PALAVRAÇÃO n.6

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PAIXÃO DA IGNORÂNCIA E SUBLIMAÇÃO Patrícia Leyack118 Vamos partir da sublimação, destino possível da pulsão, segundo nos ensinou Freud. É um destino pulsional não recalcado que implica uma mudança do fim sexual e uma mudança de objeto. No Seminário da Ética119, Lacan parte da aproximação, em relação a sublimação, que Freud fez da histeria com a arte, da neurose obsessiva com a religião e da paranoia com o discurso científico. Lacan passa o que foi dito pelas palavras de Freud pelo filtro do vazio da Coisa. Ele dirá, então, que toda arte é um modo de organização em torno do vazio. A religião, por sua vez, consiste em todos os modos de evitar este vazio. (Freud se referia ao cerimonial da religião quando à aproximou da neurose obsessiva). Talvez mais do que evitar, trata-se na religião de respeitar esse vazio, conclui Lacan. Seja como for, o vazio permanece no centro e por isso se trata de sublimação. Quanto ao discurso da ciência, é uma Verwerfung enquanto esse discurso rejeita a presença da Coisa ao colocar um ideal de saber absoluto. A fórmula de Lacan para a sublimação: elevar um objeto à dignidade da Coisa seria criar ou operar a partir desse vazio fundamental gerado pela presença do significante na vida humana. É a partir da pulsação desse vazio, a partir dessa exterioridade íntima, dessa extimidade, que a sublimação faz a sua obra. E nesse obrar, a sublimação elabora esse vazio, permite ao sujeito uma relação com o intratável. Será então uma operação que permite uma satisfação e uma redistribuição de gozo na medida em que resta gozo do objeto. E quanto ao tipo de satisfação que a sublimação procura, no repetido enfrentamento ao excesso de gozo, a sublimação fará algo com ele que proporcionará uma satisfação direta, não deslocada da pulsão, equivalente ao apaziguamento sexual. A palavra alemã Befriedigung, satisfação, contém a partícula Freid, paz, observa Lacan. É à altura do Seminário XVI120 que Lacan centra a sublimação em uma operação sobre o mais-de-gozar. Ali, ele diz que sua realização é um ‘’girar em círculo em torno de um ponto central, enquanto algo não está resolvido’’. A sublimação, em sua atividade de cercar o que não 118

Psicanalista, AME da Escuela Freudiana de Buenos Aires (EFBA). Colaboradora permanente do Cuadernos Sigmund Freud (EFBA). Tem trabalhos publicados em Figures de la psychanalyse (Espace Analytique, París) e em Aproximaciones psicoanalíticas al discurso literario (Universidade de Bordeux e Universidade de Villa María, Córdoba). Autora dos livros La letra interrogada. Leer y escribir en literatura y psicoanálisis e Escrituras en el análisis. 119 Lacan, J. Seminario VII, La Ética del Psicoanálisis, cap.X, “Breves comentarios al margen”. Paidós, Buenos Aires. 120 Lacan.J. Seminario XVI, De un Otro al otro, Cap.X,: “Clínica de la perversión”, Bs As., Paidós.

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