Entrevista Mario Roma - Revista Competir

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Entrevista

Um cidadão do mundo O sotaque é lusitano, o bom humor

é brasileiro e a garra é de esportista. Mário Roma, um dos maiores ciclistas do mundo, conta como transfere e concilia sucesso e conquistas das pistas para o mundo empresarial texto Daddy Mallagoli


M

ário Roma nasceu em Lisboa, Portugal, em 1963. Desde criança se envolveu com o esporte – começou na vela, e depois de adulto migrou para a moutain bike. Sua disposição e resultados são impressionantes; a lista de premiações é extensa – só este ano, já conquistou 1º lugar na Sram 50K e na Transandes Challenge, além de demais competições em que ficou em outras posições – e ele não se cansa de buscar desafios. Saiu das águas da vela para as pistas de bike e, delas, para a talvez mais perigosa e desafiadora modalidade: a do mundo empresarial. Mário está hoje à frente da Claro 100K, a maior competição de ciclismo do Brasil. Com seu arrastado e, por vezes, truncado sotaque, contou à Revista Competir como consegue levar o sucesso das pistas para as salas de reunião e demonstrou a alegria e disposição com que trabalha, e com as quais consegue contagiar todos a sua volta. Revista Competir – Como você começou no esporte? Mário Roma – Meu início foi na vela, aos oito anos; meu país é pequeno, então, como todo bom português, me virei para o mar. Fui campeão ibérico aos 12 anos e participei de duas olimpíadas, Seul e Los Angeles. Em 1985, corri a volta ao mundo à vela, evento que exige muito psicológica e fisicamente. Foram 12 anos de vela profissional até que me cansei e, há 12 anos, conheci a bicicleta nos Estados Unidos. Em Portugal, eu a usava apenas como meio de transporte. Competir – De começar a andar de bike a competir nos maiores trajetos do mundo parece um passo grande, não? MR – Eu já tinha dado a volta ao mundo com a vela: sempre gostei de brigas grandes. Comecei a me encantar pelas provas longas. Descobri em 2003 a maior corrida de mountain bike do mundo, a TransAlp Challenge, que vai da Alemanha à Itália. Passei a procurar por mais provas, competi em todas as ultramaratonas do mundo, que são em dupla. Atravessei a África, Europa, Canadá, já competi por 24 horas, 800 km, sem parar. Todas essas provas exigem logística, a chance de acidente é grande, chegam a ser ações de guerra, de combate.

foto: arquivo pessoal

Competir – Fale um pouco sobre sua equipe, a Brasil Soul. MR – Sempre competia como Mário Roma, mas me cansei disso e, em 2007, criei essa equipe de moutain bike, da qual fazemos parte eu e a Adriana Nascimento, dez vezes campeã brasileira. Convidei-a pela qualidade, pelo profissionalismo e pelo caráter, algo que valorizo muito. Esse já foi um desafio – sair de Mário Roma e passar para Brasil Soul. Deu muito certo, hoje é meu xodó. Continuo competindo com a equipe; em agosto, teremos o desafio de atravessar as montanhas rochosas do Canadá. Levo uma bandeira meio portuguesa, meio brasileira. Tenho sangue português, mas paixão brasileira. Competir – Das pistas para o mundo empresarial: como você migrou para o marketing esportivo? MR – Durante minhas competições, escrevia artigos para revistas; gosto de escrever e passava minhas experiências para as pessoas. Criei um grupo que seguia meus desafios, e percebi novos pioneiros a procurar esses desafios. Fiz amizade com os organizadores dos eventos e em 2007 comecei a me aprofundar nisso. Sempre gostei muito de dividir com outras pessoas tudo o que aprendo, é uma paixão que tenho. As pessoas me viam como pioneiro e começaram a me cobrar – por que você não organiza uma prova? Eu tenho um hábito que é o de, quando começo algo, vou até o fim. Pensei, “já fui pioneiro

em várias competições; talvez agora seja o momento de ser pioneiro em trazer as pessoas para esses eventos”.

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Eu tinha receio porque era algo diferente do meu desafio pessoal, para o qual eu contava com patrocinadores – que, aliás, me acompanham desde que comecei a pedalar. Talvez seja o segredo de eu conseguir avançar nos meus projetos, vou construindo uma rede de patrocinadores, de parceiros, de fãs, de apoiadores. Conto com a ajuda da minha esposa, Andrea, que me dá feedbacks e suporte, e das minhas filhas Giulia, 12, e Sofia, 11.

Acima, Mário Roma durante a TransAlp Challenge de 2003, percurso que começa na Alemanha e termina na Itália. Na página ao lado: bom humor é a chave de seu

Competir – Longo relacionamento com patrocinadores não é algo raro? MR – Talvez eu consiga pelos resultados que trago e pelos desafios que apresento. Eles compram minhas brigas – às vezes, me acham meio louco. Mas se a gente não tiver um pouco de loucura, não tem pioneirismo, né? Hoje eu tenho a Claro, minha parceira, que começou com a minha equipe, em 2007. É a dosagem que eu tenho do marketing com o esporte que faz com que essa relação com patrocinadores cresça e seja saudável, por eu ser consciente, inventar novos e grandes desafios, mas realizáveis, planejados, que eu possa cumprir. O esporte é um produto e tem que ser

sucesso, respaldado também pela família, a esposa Andréa e as filhas Giulia e Sofia

entregue, como qualquer produto. É uma obrigação. Tudo feito além disso é a diferença – um sorriso no rosto, as satisfações, os números atingidos. O que acontece muito no marketing esportivo é o ex-atleta que monta

Competir – Em que consiste a Claro 100k? MR – Com a Brasil Soul, passei a dar treinos para ensinar as pessoas a pedalar, a viajar, e começamos a trabalhar com equipes. Todos sempre me cobrando para organizar um evento. Acredito que tudo na vida tem um timing, você não vence o tempo e é preciso ter calma. Aí veio a aprovação do Brasil para receber os jogos olímpicos, e resolvi lançar a ideia de uma prova para um dos meus patrocinadores. Ele falou, “uma não, vamos fazer seis”. O feitiço virou contra o feiticeiro. Me ferrei (risos)! O intuito era fazer uma ultramaratona no Brasil, o que não existe na América inteira. Os patrocinadores – Claro, Mitsubishi, Tap, Shimano – pediram um trabalho para o ano inteiro porque é importante José T r aja no

fotos: arquivo pessoal

um evento, uma loja, mas sem a formação de marketing. Existe uma falta de profissionalismo nas ações. Isso cria um espaço enorme, e eu enxergo esse espaço como possibilidade para a minha empresa, a Roma Comunicação.


vincular suas marcas ao ciclismo. Já existem competições no Brasil de mountain bike e com grande retorno. Eu quero fazer o que não fazem. Então pensei, “que tipo de ação eu poderia fazer para juntar todas as tribos num lugar só – o ciclismo de estrada, o triatlon e a moutain bike?”. Em comum, os três usam o mesmo tipo de bicicleta, de estrada com pneu fino. Aí nasceu o projeto da Claro 100K, onde temos as três modalidades juntas divididas em 15 escuderias. As assessorias esportivas abrigam muitos “profissionais amadores”, gente que tem outra profissão, mas leva a bike a sério. Eu queria colocá-las para competir com os 100% profissionais, então montei essas escuderias, onde elas podem largar ao lado dos maiores atletas do Brasil. Competir – Como foi a primeira prova? MR – Era para ter sido em Campinas, mas um amigo me disse da inauguração do Rodoanel, e que eu teria que fazer essa prova lá. Imagina inaugurar a maior obra de engenharia da América Latina, sem um carro ter passado! Soube que faria 20 dias antes, outra bomba para meus patrocinadores. No dia

27 de março, mil pessoas correram e 470 ficaram na lista de espera, pois a empresa que fornecia chip não o tinha em quantidade suficiente. O retorno foi fantástico, conseguimos mudar a regra do mercado e levar o ciclismo pra outro patamar. Veja, só consigo mudar

minha performance competindo com gente maior que eu, e acho que na área de eventos a gente tem que fazer o mesmo. Muitos amadores pedalaram a uma média de 35 km/h, coisa que nunca tinha visto em minha vida. Na largada, me deu uma coceira enorme – fiz a festa e não vou poder brincar? Mas na chegada, a alegria, o incentivo deles era tão grande, que me deu prazer também. Fazer mil pessoas terem a mesma sensação e saber que foi você quem causou foi muito legal. Competir – O quão difícil é organizar uma prova dessas no Brasil? MR – Prova de ciclismo aqui é 100% nova para quem organiza e quem participa. É difícil pela parte operacional, a logística é complicada e você envolve muitos órgãos. Parar a Avenida Faria Lima para correr a pé é normal, mas se for para bicicleta correr, é mais difícil. Os órgãos públicos não sabem como operar um evento desses; entendo o receio deles. Então você diz, na Europa tem a Tour de France, é tão simples; só que na Europa o bisavô do policial já pedalava, é outra cultura. A bicicleta envolvida no trânsito e em uma cidade como São Paulo é uma coisa extremamente nova. Competir – Essa diferença se deve ao fato de a Europa apresentar superfície mais plana? MR – Nem sempre; Lisboa é um morro só. É cultural mesmo, a bike é coisa nova aqui. Senti bem de perto em Campinas a dificuldade de organizar uma corrida em uma cidade. Foi outra prova da Claro 100K, uma prova de dificuldade técnica absurda, achei que os participantes iam me xingar. Em cinco dias, tivemos mil inscrições e fiquei impressionado com esses guerreiros, pois compraram a briga e tornaram isso seu desafio. No fim, me perguntavam quando seria a próxima prova. Sua estrutura foi um sucesso – muitos elogiaram o fato de a família se sentir bem enquanto eles competiam, acolhida. A infraestrutura permitiu aos familiares esperar com conforto, lendo, descansando, com entretenimento também. Sempre participei das provas mais duras do mundo e minha família sempre foi junto. Acho que sem o apoio da família fica muito difícil vencer desafios. Competir – Como vem se desenvolvendo o projeto da Claro 100K? MR – Em 30 dias, fizemos os dois maiores eventos do Brasil. É o maior evento j u L ho 2010 | 6 -7


de ciclismo da América Latina. Em junho, fizemos outro no Rio de Janeiro, com quase mil atletas. Tivemos a participação de dois campeões da Flórida, EUA. Hoje, essa é a minha praia, me sinto seguro. E tudo isso só é possível com muita gente. A Claro 100K conta com 200 pessoas trabalhando, 17 toneladas de equipamento. Todos têm mania de achar que Mário Roma faz, mas não faço nada, eu mais invento do que faço. Gosto de inventar os problemas, e depois vou atrás de quem me ajuda. Consigo envolver todo mundo nas minhas brigas, em casa, no trabalho, patrocinadores, é uma euforia, histeria coletiva. Isso que faz a gente fazer a diferença. Temos investidores americanos procurando a Claro 100K como porta de entrada para o Brasil. Com jogos olímpicos, o Brasil vai explodir nos esportes – novas marcas, empresas, canais de TV virão para o Brasil. É uma grande oportunidade. Competir – Você se envolve em projetos sociais? MR – Na Brasil Soul, sempre que terminava uma prova, a gente ia andar num grupo chamado Olavo Bikers, de São Paulo, que faz passeios. No percurso, as pessoas pediam as camisetas das competições, e começamos a leiloá-las – cheguei a captar 6 mil reais em uma, e a gente doa para o Asilo da Madre Teresa. No Rodoanel, arrecadamos 2 mil reais em dinheiro e cerca de 200 kg de alimento. A madre ficou supresa, não esperava. Essas coisas dão mais prazer do que ganhar um monte de medalha. Em Campinas, tivemos a benção do Vanderlei Cordeiro de Lima, o maior senso esportivo do mundo. Ele nao pôde ir, mas apadrinhou

A Claro 100K conta com 200 pessoas trabalhan mania de achar que Mário Roma faz, mas não Gosto de inventar os problemas, e depois vou a competição e enviou lá 30 crianças do projeto dele para viver o mundo do ciclismo – inédito para eles, que vivem do atletismo. Competir – Como você vê o dopping no ciclismo? MR – A UCI – União Ciclística Internacional – tem o passaporte biológico, e todos os atletas são obrigados a tê-lo. Para isso, é preciso fazer o exame, que é bem controlado. O dopping está aí como está a droga, o álcool, mas a tendência é ser fora de moda, porque a moda é ser clean. Hoje há equipes profissionais que fazem o exame e o apresentam. Isso é uma ferramenta de marketing, você vai comprar uma camiseta para o seu filho da equipe que é transparente. O atleta em seu escritório:

Competir – Há outros projetos para este ano, além da Claro 100K? MR – Equipe de ciclismo é outra coisa que me encanta, e será a próxima carta. Tenho convite para criar uma equipe 100% profissional, e uma pequena tem 36 atletas. José T r aja no

inspiração e garra das pistas levadas para o mundo corporativo


O grande desafio será a Claro Brasil Ride, que é a ultramaratona de mountain bike na Chapada Diamantina, de 14 a 19 de novembro. Acho a beleza de lá incontestável. Ela tem o conceito das melhores provas do mundo e serão quatro categorias – homem, mulher, mista e máster (não pode ter menos de 40 anos). É uma prova de intuito internacional, mostrar ao mundo as belezas do Brasil, trazer gente de fora. E já há briga para inscrições – elas nem estavam abertas e houve uma ligação para o SAC da Claro perguntando como era possível fazê-la. É o tipo de coisa que anima os patrocinadores. A Costa do Sauípe também é parceira, vai incentivar as pessoas a descansar lá depois da prova. Competir – Qual a importância de ter um patrocinador como a Claro? MR – Ela escolheu um nicho de mercado que é o ciclismo e mostrou que é pioneira no lado empresarial. Claro, Mitsubishi são empresas sérias com seus investimentos, esperam grandes retornos e se preocupam muito com suas imagens.

foto: Eduardo Colesi

Competir – Quem pratica ciclismo hoje no Brasil? MR – Hoje é fashion, então tem público grande da classe A. O custo é elevado, ter uma bike ou uma Harley Davidson é a mesma coisa. Por ser ferramenta de fácil acesso à prática esportiva, trouxe público dos 20 aos 80 anos. E o crescimento da classe média no Brasil também a fez adotar a bike como qualidade de vida, mas por que não começamos a pensar nas bases? Quando pensamos em jogos olímpicos, são as bases que vão competir. Competir – A responsabilidade de desenvolver o esporte é da iniciativa pública ou privada? MR – É dividida. Toda parte de logística, infraestrutura, é do Estado, e a de investimento nos altetas cabe à iniciativa privada. Falta esse equilíbrio, esse trabalho de equipe, que dê retorno para ambas as partes. No Brasil, percebo que o investimento em marketing esportivo é no futebol ou após um talento nato despontar. Você tem que conquistar junto com o atleta, e não querer dividir o mérito dele. No exterior, as empresas que investem em esportes envolvem seus funcionários, faz todos torcerem, a empresa vive aquilo, e isso não existe ainda aqui. Ninguém torce para o “Cielinho”, nenhuma empresa o treina, investe nele até que ele cresça e todos possam desfrutar dos resultados. Todos querem o Cielo.

do, 17 toneladas de equipamento. Todos têm faço nada, eu mais invento do que faço. atrás de quem me ajuda Competir – Como você avalia o potencial brasileiro para o esporte? MR – O Brasil tem potencial gigante. O clima ajuda, e entre os brasileiros você encontra o negro, que é pura massa muscular, e o nordestino magrinho, mas resistente. Aqui tem todos os biotipos. Você olha um baiano e descobre que a massa gorda dele é 12% sem fazer nada, só comendo acarajé. Se você pega um cara e dá treino e macarrão, em três anos terá um vencedor. Mas é preciso que alguém banque o macarrão e que o governo garanta a estrutura para o treino. Competir – O que significa “competir” para você? MR – Competir é ganhar. E ganhar nem sempre é chegar em primeiro. Eu não corro pra competir, eu corro para dar o melhor de mim. A melhor competição, a mais desafiadora, é aquela que você trava com você mesmo. Um dia, você vai ser o cara, sem nem querer ser o cara. E competir é comigo mesmo! É o Mário contra o Roma, e o Roma contra o Mário. j u L ho 2010 | 8 -9


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