiros sobre construções sustentáveis na busca de economia de energia. 109

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