Homenagem à Maria Lua - 2013

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Eu sei que a gente se acostuma, mas não devia lido por Sónia Pereira Eu sei que a gente se acostuma. Mas não devia. A gente se acostuma a morar em apartamentos de fundos e a não ter outra vista que não as janelas ao redor. E, porque não tem vista, logo se acostuma a não olhar para fora. E, porque não olha para fora, logo se acostuma a não abrir de todo as cortinas. E, porque não abre as cortinas, logo se acostuma a acender mais cedo a luz. E, à medida que se acostuma, esquece o sol, esquece o ar, esquece a amplidão. A gente se acostuma a acordar de manhã sobressaltado porque está na hora. A tomar o café correndo porque está atrasado. A ler o jornal no ônibus porque não pode perder o tempo da viagem. A comer sanduíche porque não dá para almoçar. A sair do trabalho porque já é noite. A cochilar no ônibus porque está cansado. A deitar cedo e dormir pesado sem ter vivido o dia. A gente se acostuma a abrir o jornal e a ler sobre a guerra. E, aceitando a guerra, aceita os mortos e que haja números para os mortos. E, aceitando os números, aceita não acreditar nas negociações de paz. E, não acreditando nas negociações de paz, aceita ler todo dia da guerra, dos números, da longa duração. A gente se acostuma a esperar o dia inteiro e ouvir no telefone: hoje não posso ir. A sorrir para as pessoas sem receber um sorriso de volta. A ser ignorado quando precisava tanto ser visto. A gente se acostuma a pagar por tudo o que deseja e o de que necessita. E a lutar para ganhar o dinheiro com que pagar. E a ganhar menos do que precisa. E a fazer fila para pagar. E a pagar mais do que as coisas valem. E a saber que cada vez pagar mais. E a procurar mais trabalho, para ganhar mais dinheiro, para ter com que pagar nas filas em que se cobra. A gente se acostuma a andar na rua e ver cartazes. A abrir as revistas e ver anúncios. A ligar a televisão e assistir a comerciais. A ir ao cinema e engolir publicidade. A ser instigado, conduzido, desnorteado, lançado na infindável catarata dos produtos. A gente se acostuma à poluição. Às salas fechadas de ar condicionado e cheiro de cigarro. À luz artificial de ligeiro tremor. Ao choque que os olhos levam na luz natural. Às bactérias da água potável. À contaminação da água do mar. À lenta morte dos rios. Se acostuma a não ouvir passarinho, a não ter galo de madrugada, a temer a hidrofobia dos cães, a não colher fruta no pé, a não ter sequer uma planta. A gente se acostuma a coisas demais, para não sofrer. Em doses pequenas, tentando não perceber, vai afastando uma dor aqui, um ressentimento ali, uma revolta acolá. Se o cinema está cheio, a gente senta na primeira fila e torce um pouco o pescoço. Se a praia está contaminada, a gente molha só os pés e sua no resto do corpo. Se o trabalho está duro, a gente se consola pensando no fim de semana. E se no fim de semana não há muito o que fazer a gente vai dormir cedo e ainda fica satisfeito porque tem sempre sono atrasado. A gente se acostuma para não se ralar na aspereza, para preservar a pele. Se acostuma para evitar feridas, sangramentos, para esquivar-se de faca e baioneta, para poupar o peito. A gente se acostuma para poupar a vida. Que aos poucos se gasta, e que, gasta de tanto acostumar, se perde de si mesma. Marina Colasanti PRECISA-DE UM AMIGO lido por Céu Gomes


Não precisa ser homem, basta ser humano, basta ter sentimentos, basta ter coração. Precisa saber falar e calar, sobretudo saber ouvir. Tem que gostar de poesia, de madrugada, de pássaro, de sol, da lua, do canto, dos ventos e das canções da brisa. Deve ter amor, um grande amor por alguém, ou então sentir falta de não ter esse amor… Deve amar o próximo e respeitar a dor que os passantes levam consigo. Deve guardar segredo sem se sacrificar. Não é preciso que seja de primeira mão, nem é imprescindível que seja de segunda mão. Pode já ter sido enganado, pois todos os amigos são enganados. Não é preciso que seja puro, nem que seja todo impuro, mas não deve ser vulgar. Deve ter um ideal e medo de perdê-lo e, no caso de assim não ser, deve sentir o grande vácuo que isso deixa. Tem que ter ressonâncias humanas, seu principal objectivo deve ser o de amigo. Deve sentir pena das pessoas tristes e compreender o imenso vazio dos solitários. Deve gostar de crianças e lastimar as que não puderam nascer. Procura-se um amigo para gostar dos mesmos gostos, que se comova, quando chamado de amigo. Que saiba conversar de coisas simples, de orvalhos, de grandes chuvas e das recordações de infância. Precisa-se de um amigo para não se enlouquecer, para contar o que se viu de belo e triste durante o dia, dos anseios e das realizações, dos sonhos e da realidade. Deve gostar de ruas desertas, de poças de água e de caminhos molhados, de beira de estrada, de mato depois da chuva, de se deitar no capim. Precisa-se de um amigo que diga que vale a pena viver, não porque a vida é bela, mas porque já se tem um amigo. Precisa-se de um amigo para se parar de chorar. Para não se viver debruçado no passado em busca de memórias perdidas. Que nos bata nos ombros sorrindo ou chorando, mas que nos chame de amigo, para ter-se a consciência de que ainda se vive. Vinicius de Moraes Excerto de O COELHO DE PÊLO lido por Ana Cristina - O real não está naquilo de que se é feito – disse o Cavalo de Pau. – É uma coisa que acontece. Se uma criança te amar muito, muito tempo, não apenas como um brinquedo mas realmente te amar, então tornas-te Real. - E dói? – quis saber o Coelho. - Algumas vezes – respondeu o Cavalo de Pau, pois falava sempre verdade. - Quando se é Real, a dor pouco importa. - E acontece, repentinamente, como se nos dessem corda – perguntou -, ou a pouco e pouco? - Não acontece repentinamente – explicou o Cavalo de Pau. – Vai acontecendo. Demora muito tempo. Esse o motivo por que não acontece, frequentemente, a quem desiste facilmente, aos orgulhosos ou aos que não se sabem dominar. Regra geral, quando se é Real, perdeu-se a maior parte do pêlo, os olhos parecem sair das órbitas, as articulações enfraqueceram e foi-se maltratado. Contudo, estas coisas pouca importância têm, porque quando se é Real não se pode ser feio (excepto para as pessoas que não compreendem …), mas depois de se ser Real é impossível voltar a ser irreal. Dura eternamente. Margery Williams

Poema escrito e lido por Maria Luísa Anselmo Possuía grande força de vida. Buscava dar-se, realizar-se, viver, Quantas vezes, tormentosamente.


Toda ela era vibração, Desejo premente, ardente De caminhar em ascensão, deslumbrada, Sei lá por que luz. Deu-se, apaixonadamente, Nos vários palcos que pisou Na sua breve vida. Alguma vez foi feliz? Talvez, nos momentos Com sua família… Mas, quem como ela, Continuamente, Sente, vibra, tem fome, tem sede, Poderá alguma vez sê-lo? Era apressada na busca, na realização, Como se do seu breve destino Tivesse conhecimento antecipado E no mundo quisesse deixar, Dádiva da sua essência De amor à arte, Buscando, contemplando, Dando-se, dando-se. E, agora, que descanse em paz, A nossa, amiga, e neste mundo, Aprenda-se a compreender melhor, E a ajudar seres como Maria Lua, Semeadores de uma vida Que, de certeza, Seria melhor para todos.

Palavras de Fernanda Rosário enviadas por mail “A morte é o grande mistério que ronda a humanidade (…), faz muitos sofrerem, especialmente pela ausência de pessoas queridas, de quem jamais sentiremos o perfume, o afago, o abraço carinhoso, a voz a nos chamar e tudo o que faz diferença em nossas vidas. Todos nós perdemos pessoas queridas, mas em nosso íntimo, ainda acreditamos que podemos encontrá-las em cada esquina, que vamos abrir a porta e dar de cara com elas. Porém, elas apenas se mostram em nossos sonhos e na saudade que cresce a cada dia, independente de quanto tempo faz desde a sua partida. Às vezes, pensamos em homenagear a quem amamos ou já faleceu, mas não conseguimos encontrar as palavras certas. Todas elas fogem e quando se juntam, não dão o verdadeiro sentido que gostaríamos de exprimir. (…)”


Autor desconhecido

Infelizmente, não consegui hoje estar presente nesta grande homenagem à Maria, mas no entanto, não poderia deixar de homenagear esta grande Mulher, que tive o prazer de conhecer há uns anos atrás e que fez parte de um período muito importante da minha vida. Só tenho que agradecer à Maria por ter entrado na minha vida, sempre a irei recordar como uma pessoa alegre, com um sorriso contagiante e um coração do tamanho do mundo. Terá sempre um lugar bem especial no meu coração. Muito Obrigada. Um Beijinho Grande para o Roberto e para o Dioguinho

Fernanda Rosário, Serpa

Palavras de Gabriela Martins enviadas por mail 89ª epístola aos hereges à Maria Lua

um silêncio esvai.se consoante o batimento dessatisfeito de um coração de mulher .fora de tempo .dela já não se canta o modo de arrebatar quando mulher//menina enchia as manhãs as tardes e as noites com os gestos maiores que tinha como seus .achando.se nos outros .nos que costumava vestir de auroras boreais ou de glaciares e que corriam céleres pela sua face minguante .pelos seus braços crescentes .pelo seu corpo lunar .às vezes quedava.se no amolecimento das horas .outras deixava.se engalanar no degelo das palavras desabridas com que lhe colhiam os sonhos .outras ainda permitia que o seu barulhar se projectasse em resguardos de esperas .vestia.se de vento e era mar .tinha.se em milhares de páginas .em centenas de palavras andarilhas com que ia vestindo a sua vida e desenhando a dos outros .uma tarde quando o Outono cedeu ao ritmo do seu não acordar predisse à criança que tinha como filho - quando a lua adormecer esconde.te no luzeiro da primeira estrela .aí me achas ... e assim aberto de si o ventre fez.se adeus hoje - maria - despeço.me do branco e crio o índigo para ti

Gabriela Rocha Martins ,in “o canto seduz a nudez do verbo” ( a editar)

Palavras enviadas por mail pelos modelos formados pela Maria 17/10/2013 13:41 Roberto menina linda , a Maria também me chamava assim... Li a tua mensagem logo de manhã e estou até agora para te responder.... Com um aperto no peito muito grande pois não sabia do que aconteceu , os meus sentimentos :(((((( espero que estejas bem tu e o Diogo, sem dúvida que foi com vocês que comecei e foram vocês os primeiros acreditar em mim... A menina rebelde adorava estar presente acredita que se não viajasse amanhã para paris iria sem dúvidas, estar ao vosso lado e prestar homenagem á Maria... Ela uma grande mulher uma lutadora. Aliás vocês são uns lutadores... Um beijo enorme. Marta Viveiros (modelo e apresentadora do CM TV) Com muita pena não me será possível estar presente, já que desde Setembro estou a viver na Eslovénia, no entanto não podia deixar de prestar a minha homenagem: Gostaria de dirigir umas palavras de tributo à Maria - que seguramente nos estará a ouvir - mas também ao Roberto e ao Diogo.


Lembro-me perfeitamente do dia em que conheci a Maria - aquela voz e aquela gargalhada -, lembro-me da sua alegria contagiante e do seu coração enorme que enchia uma sala com o seu calor humano, com o seu carinho, com o seu amor ao próximo, sempre disposta a ajudar e a fazer tudo pelos outros. A Maria era aquela pessoa que tinha dezenas de filhos, preocupava-se com todos os seus alunos como se fossem dela, transmitia a sensação de conforto, preocupação e segurança. Convivi de perto com a Maria durante a minha adolescência, num período em que me formava enquanto pessoa e foi, sem dúvida, uma influência muito positiva nesse percurso de desenvolvimento pessoal e social. Agradeço à Maria todo o apoio que me deu, toda a motivação, todas as palavras de conforto e de carinho, tudo o que me ensinou e todas as 'asas' que me abriu, tendo feito com que nunca deixasse de correr atrás dos meus sonhos e com que encarasse a vida e o mundo de outra maneira. Ao Roberto e ao Diogo, que certamente se revêm nalgumas das minhas palavras, o meu grande abraço, que de conforto pouco oferece mas com a certeza de que a memória da Maria perdurará e que continuará sempre a fazer parte da vida daqueles com que se cruzou, revelando-se em cada pequeno detalhe do nosso mundo que ajudou a moldar. À Maria, o meu sincero obrigado e um até já. Um abraço, Diogo Rebelo Rodrigues (Economista)

Palavras de uma ex-colega da Biblioteca enviadas por mail Meu nome é Ana Almeida, mais conhecida como a mulher do norte e amante das velocidades, fui colega da Maria durante dois anos e meio na Biblioteca Municipal de Silves. Da Maria guardo algumas recordações, era uma mulher que vivia sempre ou quase sempre no mundo da lua, talvez por isso ser popular como “Maria Lua”, era uma mulher que vivia dos sonhos, da fantasia, da criatividade, dos seus próprios devaneios. Das memórias mais marcantes que tenho dessa Grande Animadora, é sem dúvida uma opinião que um dia ela me aconselhou a experimentar. - “Sabes miúda, tu tens pinta de quem tem “queda” para a Animação, não te sei bem explicar o porquê, mas é o que o meu extinto me diz, um dia se puderes experimenta, pois tenho a certeza de que vais gostar.”


Foi o que eu fiz e não é que tinha razão…. OBRIGADA, Maria! Ana Almeida


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