Lux Woman

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viagem 142 ilha do príncipe

Nua e crua

É uma mulher que nunca precisou de mais do que aquilo que naturalmente tem. De uma beleza sem intervenções estéticas. Aquilo que é está à vista. Sem subterfúgios. Há lugares com perfil de gente. Ilha do Príncipe, feminino singular. Por Mónica Franco Fotografia Constantino Leite

A paleta de cores da ilha é infinita.

Praia Banana, porque tem a forma de uma. Não há bananeiras, mas há coqueiros e amendoeiras.

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viagem COMO IR

ONDE FICAR

A TAP viaja de Lisboa para São Tomé partir de €700, ida e volta. De São Tomé para o Príncipe existe ligação de avião, com a STP Airways, que custa cerca de €120. A viagem do aeroporto do Príncipe para o Bom Bom ou para Santo António demora cerca de 15 minutos.

Bom Bom Island Resort 20 bungalows espalham-se entre as duas praias – Bom Bom e Santa Rita – e a floresta tropical que acaba junto ao mar. Pode optar-se pelos bungalows na areia, aqueles com vista mar, e os que estão virados para o jardim ou para a piscina. Todos estão a 30 segundos do mar. O restaurante fica a 230 metros de ponte de distância. Um passeio sobre o mar que pode ser uma oportunidade para observar com atenção as mudanças ocorridas entre as marés. O pequeno-almoço é generoso, saboroso e local, os almoços e jantares têm duas opções de menu, a maior parte das vezes com ingredientes locais. A noite de churrasco e o tandoori são duas ocasiões especiais que acontecem à hora de jantar, normalmente uma vez por semana. Quarto duplo a partir de €255/noite com meia-pensão e €300 com pensão completa. llhéu Bom Bom, Ilha do Príncipe Tel. +239 225 1114 www.bombomprincipe.com

COMO SE DESLOCAR

Benvinda Veiga.

Não há praticamente carros nem motos na ilha, mas tente na Residencial Palhota, em Santo António, o lugar onde é mais provável encontrar. Fale com o Sr. Alex. Uma pick-up pode custar cerca de €25/dia. Caso fique alojado no Bom Bom Island Resort, há um serviço de transporte com guia-motorista, com preços a acordar localmente.

Bungalows do Bom Bom Island Resort. Os 200 metros da ponte que liga o ilhéu Bom Bom ao norte do Príncipe, pairando sobre a água.

envinda não esconde a idade. Esconde o cansaço. O desgaste. Mas orgulha-se dos mais de 60 anos que leva desta vida que é dura, mas que ela não sente assim. É de sorriso que recebe. É com risos que aprovisiona quem aparece para comprar um saco de plástico de bobó frito, a banana-prata que cozinha em óleo de coco. É com resistência de aço e mão de ferro que alimenta mais de 20 bocas. Todos os dias desde há muitos dias. Benvinda parece não ter idade. Não tem idade para se queixar. Não tem vida para o fazer. Só faz. Faz compotas, licores, aguardente. Planta, trata, cuida. Da banana, da cajamanga, do mamão, da goiaba e do ananás da roça de 11 hectares que lhe calhou na “sorte”. Mas também dos filhos, nove, e dos netos, oito. De alguns nem sabe o nome de cor. O riso de Benvinda só esmorece quando fala do marido. Morreu há mais de uma década com “problemas de fígado” e ela sente saudades. Foi assim que se tornou agricultora, cozinheira, doceira, mãe, tia e avó. Tudo ao mesmo tempo num lugar 144

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que parece ter mais tempo do que as 24 horas do dia – mas não tem. Benvinda nasceu em Cabo Verde, como a maioria dos habitantes da Ilha do Príncipe, a mais pequena das duas que compõem o arquipélago de São Tomé e Príncipe. Chegou ainda bebé, ao colo da mãe que veio para trabalhar numa roça. Hoje, passados tantos anos, não consegue – nem quer – definir-se, não sabe se é mais cabo-verdiana ou do Príncipe. Tem saudades do lugar que a viu nascer, mas as poucas vezes que visitou a terra natal sentiu que tinha de voltar… Voltar ao lugar que a adotou, voltar aos braços do seu Príncipe encantado. Mesmo que à sua vida falte muito encantamento.

Ilha-pessoa

A Ilha do Príncipe foi descoberta pelos portugueses no dia 17 de janeiro de 1471, quase um mês depois de São Tomé, a ilha-mãe deste arquipélago no Golfo da Guiné. Mede apenas 142 km2, tem somente 6000 habitantes. Mas não é através de dados históricos ou estatísticos que alguma vez este pequeno pedaço de Éden se dará a conhecer.

O Príncipe é gente. E como gente que é, sente. Sente-se. Não se lê nas primeiras páginas, tem de se buscar nas entrelinhas. Não se avalia nem pelos bonitos cartões postais das suas praias nem pelas imagens de pobreza das suas ruas. Sim, de acordo com padrões economicistas, a ilha do Príncipe é pobre. Mas é milionária em beleza humana. O Príncipe conhece-se pelas pessoas. Pela Benvinda, que vive entre o Bairro do Aeroporto e o Ilhéu Bom Bom. Pela Betty e pelo Eni, cuja casa de estacas fica no caminho entre o Aeroporto e a capital mais pequena do mundo, Santo António. Eni e Betty são marido e mulher de segundo casamento. Vivem com os dois filhos em comum e uma filha do primeiro casamento de Betty. Mas têm mais. “Ficaram com o pai”, responde-nos ela, a atalhar um assunto pouco confortável. Eni extrai “vinho” da palma. Duas vezes por dia, de manhã e ao final da tarde, segue a pé para o meio do mato, sobe às palmeiras certas e retira delas o suco. Um litro de vinho da palma custa 15.000 dobras, o equivalente a menos de 1 euro. E normalmente é trabalho de um dia. Esse euro diário (às vezes, nem isso) é a única fonte

de rendimento desta família, que tem pouco para comer… mas sempre muito para oferecer.

Ilha substantiva

Riqueza, grandeza. Mais do que pobreza, são estes os substantivos que se guardam do Príncipe. Há meninos descalços nas ruas, roupa demasiado usada sobre a sua pele, bebés com barrigas salientes devido à subnutrição, crianças que pedem boleia aos poucos carros que passam para tentar fazer menos de duas horas de percurso a pé até à escola… Não há que enganar: os habitantes do Príncipe são pobres. Só não passam fome porque têm alimento à mão, ele cresce em todo o lado, de qualquer maneira. O mar dá muito peixe, embora menos do que antes, segundo os pescadores da Praia Abade, uma comunidade com cerca de quatro centenas de pessoas na costa leste da ilha. Peixe-fumo, andala, balão, dourado, agulha, atum, bonito, cavala, corvina e barracuda são as espécies mais comuns. “As águas levaram o peixe para longe”, diz um pescador sentado numa canoa, de costas viradas para o mar. “Quando o mar não dá, a terra dá. Comida sempre tem”, continua.

Roça Ponta do Sol Jean-Claude é o belga proprietário da Roça Ponta do Sol, inaugurada em 2006, numa antiga dependência da Roça Sundy. Tem quatro quartos e uma vista panorâmica de cortar a respiração para a costa oeste, a partir da varanda. Ideal para quem gosta de caminhadas e de estar mais próximo da Natureza, para quem dispensa quaisquer tipos de luxo e não se importa de partilhar uma casa de banho. Quarto duplo a partir de €50/dia com meia-pensão Caixa Postal n.º 4, Ilha do Príncipe Tel. +239 992 5105


viagem

ONDE COMER

Telé Cozinha local feita como em casa por uma mulher cheia de sorrisos. Cozinha-se com a brasa no chão e há casa de banho dentro do restaurante, que fica mesmo por trás do Mercado de Santo António. Há apenas um prato à escolha, normalmente circula entre o receituário local, como Molho no Fogo, Calulu e Feijão da Terra, entre outros. Muito peixe seco ou fumado, muito óleo de palma, banana-pão, fruta-pão, mandioca, algum frango e macaco só para ocasiões especiais. Preço médio por refeição: €5. Tété É fácil confundir a Telé com a Tété. Nomes semelhantes, mulheres igualmente imponentes, cozinha local, caseira, cozinha com fogo no chão. A Tété mudou-se para a casa de alvenaria em frente ao restaurante original, junto à ‘marginal’ de Santo António, construída para fazer a função, com todas as condições. Banana-pão frita em óleo de palma para comer sem parar. E uma moqueca para não esquecer. Preço médio por refeição: €5.

ONDE COMPRAR

Não há lojas, no sentido ocidental do termo. Consumir no Príncipe é uma forma de ajudar. Recomendamos: • As esteiras feitas à mão pelo Sr. Trindade na Praia Abade. Tem 66 anos e é artesão desde 1975, mas trabalha na roça para alimentar os 14 filhos… Em casa faz toalhas de palha mas também individuais, tapetes, cestos de pão, molduras… • Os cestos de verga concebidos manualmente pelo Sr. Leandro, com mais de 70 anos, que vive numa casa espartana com a mulher, Cesaltina, junto à Roça Paciência, no norte. • A fruta, os legumes e as especiarias do Mercado de Santo António, sabendo à partida que vai encontrar escassez nas bancas e riqueza nas almas... 146

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Restaurante do Bom Bom Island Resort.

Praia Bom Bom, uma das duas do resort com o mesmo nome.

Quase todos os pescadores da Praia Abade são também agricultores. E alguns são mestres na arte de fazer canoas. Enquanto dezenas de crianças brincam na água, felizes com o tanto que a ilha lhes dá, as mulheres (e mães) reparam redes de pesca e os homens (alguns) constroem as canoas tipicamente santomenses, as pirogas.

sublime do que assistir a uma ópera numa capital europeia. Mark Shuttleworth é uma dessas pessoas. O sul-africano de 40 anos, milionário depois de ter inventado a assinatura digital e o sistema operativo Ubuntu, o primeiro africano a fazer uma viagem ao espaço, apaixonou-se pelo Príncipe e começou a comprar. Comprou para mudar mas Ilha boa também para manter. Para aumentar o No Ilhéu Bom Bom não andámos de canoa, aeroporto, apetrechar o hospital, formar embora elas passem ao largo em busca professores, mas para impedir que se de peixe. Neste pequeno pedaço de terra faça alguma coisa que possa ser vista do a nordeste, selecionado para ser uma das ar ou do mar. Quer que o skyline desta Sete Maravilhas de São Tomé e Príncipe, “ilha verde” permaneça assim, imaculado. circulámos de lancha a motor para fazer Mark é o proprietário das concessões das snorkelling, observação de pássaros, Roças Paciência e Sundy, do resort abandover os golfinhos, os recifes de coral, para nado da Praia Macaco, e do Bom Bom apreciar o Príncipe com olhos de mar. Island Resort, o único hotel de “luxo” Avistámos a Baía Maria Correia, o Pico da ilha. Luxo vem entre aspas porque aqui Agulha e o Pico Mesa, na costa oeste, o significado da palavra muda muito. os areais da praias Banana–, onde foi Luxo é emoldurar o que já existe, proteger filmado um anúncio da e valorizar. Bacardi–, Boi e Macaco, a Situado no canto nordeste leste, e outros inacessíveis da ilha, este foi o primeiro a partir de terra. O Príncipe resort africano a ser premiaé Reserva Mundial da do pelas suas práticas Biosfera da UNESCO ambientais. desde 2011 devido à biodiTem 20 bungalows encaixaversidade e ao ecossistema dos nas árvores e encostados únicos. Nesta pequena ilha aos areais da Praia de Santa junto à linha do equador há Rita e da Praia Bom Bom, e espécies de aves, plantas um restaurante-bar no ilhéu e peixes únicos no mundo. Bom Bom. Para chegar lá, É um destino para quem tem de se passar uma longa ama e respeita a Natureza. ponte de madeira sobre Para quem prefere pessoas o mar. A ponte liga o norte a coisas. Para quem assistir do Príncipe ao ilhéu que à desova das tartarugas dá nome ao hotel. A ponte nas praias (entre outubro é uma passagem… para e fevereiro, e sobretudo uma outra margem. à noite) é tão ou mais ‘São Tomé and Príncipe’, Uma miragem. l

GUIA DE VIAGEM Bradt.


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