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Apresentação
A imprensa britânica debruça-se com uma certa frequência sobre o que se passa durante estes seis meses no porto carioca, com telegramas, resumos de agências telegráficas, cartas de leitores que censuram Peixoto e outras que o defendem, relatos dos correspondentes no Brasil, comentários e editoriais. Encontra-se também as perguntas feitas, no Parlamento de Londres, ao Governo da Rainha Vitória sobre a sua atitude perante o bloqueio da baia do Rio de Janeiro e o que faz concretamente para defender os interesses dos comerciantes ingleses, prejudicados por essa guerra civil. Se, como já vimos1, os analistas norte-americanos estão, na sua esmagadora maioria, do lado do Governo brasileiro e contra qualquer veleidade de restaurar o regime imperial, os jornais analisados neste volume podem-se dividir em duas tendências principais: por um lado, os que apoiam, quase sem reservas, o movimento insurrecional, um regresso da monarquia e que atacam duramente Floriano Peixoto; por outro lado, os que têm uma opinião mais matizada. Estes não hesitam em criticar os rebeldes e não censuram sistematicamente o executivo do Rio de Janeiro. Tal como os seus colegas do outro lado do Atlântico, todos lamentam que as informações que chegam às
1 Cf. MONICO, Reto. A 2ª Revolta da Armada na imprensa americana. Vol. I e Vol. II, Lisboa-Rio Grande: Biblioteca Rio-Grandense, 2021. (Coleção Documentos, n. 42) 2 Uma análise mais aprofundada destes documentos será apresentada no volume Olhares
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redações são parciais, duvidosas, fragmentárias e muitas vezes de pura propaganda, o que não permite uma visão completa e realista da situação.
Esta falta de notícias fidedignas pode explicar, pelo menos parcialmente, esta diferença de opinião no que diz respeito ao desenrolar dos acontecimentos: realçam o facto dos rebeldes estarem em boas condições, com cada vez mais apoios para ganhar o conflito, perante um governo que está a ir de mal a pior. Chegam mesmo a escrever que Peixoto— funcionário intrigante, corrupto, teimoso, que está a conduzir uma batalha perdida —já não é dono da capital. Para estes jornais, a vitória de Custódio de Melo — homem capaz, experiente e ambicioso — é simplesmente uma questão de tempo e só uma intervenção das Grandes Potências poderia salvar o Marechal de Ferro.
Outros periódicos, pelo contrário, notam que a posição do Presidente não está tão débil como parece. Honesto e forte, tem o apoio do Exército e do legislativo e não agiu como um tirano: por conseguinte, tem todo o direito de ficar no poder até o fim do mandato em novembro de 1894. As mesmas fontes consideram que a posição de Custódio de Melo e depois de Saldanha da Gama é difícil: não têm a possibilidade de efetuar um desembarque e Peixoto está a comprar uma nova frota nos Estados Unidos. Alguns põem em questão a legitimidade e os motivos da revolta e sublinham que os resultados obtidos são irrisórios.
Entre os jornais menos favoráveis à insurreição, um número significativo considera que os dois rivais parecem fracos ou, pelo menos, de força igual. Não há nenhum facto militarmente marcante: dos dois lados mantém-se uma
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política de expectativa e, por conseguinte, o conflito não parece ter fim à vista. Para estes analistas, há muita violência nos discursos, mas, na realidade, as perdas humanas e os estragos materiais são pouco importantes. Todos admitem que estas batalhas incruentas perturbam os negócios e paralisam a atividade comercial. Floriano Peixoto e os chefes da revolta podiam resolver os problemas a través de eleições e de uma arbitragem, em vez de continuar a luta suicida.
Vários jornalistas constatam que, depois da queda de D. Pedro, o Brasil entrou numa fase de grande instabilidade, de anarquia, de desordens, de violência política. Os mesmos realçam logicamente a figura de D. Pedro II, o imperador filósofo, homem respeitável, honesto, brilhante e amável, substituído por ditadores: na realidade, são o Exército e a Marinha que detêm o poder, num país que corre o risco de se desmembrar. Por outras palavras, a República foi um presente envenenado e o Brasil tornou-se um terreno de caça de aventureiros gananciosos que querem só o interesse pessoal e o dos seus parentes e amigos.
A eventualidade de uma restauração monárquica recebe o apoio de uma curta maioria dos observadores britânicos. Alguns julgam que o país, cansado do novo regime, precisa de um líder forte para evitar a fragmentação do Brasil, e têm a certeza que o filho da princesa Isabel será proclamado imperador. Alguns quotidianos pensam que os Bragança não tencionam, por enquanto, regressar ao passado, também porque não dispõem desse homem providencial.
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Dois diários chegam mesmo a propor que seja um príncipe alemão a ocupar o trono abandonado em novembro de 1889!
Uma minoria dos analistas admite todavia que a república ocupa o terreno, que os rebeldes estão muito longe de ganhar a guerra civil e que, do lado monárquico, não há nenhum candidato sério que tenha o perfil para ocupar o cargo. Não será nada simples mudar de regime também porque terá de ultrapassar um grande obstáculo, a firme oposição dos Estados Unidos.
Quanto ao papel das Grandes Potências, os avisos divergem. Se uma parte dos editorialistas deseja que as frotas estrangeiras intervenham para pôr um termo a este conflito que prejudica os interesses comerciais, nomeadamente britânicos, outros opinam que os comandantes desses navios só podem atuar para proteger os interesses dos seus concidadãos, sem favorecer um dos dois rivais. Do ponto de vista humanitário, as pressões exercidas sobre o Almirante de Melo para que renuncie a bombardear a capital é sem dúvida louvável, afirmam os que se opõem ao uso da força militar por parte dos navios estrangeiros. Porém, ao mesmo tempo, estes afirmam que não se deve intervir nos assuntos internos brasileiros, mesmo tendo como objetivo a proteção dos residentes estrangeiros e dos seus bens
O incidente de 29 de janeiro de 1894 entre os rebeldes e a frota americana e que resultou na inevitável capitulação de Saldanha da Gama perante o Almirante Benham é comentado pelos principais jornais britânicos, mais apreensivos que os seus colegas do outro lado do Atlântico. Os jornais apresentados neste volume preocupam-se com o que se passou no porto
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carioca. Conscientes que a derrota de da Gama perante a poderosa frota americana conseguiu quebrar o bloqueio do porto e enfraquecer os rebeldes, analisam o sucedido, ironizando, por vezes, sobre a ação do comandante americano, cansado de estar à espera. Interrogam-se se este episódio não significa uma interferência direta de Washington nos assuntos internos brasileiros, para evitar nomeadamente um regresso da monarquia. Perguntamse também se, agora, os outros poderão fazer o mesmo, sem que estas eventuais iniciativas por parte dos comandantes europeus no Rio sejam consideradas como uma violação da doutrina Monroe. The Grafic pensa que a luta de Saldanha da Gama irá continuar. De opinião diametralmente oposta é The Newcastle Weekly Courant, que censura o comandante da frota rebelde de ter perdido uma ocasião para pôr um ponto final nesta «deplorável guerra civil».
Logicamente, a imprensa anglo-saxónica toma em conta os interesses comercias britânicos, lesados por esta interminável guerra civil. Lamentam a situação muito complicada na qual se encontram os seus navios de comércio perante a quase paralisação das suas atividades. Criticam o governo de Londres e a pequena frota de guerra no Rio de não conseguir lidar com a situação. Atacam o ministro Lord Rosebery pela falta de apoio aos seus mercantes. Esperam dele que dê um murro na mesa, com já fizeram os alemães e os americanos, e que aja rapidamente, deixando de lado o princípio da estrita neutralidade. O Brasil é muito importante: com efeito, quase metade das suas importações provém da Grã-Bretanha. Por conseguinte, o que interessa, no fundo, é a paz, a estabilidade política, e não o tipo de regime.
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Em meado de março de 1894, Saldanha e os seus oficiais fogem a bordo de uma corveta portuguesa, abandonando a luta. Alguns jornais, como os londrinos The Times e The Pall Mall Gazette, têm muitas dificuldades em reconhecer a derrota da «baleia» da Gama perante o «elefante» Peixoto. O primeiro acusa o chefe do executivo do Rio de se querer vingar; o segundo recrimina os americanos de terem feito a guerra a cidadãos de uma nação amiga. Outros continuam a não perceber as motivações profundas dos insurretos, dos quais já não querem ouvir falar, e, sem lamentar o insucesso da causa monárquica, congratulam-se pelo fim desta guerra louca e sem sentido, uma ótima notícia para os comerciantes ingleses e para os que investiram, nomeadamente na indústria cafeeira. Reparar-se-á que, nos cerca de 150 textos transcritos neste livro, a palavra café aparece só três vezes, número que temos de comparar com as cerca de trinta alusões feitas a esta matéria prima nos dois volumes sobre a imprensa norte-americana acima citados.
Mencionemos, por terminar, entre os vários documentos inseridos neste volume, os longos artigos escritos pelo correspondente de The Times no Brasil de outubro de 1893 até março de 1894. O jornalista inglês, apesar de nunca esconder a sua simpatia pelos revoltosos e de não poupar críticas a Floriano Peixoto, é um importante testemunho ocular de vários acontecimentos. Relata, entre outros, a ação dos navios das Grandes Potências, alguns combates (por exemplo, a tomada da Ilha de Mocangué e da Ilha do Governador), a explosão do depósito de munições, o afundamento do Javari, os duelos de artilharias sem nenhum resultado tangível, a falta de pontaria dos dois lados. Fala da vida
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quotidiana no Rio, em Niterói e também a bordo dos navios rebeldes. Entrevista Custódio de Melo em novembro e duas vezes Saldanha da Gama. Resume, entre outros, o confronto verbal que este teve com o Almirante Benham a 23 de janeiro, durante a qual o comandante da frota americana, segundo o relato feito pelo chefe dos rebeldes brasileiros, perdeu a calma. Afirmou que iria assegurar a total proteção da atividade comercial e garantir o desembarque de material bélico para o governo, utilizando a força se for preciso.
O jornalista sai da capital a 21 de fevereiro de 1894 a bordo do Aquidabã rumo a Desterro onde entrevista o General Federalista Gumercindo da Silva. Envia o último artigo de Montevideu a 20 de março, no qual escreve que a derrota no porto carioca é «uma grande perda para a revolução, mas que não vai impedir a continuação da guerra civil»2 .
2 Uma análise mais aprofundada destes documentos será apresentada no volume Olhares francófonos sobre a 2ª Revolta da Armada, previsto para 2022 nesta mesma coleção.
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