PALAVRAÇÃO n.6

Page 86

O QUE QUERIA SABER SOBRE O AMOR E PERGUNTEI A LACAN Maria Angélica Carreras94 No Dia das Mães comecei a pensar sobre o tema, pareceu-me oportuno refletir sobre o primeiro amor daquela que sempre será “certíssima”. Por ter-nos albergado com amor no seu ser além da biologia, porque um filho se inscreve também no corpo. O importante é ser “adotado” por um além para além de seu sexo biológico, que não é o da sua sexuação. Homenagem às mães remontam à Grécia antiga, ocasião de festejos às deusas mães Rhea e Cybele, elas mesmas mães dos deuses. No cristianismo, a igreja, por ser a Santa, remete à mãe e, por extensão, a todas aquelas que recebem a homenagem dos seus filhos. Nos Estados Unidos, se enlaça à causa política de reivindicação pelas más condições de saúde da população diante da guerra civil, para promover a união e a paz. É importante pensar na função social política destas mulheres – mães – nas lutas abolicionistas, sufragistas etc. Porém, o espírito do capitalismo, na busca por uma eficácia de estabelecer a sociedade de consumo, torna esta data junto com o sentido cristão do Natal, transformando assim, a mãe e o menino Jesus em objetos de mercado para deleite dos shoppings de luxo ou de rua. Não há cultura que não dedique homenagem às mães. Não será que aqui temos a origem desse amor a dois, evidentemente narcísico, modelo de fusão e completude, onde o sexo está excluído? Em nossa cultura ocidental e cristã a mãe é virgem na ausência de homem, Outro, para encarnar seu desejo de mulher. Entre a santa e a outra, a mãe nunca se confunde com a segunda, de tal forma que o vociferado “você é filho da...” é ofensa imperdoável. Retorno do recalcado. Certo é que a mãe merece nossa homenagem porque não só lhe devemos a vida material, mas também a entrada no mundo simbólico. O desejo da mãe cava o lugar primeiro da simbolização entre presença e ausência, que o aprendiz de falaser, na escuta de Freud transforma no fort-da da lógica binária em tempos da arbitrariedade do desejo materno. A genialidade de Freud lhe permite escutar o sujeito emergente. Será que o sonho-pesadelo da recuperação funcional é o que se encontra no ódio aniquilante, porque disjunto do amor exige a perfeição de colmar a falta do Outro sem deixar resto? Pensamos encontrar algo desta ordem no casal quando um deles só encontra saída na passagem ao ato feminicida e/ou suicida. O crocodilo fecha a boca na violência assassina.

94

Psicanalista, membro da Biblioteca Freudiana de Curitiba.

86


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.