Novo Airão

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RECURSO ESPECIAL ELEITORAL Nº 29.776 (46980-21.2008.6.00.0000) NOVO AIRÃO - AMAZONAS. Recorrentes: Luís Carlos Mattos Areosa Adérson José Mancilha. Recorridos: Wilton Pereira dos Santos Daílson de Queiroz Correa. DECISÃO As Coligações Avisa Lá Que Vai Continuar I e Avisa Lá Que Vai Continuar II propuseram investigação judicial, com fundamento em captação ilícita de sufrágio, contra Wilton Pereira dos Santos e Dailson de Queiroz Correa, candidatos eleitos, respectivamente, aos cargos de prefeito e vice-prefeito do Município de Novo Airão/AM, no pleito de 2004 (fls. 2-11). O Juízo da 34ª Zona Eleitoral do Amazonas julgou procedente a ação, negando a diplomação dos representados, bem como aplicando, individualmente, multa arbitrada em R$ 38.000,00 (fls. 222-241). Interposto recurso, o Tribunal Regional Eleitoral daquele estado, por maioria, deu-lhe provimento, para reformar a sentença, em acórdão assim ementado (fl. 358): Captação de sufrágio. Art. 41-A da Lei n. 9.504/97. Comprovação por testemunhos inconsistentes. Art. 405, § 1º, III, do CPC. 1. A prova testemunhal inconsistente não deve servir para cassar o diploma de candidato. 2. É nulo o depoimento de testemunha menor de idade. Inteligência do art. 405, § 1º, III, do CPC. Recurso conhecido e provido. Opostos embargos de declaração pelas Coligações Avisa Lá Que Vai Continuar I e II (fls. 465-475) e por Luís Carlos Mattos Areosa e Adérson José Mancilha (fls. 513-525), foram eles rejeitados, por unanimidade, pelo acórdão regional de fls. 560-568. Seguiu-se a interposição de recurso especial por Luís Carlos Mattos Areosa e Adérson José Mancilha (fls. 569-591), o qual, autuado neste Tribunal sob o nº 25.743, foi provido por decisão proferida pelo Ministro Caputo Bastos (fls. 666-672), para declarar a nulidade dos acórdãos recorridos e afastar o impedimento de consideração do depoimento prestado por Luis Carlos Soares. Interpostos agravos regimentais por Wilton Pereira dos Santos (fls. 693-705 e 707720), esta Corte, por unanimidade, negou provimento ao primeiro e não conheceu do segundo (fls. 725-731).


Opostos embargos de declaração por Wilton Pereira dos Santos e Daílson de Queiroz Correa (fls. 733-744), foram eles desprovidos, por unanimidade, por este Tribunal (fls. 749-754). Foram opostos novos embargos de declaração (fls. 756-767), também desprovidos por esta Corte, por votação unânime (fls. 794-798). Interposto recurso extraordinário (fls. 800-807), o Presidente deste Tribunal negou-lhe seguimento por decisão de fls. 822-824. Consta dos autos cópia da decisão proferida pelo Ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal, que não conheceu do agravo de instrumento interposto contra a decisão negativa de seguimento do recurso extraordinário (fls. 826-828). Os autos retornaram ao Tribunal Regional Eleitoral do Amazonas. Em novo julgamento, o TRE/AM, por maioria, deu provimento ao recurso, para reformar a decisão de primeiro grau e julgar improcedente a representação (fls. 1.2411.262). Eis a ementa do novo acórdão regional (fl. 1.241): CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁTIO. PROVA TESTEMUNHAL CONFIÁVEL ÚNICA. AUSÊNCIA DE OUTROS INDÍCIOS E PRESUNÇÕES CONCORDES E CONCLUDENTES. RECURSO PROVIDO. A prova testemunhal única, desacompanhada de indícios e presunções a lhe darem relevo, não pode fundamentar pronunciamento de procedência da representação por captação ilícita de sufrágio. Recurso improvido. Daí a interposição do presente recurso especial pelos litisconsortes Luís Carlos Mattos Areosa e Adérson José Mancilha (fls. 1.270-1.282), no qual sustentam ocorrência de dissídio jurisprudencial, bem como violação aos arts. 41-A da Lei nº 9.504/97 e 128, 460 e 515 do Código de Processo Civil. Asseveram que o acórdão regional reconheceu ser bastante a conspurcação de um único voto e ser desnecessário demonstrar a potencialidade do dano no resultado das eleições para a caracterização da captação ilícita de sufrágio, todavia decidiu que a existência de prova testemunhal única não poderia fundamentar pronunciamento de procedência da captação ilícita de sufrágio. Alegam que, se o Tribunal de origem reconheceu a ocorrência de compra de voto de um único eleitor, não lhe cabia indagar se tal prática teria viciado ou não o resultado das urnas, mas apenas aplicar a penalidade prevista no art. 41-A da Lei nº 9.504/97, qual seja a cassação do registro ou diploma dos representados. Argumentam que "a prova testemunhal consistente no depoimento de Luís Carlos Soares foi acatada pelo TRE/AM, e tal fato não pode mais ser objeto de valoração judicial" (fl. 1.275). Citam acórdãos proferidos por esta Corte e pelos Tribunais Regionais Eleitorais de Goiás, de Alagoas e do Amapá para demonstrar o dissídio jurisprudencial.


Foram apresentadas contrarrazões (fls. 1.289-1.301). A Procuradoria-Geral Eleitoral opinou pelo provimento do recurso (fls. 1.307-1.311). Decido. No caso em exame, o recorrente alega que o Tribunal Regional Eleitoral teria reconhecido que a testemunha Luís Carlos Soares confirmou que Wilton Pereira dos Santos cooptou pessoalmente seu voto, em fila de votação. A Corte de origem, todavia, teria entendido que esse depoimento isoladamente não se prestaria para a comprovação do ilícito. A esse respeito, colho do voto condutor do acórdão regional (fls. 1.251-1.259): No mérito, adoto o voto da i. relatora original, Juíza Federal Jaiza Maria Pinto Fraxe, apenas na parte que não foi objeto da nulidade decretada pelo e. Tribunal Superior Eleitoral (...) A toda evidência, portanto, as referidas testemunhas não constituem um conjunto probatório confiável. Resta, porém, analisar o depoimento da testemunha Luís Carlos Soares, que não foi levado em consideração no julgamento desta Corte anulado pelo e. Tribunal Superior Eleitoral. Preambularmente, verifico que diferente do abuso do poder econômico em que o bem jurídico protegido é o resultado das eleições - decorrendo daí a necessidade de demonstração da potencialidade do dano -, na captação ilícita de sufrágio o bem jurídico protegido é a liberdade do voto individualmente considerado, resultando que não se faz necessário para a sua caracterização a demonstração da potencialidade do dano ao resultado das eleições, bastando, em tese, a conspurcação, de um único voto. (...) Indagar-se-ia, assim, é a prova testemunhal suficiente para comprovar captação ilícita de sufrágio? Penso que ela é essencial, mas não suficiente. No caso dos presentes autos, a testemunha Luís Carlos Soares reafirmou em juízo o que já havia declarado extrajudicialmente perante o Ministério Público Eleitoral, ou seja, que, na fila da votação o Recorrente WILTON PEREIRA DOS SANTOS deu-lhe R$ 20,00 (vinte reais) e ofereceu-lhe emprego, e o que mais precisasse, em troca de voto (fls. 132-133). A prova testemunhal, isoladamente, não é suficiente para comprovação da prática da captação ilícita de sufrágio. (...)


Assim, no caso sob análise, é necessário frisar que a prova testemunhal não tem natureza absoluta, ainda mais quando refere-se a um evento que somente foi presenciado por ela e o investigado. Admitir uma única prova testemunhal como suficiente para embasar decisão de cassação do diploma, sem que outros elementos probatórios confiáveis existam no processo, é abrir precedente de extremamente gravidade. O caso dos autos, porém, carece desses indícios e presunções concordes e concludentes a presumir viciado o resultado das urnas. Esta como expressão, a priori, da soberana vontade popular. A Desembargadora Maria das Graças Pessoa Figueiredo divergiu, em parte, do voto condutor, por entender comprovada a captação ilícita de sufrágio, considerando o depoimento das testemunhas Luís Carlos Soares e Janderlândia Leitão da Silva. Conforme assentou o voto condutor, o voto divergente também assinala "que a testemunha Luís Carlos Soares afirma expressamente `que no dia da votação o senhor Wilton Santos lhe deu R$ 20,00 (vinte reais) para que votasse no 45. Acrescenta que além do dinheiro que lhe foi prometido emprego e o que mais precisasse" (fl. 1.260). Vê-se, portanto, que ambos os votos reconheceram que Luís Carlos Soares confirmou que teve seu voto cooptado por Wilton Pereira dos Santos, em troca de dinheiro e promessa de emprego. Segundo decidiu este Tribunal no julgamento do Agravo Regimental no Recurso Especial nº 26.110, de 25.10.2010, de minha relatoria, "de acordo com a jurisprudência deste Tribunal, a comprovação da captação ilícita de sufrágio lastreada exclusivamente em prova testemunhal é perfeitamente admitida, desde que esta demonstre, de maneira consistente, a ocorrência do ilícito eleitoral. Ademais, no caso específico da infração ao art. 41-A da Lei das Eleições, tal prova toma relevância especial, porquanto comumente são testemunhas que podem aduzir ou não a ocorrência dos fatos perante a Justiça Eleitoral." Cito, ainda, a ementa desse julgado: Representação. Captação ilícita de sufrágio. 1. A comprovação da captação ilícita de sufrágio lastreada exclusivamente em prova testemunhal é perfeitamente admitida, bastando que ela demonstre, de maneira consistente, a ocorrência do ilícito eleitoral. 2. A circunstância de cada fato alusivo à compra de voto ter sido confirmada por uma única testemunha não retira a credibilidade, nem a validade da prova, que deve ser aferida pelo julgador. 3. O fato de as testemunhas terem prestado depoimento anteriormente no Ministério Público Eleitoral ou registrado boletins de ocorrência perante delegacia policial, não as tornam, por si, suspeitas, uma vez que os depoimentos foram confirmados em juízo, de acordo com os princípios da ampla defesa e do devido processo legal.


4. Para afastar a conclusão do Tribunal Regional Eleitoral, de que a prática de captação ilícita de sufrágio relativa a vários fatos ficou comprovada por meio de testemunhos e que tais depoimentos não estariam viciados por nenhum interesse e seriam aptos à comprovação do ilícito, seria necessário o reexame de fatos e provas, o que é vedado nesta instância especial, a teor do Enunciado nº 279 da Súmula de Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. Agravo regimental a que se nega provimento. (grifo nosso). Desse modo, infere-se configurada a captação ilícita de sufrágio. Pelo exposto, com fundamento no art. 36, § 7º, do Regimento Interno do Tribunal Superior Eleitoral, dou provimento ao recurso especial, a fim de reformar o acórdão regional e julgar procedente a investigação judicial, por entender caracterizada a captação ilícita de sufrágio, impondo ao representado Wilton Pereira dos Santos, multa no valor de R$ 1.064,10, nos termos do art. 67 da Res.-TSE nº 21.610/2004. Publique-se. Intimem-se. Brasília, 22 de fevereiro de 2011. Ministro Arnaldo Versiani Relator


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