PALAVRAÇÃO n.6

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A TENTATIVA DO AMOR DE ABOLIÇÃO DA DIFERENÇA Nilma Cavalcante de Souza Bittencourt117 Num ensino que propõe um retorno a Freud, para que se resgate a essência do seu pensamento, Lacan em seu primeiro seminário oficial (1953-54/1986, p. 94), recorre a um experimento da Física chamado de Esquema Óptico de Bouasse, a experiência do buquê invertido, para tratar da constituição subjetiva a partir dos registros do simbólico e do imaginário. Assim como fez nos seminários posteriores, com outros modelos, experimentos, conceitos e grafos, no primeiro ano da formalização de sua transmissão oral, ele realiza uma modificação do esquema proposto, entendendo que para poder fazer suas teorizações referentes à psicanálise, essas mudanças se faziam necessárias. Mudanças que ele também realizou com suas próprias elaborações, conforme ia avançando em sua própria teoria, procurando sempre dialogar com as diversas áreas do conhecimento e adicionando a cada momento articulações extremamente brilhantes e frequentemente polêmicas. É no primeiro livro d’O seminário - Os Escritos Técnicos de Freud (LACAN, 195354/1986, p. 308), que Lacan fala pela primeira vez sobre as paixões do ser, articulando-as com a tripartição do real, do simbólico e do imaginário, considerando-as categorias elementares sem as quais não se pode distinguir nada na nossa experiência. Coloca que é somente na dimensão do ser que podemos inscrever essas três paixões fundamentais que são: o amor, o ódio e a ignorância (LACAN, 1953-54/1986, p. 309). E localiza cada uma delas na junção de dois dos três registros RSI: sendo o amor localizado na junção do simbólico e do imaginário; o ódio na junção do imaginário e do real; e a ignorância, na junção do real e do simbólico. Mas o que isso quer dizer? Ele segue formulando que as duas possibilidades, do amor e do ódio, não vão sem a terceira, a ignorância. Nesse momento, Lacan está tratando do tema da transferência, postulando que o sujeito que vem para a análise se coloca na posição daquele que ignora e que não há entrada possível em análise sem essa referência, já que ela é fundamental (LACAN, 195354/1986, p. 309). Nesse seminário, Lacan também está às voltas com a questão do saber, do desejo e do ser. Questões que percorrem todo o seu ensino e o convocam a levar seus ouvintes e leitores a 117

Psicanalista com Graduação em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR), em 1992. Especialista em Psicologia Clínica e Hospitalar. Psicóloga Clínica no Hospital Psiquiátrico San Julian (de 1994 a 2002). Membro da Biblioteca Freudiana de Curitiba.

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