ÍNDICE
INTRODUÇÃO ........................................................................................................................................................ 1 POEMAS LIDOS NO CEMC E NAS EB1 DE MORAIS E DE CHACIM ......................................................................... 3 POEMAS LIDOS NA ESCOLA BÁSICA E SECUNDÁRIA DE MACEDO DE CAVALEIROS - 1º CICLO .......................... 32 POEMAS LIDOS NA ESCOLA BÁSICA E SECUNDÁRIA DE MACEDO DE CAVALEIROS - 2º CICLO .......................... 47 POEMAS LIDOS NA ESCOLA BÁSICA E SECUNDÁRIA DE MACEDO DE CAVALEIROS - 3º CICLO ......................... 63 POEMAS LIDOS NA ESCOLA BÁSICA E SECUNDÁRIA DE MACEDO DE CAVALEIRO–ENSINO SECUNDÁRIO ........ 83 CONCLUSÃO ...................................................................................................................................................... 103
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INTRODUÇÃO
No dia 7 de dezembro, os alunos de todo o Agrupamento de Escolas de Macedo de Cavaleiros tinham uma surpresa à sua espera na sala de aula. O professor que naquele dia lhes deu aula ao primeiro tempo da manhã tinha uma missão… ler-lhes um poema selecionado para o efeito. Semanalmente aguardava-os um novo poema, em conformidade com o nível que frequentavam. Tratou-se da atividade “Abre a pestana com um poema +
por semana”, integrada no projeto aLeR , em que toda a comunidade escolar está inserida. Com ela pretendeu-se fomentar o gosto pela leitura, dar a conhecer poetas nacionais e esporadicamente estrangeiros, bem como facilitar o contacto dos alunos com a expressão lírica e motivá-los para a sua interpretação. Aos alunos pediu-se que acolhessem o poema com os cinco sentidos apurados, que sentissem a melodia daquele modo literário, que atentassem na combinação harmoniosa e inopinada das palavras. A poesia assemelha-se assim à música, dela ressaltando a cadência melódica que as duas artes partilham. A leitura do poema podia abrir e encerrar com chave de ouro a atividade, mas podia paralelamente constituir o ponto de partida para outras atividades como jogos de associação de ideias, construção de campos lexicais ou semânticos, exercícios de expressão artística como a ilustração, expressão de pontos de vista sobre o tema ou assunto apresentados na composição poética.
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Ao longo dos meses em que a atividade tem decorrido, os alunos ouviram ler expressivamente poemas de Almeida Garrett, Alexandre O’Neill, Fernando Pessoa, Ary dos Santos, Maria Teresa Horta, Maria do Rosário Pedreira, Sophia de Mello Breyner Andresen, Carlos Drummond de Andrade, António Gedeão, José Luís Peixoto, José Gomes Ferreira, entre outros, alargando, deste modo, os seus conhecimentos, no tocante a poetas portugueses e à sua produção literária. Estas leituras têm servido os mais diversos fins: a criação de ilustrações, a exploração de temáticas relacionadas, ponto de partida para outros assuntos, material para desenvolvimento de aulas.
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POEMAS LIDOS NO CENTRO ESCOLAR DE MACEDO DE CAVALEIROS E NAS EB1 DE MORAIS E DE CHACIM
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OS MENINOS EDUCADOS
Os meninos educados de manhã dizem bom-dia, bom-dia, senhor José, bom-dia, dona Maria.
Os meninos educados de manhã dizem bom-dia, bom-dia, sol amarelo, bom-dia, ribeira fria, bom-dia, flores do jardim, bom-dia, cães da cidade, bom-dia, ó bicicleta, bom-dia de liberdade.
Soares, Luísa Ducla (2008). A cavalo no tempo. Porto: Livraria Civilização Editora.
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DIZ O AVÔ Tens cabelos brancos. Mas porquê, avô? É DIA DE NATAL Caiu muita neve Na estrada onde vou. Chove. É dia de Natal. na face. LáTens pararugas o Norte é melhor: Mas porquê, há a neve que Avô? faz mal, sol é pior. eBateu o frio muito que ainda Na estrada onde eu vou. E toda a gente é contente Tens olhos porque é diabaços. de o ficar. Mas porquê, Chove no Natalavô? presente. Pousou Antes issonevoeiro que nevar. Na estrada onde eu vou. Pois apesar de ser esse nas mãos. oTens Natalcalos da convenção, Mas porquê, avô? quando o corpo me arrefece Parti muita Pedranão. tenho frio e Natal Na estrada onde eu vou. Deixo sentir a quem quadra e o Natal a quem o fez, Tens coração grande. pois se escrevo ainda outra quadra Mas porquê, avô? fico gelado dos pés. Nele mora a gente Que por mim passou. Pessoa, Fernando (2008). In José António Gomes (org.), Poesia de Soares, Luísa Ducla (2008). A cavalo no tempo. Fernando Pessoa para todos. Porto: Porto Editora. Porto: Livraria Civilização Editora.
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POEMA PIAL Toda a gente que tem as mãos frias Deve metê-las dentro de pias. Pia número UM, Para quem mexe as orelhas em jejum. Pia número DOIS, Para quem bebe bifes de bois. Pia número TRÊS, Para quem espirra só meia vez. Pia número QUATRO, Para quem manda as ventas ao teatro. Pia número CINCO, Para quem come a chave do trinco. Pia número SEIS, Para quem se penteia com bolos-reis. Pia número SETE, Para quem canta até que o telhado se derrete. Pia número OITO, Para quem parte nozes quando é afoito. Pia número NOVE, Para quem se parece com uma couve. Pia número DEZ, Para quem cola selos nas unhas dos pés. E, como as mãos já não estão frias, Tampa nas pias! Pessoa, Fernando (2008). In José António Gome s (org.), Poesia de Fernando Pessoa para todos. Porto: Porto Editora.
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O COMPUTADOR A menina Leonor Só quer o computador. O boneco e a boneca eram uma grande seca! Deitou fora a bicicleta, Cansa muito ser atleta. Não sai para qualquer lado, Nem para comprar gelado. Anda da mesa para cama, Só se veste de pijama. Vê-se ao espelho de manhã A olhar para o ecrã. Já se esqueceu de falar. Só sabe comunicar Com os dedos no teclado. Tem agora um namorado A menina Leonor Chamado computador. É fiel, inteligente Não refila, nunca mente, E quando ela se fartar, Pimba, basta desligar.
Soares, Luísa Ducla (2008). A cavalo no tempo. Porto: Livraria Civilização Editora.
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A LAPISEIRA Eu posso viver sem sol, sem ninguém à minha beira. Mas só não posso viver Sem a minha lapiseira. Rodo com ela nos dedos, É varinha de condão, Breve fósforo que acende Lumes de imaginação. Pássaro de bico negro, De negro, negro carvão, Que leva com suas asas A minha voz e canção. Chamo o sol e os amigos, Assim, à minha maneira, Viajando no papel só com uma lapiseira.
Soares, Luísa Ducla (2008). A cavalo no tempo. Porto: Livraria Civilização Editora.
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ESTE É O MEU PLANETA!
O meu planeta é a terra E entristece-me pensar Que há muitos povos em guerra E meninos a chorar. O meu planeta é a terra E gosto de cá morar, Mas não quero que haja guerra Nem meninos a chorar. O que havemos de fazer Para a guerra acabar? Ainda não sei responder, Mas vou tentar, vou tentar! Gonzalez, Maria Teresa Maia (2011). O planeta está em perigo. Por isso conta contigo!. Alfragide: Texto Editora, pág. 9.
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LEVAVA EU UM JARRINHO…
Levava eu um jarrinho Para ir buscar vinho; Levava um tostão P`ra comprar pão; Levava uma fita Para ir bonita. Correu atrás De mim um rapaz. Foi o jarro p`ra o chão, Perdi o tostão, Rasgou-se-me a fita… Vejam que desdita! Se eu não levasse um jarrinho Para ir buscar vinho, Nem levasse um tostão P`ra comprar um pão, Nem levasse uma fita Para ir bonita, Nem corresse atrás De mim um rapaz Para ver o que eu fazia, Nada d`isto acontecia. Pessoa, Fernando (2008). In José António Gomes (org.), Poesia de Fernando Pessoa para todos. Porto: Porto Editora.
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AMIGO
Mal nos conhecemos Inaugurámos a palavra «amigo». «Amigo» é um sorriso De boca em boca, Um olhar bem limpo, Uma casa mesmo modesta, que se oferece, Um coração pronto a pulsar Na nossa mão! ………………………………… «Amigo» é o contrário de inimigo! Amigo é o erro corrigido, Não o erro perseguido, explorado, É a verdade partilhada. «Amigo» é a solidão derrotada! «Amigo» é uma grande tarefa, Um trabalho sem fim, Um espaço útil, um tempo fértil, «amigo» vai ser, é já uma grande festa!
O´Neill, Alexandre (2008). In Poesia Portuguesa para crianças- Antologia. Lisboa: Edições Girassol.
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O TESTAMENTO DO GATO
Ai, se eu um dia morrer não quero ser enterrado, hei-de ficar ao solinho, em cima do meu telhado.
Levem-me três carapaus e um pratito de leite. Comer sempre bons petiscos é o meu grande deleite. Convide, três gatas pretas com unhas bem afiadas, Pois mesmo depois de morto preciso de namoradas. Ai, se eu um dia morrer não me façam despedidas, eu volto sempre de novo que um gato tem sete vidas.
Soares, Luísa Ducla (2008). A cavalo no tempo. Porto: Livraria Civilização Editora.
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AS PAREDES E OS MUROS
Quem as paredes riscar Não está a colaborar Para um mundo mais bonito. Há espaços para pintar, Rabiscar e desenhar! Para isso existem papéis, Cartolinas e pincéis, Para colorir à vontade. Não é preciso estragar As paredes e os muros, Espalhados pela cidade, Com sprays claros e escuros Tão difíceis de limpar! As paredes e os muros Fazem parte da paisagem. Porquê estragar-lhes a imagem? A quem é que isso convém? As paredes e os muros Não fazem mal a ninguém!
Gonzalez, Maria Teresa Maia (2011). O planeta está em perigo. Por isso conta contigo! Alfragide: Texto Editora, pág. 23.
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O HIPERMERCADO
- Queres um gelado? Não estejas maçado, Que tudo se compra No hipermercado. Queres uns sapatos? Não estejas maçado, Que tudo se compra No hipermercado. Queres um brinquedo? Não estejas maçado, Que tudo se compra No hipermercado. - Quero um amigo para ter ao meu lado. Onde é que há amigos no hipermercado?
Soares, Luísa Ducla (2008). A cavalo no tempo. Porto: Livraria Civilização Editora.
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O LIVRO AZUL DOS BONECOS
No livro azul dos bonecos eu ouvi rumores e ecos de bruxas sonolentas e de magos patarecos. fechei-o a sete chaves, escondi-o em sótãos e caves e no porão fundo das naves, e no mais fundo de todos encontrei um diamante que era o olho postiço de um pirata navegante lá das bandas do levante.
Infante, Luís (2009) Poemas pequeninos para meninos e meninas Alfragide: Texto Editora. pág. 68.
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O TEMPO
Pelas areias da praia O tempo fui procurar. Mas onde moras, ó tempo, Que não te consigo achar? Pelos verdes da floresta o tempo fui procurar. Mas, onde moras, ó tempo, Que não te consigo achar? Pelas pedrinhas da rua o tempo fui procurar. Mas onde moras, ó tempo, Que não te consigo achar? Tiquetaque, o coração é um relógio a bater. O tempo que não achei Já me fez envelhecer.
Soares, Luísa Ducla (2008). A cavalo no tempo. Porto: Livraria Civilização Editora.
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NEGRA
Vós chamais-me moreninha Mas eu morena não sou, Sou tão negra como a noite E a estrada por onde vou. Tenho olhos de azeitona, Minha pele é de pantera. Meu corpo tem um traçado, Ágil e negro de fera. Negra África me corre Dentro das veias, num rio. Só o meu sorriso é branco Como as velas dum navio. Não me chamem moreninha Porque eu morena não sou, Sou negra como o orgulho De ser aquilo que sou.
Soares, Luísa Ducla (2003). A cavalo no tempo. Porto: Livraria Civilização Editora
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BEATRIZ FOI VER O MAR
Beatriz foi ver o mar… Sua cor azul-turquesa Era mesmo uma beleza, Uma visão de encantar! Mas depois pôs-se a avistar Uma mancha a boiar Que logo causou tristeza… Era uma mancha de óleo (ou seria de petróleo?) Que um navio derramou. E, ao pensar nos peixinhos, No búzio e nos golfinhos Que até podiam morrer, Beatriz quase chorou…
Gonzalez, Maria Teresa Maia (2011). O planeta está em perigo. Por isso conta contigo! Alfragide: Texto Editora, pág. 21.
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MIM
Mandaram-me escrever Sobre mim. Mim! O que fiz nas férias O que gosto de fazer Não sei o que dizer Mim! Gosto de …ir nadar. Quando chove gosto de … me molhar. Sobre mim Não há muito mais A acrescentar.
Gomes, Luísa Costa (2005). A galinha que cantava ópera. Lisboa: D. Quixote, pág. 13.
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HERÓIS
Dizem que é um herói, Matou sete de uma vez. Eu cá criei sete frangos duma galinha pedrês. Dizem que é um herói, Arrasou uma cidade. Eu cá plantei oliveiras Nas terras da minha herdade. Dizem que é um herói, dominou o oceano. Eu cá construí o esgoto Que lá vai ter pelo cano. Dizem que é um herói, conquistou trinta países. Eu cá conquistei a Rosa e somos muito felizes.
Soares, Luísa Ducla (2008). A cavalo no tempo. Porto: Livraria Civilização Editora.
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PERGUNTAS À FORMIGA A formiga é cinzenta Castanha ou preta? Tem quatro patas, seis patas Ou é maneta? Anda em linha recta Ou sempre aos esses? Dorme em pé Ou de gatas? Os olhos da formiga São redondos ou Quadrados? Vêem para trás Ou só para os lados? A que é que cheira a Formiga A salsa, gato ou ortiga? O que vê a formiga Quando vê o nosso pé? Uma montanha de sola castanha? Uma nuvem que cobre o céu? Ora vamos lá ver. Pedimos à formiga que suba pelo dedo Pegamos na lupa e no lápis de escrever. Chegamos ao ouvido e em segredo (Bichi bichi Bichi bichi Bichi bichi) Pedindo por favor e sem ter medo Perguntamos o que queremos saber. Gomes, Luísa Costa (2005). A galinha que cantava ópera. Lisboa: D. Quixote, pág. 12.
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O PEDIDO DE CASAMENTO
Ó condessa, condessinha, ó condessa de Aragão, venho pedir-lhe uma filha que tão lindas elas são. Minhas filhas não te dou nem por ouro nem por prata. Uma foi para o Japão de viajar não se farta. Outra foi de submarino para as profundezas do mar, tem a paixão dos peixinhos, a ti não te vai ligar. Outra foi para enfermeira, está na sala de operações, se a quiseres abraçar levas duas injecções. Tão contente que eu vinha, tão triste me vou achar. Nas raparigas de agora ninguém consegue mandar.
Soares, Luísa Ducla (2008). A cavalo no tempo. Porto: Livraria Civilização Editora.
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DOCE HISTÓRIA DE UMA VIOLETA Meteu-se dentro da terra Uma sementinha preta… Ai violeta! Dessa semente se ergueu Uma haste devagarinho… Ai violeta! E pequenina nasceu Uma folha redondinha… Ai violeta! Depois num abrir mansinho Nasceu uma flor quase preta… Ai Violeta! Não era preta mas triste, Tão triste e tão perfumada… Ai Violeta! Esconde-se a folha orvalhada Pelas lágrimas da manhã… Ai Violeta! E pela tarde o sol- pôr Leva-lhe a cor de poente Ai Violeta! E pela noite morreu A olhar um pirilampo… Ai Violeta! Da pobre semente preta Ninguém diga: ficou nada! Tão triste, Tão só, Tão delicada, Ai Violeta! Matoso, Madalena (2010). O livro da Tila. Alfragide: Texto Editora, pág. 23.
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O VAGA-LUME
Luzinha amarela No prado cantando, P’la vozinha dela É que eu me comando!...
Com ela na noite Não há solidão, Há um brilhozinho Em cada canção!
Luzinha amarela, Porque brilha assim? Parece uma estrela Pertinho de mim!
Pertinho de mim, Por mais longa a noite, Não há solidão, Enquanto a luzinha Encher este prado De luz e canção! Parafita, Alexandre (2006). Histórias a rimar para ler e brincar. Lisboa: Texto Editora, pág. 15.
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CONVERSA PEQUENINA
Mãe, o sol é redondo, é? É, meu amor. Mãe, a lua é redonda, é? É, meu amor. Mãe, então tu és redonda também? Não, meu amor. Oh!
Araújo, Matilde Rosa (2010). O livro da Tila. Alfragide: Texto Editora, pág. 12.
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BORBOLETA RECADEIRA1
Borboleta recadeira Que anda naquela roseira, Que recados traz guardados Na algibeira?
Se for branca ou amarela Traz alegria com ela!
Se for negra, cor da noite, Negra da cor do carvão, Só tristeza e solidão!
Borboleta recadeira, Sai-me já dessa roseira! Vai pra longe, muito longe, E, por favor…vai ligeira! Parafita, Alexandre (2006). Histórias a rimar para ler e brincar. Lisboa: Texto Editora, pág.7.
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Inspirado numa antiga crença transmontano.
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ANDANÇAS DO POETA
Pelo céu cor de violeta, Que lindo, Que lindo vai o poeta. Pôs uma camisa branca e sapatos amarelos, as calças agarradinhas são da feira de Barcelos. Pelo céu vai o poeta. Sobe, sobe de bicicleta.
Andrade, Eugénio (2001). Aquela nuvem e outras. Porto: Campo das Letras, pág. 29.
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TU QUE ME FAZES, PASSARINHO LOUCO?
Certo dia, Uma alegre e rebelde cotovia Pousou sobre uma dócil ovelhinha Que pastava sozinha. E com o bico pôs-se a repuxar Um pedaço de lã para levar. Mas conforme puxava, saltitava, E por isso a ovelhinha se irritava. «Tu que me fazes, passarinho louco, Que tanto me apoquentas por tão pouco?» «Estou somente a tirar um fiozinho Para pôr no meu ninho!» «Um fio só?! Pois leva dois ou três, Mas, por favor, arranca-os duma vez!» A cotovia então puxou, puxou, puxou, Tirou três fiozinhos… e voou!
Parafita, Alexandre (2006). Histórias a rimar para ler e brincar. Lisboa: Texto Editora, pág. 5. (Recolha dos alunos da EB1 Morais)
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AS FLORES
Olha as cores das margaridas E de outras flores mais garridas Nos vasos e nos canteiros! Mimosas e rododendros, Gerânios e campainhas Que nos campos vão crescendo Por entre as ervas daninhas. Cada qual com suas cores Vai colorindo o planeta Com as tintas da paleta Do Divino Criador que as inventou uma a uma! É que a terra, sem flores, Não tinha graça nenhuma…
Gonzalez, Maria Teresa (2011). O planeta está em perigo. Por isso conta contigo! Alfragide: Texto Editora, pág. 19.
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O SAPINHO
Era um sapinho Sapudo e verdinho. Num lago vivia, De noite e de dia. Num lago morava, Por lรก passeava. Se um mosquito via, Depressa o comia. No lago o encontrei E assim lhe falei: - Bom dia, sapinho Sapudo e verdinho! Assim que eu puder, Voltarei para o ver.
Gonzalez, Maria Teresa Maia (2011). O planeta estรก em perigo. Por isso conta contigo! Alfragide: Texto Editores, pรกg. 17.
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CONVERSA - Dá-me a lua, mãe, dá-me a lua.
- Filho, a lua está longe. - Leva-me à nuvem mais alta. - Filho, há nuvens nos sonhos. - Mãe, dá-me um dia sem chuva. - Filho, tem pena da terra. - Leva-me ao cimo do monte. - Filho, o caminho é de pedras. - Mãe, dá-me aquela andorinha. - Filho, não a queiras prender. - Leva-me ao fim do mar. - Filho, o mar não tem fim. - Mãe, eu queria uma estrada, uma estrela e um cavalo. - Filho, mas não te canses, não te queimes, não te percas. - Mãe, dá-me o negro do negro que é a tinta dos teus olhos. - Filho, os teus olhos são negros como o negro dos meus olhos. Mésseder, João Pedro (2000). De que cor é o desejo? Lisboa: Caminho, pp. 10 e 11.
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POEMAS LIDOS NA ESCOLA BÁSICA E SECUNDÁRIA DE MACEDO DE CAVALEIROS - 1º CICLO
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BALADA DA NEVE Batem leve, levemente, Como quem chama por mim… Será chuva? Será gente? Gente não é, certamente, E a chuva não bate assim… É talvez a ventania, Mas há pouco, há poucochinho, Nem uma agulha bulia Na quieta melancolia Dos pinheiros do caminho… Quem bate, assim, levemente, com tão estranha leveza, que mal se ouve, mal se sente? Não é chuva, nem é gente, nem é vento com certeza. Fui ver. A neve caía, Do azul cinzento do céu, Branca e leve, branca e fria… - Há quanto tempo a não via! E que saudades, Deus meu! Olho-a através da vidraça. Pôs tudo da cor do linho Passa gente e, quando passa, Os passos imprime e traça Na brancura do caminho…
Gil, Augusto (1909). Luar de Janeiro. Lisboa: A Lanterna – Escriptorios.
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AQUELA NUVEM
Aquela nuvem parece um cavalo ... Ah! se eu pudesse montá-lo! Aquela? Mas já não é um cavalo, é uma barca à vela. Não faz mal. Queria embarcar nela. Aquela? Mas já não é um navio, é uma Torre Amarela a vogar no frio onde encerraram uma donzela. Não faz mal. Quero ter asas para espreitar da janela. Vá, lancem-me no mar donde voam as nuvens para ir numa delas tomar mil formas com sabor a sal - labirinto de sombras e de cisnes no céu de água-sol-vento-luz concreto e irreal ...
Ferreira, José Gomes (1971). Poesia IV. Lisboa: Portugália Editora.
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A LAPISEIRA Eu posso viver sem sol, Sem ninguém à minha beira. Mas só não possa viver Sem a minha lapiseira.
Rodo com ela nos dedos, É varinha de condão, Breve fósforo que acende Lumes de imaginação.
Pássaro de bico negro De negro, negro carvão, Que leva com suas asas A minha voz e canção.
Chamo o sol e os amigos, Assim, à minha maneira, Viajando no papel Só com uma lapiseira.
Soares, Luísa Ducla (2008). A cavalo no tempo. Porto: Livraria Civilização Editora.
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TUDO AO CONTRÁRIO O menino do contra queria tudo ao contrário: deitava os fatos na cama e dormia no armário. Das cascas dos ovos fazia uma omelete; para tomar banho usava a retrete. Andava, corria de pernas para o ar; se estava contente punha-se a chorar. Molhava-se ao Sol, secava na chuva e em cada pé usava uma luva. Escrevia no lápis com um papel; achava salgado o sabor do mel. No dia dos anos teve dois presentes: um pente com velas e um bolo com dentes.
Soares, Luísa Ducla (2010). Tudo ao contrário. Lisboa: Livros Horizonte.
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A MOLEIRINHA Pela estrada plana, toc, toc, toc, Guia o jumentinho uma velhinha errante. Como vão ligeiros, ambos a reboque, Antes que anoiteça, toc, toc, toc, A velhinha atrás, o jumentinho adiante! Toc, toc, a velha vai para o moinho, Tem oitenta anos, bem bonito rol!... E, contudo, alegre como um passarinho, Toc, toc, e fresca como o branco linho, De manhã nas relvas a corar ao sol. Vai sem cabeçada, em liberdade franca, O jerico ruço duma linda cor; Nunca foi ferrado, nunca usou retranca. Tange-o toc, toc, a moleirinha branca, Com o galho verde duma giesta em flor. Toc, toc, é tarde, moleirinha santa! Nascem as estrelas, vivas em cardume… Toc, toc, toc, e, quando o galo canta, Logo a moleirinha, toc, se levanta, P’ra vestir os netos, p’ra acender o lume… Junqueiro, Guerra (1951). Livro de Leitura da IV Classe.
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À LAREIRA Escutando e olhando o lume brando, As avós vão cismando… E os netinhos dormindo, sonham, sorrindo, quanto sonho lindo! Dormem muito bem deitados, Fazendo ó-ó, tão descansados! E o lume canta e rebrilha, o lume, afulva maravilha. O lume que, sob a dourada asa, protege e aquece o coração da casa. O lume dos longos serões. das saudades e recordações… O lume que refulge e doira A velha avó, tornando-a loira… E os netinhos dormindo, sonham, sorrindo, quanto sonho lindo! E, olhando e escutando o lume brando, As avós vão cismando… Vieira, Afonso Lopes (1958). Livro de Leitura – 3ª Classe. Lisboa: Editora Educação Nacional.
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OLHA AS SERRANIAS
Olha as serranias cobertas de neve. No alto, no alto, o ar é mais leve. Em janeiro brancas, em maio, floridas. No alto, no alto, nascem margaridas.
A urze floriu, está tudo lilás. No alto, no alto, de noite não vás.
Mas pela manhã o sol a brilhar.
No alto, no alto, Ouve-se cantar. Gomes, Alice (1955). Poesia para a infância. Lisboa: Editora Ulisseia.
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O PUCARINHO
O pucarinho de barro, o pucarinho, tem bochechas encarnadas, tem faces afogueadas; dêem-lhe água, coitadinho, que tem sede o pucarinho. O pucarinho de barro, O pucarinho, está ao pé da sua mãe, sua mãe, brilha bojuda, que tem como ele, também, a carinha bochechuda. O pucarinho de barro, o pucarinho, se a água dentro lhe cai, põe-se baixinho chiando; parece que diz: - Ai, ai, já me a sede vai passando! Se vai pelo caminho ao sol ardente, tem-se uma grande alegria, se dão de beber à gente uma pouca de água fria que é dada num pucarinho! Vieira, Afonso Lopes (1958). Livro de Leitura – 3ª Classe. Lisboa: Editora Educação Nacional.
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LEVAVA EU UM JARRINHO Levava eu um jarrinho P’ra ir buscar vinho Levava eu um tostão P’ra comprar pão; E levava uma fita Para ir bonita. Correu atrás De mim um rapaz: Foi o jarro p’ra o chão, Perdi o tostão, Rasgou-se-me a fita... Vejam que desdita!
Se eu não levasse um jarrinho, Nem fosse buscar vinho, Nem trouxesse uma fita P’ra ir bonita, Nem corresse atrás De mim um rapaz Para ver o que eu fazia, Nada disto acontecia.
Pessoa, Fernando (1988). Comboio, saudades, caracóis. São Paulo: FTD.
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HAVIA UM MENINO Havia um menino, que tinha um chapéu para pôr na cabeça por causa do sol. Em vez de um gatinho tinha um caracol. Tinha o caracol dentro de um chapéu; fazia-lhe cócegas no alto da cabeça. Por isso ele andava depressa, depressa p’ra ver se chegava a casa e tirava o tal caracol do chapéu, saindo de lá e caindo o tal caracol. Mas era, afinal, impossível tal, nem fazia mal nem vê-lo, nem tê-lo: porque o caracol era do cabelo. Pessoa, Fernando (1988). Comboio, saudades, caracóis. São Paulo: FTD.
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AMIGO É QUASE A MELHOR PALAVRA
Ter um amigo é maravilhoso. Ser amigo de alguém ainda é melhor é como recordar e sentir o sol a brilhar. Um amigo é alguém com quem se está bem. Mas um amigo é muito mais do que isso! É alguém que pensa em ti quando não estás aqui. Nunca se está realmente só quando se tem um amigo. Amigo é uma palavra bonita É quase a melhor palavra. Kristiansson, Leif (1996). Um amigo. Trad. Sophia de Mello Breyner Andresen. Lisboa: Editorial Presença.
44
FUNDO DO MAR
No fundo do mar há brancos pavores, Onde as plantas são animais E os animais são flores. Mundo silencioso que não atinge A agitação das ondas. Abrem-se rindo conchas redondas, Baloiça o cavalo-marinho. Um polvo avança No desalinho Dos seus mil braços, Uma flor dança, Sem ruído vibram os espaços. Sobre a areia o tempo poisa Leve como um lenço. Mas por mais bela que seja cada coisa Tem um monstro em si suspenso.
Andresen, Sophia de Mello Breyner (2004). Obra Poética I. Lisboa: Caminho.
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O GANHA-PÃO DO PASTORINHO
Mora no meio do monte, com Ovelhas ao redor. Conta, por seus amigos, o Cão, a Abelha e a Flor. Baila nos braços do Vento, ao som da flauta de cana. O Sol aquece-o do frio e o chão é a sua cama. Mal o Sol se levanta, Pastor, Cão, Carneirinho, erguem-se logo do chão e metem os pés a caminho. Metem os pés a caminho. Pelo caminho se vão. E é assim que o Pastorinho, é assim que ganha o pão. Vaz, José (2002). As lágrimas são netas do Mar. Porto: Gailivro.
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AS LÁGRIMAS SÃO NETAS DO MAR Vieram dizer ao Mar que o Sal andava a portar-se mal. Quem veio meter minhocas na cabeça do velho Mar foi a Areia e a Espuma. Tudo porque o Sal era bonito e não lhes ligava nenhuma. . De queixinha em queixinha, disseram ao Mar que o Sal tinha uma namoradinha. . Chamava-se Gota de Água. Era linda, branca, cristalina e tinha vindo do Céu Azul. . As duas, com dores de cotovelo, contaram ao Mar as conversas de amor que tinham ouvido quando o Sal estava a namorar muito entretido. (…) Vaz, José (1986). Para Sonhar com Borboletas Azuis. Porto: Edições Afrontamento.
Poema proposto pela turma do 4ºC
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POEMAS LIDOS NA ESCOLA BÁSICA E SECUNDÁRIA DE MACEDO DE CAVALEIROS - 2º CICLO
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O SABOR… O sabor das palavras Chega Devagarinho... Sabe a ave? Sabe a ninho? Sabe a letras Algarismos (o um, o dois, o três…)? Sabe a era uma vez? O sabor das palavras Sabe ao que o sonho sabe? Sabe a Alice ou a fada? Terá o sabor de tudo Sem se parecer com nada? O sabor das palavras Sabe a saborear Os sabores que elas têm Quando resolvem brincar Espalhar contos pelo ar Ou se deixar escrever? Sabe o sabor das palavras Ao perfume de crescer? Ao gostinho saboroso Que têm as palavras ler? Ou tem o sabor de segredo Que vai deixar de o ser. Marques, Teresa Martinho (2007). Das Palavras. Porto: Editora Eterogémias, pág. 9.
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O PASTOR Pastor, pastorinho, Onde vais sozinho?
Vou aquela serra Buscar uma ovelha.
Porque vais sozinho, Pastor, pastorinho?
Não tenho ninguém Que me queira bem.
Não tens um amigo? Deixa-me ir contigo.
Andrade, Eugénio de (2006). In Sophia de Mello Breyner Andresen, Primeiro livro de poesia. Lisboa: Caminho, pág.16.
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HISTÓRIA ANTIGA Era uma vez, lá na Judeia, um rei. Feio bicho, de resto: Uma cara de burro sem cabresto E duas grandes tranças. A gente olhava, reparava, e via Que naquela figura não havia Olhos de quem gosta de crianças. E, na verdade, assim acontecia. Porque um dia, O malvado Só por ter o poder de quem é rei Por não ter coração, Sem mais ou menos, Mandou matar quantos eram pequenos Nas cidades e aldeias da Nação. Mas, Por acaso ou milagre, aconteceu Que, num burrinho pela areia fora, Fugiu Daquelas mãos de sangue um pequenino Que o vivo sol da vida acarinhou; E bastou Esse palmo de sonho Para encher este mundo de alegria; Para crescer, ser Deus; E meter no inferno o tal das tranças, Só porque ele não gostava de crianças. Torga, Miguel (2006).In Sophia de Mello Breyner Andresen, Primeiro livro de Poesia. Lisboa: Caminho, pp. 76-77.
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CÃO Cão passageiro, cão estrito, Cão rasteiro cor de luva amarela, apara-lápis, fraldiqueiro, cão liquefeito, cão estafado, cão de gravata pendente, cão de orelhas engomadas, de remexido rabo ausente, cão ululante, cão coruscante, cão magro, tétrico, maldito, a desfazer-se num ganido, a refazer-se num latido, cão disparado: cão aqui, cão além, e sempre cão. Cão marrado, preso por um fio de cheiro, cão a esburgar o osso essencial do dia-a-dia, cão estouvado de alegria, cão formal da poesia, cão-soneto de ão-ão bem martelado, cão moído de pancada e condoído do dono, cão :esfera do sono, cão de pura invenção, cão prefabricado, cão-espelho, cão-cinzeiro, cão-botija, cão de olhos que afligem, cão-problema… Sai depressa, ó cão, deste poema!
O’Neill, Alexandre (2006). In Andresen, Sophia de Mello Breyner. Primeiro livro de poesia. Lisboa: Caminho, pp. 62-64.
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FADAS DO JARDIM REI Fadas do Jardim Rei musgos onde ninguém vai eu sei de um segredo, sei dizem-no as fadas do rei mas só quando a tarde cai: “É preciso saber ver ver que em tudo há um segredo não é preciso ter medo o que é preciso é viver…” Ao entardecer eu sei que vêm fadas bailar ao fim do jardim do rei eu já com elas dancei voltei p`ra casa a cantar! Dizem que eu sou distraída que me esqueço desta vida que ando sempre a sonhar… que fadas são fantasia que eu ando a dormir de dia que é preciso eu acordar… Mas isso não é verdade há também realidade naquilo que não se vê… sei que há fadas no jardim quando as há dentro de mim e quando o coração crê!... Barreto, Maria Luísa (1997). Pelo caminho das fadas. Lisboa: Centro Lusitano de Unificação Cultural.
Boaventura, Odete (2011). Língua Portuguesa. 5ºAno, pág. 66
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ALEGRIA PARA TODOS No reino das serpentinas havia sete meninas muito lindas, muito finas, levezinhas como fadas, que reinavam quatro dias por ano, muito animadas. No país dos papelinhos eram sete os rapazinhos alegres e redondinhos que entravam na reinação, e nos mesmo quatro dias andavam em roda-viva numa dança colorida pelo ar e pelo chão. Na cidade das caraças caras de todas as raças, carantonhas e caretas ou risonhas ou medonhas ou rubicundas ou pretas, faziam grandes folias nesses mesmos quatro dias. No estado dos estalinhos, na terra das cegarregas, na capital da bisnagas, no domínio das gaitinhas, esses dias inteirinhos que não tinham horas vagas eram gastos igualmente em brincadeira contente. Soares, Maria Isabel Mendonça (2011). Fagulha - Revista Infantil. Lisboa: Caminhos de Leitura, pág. 52.
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ÁRVORE VELHA MENINA NOVA
Árvore velha com mil estações.
Menina nova um rebentinho sem florações.
Árvore velha livro antigo com tanta história para se ler.
Menina nova Folhinha branca com tanto espaço para escrever… Marques, Teresa Martinho (2007). Das Palavras. Porto: Edições Eterogémeas, pág. 13.
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HORIZONTE
No horizonte o sol esconde-se e regressa. O livro abre-se e fecha-se, sem pressa, exactamente a meio numa linha inventada aparente, irreal que liga o céu à Terra a página à pagina o desenho ao poema o sol ao sal. Marques, Teresa Martinho (2007). Das Palavras. Porto: Edições Eterogémeas, pág.8.
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MINHA MÃE
A minha mãe bem dizia para aproveitar o luar. Era a prata que caía do céu à noite a brilhar.
A minha mãe bem contava que o céu tinha que ver quando à noite se deitava em tinta preta a escrever.
A minha mãe bem pedia que eu desse atenção às cinco pontas das estrelas ao redor do coração.
Honrado, Alexandre (2002). Palavras para Lavras. Porto: Campo das Letras, pág. 48.
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UM LIVRO Levou-me um livro em viagem, Não sei por onde é que andei. Corri o Alasca, o deserto, Andei com o sultão no Brunei? P`ra falar verdade não sei. Com um livro cruzei o mar, Não sei com quem naveguei. Com marinheiros, corsários, Tremendo de febres e medo? P`ra falar verdade, não sei. Um livro levou-me pra longe, Não sei por onde é que andei. Por cidades devastadas, No meio da fome e da guerra? P`ra falar a verdade não sei. Um livro levou-me com ele Até ao coração de alguém, E aí me enamorei… Foi de uns olhos ou de uns cabelos? P`ra falar a verdade não sei. Um livro num passo de mágica Tocou-me com o seu feitiço: Deu-me a paz e deu-me a guerra, Mostrou-me as faces do homem - porque o livro é tudo isso. Levou-me um livro com ele Pelo mundo a passear, Não me perdi nem me achei - porque um livro é afinal… Um pouco da vida, bem sei. Mésseder, João Pedro (2003). O G é um gato enroscado. Lisboa: Editorial Caminho.
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TEMPORAL Zangou-se o tempo e armou tal temporal que o sol amuou, a chuva trabalhou e ficou o vento sem movimento para tantas tropelias. Zangou-se a flor pelo prejuízo causado pelo tempo que , com tal idade, já devia ter juízo para, como ninguém, pôr de bem a chuva e o sol. Zanguei-me eu, Que sem tento, vi passar o tempo sem o poema abreviar nem ir brincar para a rua namorar a lua… (que não cabe nesta zanga)
Ribeiro, João Manuel (2011). In Pedro Silva et al. Dito e Feito – Língua Portuguesa. 5ºAno. Porto: Porto Editora, pág. 157.
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O PÁSSARO DA CABEÇA Sou o pássaro que canta dentro da tua cabeça, que canta na tua garganta, que canta onde lhe apeteça. Sou o pássaro que voa dentro do teu coração e do de qualquer pessoa (mesmo as que julgas que não). Sou o pássaro da imaginação que voa até na prisão e canta por tudo e por nada mesmo com a boca fechada. E esta é a canção sem razão que não serve para mais nada senão para ser cantada quando os amigos se vão e ficas de novo sozinho na solidão que começa apenas com o passarinho dentro da tua cabeça. Pina, Manuel (1983). O pássaro da cabeça e mais versos para crianças. Lisboa: Assírio & Alvim, pp.30-33.
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ABRIL DE ABRIL
Era um abril de amigo abril de trigo abril de trevo e trégua e vinho e húmus abril de novos ritmos novos rumos. Era um abril comigo abril contigo ainda só ardor e sem ardil abril sem adjetivo abril de abril. Era um abril na praça abril de massas era um abril na rua abril a rodos abril de sol que nasce para todos. abril de vinho e sonho em nossas taças era um abril de clava abril em ato em mil novecentos e setenta e quatro Era um abril viril abril tão bravo abril de boca a abrir-se abril palavra esse abril em que abril se libertava. Era um abril de clava abril de cravo abril de mão na mão e sem fantasmas esse abril em que abril floriu nas armas
Alegre, Manuel (2011).In Pedro Silva et al. Dito e Feito - Língua Portuguesa. 5ºano. Porto: Porto Editora, pág. 201.
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PEQUENO POEMA
Quando eu nasci, Ficou tudo como estava. Nem o sol escureceu, Nem houve estrelas a mais… Somente, Esquecida das dores A minha mãe sorriu e agradeceu. Quando eu nasci, Não houve nada de novo Senão eu. As nuvens não se espantaram, Não enlouqueceu ninguém… Pra que o dia fosse enorme, Bastava Toda a ternura que olhava Nos olhos de minha Mãe…
Gama, Sebastião da (1996). Serra-Mãe. Lisboa: Ática.
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LEVE, BREVE, SUAVE
Leve, breve, suave, Um canto de ave Sobe no ar com quem principia, O dia. Escuto, e passou… Parece que foi só porque escutei Que parou.
Nunca, nunca, em nada, Raie a madrugada, Ou esplenda o dia, ou doire no declive, Tive Prazer a durar Mais do que nada, a perda, antes de eu o ir Gozar.
Pessoa, Fernando (2011). In Amélia Pinto Pais, Fernando Pessoa - O menino da sua mãe. Lisboa: Areal Editores, pág.76.
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POEMAS LIDOS NA ESCOLA BÁSICA E SECUNDÁRIA DE MACEDO DE CAVALEIROS - 3º CICLO
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CHUVA NA AREIA
Terça-feira, quarta-feira, quinta, sexta, tanto faz. Ou desta ou doutra maneira, domingo ou segunda-feira, nenhuma esperança me traz. Que eu nem sei bem pelo que espero. Se aprender o que não sei, se esquecer o que aprendi, se impor meu sou e meu quero, se, num ti que eu inventei, nenúfares boiar em ti. Que esta coisa que se espera é no dobrar de uma esquina. Um clarão que dilacera, a explosão de uma cratera, vida, ou morte, repentina.
Gedeão, António (2001). Obra Poética. Lisboa: Edições João Sá da Costa, pág.30.
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VIAGEM
Para habitar as planícies da ausência e escalar os montes de tempo que não vives
eis a secreta viagem duma ave imaginária em busca do instante onde tudo começa
Artur, Armando (1999). In Manuel Alegre, Vozes poéticas da lusofonia. Lisboa: Mem Martins, pág. 141.
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ESPELHO, ÉS A TERRA ONDE AS RAÍZES REBENTAM DE MISTÉRIOS.
espelho, és a terra onde as raízes rebentam de mistérios. repetes as perguntas que te faço, porquê?, repetes os olhares sem fim das coisas paradas. Repetes o meu olhar. espelho, és a parede e a pele cansada, és um silêncio a morrer a noite,
és o que ninguém quer, a verdade mais triste e cansada por dentro. repetes as perguntas que te faço, porquê?, repetes a desgraça, a miséria e o desespero. espelho, quis conhecer-te e perdi-me de ti.
Peixoto, José Luís (2002). A criança em ruínas. Vila Nova de Famalicão: Edições Quasi, pág. 39.
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FORMA DE INOCÊNCIA
Hei-de morrer inocente exatamente como nasci. Sem nunca ter descoberto o que há de falso ou de certo no que vi. Entre mim e a evidência paira uma névoa cinzenta. Uma forma de inocência, que apoquente. Mais que apoquente: enregela como um gume vertical. E uma espécie de ciúme de não poder ser igual.
Gedeão, António (2001). Obra Poética. Lisboa: Edições João Sá da Costa, pág. 17.
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PRÍNCIPE
amigo, não tenho perguntas para fazer-te. quantas pessoas entendem aquilo que não entendo? quem descobriu o segredo mais inútil?
amigo, não tenho perguntas para fazer-te. basta-me olhar. passaram anos, poderiam ter passado mais anos ainda, poderiam passar séculos.
entendo o teu rosto. isso basta-me quando te vejo. para mim, serás sempre o príncipe, a criança que me mostrou as árvores.
o tempo não passou, amigo. agora, ao chegares, olho para ti. o teu rosto é igual. agora, ao chegares, sei que nunca partiste.
Peixoto, José Luís (2002). A casa, a escuridão. Lisboa: Temas e Debates, pág. 24.
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São horas de voltar. Tu já não vens, e a espera
São horas de voltar. Tu já não vens, e a espera gastou a luz de mais um dia. Agora, quem passar trará um corpo incerto dentro do nevoeiro, mas terá outro nome e outro perfume. Eu volto
à casa onde contigo se demorou o verão e arrumo os livros, escondo as cartas, viro os retratos para a mesa. Sei que o tempo se magoou de nós, sei que não voltas, e ouço dizer que as aves partem sempre assim, subitamente. Outras virão
em março, apago as luzes do quarto, nunca as mesmas.
Pedreira, Maria do Rosário (2012). Poesia reunida. Lisboa: Quetzal, pág.75.
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Esta noite o vento ceifa os bosques
Esta noite o vento ceifa os bosques e uma raiva sacode a terra. Se a voz do mar chamasse pelas velas, os estreitos aguardariam um naufrágio. E se dissesses o meu nome eu morreria de amor. Devo, por isso, afastar-me de ti – não por ter medo de morrer (que é de já não o ter que tenho medo), mas porque a chuva que devora as esquinas é a única canção que se ouve esta noite sobre o teu silêncio.
Pedreira, Maria do Rosário (2012). Poesia reunida. Lisboa: Quetzal Editores, pág. 107.
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HISTÓRIA ANTIGA
Era uma vez, lá na Judeia, um rei. Feio bicho, de resto: Uma cara de burro sem cabresto E duas grandes tranças. A gente olhava, reparava, e via Que naquela figura não havia Olhos de quem gosta de crianças. E, na verdade, assim acontecia. Porque um dia, O malvado Só por ter o poder de quem é rei Por não ter coração, Sem mais nem menos, Mandou matar quantos eram pequenos Nas cidades e aldeias da Nação.
Torga, Miguel (1991). História Antiga. In Sophia de Mello Breyner Andresen, Primeiro Livro de Poesia. Lisboa: Caminho, pp. 76-77.
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BELEZA Vem do amor a Beleza, Como a luz vem da chama. É lei da natureza: Queres ser bela? – ama. Vem do amor a Beleza, Como a luz vem da chama. É lei da natureza: Queres ser bela? – ama. Formas de encantar, Na tela ou pincel As pode pintar; No bronze o buril As sabe gravar; E estátua gentil Fazer o cinzel Da pedra mais dura… Mas Beleza é isso? – Não; só formosura Sorrindo entre dores Ao filho que adora Inda antes de o ver, - Qual sorri aurora Chorando nas flores Que estão por nascerA Mãe é a mais bela das obras de Deus. Se ela ama? – O mais puro do fogo dos céus Lhe ateia essa chama de luz cristalina: É a luz divina Que nunca mudou, É luz… é a Beleza Em toda a pureza Que Deus a criou. Garrett, Almeida (2009). Beleza. In Valter Hugo; Reis-Sá, Jorge, A alma não é pequena: 100 poemas portugueses para SMS (pág.16). V.N.Famalicão: Centro Atlântico.PT.
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AS PALAVRAS
São como um cristal, as palavras. Algumas, um punhal, um incêndio. Outras, orvalho apenas. Secretas vêm, cheias de memória. Inseguras navegam: barcos ou beijos, as águas estremecem. Desamparadas, inocentes, leves. Tecidas são de luz e são a noite. E mesmo pálidas verdes paraísos lembram ainda. Quem as escuta? Quem as recolhe, assim, cruéis, desfeitas, nas suas conchas puras?
Andrade, Eugénio de (2004). In Quinze poetas portugueses do século XX – seleção e notas de Gastão Cruz. Lisboa: Assírio & Alvim, pág. 220.
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MAR SONORO
Mar sonoro, mar sem fundo, mar sem fim, A tua beleza aumenta quando estamos sós E tão fundo intimamente a tua voz Segue o mais secreto bailar do meu sonho, Que momentos há em que suponho Seres um milagre criado só para mim.
Breyner, Sophia de Mello (2004). In Quinze poetas portugueses do século XX – seleção e notas de Gastão Cruz. Lisboa: Assírio & Alvim, pág. 163.
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ESCRITOR A TEMPO INTEIRO
Escritor a tempo inteiro? Que ideia! Afiando os seus aparos nas margens da criação, com umas “tarefas parecidas”, com uns “trabalhos afins” e umas surtidas ao povo? Que ideia! Este escritor deve estar misturado com o povo e não ser só relator ou camarada animador. Deve arriscar os seus dedos, escreventes, na mesma dura engrenagem onde outros perdem os dedos entre dentes, e, depois, que escreva, escreva com os dedos que tiver. O’Neill, Alexandre (2002). Poesias completas. Lisboa: Assírio & Alvim, pág. 428.
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O vento, aqui, traz o cheiro da praia até à casa
O vento, aqui, traz o cheiro da praia até à casa. As estrelas pousam nos telhados devagar; às vezes caem e assustam os cães que ladram e nos acordam de noite em vez dos sonhos. Os dias têm mais horas, não sei porquê. De manhã o pão vem, morno e guarda o sabor da lenha que o cozeu. Comemos em silêncio sobre uma toalha de quadrados azuis. A louça é limpa, a água mata todas as sedes, o peixe respira até chegar ao lume. E os dias têm mais horas, não sei porquê. Trouxeram-me de longe para ver se te esquecia, se me encantava com as crianças dos vizinhos que se enrolam às nossas pernas como gatos mansos e não param de nos fazer perguntas; se era capaz de consolar-me com o cheiro do barro e do leite fresco que paira nas cozinhas; se aprendia com o mar, que ao fim da tarde vem roubar algas aos penhascos para que estes se esqueçam delas para sempre. Em vão, porém. Há tantas horas dentro destes dias…
Pedreira, Maria do Rosário (2012). Poesia reunida. Lisboa: Quetzal, pág.68.
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MÃOS DADAS
Não serei o poeta de um mundo caduco. Também não cantarei o mundo futuro. Estou preso à vida e olho meus companheiros. Estão taciturnos mas nutrem grandes esperanças. Entre eles, considero a enorme realidade. O presente é tão grande, não nos afastemos. Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas.
Não serei o cantor de uma mulher, de uma história, não direi os suspiros ao anoitecer, a paisagem vista da janela, não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida, não fugirei para as ilhas nem serei raptado por serafins. O tempo é a minha matéria, o tempo presente, os homens presentes, a vida presente.
Andrade, Carlos Drummond de (2007). Antologia Poética. Lisboa: Relógio D’Água Editores, pág. 74.
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TEMPO DE POESIA
Todo o tempo é de poesia. Desde a névoa da manhã à névoa do outro dia. Desde a quentura do ventre à frigidez da agonia. Todo o tempo é de poesia. Entre bombas que deflagram. Corolas que se desdobram. Corpos que em sangue soçobram. Vidas que a amar se consagram. Sob a cúpula sombria das mãos que pedem vingança. Sob o arco da aliança da celeste alegoria. Todo o tempo é de poesia. Desde a arrumação do caos à confusão da harmonia.
Gedeão, António (2001). Obra Poética. Lisboa: Edições João Sá da Costa, pág. 28.
79
Antes de um lugar há o seu nome
Antes de um lugar há o seu nome. E ainda a viagem até ele, que é um outro lugar mais descontínuo e inominável.
Lembro-me
do quadriculado verde das colinas, do sol entretido pelos telhados ao longe, dos rebanhos empurrados nos carreiros, de um cão pequeno que se atreveu à estrada.
Íamos ou vínhamos?
Pedreira, Maria do Rosário (2012).Poesia reunida. Lisboa: Quetzal Editores, pág.35.
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IDENTIDADE
Preciso ser um outro para ser eu mesmo Sou grão de rocha Sou vento que a desgasta Sou pólen sem insecto Sou areia sustentando o sexo das árvores
Existo onde me desconheço aguardando pelo meu passado ansiando a esperança do futuro No mundo que combato morro no mundo por que luto nasço
Couto, Mia (2000). Raiz de orvalho. Lisboa: Editorial Caminho, pág. 13.
81
Sentaram-se na areia e descalçaram os sapatos
Sentaram-se na areia e descalçaram os sapatos. Puseram-se a contar pelos dedos os barcos que faltariam para chegar o verão. Nenhum deles falava. Tinham passado juntos algumas noites, num quarto sem vista. E, embora julgassem o contrário, não conheciam um do outro muito mais do que isso. Estavam ali sentados para ver se acontecia alguma coisa. No verão alguém viria forçosamente buscá-los.
Pedreira, Maria do Rosário (2012). Poesia reunida. Lisboa: Quetzal, pág. 31.
82
Onde quer que o encontres
Onde quer que o encontres – escrito, rasgado ou desenhado: na areia, no papel, na casca de uma árvore, na pele de um muro, no ar que atravessar de repente a tua voz, na terra apodrecida sobre o meu corpo – é teu,
para sempre, o meu nome.
Pedreira, Maria do Rosário (2012). Poesia reunida. Lisboa: Quetzal Editores, pág. 193.
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POEMAS LIDOS NA ESCOLA BÁSICA E SECUNDÁRIA DE MACEDO DE CAVALEIROS – ENSINO SECUNDÁRIO
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ESTE LIVRO. PASSA UM DEDO PELA PÁGINA, SENTE O PAPEL
este livro. passa um dedo pela página, sente o papel como se sentisses a pele do meu corpo, o meu rosto. este livro tem palavras. esquece as palavras por momentos, o que temos para dizer não pode ser dito. sente o peso deste livro. o peso da minha mão sobre a tua. damos as mãos quando seguras este livro. não me perguntes quem sou. não me perguntes nada. eu não sei responder a todas as perguntas do mundo. pousa os lábios sobre a página. pousa os lábios sobre o papel. devagar, muito devagar. vamos beijar-nos.
Peixoto, José Luís (2002). A casa, a escuridão. Lisboa: Temas e Debates, pág. 19.
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MEMÓRIA (terceira) Como o sal é sede numa boca e se transforma imenso de sabor e de contar tão de silêncio o choro brotante a estoirar essa alegria quente bala no céu silente sangue frio de percurso secular memória toda num sem fim de querer ser mais que tudo num só dia de cantar! E quem mais que nós despiu assim a noite de todas as estrelas com uma só estrela a desfraldar? Quem mais que nós saboreou assim diferente tantas diferentes maneiras de chorar?
Rui, Manuel (1999). In Manuel Alegre, Vozes poéticas da lusofonia. Lisboa: Mem Martins, pág. 31.
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FALA DO HOMEM NASCIDO Venho da terra assombrada, do ventre da minha mãe; não pretendo roubar nada nem fazer mal a ninguém. Só quero o que me é devido por me trazerem aqui, que eu nem sequer fui ouvido no acto de que nasci. Trago boca para comer e olhos para desejar. Com licença, quero passar, tenho pressa de viver. Com licença! Com licença! Que a vida é água a correr. Venho do fundo do tempo; não tenho tempo a perder. Minha barca aparelhada solta o pano rumo ao norte; meu desejo é passaporte para a fronteira fechada. Não há ventos que não prestem nem marés que não convenham, nem forças que me molestem, correntes que me detenham. Quero eu e a Natureza, que a Natureza sou eu, e as forças da Natureza nunca ninguém as venceu. Gedeão, António (2001). Obra Poética. Lisboa: Edições João Sá da Costa, pág. 42.
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O VELHO PALÁCIO
Houve outrora um palácio, hoje em ruínas, Fundado numa rocha, à beira-mar… Donde se avistam lívidas colinas, E se ouve o vento nos pinhais pregar. Houve outrora um palácio, hoje em ruínas… Nesse triste palácio inabitável, As janelas sem vidros, contra os ventos, Batem, de noite, em coro miserável, Lembrando gritos, uivos e lamentos, Neste triste palácio inabitável. Só resta uma varanda solitária, Onde medra uma flor que bate o norte, Sacudida de chuva funerária, Lavada de um luar branco morte. Só resta uma varanda solitária… Como nessa varanda apodrecida Em minha alma uma flor também vegeta… Toda a noite dos ventos sacudida, Íntima, humilde, lírica secreta, Como nessa varanda apodrecida...
Leal, Gomes (1991). O Velho Palácio. In Sophia de Mello Breyner Andresen, Primeiro Livro de Poesia. Lisboa: Caminho, pp. 68-69.
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IMPRESSÃO DIGITAL
Os meus olhos são uns olhos E é com esses olhos uns que vejo no mundo escolhos1 onde outros, com outros olhos, não vêem escolhos nenhuns. Quem diz escolhos diz flores. De tudo o mesmo se diz. Onde uns vêem luto e dores uns outros descobrem cores do mais formoso matiz. Nas ruas ou nas estradas onde passa tanta gente, uns vêem pedras pisadas, mas outros, gnomos e fadas num halo resplandecente. Inútil seguir vizinhos, querer ser depois ou ser antes. Cada um é seus caminhos. Onde Sancho vê moinhos D.Quixote vê gigantes. Vê moinhos? São moinhos. Vê gigantes? São gigantes.
Gedeão, António (2001). Obra Poética. Lisboa: Edições João Sá da Costa, pág. 13.
89
SÃO MEUS ESTES RIOS
São meus estes rios que buscam caminho rastejando entre luar e silêncio, sombra e madrugada, até ao seu fim marítimo. A minha alma está neles, líquida e sonora como a água entre o quissange das pedras, o anoitecer nas fontes Tenho rios vermelhos e quentes na minha dimensão física, rios remotos, remotos como eu.
Lima, Manuel (1991). São meus estes rios. In Andresen, Sophia de Mello Breyner, Primeiro Livro de Poesia. Lisboa: Caminho, pág. 152.
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CONCLUSÃO NEVOEIRO
Nem Os rei impactos nem lei, nem paz nem guerra, de amor não são poesia
(tentaram aspiração nocturna). Define com perfilser: e ser A memória Este fulgor baço infantil da terrae o outono pobre vazam no verso de nossa urna diurna.
Que é Portugal a entristecer – Brilho sem luz e sem arder,
Que é poesia, o belo? Não é poesia, e o que não é poesia não tem fala. Nem o mistério em si nem velhos nomes poesia são:que coxa, furta, cabala. Ninguém sabe coisa quer. Como o que o fogo-fátuo encerra.
Ninguém conhece que alma tem,
Então, desanimamos. Adeus, tudo! A mala pronta, o corpo desprendido, (Que resta ânsiaadistante perto chora?) alegria de estar só, e mudo. Nem o que é mal nem o que é bem.
Tudo é incerto e derradeiro. Tudo De é disperso, nada énossos inteiro.poemas? Onde? que se formam
Que sonho Ó Portugal, hoje envenenado és nevoeiro...lhes responde, se o poeta é um ressentido, e o mais são nuvens? Andrade, Carlos Drummond de (2007). «Antologia Poética». Lisboa: Relógio É a hora! D’Água Editores, p.103.
Pessoa, Fernando (1988). Mensagem. Lisboa: Tipografia Macarlo, Lda, pág.104.
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CONCLUSÃO
Os impactos de amor não são poesia (tentaram ser: aspiração nocturna). A memória infantil e o outono pobre vazam no verso de nossa urna diurna. Que é poesia, o belo? Não é poesia, e o que não é poesia não tem fala. Nem o mistério em si nem velhos nomes poesia são: coxa, furta, cabala. Então, desanimamos. Adeus, tudo! A mala pronta, o corpo desprendido, resta a alegria de estar só, e mudo. De que se formam nossos poemas? Onde? Que sonho envenenado lhes responde, se o poeta é um ressentido, e o mais são nuvens?
Andrade, Carlos Drummond de (2007). Antologia Poética. Lisboa: Relógio D’Água Editores, pág.103.
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Caminho pelo lado da rebentação das ondas
Caminho pelo lado da rebentação das ondas – o litoral guarda segredo dos meus passos entre as redes de sal trazidas pelos barcos e o labirinto das algas ainda agora oferecidas à praia. Sento-me à mercê das falésias a riscar o teu nome na areia; e é como se lentamente pronunciasse um chamamento triste a que ninguém acode. Fez-se tarde para os lamentos das sereias: agora as marés dobam novelos de espuma à roda dos meus pés, as águas já não transportam a minha voz, a perder-se sobre as dunas que os ventos vão desbastando devagar ao cair da noite. Tenho sempre medo que não voltes. Pedreira, Maria do Rosário (2012). Poesia reunida. Lisboa: Quetzal Editores, pág. 53.
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O SAL DA LÍNGUA
Escuta, escuta: tenho ainda uma coisa a dizer. Não é importante, eu sei, não vai salvar o mundo, não mudará a vida de ninguém- mas quem é hoje capaz de salvar o mundo ou apenas mudar o sentido da vida a alguém? Escuta-me, não te demoro. É coisa pouca, como a chuvinha que vem vindo devagar. São três, quatro palavras, pouco mais. Palavras que te quero confiar. Para que não se extinga o seu lume, o seu lume breve. Palavras que muito amei, que talvez ame ainda. Elas são a casa, o sal da língua.
Andrade, Eugénio (1999). O Sal da Língua. In Alegre Manuel, Vozes Poéticas da Lusofonia. Sintra: Câmara Municipal de Sintra, pág. 195.
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ZOMBIE
Uma alma escondida atrás de um dente. Um sorriso para sempre transviado. Uma mão de súplica e de resguardo. Zombie serei definitivamente. Um olhar apagado atrás da lente. Uma lente de brilho desfocado. Um andar não p’rá frente, mas p’ró lado. Zombie serei definitivamente. Um bicho mascarado de ser gente. A sina de um siso malfadado. Um passado entre todos viciado. Zombie serei definitivamente. Os cabelos voltados contra o pente. A ira – incluso – de um punho fechado. De muitas donas sempre enamorado. Zombie serei definitivamente.
Viegas, Jorge (1999). Zombie. In Alegre Manuel, Vozes Poéticas da Lusofonia. Sintra: Câmara Municipal de Sintra, pág. 153.
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HOMEM INSOFRIDO TEMÍVEL ADAMADO PURO SAGAZ INTELIGENTÍSSIMO MODESTO RARO CORDIAL EFICIENTE CRITERIOSO EQUILIBRADO RUDE VIRTUOSO MESQUINHO CORAJOSO VELHO RONCEIRO ALTIVO ROTUNDO VIL INCAPAZ TRABALHADOR IRRECUPERÁVEL CATITA POPULAR ELOQUENTE MASCARADO FARROUPILHA GORDO HILA-RIANTE PREGUIÇOSO HIEROMÃNTICO MALÉVOLO INFANTIL SINISTRO INOCENTE RIDÍCULO ATRASADO SOERGUIDO DELEITÁVEL ROMÂNTICO MARRÃO HOSTIL INCRÍVEL SERENO HIANTE ONANISTA ABOMINÁVEL RESSENTIDO PLANIFICADO AMARGURADO EGOCÊN-TRICO CAPACÍSSIMO MORDAZ PALERMA MALCRIADO PONDEROSO VOLÚVEL INDECENTE ATARANTADO BILTRE EMBIRRENTO FUGITIVOSORRIDENTE COBARDE MINUCIOSO ATENTO JÚLIO PANCRÁCIO CLANDESTINO GUEDELHUDO ALBINO MARICAS OPORTUNISTA GENTIL OBSCURO FALACIOSO MÁRTIR MASOQUISTA DESTRAVADO AGITADOR ROÍDO PODEROSÍSSIMO CULTÍSSIMO ATRAPALHADO PONTO MIRABOLANTE BONITO LINDO IRRESISTÍVEL PESADO ARROGANTE DEMAGÓGICO ESBODEGADO ÁSPERO VIRIL PROLIXO AFÁVEL TREPIDANTE RECHONCHUDO GASPAR MAVIOSO MACACÃO ESFOMEADO ESPANCADO BRUTO RASCA PALAVROSO ZEZINHO IMPOLUTO MAGNÂNIMO INCERTO INSEGURÍSSIMO BONDOSO GOSMA IMPOTENTE COISA BANANA VIDRINHO CONFIDENTE PELUDO BESTA BARAFUNDOSO GAGO ATILADO ACINTOSO GAROTO ERRADÍSSIMO INSINUANTE MELÍFLUO ARRAPAZADO SOLERTE HIPOCONDRÍACO MALANDRECO DESOPILANTE MOLE MOTEJADOR ACANALHADO TROCA-TINTAS ESPINAFRADO CONTUNDENTE SANTINHO SOTURNO ABANDALHADO IMPECÁVEL MISERICORDIOSO VOLUPTUOSO AMANCEBADO TIGRINO HOSPITALEIRO IMPANTE PRESTÁVEL MOROSO LAMBAREIRO SURDO FAQUISTA AMORUDO BEIJOQUEIRO DELAMBIDO SOEZ PRESENTE PRAZENTEIRO BIGODUDO ESPARVOADO VALENTE SACRIPANTA RALHADOR FERIDO EXPULSO IDIOTA MORALISTA MAU NÃOTE-RALES AMORDAÇADO MEDONHO COLABORANTE IN-SENSATO CRAVA VULGAR CIUMENTO TACHISTA GASTO IMORALÃO IDOSO IDEALISTA INFUNDIOSO ALDRABÃO RACISTA MENINO LADRADOR POBRE-DIABO ENJOADO BAJULADOR VORAZ ALARMISTA INCOMPREENDIDO VÍTIMA CONTENTE ADULADO BRUTALIZADO COITADINHO FARTO PROGRAMADO IMBECIL CHOCARREIRO INAMOVÍVEL…
O’Neill, Alexandre (2002). Poesias completas: Lisboa: Assírio & Alvim, pág. 317.
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LIRA ROMANTIQUINHA Por que me trancas o rosto e o riso e assim me arrancas do paraíso? Por que não queres, deixando o alarme (ai, Deus: mulheres!), acarinhar-me? Por que cultivas as sem-perfume e agressivas flores do ciúme? Acaso ignoras que te amo tanto, todas as horas, já nem sei quanto? Visto que em suma é todo teu, de mais nenhuma, o peito meu? Anjo sem fé nas minhas juras, porque é que é que me angusturas? Minh’alma chove frio, tristinho não te comove este versinho? Andrade, Carlos Drummond de (2007). Antologia Poética. Lisboa: Relógio D’Água Editores, pp. 122-123.
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NÃO SE MATE Carlos, sossegue, o amor é isso que você está vendo: hoje beija, amanhã não beija, depois de amanhã é domingo e segunda-feira ninguém sabe O que será. Inútil você resistir ou mesmo suicidar-se. Não se mate, oh não se mate, reserve-se todo para as bodas que ninguém sabe quando virão, se é que virão. O amor, Carlos, você telúrico, a noite passou em você, e os recalques se sublimando, lá dentro um barulho inefável, rezas, vitrolas, santos que se persignam, anúncios do melhor sabão, barulho que ninguém sabe de quê, porquê. Entretanto você caminha melancólico e vertical. Você é a palmeira, você é o grito que ninguém ouviu no teatro e as luzes todas se apagam. O amor no escuro, não, no claro, é sempre triste, meu filho, Carlos, mas não diga nada a ninguém, ninguém sabe nem saberá. Andrade, Carlos Drummond de (2007). Antologia Poética. Lisboa: Relógio D’Água Editores, pág.81.
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Guarda a tua seiva para as raízes e os dedos para a colheita Guarda a tua seiva para as raízes e os dedos para a colheita. E depois detém-te a olhar o fruto, crescendo devagar, nas tardes que demoram até ao verão. Que te seja redondo, ao côncavo da mão, e nele reconheças o gosto e o perfume mesmo antes de tocar-lhe; morde-o longamente com os olhos – é neles que a polpa faz mais sede e a pele transpira com o fulgor da cara. E não consintas vento, nem abelhas, nem que nele repousem outros olhos, muito mais pequenos, como os que trazem as aves voltando do inverno. Deixa o teu nome no pomar durante a noite – há mãos que nunca dormem e a espera pode tornar os frutos ociosos. Mas para mais ninguém este se avoluma, à tua boca prometido. Embala-o então com a verdade antes de partires. Cerca-o com os teus sonhos. Mostra-lhe os dedos que irás um dia confiar-lhe. E assim o tempo devolvê-lo-á inteiro a seu tempo, vermelho e tenro, doce, à espessura dos lábios.
Pedreira, Maria do Rosário (2012). Poesia reunida. Lisboa: Quetzal, pág. 42.
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OFICINA IRRITADA
Eu quero compor um soneto duro como poeta algum ousara escrever. Eu quero pintar um soneto escuro, seco, abafado, difícil de ler. Quero que meu soneto, no futuro, não desperte em ninguém nenhum prazer. E que, no seu maligno ar imaturo, ao mesmo tempo saiba ser, não ser. Esse meu verbo antipático e impuro há de pungir, há de fazer sofrer, tendão de Vênus sob o pedicuro. Ninguém o lembrará: tiro ao muro, cão mijando no caos, enquanto Arcturo, claro enigma, se deixa surpreender.
Andrade, Carlos Drummond de (2007). Antologia Poética. Lisboa: Relógio D’Água Editores, pág. 100.
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Visconde de Benalcanfor Já morto! Dilacera-me a saudade. Não tenho mais ninguém d’aqueles dias De ephemeras, vibrantes alegrias, Que me ilumine a escura mocidade.
Que ridente e subtil jovialidade! Que brilhantes hyperboles fazias, Com graça encantadora, quando rias Dos sérios carnavaes da sociedade!
A dor de envelhecer não a venceste; Pois que do coração sempre viveste, Matou-te finalmente o coração.
Vencido luctador, meu pobre amigo, Desde hontem que tu dormes no jazigo O sinistro dormir da podridão.
Branco, Camilo Castelo (2009). Visconde Benalcanfor. In Mãe, Valter Hugo; Reis-Sá. A Alma não é pequena: 100 poemas portugueses para SMS. V. N. Famalicão: Centro Atlântico, Lda, pág. 19.
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Se o vires, diz-lhe que o tempo dele não passou
Se o vires, diz-lhe que o tempo dele não passou; que me sento na cama, distraída, a dobrar demoras e, sem querer, talvez embarace as linhas entre nós. Mas que, mesmo perdendo o fio da meada por causa dos outros laços que não desfaço, sei que o amor dá sempre o novelo melhor da sua mão. Se o encontrares, diz-lhe que o tempo dele não passou; que só me atraso outra vez, e ele sabe que me atraso sempre, mas não demais; e que os invernos que ele não gosta de contar, mas assim mesmo conta que nos separam, escondem a minha nuca na gola de casaco, mas só para guardar os beijos que me deu. Se o vires, diz-lhe que o tempo dele não passa, fica sempre.
Pedreira, Maria do Rosário (2012). Poesia reunida. Lisboa: Quetzal, pág.225.
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Evolução (A Santos Valente)
Se o vires, diz-lhe que o tempo dele não passou Fui rocha, em tempo, e fui, no mundo antigo, SeTronco o vires,ou diz-lhe o tempo dele não passou; ramoque na incógnita floresta… que me sento na cama, distraída, anadobrar Onda, espumei, quebrando-me arestademoras e, Do semgranito, querer,antiquíssimo talvez embarace as linhas entre nós. inimigo… Mas que, mesmo perdendo o fio da meada por causa outros laços que não desfaço, sei que o Rugi,dos fera talvez, buscando abrigo amor dá sempre novelo melhor sua mão. Se Na caverna queoensombra urze edagiesta; Ou, monstro primitivo, ergui a testa o encontrares, diz-lhe quepascigo… o tempo dele não passou; No limoso paul, glauco que só me atraso outra vez, e ele sabe que me atraso sempre, mas não demais; que osenorme invernos que ele Hoje sou homem – e na esombra não gosta de contar, assim mesmo conta que nos Vejo, a meus pés, amas escada multiforme, separam, escondem a minha na gola de casaco, Que desce, em espirais, na nuca imensidade… mas só para guardar os beijos que me deu. Se o vires, diz-lhe que oo infinito tempoedele não choro… passa, fica sempre. Interrogo às vezes
Mas, estendendo as mãos no vácuo, adoro Pedreira, Maria do Rosário (2012). «Poesia reunida». Lisboa: Quetzal, p.225. E aspiro unicamente à liberdade.
Quental, Antero de (2009). Evolução. In Mãe, Valter Hugo; Reis-Sá, Jorge. A Alma não é pequena: 100 poemas portugueses para SMS (pág. 23). V. N. Famalicão: Centro Atlântico. PT.
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CONCLUSÃO
Mercê da colaboração e empenho de toda a comunidade escolar, designadamente da equipa das bibliotecas escolares, dos alunos, dos assistentes operacionais e da Direção, foi possível levar a bom porto a atividade “Abre a pestana com um poema por semana…”, enquadrada no projeto
aLeR+
do
Agrupamento de Escolas de Macedo de Cavaleiros, iniciada em dezembro de 2012. “O caminho faz-se caminhando”, como afirmou Fernando Pessoa, e foi fazendo jus a este verso que a semente desabrochou, proporcionando aos alunos o contacto profícuo com a poesia, que lhes merece tantas vezes animosidade. Com agrado conhecemos distintos aproveitamentos desta atividade que, em primeira instância, visava tão-somente a aproximação entre alunos e um mundo encantado e íntimo – o da poesia… Com o mesmo contentamento ouvimos os alunos perguntar pelo dia e pelo docente a quem caberia ler o poema da semana. Da gratidão para com todos os docentes, que souberam receber esta iniciativa e que a fizeram crescer, adornando a dádiva da maneira que entenderam ser melhor, serão testemunhas estas breves palavras. A semente foi plantada, brotou, abriu em flor e deu belos frutos, precisa apenas de continuar a ser tratada com estima e carinho para se manter vigorosa e voltar a frutificar…