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ESTADO DO AMAZONAS PODER JUDICIÁRIO Comarca de Manaus Juízo de Direito da 2ª Vara da Fazenda Pública Municipal *

SENTENÇA Processo nº: 0353480-82.2007.8.04.0001 Classe: Ação Civil de Improbidade Administrativa Requerente: Ministério Público do Amazonas - Promotoria de Incapazes, Município de Manaus Requerido: Luiz Alberto Carijo de Gosztonyi

Vistos, etc... Trata-se de Ação Civil Pública por Ato de Improbidade Administrativa proposta pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO AMAZONAS, contra LUIZ ALBERTO CARIJÓ DE GOSZTONYI, devidamente qualificados às fls. 03 e 04. Alega o Autor em síntese, que fora instaurado procedimento administrativo nº 013/2005, haja vista representação formulada pelo vereador Francisco Ednaldo Praciano, a qual noticia eventual ofensa à Lei de Responsabilidade Fiscal pelo ex-prefeito municipal Luiz Alberto Carijó de Gosztonyi, por contrair obrigação de despesas sem que pudesse ser cumprida integralmente dentro do mandato ou com parcelas a serem pagas no exercício seguinte por insuficiente disponibilidade de caixa. Assevera que o Tribunal de Contas do Estado, através do Balanço Geral do Município de Manaus, exercício 2004, confirmou o descumprimento ao artigo 42, da LRP, corroborado por demonstrativos fornecidos pela Secretaria Municipal de Economia e Finanças. Sustenta o descumprimento dos princípios que regem a Administração Pública, razão pela qual vem à juízo requerer a procedência da ação, para condenar o Requerido por infração ao disposto no artigo 11, caput, da Lei nº 8.429/92, aplicando-lhe as penas previstas no artigo 12, inciso III, do mesmo diploma legal. Requereu ainda, a intimação do Município de Manaus para, julgando oportuno, integrar a relação processual na qualidade de litisconsorte ativo necessário. Despacho de fls. 265, determinando a notificação do Requerido. Defesa preliminar apresentada por Luiz Alberto Carijo de Gosztonyi (fls. 286/322), arguindo inépcia da petição inicial, impossibilidade jurídica da demanda, inconstitucionalidade material e formal da Lei nº 8.429/92, bem como requerendo a suspensão do processo até o julgamento da ADI nº 2182, em tramitação do Supremo Tribunal Federal.

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Em sede de mérito, aduz que o ônus da prova incumbe ao autor, de modo que não demonstrado os atos e os fatos ilegais supostamente praticados, sustentando a inexistência de violação aos princípios da legalidade, impessoalidade e moralidade, ausência de conduta dolosa e de dano ao erário. Manifestação do Autor, Ministério Público, às fls. 375/386, alegando a presunção de constitucionalidade das leis e o não cabimento de suspensão do processo, uma vez que indeferido o pedido liminar de suspensão da Lei nº 8.429/92, formulado na ADI nº 2182-6, a qual continua pendente no STF. Assevera que a ação fora devidamente instruída com os documentos hábeis a provar o alegado, razão pela qual não há que se falar em inépcia da exordial. No mérito, argumenta que ao descumprir o determinado no artigo 42 da LRF, o Requerido feriu o previsto no artigo 11, caput, da Lei nº 8.429/92, independente da alegada ausência de dolo, pois no trato da coisa pública não se admite a flexibilização da norma legal. Decisão de fls. 388/392, proferida pelo Juiz de Direito em substituição, Dr. Everaldo da Silva Lira, rejeitando as preliminares arguidas pelo Requerido em sede de defesa prévia, bem como recebendo a petição inicial. Embargos de Declaração apresentados pelo Requerido (fls. 399/401), fundado em suposta omissão contida na decisão de fls. 388/392, referente ao não pronunciamento quanto à preliminar de impossibilidade da demanda. Decisão dos embargos às fls. 409/411, fundamentando a inexistência de omissão no decisum, uma vez que os pontos trazidos a debate foram devidamente apreciados pelo juízo. Contestação do Requerido (fls. 436/471), arguindo a perda superveniente do objeto da ação, uma vez inexistente irregularidades nas contas do réu, conforme julgamento realizado pelo Tribunal de Contas do Estado do Amazonas, bem como argumenta a impossibilidade de aplicação da lei de improbidade administrativa, em virtude da Lei de Crimes de Responsabilidade aos Agentes Políticos, a qual se trata de norma especial. Sustenta a ausência de documentos indispensáveis ao exercício do direito de defesa, não sendo ferido qualquer dos princípios constitucionais arrolados na petição inicial, pois restaram as contas devidamente aprovadas pelo TCE-AM. Alega ausência de conduta dolosa e inexistência de dano ao erário, pugnando, ao final, pela improcedência da ação. Às fls. 485/493, o Autor Ministério Público arguiu que o Tribunal de Contas não tem competência para julgar ou aprovar a prestação de contas de chefe do Executivo, limitando-se a apreciação e elaboração de parecer prévio, e ainda que as mesmas tivessem sido julgadas pela Câmara Municipal, ressalva a independência de instâncias. Quanto à alegação de impossibilidade de aplicação da Lei de Improbidade Administrativa aos agentes políticos, colaciona julgados do Superior Tribunal de Justiça afirmando tal possibilidade. Embasa o descumprimento do artigo 42, da LRF, o qual, por sua vez, importa em grave violação aos 2/13


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princípios norteadores da Administração Pública. Aduz que o dolo não é elemento essencial para a configuração da conduta tipificada no artigo 11, da Lei de Improbidade, assim como desnecessário o dano ao erário. Termo de Audiência de Instrução e Julgamento (fls. 510/513), na qual restou consignado o não comparecimento do Município de Manaus, apesar de devidamente intimado, prosseguindo-se com o depoimento pessoal do Requerido, sendo, ao final, declarada encerrada a instrução processual. Petição do Município de Manaus às fls. 515/520, reservando o direito de integrar a lide, uma vez que se trata de litisconsórcio facultativo. Alegações finais apresentadas pelo Autor (fls. 525/535), pugnando pela confirmação dos pedidos formulados na exordial. Às fls. 539/543, razões finais apresentadas por Luiz Alberto Carijó de Gosztonyi, aduzindo ausência de comprovação de ato ímprobo e inexistência de irregularidade na prestação de contas, reiterando os termos da defesa prévia e contestação. Após, vieram-me os autos conclusos para sentença. É o relatório. Decido. Ab initio, convém esclarecer que as preliminares suscitadas em sede de defesa preliminar foram devidamente apreciadas em decisão de fls. 388/392, proferida pelo juiz de direito em substituição, Dr. Everaldo da Silva Lira, da qual não houve recurso. Quanto às preliminares arguidas em contestação de fls. 436/471, entendo que melhor sorte não assiste a Luiz Alberto Carijo de Gosztonyi. Senão vejamos. O Requerido sustenta em sua defesa, perda superveniente do objeto que ensejou o ajuizamento da presente Ação de Improbidade Administrativa. Aduz que o objeto da demanda, irregularidade nas contas apresentadas pelo réu quando "prefeito tampão", fora decidido pelo Tribunal de Contas do Estado do Amazonas, o qual teria aprovado a prestação de contas do ex-prefeito no exercício de 2004. Analisando os argumentos deduzidos, entendo por oportuno adotar o mesmo posicionamento do Ministério Público, quando da apresentação de réplica às fls. 485/493. Sob esse aspecto, cumpre salientar que o Tribunal de Contas do Estado não proferiu qualquer julgamento acerca da matéria ventilada nos presentes autos, mas tão-somente emitira parecer prévio. A competência para julgar ou aprovar a prestação de contas do Chefe do Executivo é da Câmara Municipal, conforme regra emanada do artigo 127, parágrafo 5º, da 3/13


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Constituição Estadual, razão pela qual não há que se falar em perda do objeto da ação. Ademais, imprescindível esclarecer que o parecer prévio emitido pelo Tribunal de Contas do Estado do Amazonas recomendou ao Poder Legislativo a "APROVAÇÃO COM RESSALVAS" das Contas de responsabilidade do Requerido, Luiz Alberto Carijó de Gosztonyi, no período de 15/03/2004 a 31/12/2004, enquanto Prefeito Municipal de Manaus, sugerindo, inclusive, o cumprimento do artigo 1º, parágrafo 1º, c/c o artigo 42, da Lei Complementar nº 101/2000, de acordo com voto exarado no Processo nº 1417/2005, de relatoria do Conselheiro Lúcio Alberto de Lima Albuquerque, colacionado aos autos pelo próprio Requerido (fls. 472/480). Desse modo, não acolho a preliminar de perda do objeto da ação. Em que pese a vasta jurisprudência colacionada pelo Requerido à fundamentar impossibilidade de aplicação da lei de improbidade administrativa aos agentes políticos, verifico padecerem de respaldo jurídico suas alegações. A norma disciplinada no artigo 102, alínea c, da Constituição Federal, trata da competência do Superior Tribunal Federal para processar e julgar os crimes de responsabilidade praticados pelos Ministros de Estado e Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, bem como pelos membros dos Tribunais Superiores, dos Tribunal de Contas da União e dos chefes de missão diplomática em caráter permanente. A Lei nº 1.079/50, por sua vez, define os crimes de responsabilidade e regula o respectivo processo de julgamento, se refere apenas aos casos em que figuram no pólo passivo o Presidente da República ou Ministros de Estado, os Ministros do Supremo Tribunal Federal ou o Procurador Geral da República. Por esses motivos, "compete ao Magistrado de primeiro grau julgar os atos de improbidade administrativa imputados a ex-Prefeito, vez que não incluído dentre as autoridades que estão submetidas à Lei nº 1.079/50", conforme excerto extraído de julgado proferido pelo Ministro Mauro Campbell Marques1. Note-se que os textos legais acima elencados e as jurisprudências transcritas pelo Requerido às fls. 440/442, deixam de prever as condutas praticadas por prefeitos, para apenas discriminar agentes políticos, os quais, todavia, não podem ser entendidos no contexto lato, uma vez que a legislação define claramente as pessoas por ela alcançadas, numerus clausus. Quanto à aplicabilidade do Decreto-lei nº 201/67, que dispõe sobre a responsabilidade dos Prefeitos e Vereadores, entendo que a conduta analisada no presente processo não se amolda a nenhuma das hipóteses de crimes previstas no artigo 1º, do referido normativo, razão pela qual não há que se afastar a aplicabilidade da Lei de Improbidade 1

AgRg no Ag 1282854/SP, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 15/03/2011, DJe 22/03/2011

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Administrativa à espécie. Ressalte-se, por fim, que não há identidade material entre o caso sob exame e as decisões invocadas como paradigma pelo Requerido, de modo que prejudicado o embasamento da pretensão perquerida. Adentrando na análise do mérito, tem-se que o Ministério Público do Estado do Amazonas recebera denúncia, através de representação formalizada pelo então vereador Francisco Ednaldo Praciano, fundada em ofensa à Lei de Responsabilidade Fiscal pelo ex-prefeito Luiz Alberto Carijó Gosztonyi, por ter contraído obrigação de despesas nos dois últimos quadrimestres do mandato sem que pudesse ser cumprida integralmente dentro dele ou com parcelas a serem pagas no exercício seguinte por insuficiente disponibilidade de caixa. Diante da conduta acima delineada, o Ministério Público ajuizara a ação em exame, por entender que a mesma configura ato de improbidade administrativa por atentar contra os princípios da administração pública, conforme artigo 11, caput, da Lei nº 8.429/92. Compulsando os autos em apreço, verifico que matéria não demanda maiores elucubrações, tendo sido inclusive objeto de decisão no âmbito do Superior Tribunal de Justiça. Os princípios fundamentais da Administração Pública estão arrolados no artigo 37, caput, da Constituição Federal, cujo teor estabelece que a "Administração Pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência". O princípio da legalidade vem consagrado no artigo 5º, inciso II, do texto constitucional, segundo o qual "ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei". Entrementes, na seara da Administração Pública, tal princípio incide no dever do atuar adstrito à lei, de modo que somente permitida a prática de condutas devidamente disciplinados no ordenamento jurídico, mesmo no exercício do poder discricionário. Nesse sentido nos ensina Marino Pazzaglini Filho2: "O princípio da legalidade, pois, envolve a sujeição do agente público não só à lei aplicável ao caso concreto, senão também ao regramento jurídico e aos princípios constitucionais que regem a atuação administrativa. [...] A legalidade é a base matriz de todos os demais princípios constitucionais que instruem, condicionam, limitam e vinculam as atividades administrativas. Os demais princípios constitucionais servem para esclarecer e explicitar o conteúdo do princípio maior ou primário da legalidade".

A Lei de Improbidade Administrativa, por sua vez, trata das sanções aplicáveis aos 2

FILHO, Marino Pazzaglini. Princípios reguladores da Administração Pública. São Paulo: Atlas, 2000, p. 25-26.

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agentes públicos nos casos de enriquecimento ilícito no exercício de mandato, cargo, emprego ou função da Administração pública, direta, indireta ou fundacional, abrangendo o dano ao erário e o atentado aos princípios da Administração Pública. O artigo 11, caput, da Lei nº 8.429/92, prescreve: "Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade às instituições, e notadamente: (...)"

Nessa seara, impende consignar que o gestor público, dada a atuação vinculada às normas jurídicas, não pode se furtar dos deveres e obrigações nelas impostas, sob pena de caracterizar ato ímprobo que atenta contra o princípio da legalidade. O conjunto probatório trazido aos autos não deixa dúvidas de que o ex-prefeito, Luiz Alberto Carijó de Gosztonyi, contraíra obrigação de despesa nos dois últimos quadrimestres de seu mandato sem que pudesse ser cumprida integralmente dentro dele ou com parcelas a serem pagas no exercício seguinte por insuficiente disponibilidade de caixa para este feito, em total descumprimento à regra emanada do artigo 42, da Lei de Responsabilidade Fiscal, in verbis: Art. 42. É vedado ao titular de Poder ou órgão referido no art. 20, nos últimos dois quadrimestres do seu mandato, contrair obrigação de despesa que não possa ser cumprida integralmente dentro dele, ou que tenha parcelas a serem pagas no exercício seguinte sem que haja suficiente disponibilidade de caixa para este efeito. Parágrafo único. Na determinação da disponibilidade de caixa serão considerados os encargos e despesas compromissadas a pagar até o final do exercício.

Sobre a matéria, vale transcrever posicionamento adotado pela Ministra Eliana Calmon, em sede de julgamento de Recurso Especial: ADMINISTRATIVO – AÇÃO CIVIL PÚBLICA – ATO DE IMPROBIDADE – EX-PREFEITO – CONTRATAÇÃO DE SERVIDORES MUNICIPAIS SOB O REGIME EXCEPCIONAL TEMPORÁRIO – INEXISTÊNCIA DE ATOS TENDENTES À REALIZAÇÃO DE CONCURSO PÚBLICO DURANTE TODO O MANDATO – OFENSA AOS PRINCÍPIOS DA LEGALIDADE E DA MORALIDADE. (...) 2. Para a configuração do ato de improbidade não se exige que tenha havido dano ou prejuízo material, restando alcançados os danos imateriais. (...) 4. Diante das Leis de Improbidade e de Responsabilidade Fiscal, inexiste espaço para o administrador "desorganizado"e "despreparado", não se podendo conceber que um Prefeito assuma a administração de um Município sem a observância das mais comezinhas regras de direito público(...) 5. Recurso especial conhecido em parte e, no mérito, improvido. (STJ - REsp 708170 / MG ; RECURSO ESPECIAL 2004/0171187-2 – Min. Eliana Calmon, 2ª Turma, DJ

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19.12.2005 p. 355) (grifei).

Destarte, inobservado o preceito estabelecido no artigo 42, da Lei Complementar nº 101/2000, o qual se reveste de ato de ofício do titular de poder, desrespeitado foi o princípio da legalidade, impondo-se as sanções pertinentes à conduta do gestor público. Corroborando o entendimento, trago à colação jurisprudência emanada do Egrégio Superior Tribunal de Justiça: ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL. IMPROBIDADE. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. PEDIDO DE PRODUÇÃO DE PROVA NA ORIGEM. DECISÃO DENEGATÓRIA. REFORMA PELO STJ. NECESSIDADE DO EXAME DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO. SÚMULA N. 7 DESTA CORTE SUPERIOR. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. ART. 11 DA LEI 8.429/92. ELEMENTO SUBJETIVO. INOVAÇÃO RECURSAL. IMPOSSIBILIDADE. 1. No que tange ao aludido desrespeito ao art. ao art. 330, I, do CPC, a análise da necessidade ou não de produção de prova, qualquer que seja o momento processual ou o motivo que leve a tanto, é atribuição da instância ordinária. Eventual reforma dessa decisão importa em reexame do conjunto fático-probatório, o que é vedado para este magistrado pela Súmula n. 7 deste Tribunal. Este é o entendimento pacificado do Superior Tribunal de Justiça. 2. Ademais, sobre a alegada afronta ao art. 11 da LIA, nota-se que esta Corte Superior pacificou-se que o enquadramento de condutas no art. 11 da Lei n. 8.429/92 requer a constatação do elemento subjetivo doloso do agente. Neste sentido, v.,p. ex., o REsp 765.212/AC, Rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 23.6.2010, e o REsp 827.445/SP, Rel. Min. Luiz Fux, Rel. p/ acórdão Min. Teori Albino Zavascki, Primeira Turma, DJe 8.3.2010. 3. Na espécie, o Prefeito, não obstante os sucessivos alertas emitidos pelo TCE, ampliou em 75,4% a indisponibilidade financeira apurada em 31 de abril de 2004, período em que estava impedido de comprometer receitas em montante superior às que pudessem ser liquidadas no curso do exercício ou sem que houvesse disponibilidade de caixa para pagamento no exercício seguinte, deixou de empenhar despesas e cancelou empenhos, assim desobedecendo aos arts. 35 e 60 da Lei n. 4.320/64 e art. 42 da Lei Complementar n. 101/2000. 4. É de se entender, portanto, configurado o dolo (ainda que eventual), manifesto na vontade livre e consciente de contrair despesas em nome do município nos dois últimos quadrimestres de seu mandato que não podiam ser cumpridas integralmente dentro dele e que tinham parcelas a serem pagas no exercício seguinte sem que houvesse suficiente disposição de caixa para este efeito, atentando contra o princípio da legalidade e moralidade. 5. Por fim, em relação a suposta violação à Lei n. 8.429/92, em que assevera a não sujeição dos agente políticos à Lei de improbidade, esclareço que não cabe inovar em sede de agravo regimental. 6. Agravo regimental não provido. (AgRg no Ag 1282854/SP, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 15/03/2011, DJe 22/03/2011) (grifei)

Desse modo, uma vez evidenciado o descumprimento da norma legal, o dolo do 7/13


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agente emerge da simples vontade livre e consciente de contrair despesa sem que tivesse cobertura financeira para cumpri-la dentro do seu mandato. No caso dos autos, como já dito alhures, o próprio Requerido junta Parecer Prévio emitido pelo Tribunal de Contas do Estado do Amazonas (fls. 472/480), mediante o qual resta fartamente demonstrada a inobservância do artigo 42, da Lei Complementar nº 101/2000, recomendando-se ao Poder Legislativo Municipal a aprovação "com ressalvas" das contas de responsabilidade do Sr. Luiz Alberto Carijó Gosztonyi, referente ao período em que esteva atuando como prefeito da cidade de Manaus. Em contestação de fls. 436/471, Luiz Alberto Carijó de Gozstonyi se limita a tecer considerações acerca da gestão econômica financeira relativa ao 1º trimestre de 2004, período em que Alfredo Nascimento se encontrava no cargo de Prefeito do Município de Manaus, bem como dos restos a pagar do mesmo exercício e da disponibilidade de recursos, sem que tenha trazido aos autos qualquer prova de tais fatos aduzidos. De igual modo, em depoimento pessoal colhido em sede Audiência de Instrução e Julgamento (fls. 511/513), o Requerido traz várias informações, desprovidas de qualquer amparo jurídico em relação às provas colacionadas. Reconhece, inclusive, a entrada em vigor da Lei de Responsabilidade Fiscal, no ano de 2003, demonstrando o descaso no trato do erário público, uma vez que, apesar de ciente da norma, insistiu em contrair despesas em montante superior à possibilidade de adimplemento dentro do seu mandato. Reportando-me ao pedido formulado na petição inicial, tem-se que o Ministério Público requer a aplicação das penas previstas no artigo 12, inciso III, da Lei nº 8.429/92, uma vez praticado ato de improbidade na forma do artigo 11, caput, do mesmo diploma legal. Reza o artigo: Art. 12. Independentemente das sanções penais, civis e administrativas previstas na legislação específica, está o responsável pelo ato de improbidade sujeito às seguintes cominações, que podem ser aplicadas isolada ou cumulativamente, de acordo com a gravidade do fato: (Redação dada pela Lei nº 12.120, de 2009). (...) III - na hipótese do art. 11, ressarcimento integral do dano, se houver, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de três a cinco anos, pagamento de multa civil de até cem vezes o valor da remuneração percebida pelo agente e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de três anos. Parágrafo único. Na fixação das penas previstas nesta lei o juiz levará em conta a extensão do dano causado, assim como o proveito patrimonial obtido pelo agente.

À vista do exposto, infere-se que além das sanções descritas no parágrafo 4º, do artigo 37, da Constituição Federal, há necessidade de aplicação das penas previstas no artigo 8/13


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12, da Lei de Improbidade Administrativa, cuja graduação deverá ser considerada de acordo com o caso concreto. Na dosimetria da pena, há que se observar o princípio da proporcionalidade (art. 12, Lei nº 8.429/92), de modo que imprescindível ao juiz ponderar a extensão do dano e o proveito patrimonial obtido pelo agente. Nesse sentido: AÇÃO CIVIL PÚBLICA - REVELIA - EX-PREFEITO - AGENTE POLÍTICO COMPETÊNCIA - JUIZ SINGULAR - INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA INOCORRÊNCIA - LESÃO AO ERÁRIO CONFIGURADO - OFENSA AOS PRINCÍPIOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA - SANÇÃO PREVISTA NO ART. 12, DA LEI Nº 8.429/92 DOSIMETRIA DA PENA - RAZOABILIDADE E ADEQUAÇÃO. Compete ao Magistrado de primeiro grau julgar os atos de improbidade administrativa imputados a ex-Prefeito, vez que não incluído dentre as autoridades que estão submetidas à Lei nº 1.079/50. O ato praticado por agente político (ex-Prefeito), consubstanciado na conduta consciente de efetivação de despesa não-autorizada em lei e em benefício do enriquecimento ilícito de terceiros caracteriza ato de improbidade administrativa, máxime quando enseja prejuízo ao erário e ofensa aos princípios constitucionais da legalidade, da impessoalidade, da moralidade e da eficiência, que devem orientar os atos do homem público. Ao cominar a sanção imposta ao agente por prática de ato de improbidade administrativa, deve o Julgador analisar a lesividade e a reprovabilidade de sua conduta, o elemento volitivo e a consecução do interesse público, de modo a adequar a pena ao caso concreto, sempre com caráter inibitório de futuras práticas lesivas ao erário público e ao princípio da moralidade administrativa. (TJMG, Apelação Cível n° 1.0002.06.011023-2/001, Relator: Des. Edilson Fernandes. Data julgamento: 140/04/2009) (grifei)

Por tais razões, entendo que a conduta do Requerido se subsume na figura típica descrita no artigo 11, caput, (violação ao princípio da legalidade) da LIA, restando por isso passível das sanções previstas no artigo 12, inciso III, da mesma lei. Analisando as circunstâncias judiciais referidas no parágrafo único, do artigo 12, acima identificado, tem-se a extensão do dano causado pela atuação do gestor público e o proveito patrimonial obtido pelo agente. Quanto a extensão do dano causado, conquanto sem quantificação expressa em números no processo, até porque a conduta do Requerido foi a violação da norma do artigo 42, da lei de responsabilidade fiscal, ocorrendo assim de forma objetiva. Tal proceder ensejou a transferência de débitos para o exercício seguinte, atraso de pagamento a fornecedores, falhas de planejamento com graves repercussões ao atendimento das finalidades da administração pública, aos cidadãos e a imagem institucional do Município de Manaus. Quanto ao proveito patrimonial obtido pelo agente, observo inexistir elementos no 9/13


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processo correspondentes a este indicador, pois não há provas de que o Requerido tenha auferido algum benefício pessoal, motivo pelo qual deixo de considerar tal circunstância para determinação da pena cabível. Diante do exposto, JULGO PROCEDENTE a presente Ação Civil Pública por Ato de Improbidade Administrativa ajuizada em face de Luiz Alberto Carijó de Gosztonyi, com fundamento no artigo 11, caput, da Lei nº 8.429/92, para condenar o Requerido nas seguintes penas: Ÿ1 Suspensão dos direitos políticos por 3 (três) anos, em face ao que vejo do processo ser essa a primeira condenação em delitos dessa natureza; Ÿ2 Multa de doze vezes o valor da remuneração mensal percebida pelo cargo que exercia como Prefeito à época do fato; Ÿ3 Proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de 3 (três) anos. Condeno o Requerido ao pagamento das custas processuais. Sem honorários advocatícios, dada a natureza do Autor. Transitada em julgada esta sentença, dê – se baixa na Distribuição e arquivem – se os autos. Publique-se. Registre-se. Intime-se. Manaus, 14 de junho de 2011

Cezar Luiz Bandiera Juiz de Direito

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