Desenho 1

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Desenho I Lincoln GuimarĂŁes Dias

Universidade Aberta do Brasil Universidade Federal do EspĂ­rito Santo

Artes Visuais

Licenciatura



UNIVERSIDADE F E D E R A L D O E S P Í R I TO S A N TO Núcleo de Ed u c a ç ã o A b e r t a e a D i s t â n c i a

Desenho 1

Linc o l n G u i m a r ã e s D i a s

Vitória 2010


UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO Presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva Ministro da Educação Fernando Haddad Secretário de Educação a Distância Carlos Eduardo Bielschowsky DED - Diretoria de Educação a Distância Sistema Universidade Aberta do Brasil Celso José da Costa

Reitor Prof. Rubens Sergio Rasseli

Diretora do Centro de Artes Cristina Engel de Alvarez

Vice-Reitor Prof. Reinaldo Centoducatte

Coordenação do Curso de Artes Visuais Licenciatura na Modalidade a Distância Maria Gorete Dadalto Gonçalves

Pró-Reitor de Ensino de Graduação Profª Izabel Cristina Novaes Diretor-Presidente do Núcleo de Educação Aberta e a Distância - ne@ad Prof. Reinaldo Centoducatte Direção Administrativa do Núcleo de Educação Aberta e a Distância - ne@ad Maria José Campos Rodrigues Coordenadora do Sistema Universidade Aberta do Brasil na Ufes Maria José Campos Rodrigues

Revisão de Conteúdo Maria Regina Rodrigues Revisão Ortográfica Julio Francelino Ferreira Filho Design Gráfico LDI- Laboratório de Design Instrucional ne@ad Av. Fernando Ferrari, n.514 CEP 29075-910, Goiabeiras - Vitória - ES (27)4009-2208

Diretor Pedagógico do ne@ad Julio Francelino Ferreira Filho

Laboratório de Design Intrucional LDI coordenação Heliana Pacheco, José Octavio Lobo Name e Hugo Cristo Gerência Isabela Avancini Editoração Davi de Jesus Cáo e Juliana Colli Tonini

Dados Internacionais de Catalogação-na-publicação (CIP) (Biblioteca Central da Universidade Federal do Espírito Santo, ES, Brasil)

Capa Davi de Jesus Cáo e Juliana Colli Tonini Fotografia Leandro Niero, Bianca Trancoso, Abraão Coutinho

Dias, Lincoln Guimarães. Desenho 1 / Lincoln Guimarães Dias. - Vitória : UFES, Núcleo de Educação Aberta e a Distância, 2009. 178 p. : il.

D541d

ISBN: 1. Desenho. 2. Arte. I. Título.

CDU: 74

Impressão Gráfica e Editora Santo Antônio

4 Lincoln Guimarães Dias

Copyright © 2010. Todos os direitos desta edição estão reservados ao ne@ad. Nenhuma parte deste material poderá ser reproduzida, transmitida e gravada, por qualquer meio eletrônico, por fotocópia e outros, sem a prévia autorização, por escrito, da Coordenação Acadêmica do Curso de Licenciatura em Artes Visuais, na modalidade a distância.


“Era um homem alto, de traços mal delineados. Talvez minha miopia os tenha visto assim.â€?

J.L.Borges. O livro de areia.

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Sumário Página Introdução • Algumas observações sobre os exercícios Materiais

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• Os equipamentos básicos

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• O lápis de grafite

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• Os papéis

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• O material de apoio

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• A borracha e as réguas

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1 - O conceito de desenho • O desenho de observação: o que vemos e o que não vemos 2 - A linha

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• Linha, aresta e contorno

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• Preparação para os exercícios

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• Exercício 1 Explorando a ponta do lápis

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3 - A trama

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• Exercício 2 Tramas

72

• Exercício 3 Gradação tonal: linhas horizontais em três

74

níveis 4 - A textura

76

• Exercício 4 Seis texturas diferentes

80

• Exercício 5 Desenho da mão espalmada

82


Página 5 - A composição

86

6 - O desenho cego

90

• Exercício 6 Três desenhos cego da mão 7 - Perspectiva - cubo

96 98

• Exercício 7 Cubo com fotografia

102

• Exercício 8 Dois cubos com fotografia

106

• Exercício 9 Desenho cego de dois cubos sobrepostos

107

• Exercício 10 Cubo por observação direta

110

• Exercício 11 Três croquis do cubo com tempo determinado

113

• Exercício 12 Três objetos de estrutura cúbica.

115

8 - As áreas negativas

118

• Exercício 13 Desenho de uma cadeira

122

• Exercício 14 Formas positivas e negativas de uma cadeira

125

• Exercício 15 Três croquis de cadeira com fotografia

128

• Exercício 16 Cadeira por observação direta

129

Glossário

132

Referências

156

Créditos

160


8 Lincoln Guimar達es Dias


Introduçã o Desenho 1

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Introdução Este texto é uma primeira tentativa de colocar em formato de livro a disciplina de introdução ao desenho que ministrei em regime presencial para os alunos de Licenciatura em Artes Visuais e de Bacharelado em Artes Plásticas e Desenho Industrial entre os anos de 1998 e 2003 na Universidade Federal do Espírito Santo. O objetivo geral da disciplina era oferecer o conhecimento básico para desenhar à mão livre as formas aparentes das coisas visíveis. No decorrer das aulas, eu tomava notas dos erros e acertos das atividades propostas, da coesão e continuidade entre elas, bem como das ideias que eu apresentava para justificá-las. Ao final de cada semestre, eu tinha uma série de apontamenteos a respeito do que estava funcionando bem e do que precisava ser alterado. A partir dele, eu reorganizava os conteúdos, acrescentando novos itens, retirando outros, para que no semestre seguinte a disciplina fosse mais eficiente. Procurava também, evidentemente, aperfeiçoar os conteúdos, baseandome na leitura dos muitos livros existentes sobre o assunto. O convite para ministrar a disciplina desenho I no curso de Licenciatura em Artes Visuais a distância é, portanto, uma oportunidade a mais de reorganizar este material e colocá-lo novamente à prova, desta vez com um grupo mais amplo e dentro de uma nova modalidade de ensino. Existem muitos modos de ensinar e de aprender a desenhar. O que apresento a seguir pretende ser uma etapa introdutória deste aprendizado, uma das muitas possíveis. São as primeiras orientações para quem deseja aprender a desenhar à mão livre os objetos constitutivos do mundo visível a partir de sua observação direta. Esta prática é chamada pelos artistas de desenho de observação. É possível desenhar, por este método, pessoas, objetos, animais, vegetais, paisagens e ambientes de todo tipo. O procedimento básico consiste em posicionar-se diante do motivo a ser desenhado, de preferência confortavelmente, tendo à mão lápis, papel e uma pequena prancheta, e desenhá-lo a partir de uma observação atenta e cuidadosa. Inclui informações gerais sobre os materiais e suportes do desenho e alguns exercícios por meio dos quais é possível, pouco a pouco, apreender as técnicas básicas do desenho e compreender as principais questões ligadas à representação do que vemos. 10 Lincoln Guimarães Dias


Imagem 1 Estudo a nanquim de Attilio Colnago

Imagem 2 Desenho de observação de Nelma Pezzin

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Imagem 3 Desenho de observação de Romilda Patez

Imagem 4 Estudo em naquim e grafite de Attilio Colnago

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Por ser uma disciplina introdutória, vamos desenhar somente objetos elementares, com formatos que podem ser compreendidos visualmente com relativa facilidade. Podem ser coisas como bules e cadeiras que não tenham ornamentos, detalhes ou curvas excessivas. Frutas, como maçã, pera ou banana também são bem-vindas. São motivos muito usados nas aulas de iniciação ao desenho, e não é à toa: a simplicidade de suas formas nos permite enxergar o tipo de questão técnica com que iremos nos deparar ao tentar desenhá-los. São questões ligadas à forma, proporção, estrutura, composição, condições de luz, ponto de vista e ângulo de visão. Cada um desses aspectos será examinado detalhadamente durante as lições do curso. Desenhar objetos de formatos elementares é a melhor maneira de nos darmos conta destas questões e de aprender a resolvê-las. Assim, estaremos aptos a reconhecê-las nos objetos de formatos mais detalhados e complexos, o que representa um passo decisivo para se desenhar também esses objetos. Evidentemente, a observação direta de alguma coisa é somente um dos procedimentos utilizados no desenho com finalidades artísticas. Muitos artistas desenham pessoas, objetos ou qualquer outra coisa sem se basear na observação de um modelo concreto. Para tanto, se valem da intuição, de impressões de memória e da imaginação. Outros produzem desenhos não representativos, imagens que não guardam traços de semelhanças com as coisas, sendo, por isso, puras expressões plásticas. Mesmo entre os artistas que trabalham a partir da observação, muitos não estão comprometidos com a fidelidade à aparência do motivo. Mas a opção pela observação está ligada ao fato de que a capacidade individual de desenhar está diretamente relacionada à capacidade de enxergar o mundo de uma determinada maneira, a qual poucos estão habituados. A maioria das pessoas, ao observar as coisas, tem em mente a sua utilidade e valor imediatos. Na verdade, se esses objetos são aqueles ordinários que habitam o cotidiano, mal são percebidos, pois a presença repetitiva no cotidiano faz com que passem praticamente despercebidos. Em resumo, os objetos são “enxergados”, mas não vistos. O desenhista, por sua vez, apesar de perceber a sua serventia ordinária, percebe os objetos prioritariamente como configurações de linhas, formatos, cores e texturas. Percebe também que os seus diferentes volumes estão sujeitos Desenho 1

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a diferentes condições de luz que vão ocasionar uma certa distribuição de áreas claras e escuras. Em outras palavras, antes de perceber a função e a finalidade prática das coisas, ele percebe as suas qualidades sensíveis. Como faz John Torreano, podemos chamar estes dois modos de perceber as coisas respectivamente de percepção funcional e percepção estética1. Tratarei disto mais adiante. Por hora, basta dizer que o aprendizado do desenho está ligado à educação do olhar, isto é, à capacidade individual de ver o mundo como um conjunto infinito de qualidades sensíveis, suscetíveis de serem apreendidas visualmente e traduzidas para os meios do desenho. Já vivemos o suficiente para observar que certas pessoas têm mais facilidade que outras para desenhar. Algumas chegam a ser particularmente brilhantes, alcançando resultados notáveis à custa de esforços comparativamente pequenos. Mas isso não ocorre somente no campo da arte: é possível encontrar pessoas dotadas de habilidades inatas nos mais diversos campos de atividade: alguns são bons em química ao passo que outros são excelentes comerciantes ou tocam violão de ouvido. Tem gente que é ótima no futebol ou nas artes da conversação, enquanto outros são particularmente sensíveis na cozinha. Alguns indivíduos são diplomatas inatos, capazes de ganhar rapidamente a confiança dos outros e administrar conflitos, enquanto outros tantos são bons no raciocínio abstrato ou no gerenciamento de trabalhos de equipe. Digo isso para enfatizar o que já sabemos por experiências própria: que o talento e o “dom” existem e que estão distribuídos desproporcionalmente entre os homens. Mas o que importa para nós é que mesmo aqueles que não possuem grandes talentos são capazes de aprender a desenhar. Seus desenhos podem não chegar a ter grandes méritos artísticos, mas sem dúvida podem ser tecnicamente corretos e convincentes como representações. Basta para isso que o indivíduo esteja disposto a compreender alguns conceitos básicos e exercitar a manipulação de algumas técnicas. Estes conceitos e técnicas compreendem os conteúdos essenciais que esta disciplina pretende oferecer.

1 “TORREANO, John. Dibujar lo que vemos: la percepcion de la gestalt aplicada al dibujo. Barcelona: Blume, 2008, p. 6.

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Imagem 6 Bule Imagem 7 Cadeira de Marcel Breuer, 1924

Imagem 5 Desenho de observação de Dayse Rezende

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Imagem 6 Cadeira de Marcel Breuer

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De todo modo, não é ambição desta disciplina preparar as pessoas para realizar trabalhos dotados de grandes qualidades artísticas. Importa mais apresentar-lhes os modos de abordagem e técnicas básicas necessárias para se realizar desenhos convincentes e alguns conteúdos conceituais e exercícios que possam contribuir para uma educação do olhar. A disciplina foi elaborada de modo que o aprendizado dependa mais do quanto cada um se dispuser a estudar e a praticar e não tanto da quantidade de talento que alguns possam ter. Espero que, ao final do curso, os estudantes, munidos de papel e lápis, e diante de objetos como os citados, sejam capazes de produzir desenhos que representem adequadamente os seus formatos, proporções e condições de iluminação. Espero também que o exercício da observação seja concomitante a um processo desejável de descondicionamento do olhar, tornando a percepção um pouco mais estética e menos funcional. É preciso também levar em conta que desenhar não é somente produzir linhas e manchas que se pareçam com coisas que observamos ou que imaginamos. O desenho é uma linguagem, no sentido amplo da palavra. Isso significa que ele “fala”, que ele diz coisas. E que o desenhista, ao realizar um desenho, está materializando também um discurso que contém potencialmente significados dos mais diversos. Nesse sentido, espero também que, ao final do curso, vocês se sintam relativamente capazes de manipular linhas, texturas, planos, formas e tonalidades com uma certa consciência da linguagem. Por fim, espero que o curso ajude-os também a avaliar e interpretar os desenhos diversos com os quais nos deparamos por aí, incluindo os de vocês mesmos e de seus futuros alunos. Pode parecer muito para uma disciplina só, e é de fato. Mas lembremo-nos de que se trata de uma disciplina de “iniciação”: mesmo sendo muitos os assuntos, não será necessário, por enquanto, saber muito sobre cada um deles. Se ao final desta disciplina vocês estiverem em condições de continuar estudando autonomamente, poderemos dizer que esta introdução teve êxito.

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Algumas observações sobre os exercícios Além de explanações a respeito dos vários aspectos do desenho, você encontrará aqui a proposição de alguns exercícios. Eles estão em ordem crescente de dificuldade. Recomendo que sejam feitos na ordem proposta, pois cada um deles depende do aprendizado adquirido com o anterior e dará as bases para os seguintes. Leia os enunciados e os textos recomendados antes de fazê-los, pois assim não haverá dificuldade para compreendê-los. Antes de começar cada exercício, verifique se os seus materiais estão em ordem e prontos para ser usados. Os lápis devem estar apontados, o papel deve estar limpo e afixado na prancheta ou mesa, conforme o caso. Lembre-se de deixar todos os lápis dispostos sobre a mesa ou na gaveta do cavalete antes de iniciar. Com isso, você evita interromper o trabalho para apontar lápis ou procurá-los na mochila, o que atrapalha a concentração e dispersa energia. Evidentemente, alguns exigirão algum esforço e persistência para que bons resultados sejam alcançados. Mas isso é normal! Procure se concentrar e realizar cada exercício calmamente. Caso alguns resultados não sejam do seu agrado, lembre-se de que ninguém aprende a desenhar sem dedicação e persistência. Receba sempre o produto de seu trabalho como um sinal do estágio de desenvolvimento em que você se encontra. Guarde com cuidado tudo que você desenhar, mesmo os trabalhos que você não gostou. Repita os exercícios quantas vezes julgar necessário para aprimorar o seu aprendizado. Sabemos que as pessoas, em geral, possuem um forte apego à suposta segurança oferecida por instrumentos como réguas e borracha. Mas nós trabalhamos basicamente à mão livre e sem o uso de réguas, esquadros e compassos. Por vezes, estes instrumentos serão necessários, mas somente para a preparação prévia das folhas de papel. Siga esta regra, pois, ao contrário do que possa parecer, o uso de réguas em nada vai ajudar no seu aprendizado de olhar, desenhar e expressar o seu próprio gesto. As borrachas poderão ser usadas em alguns trabalhos, mas devem ser evitadas em outros. Isso será indicado em cada exercício. Em alguns casos, a borracha será usada não com a função de eliminar um traço ou 18 Lincoln Guimarães Dias


Imagem 7 Estudos de luz e sombra de FabĂ­ola Veloso

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Imagem 8 Croqui em bloco de notas de Fernando Augusto

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mancha, mas, ao contrário, como um meio de produzi-las, o que sem dúvida corresponde ao seu uso mais interessante. Guarde os seus desenhos com cuidado. Jamais os dobre ou enrole, pois isso deforma e produz rugas no papel. Mantenha-os limpos e sem “orelhas” nas quinas do papel. Providencie pastas de papel ou plástico para guardá-los, nos tamanhos correspondentes. É possível fazer pastas com papelão e fita gomada ou comprar pastas de plástico duro em papelarias. Geralmente, quem gosta de desenhar tem o hábito de desenhar muito! Isso também acontece com os aprendizes. Com o tempo, o acúmulo de material torna-se grande e é necessário mantê-lo em ordem. Por isso, ao finalizar cada trabalho, escreva no verso o seu nome, número e título do exercício e a data em que foi feito. Se o exercício foi feito em etapas, cada uma em uma folha, numere-as também para que, posteriormente, você possa saber a ordem de feitura. Seja o primeiro a valorizar e a respeitar o seu próprio trabalho, independentemente do juízo que outros ou que você mesmo possa fazer dele num primeiro momento. Com o tempo, você poderá comparar os primeiros com outros feitos em épocas mais recentes e conferir os seus progressos. É comum também, com o passar do tempo, o estudante, ao rever os trabalhos antigos, perceber aspectos técnicos e estéticos não percebidos anteriormente.

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Materia i s Desenho 1

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Imagem 9 Blocos de notas de Lincoln Guimar達es e Fernando Augusto

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Os equipamentos básicos A princípio, para desenhar não é necessário mais que um lápis e uma folha de papel. Junte a isso uma superfície rígida e leve para apoiar o papel, que pode ser um livro grande e fino de capa dura, e acomode-se, de preferência sentado em um lugar à sombra. Estas condições simples permitem desenhar em quase qualquer lugar, diferentemente da maioria das atividades artísticas que exigem espaços e equipamentos específicos e numerosos. O desenhista pode tomar notas de suas ideias por meio de traços despojados, ou fazer esboços rápidos de qualquer objeto ou cena interessante que encontra em seu caminho. Se você, como eu, gosta de se sentar em cafeterias, não só para conversar e saborear um café, mas também para desenhar, discreta e rapidamente, as pessoas que estão à volta nas outras mesas, sugiro manter constantemente na bolsa um bom lápis e um bloco de notas. O despojamento que a prática do desenho permite não impede, no entanto, que nos familiarizemos com os diferentes tipos de lápis e papel fabricados especialmente para o desenho com finalidades artísticas. O conhecimento desses materiais permite ampliar as possibilidades técnicas e formais dos nossos trabalhos e ampliar a qualidade estética dos resultados. Desenhar na rua, tendo à mão somente uma lapiseira e um caderno de esboços, é um excelente exercício do olhar, e da percepção em geral, além de um modo prazeroso de conhecer e investigar o mundo! Por outro lado, desenhar em condições mais aparatadas, com uma mesa ou cavalete, com controle de luz, sobre papéis melhores e alternando os lápis, conforme a necessidade técnica, permite o aprofundamento em inúmeras possibilidades estéticas e a realização de trabalhos tecnicamente mais apurados. Não custa lembrar que o lápis, um cilindro de madeira macia revestindo uma vareta de grafite, é uma invenção recente, surgida no início do século XIX. Até então, os desenhistas, assim como pintores e escultores que precisavam do desenho, trabalhavam com varetas finas de prata, ouro, chumbo, platina ou padádio com extremidades pontiagudas ou chanfradas. Quando a ponta desses instrumentos entrava em atrito com o papel, deixava sobre a sua superfície minúsculas partículas do metal, Desenho 1

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originando linhas delicadas. Esses instrumentos, chamados ponta de prata, de platina, etc. foram pouco a pouco abandonados, a partir da popularização do lápis de grafite. Mais antigo que as pontas metálicas no uso do desenho é o carvão, usado desde a pré-história em pinturas rupestres. Ainda hoje é muito usado por aqueles que apreciam a sua consistência macia e tonalidade extremamente escura. A suavidade e a continuidade ininterrupta permitida pelo traço do carvão o torna apto para a realização de estudos rápidos em grandes folhas de papel. Se o papel for poroso e de textura média, a delicadeza robusta do traço do carvão será ainda mais valorizada. Uma das principais características do carvão é a instabilidade do traço. Isso significa que se você tocar com os dedos uma linha desenhada à carvão, os seus dedos ficarão escuros e, provavelmente, irá borrar o desenho. Essa característica, inconveniente em muitos casos, fez do carvão um instrumento muito utilizado para a realização de esboços que serão posteriormente descartados. Muitos pintores o utilizam para fazer os desenhos prévios em suas telas, desenhos estes que são somente auxiliares para a pintura e que serão, em seguida, totalmente cobertos pela tinta. Aqueles que desejam conservar desenhos a carvão devem aplicar um fixador sobre o desenho pronto ou, caso queiram preservar a sua textura delicadamente aveludada, guardá-los cuidadosamente protegidos por folhas de papel manteiga. No passado, o carvão era obtido por meio da queima de certas madeiras porosas como o salgueiro e a tília. Hoje, juntamente a este, existe também o carvão prensado, que resulta num bastão menos quebradiço e permite um traço mais estável. A sanguínea é um outro tipo de bastão próprio para o desenho, que se mostrou particularmente útil por proporcionar efeitos luminosos mais sutis que o carvão não pode alcançar. Surgida no século XIV, trata-se de uma argila ferruginosa de cor avermelhado escuro. A sanguínea é um pouco mais estável que o carvão e permite a feitura de linhas mais definidas, mas de tonalidade bem mais clara e suave. A sanguínea apresenta tons cálidos que agradaram artistas como Da Vinci, Michelangelo, Corregio e Bernini que a utilizaram sobretudo para fazer estudos do corpo humano. Atualmente, a sanguínea pode ser encontrada no mercado em barras de diferentes espessuras e graus de dureza, brilho e estabilidade. 26 Lincoln Guimarães Dias


Imagem 10 Bastões de lápis progresso

Imagem 11 Bastões de carvão

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Imagem 12 Lápis de grafite, com diferentes numeraçoes, das marcas Koh-I-Noor, Toison d’Or e Staedtler

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Diferentemente do carvão e da sanguínea, apresentados em bastões maciços, o lápis conté, como o nome já indica, vêm revestido de madeira. Sua composição é de argila e carvão, uma mistura que preserva a tonalidade escura do carvão e acrescenta estabilidade e maior precisão ao traço. O conté possibilita também uma grande amplitude de tonalidades. Estas características conferem ao lápis conté uma grande versatilidade, permitindo o seu emprego em desenhos rebuscados e de mais precisão, como também em estudos rápidos e despojados.

O lápis de grafite Entre os lápis de grafite, existem os chamados lápis duros e os macios. O que diferencia um do outro é a consistência da mina, o fino cilindro de grafite que produz o traço do lápis. Esta se deve à quantidade de argila acrescentada ao grafite no processo de fabricação. Quanto maior for o acréscimo deste material, mais dura será a mina. O lápis duro é mais resistentes ao atrito com o papel e, por isso, desgasta-se menos e dura mais. Ele produz um traço, em geral fino, pois a ponta se mantém afiada por mais tempo. Quanto mais duro ele for, mais clara será a tonalidade do traço, chegando, por vezes, a ser difícil de enxergar. A sua textura é seca e suave. Esse tipo de lápis é excelente para se fazer linhas auxiliares, assim como linhas e texturas muito sutis ou com acabamento rebuscado. O lápis macio, por sua vez, é aquele cuja mina contém uma quantidade menor de argila misturada ao grafite. A tonalidade de seu traço é escura e a textura oleosa e um pouco brilhante. São excelentes para se fazer croquis e desenhos expressivos, extrovertidos e dotados de contrastes tonais. É comum termos preferências pessoais por um ou outro desses tipos. Mas não devemos nos esquecer que, para o desenhista, sobretudo para o iniciante, todas essas possibilidades são essenciais e devem ser usadas. Os fabricantes convencionaram chamar de “H” a série de lápis duros, que são numerados de 0 a 9. Assim, é possível encontrar nas papelarias lápis H, 2H, 3H, e assim sucessivamente até o 9H. O número indica o Desenho 1

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grau de sua característica prioritária, que neste caso é a dureza da mina. Assim, quanto maior o número, mais dura é a mina e mais clara e suave é a tonalidade do lápis. Os lápis macios recebem dos fabricantes a marca “B”. Estes são também numerados de 0 a 9 e obedecem a mesma lógica. Quanto maior o número, mais macia é a mina, mais escura é a tonalidade e mais oleosa é a textura de seu traço. A tabela abaixo nos ajuda a fixar estas diferenças.

Lápis

Consistência da mina

Tonalidade do traço

Textura do traço

H

dura

clara

Seca, fosca e suave

B

macia

escura

oleosa, brilhante e vibrante

Os papéis A princípio, qualquer papel é passível de ser usado como suporte para o desenho, mas existem aqueles que são fabricados especialmente para este fim. São papéis melhores, devido à qualidade de sua fibra e aos métodos de prensagem. Desses depende a sua textura, sendo que cada uma vai reagir de modo diferente ao atrito do lápis, resultando em registros lisos ou granulados em diversos padrões. Muitas fábricas produzem papéis de boa qualidade específicos para trabalhos artísticos em gouache, aquarela, pastel, acrílico e também para desenho. A qualidade do material não é um critério decisivo na aferição da qualidade estética do trabalho artístico, mas é inegável que quando bem empregados oferecem resultados notáveis do ponto de vista técnico. Os bons papéis para trabalhos artísticos, caracterizados pela durabilidade e pela conservação do trabalho nele realizado, são feitos meticulosamente à mão, a partir de tiras de linho ou algodão fervidas, retalhadas e batidas para separar as fibras. A matéria resultante assume a consistência de uma polpa suave e fluida que é esticada numa tela em uma camada fina

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Imagem 13 Alguns exemplos de papéis com diferentes texturas e gramaturas: a. papel lay-out, de gramatura 120, com minimo de textura, marca Canson, adequado para estudos rápidos; b. papel com gramatura 200, com caneluras, marca Canson, adequado para desenhos expressivos com lápis duros ou macios; c. papel de gramatura 300, textura mais áspera, marca Fabriano, adequado para desenhos expressivos com lápis macios. d. papel de gramatura 200, com textura mediana, marca Canson, adequado para uso geral; a.

b.

c.

d.

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Imagem 14 Cavalete de madeira para desenho de observação

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e posteriormente secada e prensada. Os melhores papéis não admiem o uso de alvejantes e produtos químicos em sua fabricação1. A indústria contemporânea de papel trabalha, evidentemente, em escala de massa e mesmo as manufaturas mais cuidadosas operam com padrões muito distintos dos descritos acima. Entre as fábricas que produziram papéis feitos à mão, e que ainda produzem atualmente são a francesa D’arches, a italiana Fabriano e as inglesas J.B Green e J.Watman & Son . Os papéis são massas de fibras vegetais emaranhadas ou entrelaçadas dispostas em finas camadas, de espessura variada, submetidas à prensagem. Podemos classificá-los pelo tipo de textura, conforme resultante dos processos de prensagem, em dois tipos: os de textura lisa e os de textura áspera. Os primeiros são prensados à quente e possuem a superfície mais dura, menos porosa e escorregadia. São ideais para trabalhos de precisão, com contornos mais definidos, realizados com lápis, tinta e bico de pena. Os papéis prensados a quente, devido à sua lisura, oferecem menos atrito ao deslizamento do lápis. O traço tende a ficar ligeiramente brilhante e com textura compacta. Os papéis de textura áspera, ou granulada, são prensados à frio, possuem uma superfície mais macia e deixam mais evidentes as fibras componentes do papel. Estas se organizam em texturas ásperas, granuladas ou estriadas, em diversos padrões e com grau de aspereza variável. Eles oferecem mais atrito ao traço do lápis, que resulta mais granulado, expressivo e com menos definição. Os de aspereza discreta são mais aconselháveis para o desenhista iniciante. Prestam-se bem tanto para o registro das linhas despojadas de um croquis, quanto para a feitura de detalhes rebuscados. Existe uma variedade enorme de padrões e graus de aspereza, indo desde o uniformemente liso, escorregadio e brilhante até os papéis muito macios e porosos, tendo a superfície com aspecto fibroso. Os papéis variam ainda quanto ao peso ou gramatura, o que se traduz na espessura da folha. A gramatura é definida pelo peso da resma, que é o conjunto de 500 folhas. Os papéis de gramatura mais alta são, evidentemente, aqueles cuja resma é mais pesada. Trata-se de um aspecto importante, pois a espessura do papel vai se adequar de diferentes maneiras a

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MAYER, Ralph. Manual do artista. São Paulo: Martins Fontes, 2006, p. 350. Desenho 1

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diversas propostas estéticas de desenho. Assim como no caso dos lápis, os papéis não são melhores ou piores por serem lisos, ásperos, de gramatura alta ou baixa. Cada desenho e intenção artística dependerão de um senso de adequação do artista ao escolher o tipo de papel que irá usar.

O material de apoio Os equipamentos de apoio são cavalete, mesa, prancheta, estilete, fita crepe e alguns instrumentos complementares que têm por finalidade ajudar na percepção daquilo que estiver sendo observado. Estes últimos são aqui chamados de instrumentos de aferição.

A borracha e as réguas É importante dizer desde já que as réguas e esquadros não são utilizados efetivamente para realizar os desenhos e sim para ajudar em alguns preparativos anteriores quando for o caso. Falemos agora um pouco a respeito de réguas, esquadros, compassos e outros instrumentos de uso no desenho geométrico. O uso de réguas está associado à uma preocupação com destreza, eficiência e com um modelo de correção previamente dado que nada tem a ver com as práticas artísticas. No desenho artístico em geral, e no desenho de observação em particular, o traço à mão livre, com todas as suas peculiaridades de imprecisão e oscilação, é muito mais interessante que o traço realizado com o apoio de réguas. É que o desenho à mão livre traz a singularidade do gesto que o produziu, a caligrafia de uma mão específica, que nenhuma outra será capaz de imitar. O desenho com régua, por seu turno, traz a frieza do acabamento im pessoal. Na nossa disciplina, faremos uso de réguas somente para cuidar de preparativos anteriores à realização do desenho propriamente dito. A respeito das borrachas, é preciso dizer que muitos professores de desenho desaconselham terminantemente o seu uso. Isto pelo fato de que ela implica na possibilidade, sempre sedutora, de anular um gesto. 34 Lincoln Guimarães Dias


Imagem 15 Instrumentos de aferição: horizonte de bolso, medidor de ângulos e varetas de medição

Imagem 16 Utilização da vareta de medição para visualizar tamanhos e proporções

Imagem 17 Uso do horizonte de bolso para visualizar a altura do olho do observador

Imagem 18 Uso do horizonte de bolso para visualizar a altura do olho do observador

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Imagem 19 À esquerda, dois lápis com a ponta apontada de forma inadequada. À direita, a forma mais indicada para se apontar um lápis. Desenho de Lincoln Guimarães.

Imagem 20 Borrachas e estilete

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A borracha nos permite eliminar o objeto do arrependimento. De fato, é muito importante no desenho conviver com os chamados “erros”, as oscilações da mão, o traço involuntário etc. É importante, sobretudo, aceitar estes gestos como acontecimentos que fazem parte do percurso, ao invés de simplesmente eliminá-los por considerá-los “errados”. Sou da mesma opinião desses professores e recomendo que você utilize a borracha o mínimo possível. Mas, ao contrário do que normalmente se pensa, a borracha é usada também para produzir linhas, manchas e texturas e não somente para eliminá-las! Considero este o melhor uso da borracha no desenho. Em alguns exercícios que se seguem esta possibilidade será explorada.

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O conceito de Desenho

A palavra desenho envolve conteúdos muito diversos. Quase nunca nos damos conta da quantidade e diversidade de objetos, práticas e significados - artísticos ou não - que ela pode encobrir. Trata-se de um termo ao mesmo tempo familiar e estranho: familiar porque é largamente utilizado no cotidiano, sempre com muita desenvoltura; estranho porque dificilmente conseguiríamos descrever o seu significado exato se formos chamados a fazer isso. Na verdade, usamos o termo quase sempre de maneira vaga e imprecisa, mas com a fé genuína de que estamos nos fazendo entender. A maioria dos nossos interlocutores, por sua vez, mesmo aqueles com pouca instrução, possui alguma ideia do que seja desenho e isso parece bastar para que as conversações sigam adiante sem grandes problemas de entendimento. Usamos a palavra cotidianamente sem nos preocupar com a exatidão de seus significados, sem definir o sentido específico e estrito ao qual estamos nos referindo. No entanto, o uso impreciso da palavra, em geral, não causa grandes dificuldades na comunicação. Desenho 1

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Instrumentalmente, o desenho é muito útil para diversas áreas Imagem 21

de conhecimento, que dele se servem, mas quase nunca se dão ao

Exemplo de desenho topográfico

trabalho de analisar a sua estrutura e funcionamento para compreender e explicar a sua ampla capacidade de desempenhar funções comunicativas das mais diversas1. Não tenho a pretensão de resolver este problema. Quero somente chamar a atenção para o fato de que a palavra em questão pressupõe um significado geral amplo e abrangente e, ao mesmo tempo, uma série de acepções estritas utilizadas em contextos profissionais específicos. É nesse sentido que se fala, por exemplo, em “desenho topográfico” ou “desenho arquitetônico”. O estudante que se interessa pelo desenho com finalidades artísticas, que é o nosso caso, deve estar ciente desta questão, para que possa compreender melhor e mais profundamente as especificidades desse tipo de desenho. De todo modo, o tipo de desenho com o qual lidaremos faz parte do universo das artes plásticas. É assunto de domínio de pintores, escultores, críticos e historiadores da arte. Por vezes, é chamado de “desenho artístico” para que não seja confundido com os chamados desenho mecânico, desenho topográfico, desenho arquitetônico e outros tantos, regidos pelo rigor geométrico comprometidos com finalidades tecnológicas.

1 MASSIRONI, Manfredo. Ver pelo desenho: aspectos técnicos, cognitivos e comunicativos. Lisboa/São Paulo: edições 70/Martins Fontes, (s.d.), p. 15. 40 Lincoln Guimarães Dias


Porém, mesmo trabalhando com um tipo específico de desenho, é conveniente termos em mente o alcance maior do conceito e que no terreno das artes o desenho pode ser praticado com outros materiais e suportes e outras finalidades. Podemos organizar os dados da questão para que dela tenhamos uma melhor visualização. Comecemos com um esclarecimento simples: trata-se do fato de que a mesma palavra – “desenho” – serve para nomear um certo tipo de objeto, uma prática, ou ofício, profissional ou não, e também um conceito geral. Podemos dizer que as diferentes noções de desenho em circulação dependem de três aspectos: a materialidade, a finalidade e o referente. Cada um desses aspectos envolve, por sua vez, alguns valores, critérios de julgamento e preconceitos. Falaremos um pouco sobre cada uma delas. Tomemos uma definição provisória de desenho, uma das primeiras que vêm à mente, ainda bastante restrita: um desenho é a representação de algo real ou imaginário, feita manualmente com lápis sobre papel. Comecemos com o aspecto da materialidade: ele diz respeito aos materiais e suportes de que são feitos os desenhos, bem como às técnicas de feitura. Logo, percebemos que a definição acima é aceitável somente para descrever algumas possibilidades restritas. Um desenho pode ser feito também com canetas, pincéis, penas, giz e vários outros instrumentos, e não apenas com o lápis. Mesmo se feito manualmente, pode contar com o apoio de vários outros instrumentos adjuvantes como réguas, esquadros, compassos, gabaritos, etc. Nesses casos, ainda que feitos manualmente, à caligrafia, chamemos assim às qualidades gráficas que identificam o traço individual de uma mão, sofrerá evidentemente os efeitos do usos desses instrumentos. Mas mesmo se todo o trabalho for realizado com o uso desses instrumentos, não restando nada da caligrafia do indivíduo, ainda assim temos um desenho. O que quero dizer é que a presença da manualidade não é imprescindível para se ter um desenho. Desenho 1

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Podemos, então, reformular a nossa primeira definição, tornando-a um pouco mais abrangente: um desenho é, então, “a representação de algo real ou imaginário, realizada com meios gráficos sobre papel”. Verificamos que esta definição dá conta de incluir um espectro maior de possibilidades: podemos incluir aqui um conjunto de traços que configuram um rosto ou uma árvore, independentemente de considerá-lo artístico ou não. O projeto arquitetônico de uma casa ou hospital, tal como disposto graficamente em grandes folhas de papel também. A curva que descreve num gráfico as oscilações da bolsa de valores no decorrer de um determinado tempo, um mapa topográfico e o esquema que mostra o organograma de uma empresa são também desenhos por esta nova ótica, cada um a seu modo. São igualmente desenhos os rabiscos que por vezes fazemos distraidamente sobre um papel qualquer enquanto falamos ao telefone. Vocês podem ver agora que o meio gráfico se tornou prioritário na definição de desenho. Mas o que pensar quando observamos ao longe, por exemplo, as curvas de um rio as ondulações de uma cordilheira de montanhas? Não poderíamos dizer que tais linhas e contornos configuram também uma espécie de “desenho natural”, configurada pela própria natureza, à força da erosão ao longo dos séculos? A mesma pergunta pode ser feita a respeito do entrecruzamento de galhos e folhas de uma árvore, ou da ondulação das dunas de areia em uma praia. Não devemos desprezar tais possibilidades apressadamente, embora não possamos admitir que uma árvore seja o “desenho dela mesma”. De todo modo, esses exemplos nos ajudam a perceber que o desenho pode acontecer fora do suporte plano e ser feito com outros meios que não os meramente gráficos. As linhas formadas pelos galhos da árvore, assim como a textura formada pelas nuanças de claro e escuro das areias da praia lavadas pelas ondas, inspiram-nos a pensar que é possível fazer desenhos no espaço tridimensional, com linhas e formas materializadas de outros modos. 42 Lincoln Guimarães Dias


O segundo aspecto ligado ao desenho, isto é, o referente, diz

Imagem 22

respeito ao assunto ou tema do desenho. Vocês notaram que parti-

Exemplo de desenho arquitetônico;

mos do princípio de que o desenho é sempre uma representação. Se

vista superior.

isso é verdade, então todo desenho é uma espécie de retrato de algo,

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ainda que este algo não exista concretamente. Mas o desenho pode

Exemplo de desenho mecânico;

também manifestar-se como expressão de si mesmo, como pura pre-

vista lateral.

sença sensível, cujo significado não depende de uma representação. Neste caso, ele será um desenho abstrato, ou puramente formal. Este último seria constituído de formas, cores, texturas, sem que esses elementos configurem alguma coisa reconhecível além deles mesmos. O tema desses desenhos seria as suas próprias relações internas. Podemos, inclusive, olhar os galhos da árvore e a ondulação dos contornos da montanha não como galhos e montanhas, mas como puras tramas ou ondulações rítmicas, independentemente de serem árvores ou montanhas. O desenho representativo, se assim definido, tem a sua ênfase na função de retratar, enquanto o desenho abstrato tem a ênfase nas suas próprias qualidades plásticas. No entanto, obviamente, o desenho figurativo tem também qualidades plásticas e, não raro, estas são mais significativas que a própria função representativa. Os desenhos abstratos, por sua vez, apesar de abstratos, não são aleatóDesenho 1

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rios, desprovidos de ordem ou feitos de qualquer modo. Eles possuem também um certo tipo de estrutura, que tem uma lógica interna e própria, ainda que nem sempre esta seja imediatamente apreensível. A função representativa e as qualidades plásticas são coisas efetivamente distintas, que se misturam na prática, mas não se confundem conceitualmente. As qualidades plásticas, por não serem representativas, por não se referirem a nada, a não ser a si mesmas, são poéticas. Mas a função representativa tem em si a sua própria potência poética. Basta ver que não existe uma forma única de representar. O conceito de desenho abarca essa diversidade. Há, por fim, o aspecto da finalidade, provavelmente o mais decisivo, embora seja talvez também o mais controverso, pois a finalidade não está necessariamente inscrita no desenho, e sim numa destinação que damos a ele. Para começar, existem os desenhos feitos com finalidades artísticas e aqueles que possuem finalidades conceptivas ou planificadoras. Existem desenhos cujos sentidos estão em conceber ou comunicar uma ideia apenas nas suas características estruturais. Podemos realizar um desenho tendo em mente a resolução técnica de uma nova forma (projeto, concepção expressa graficamente), a criação de uma nova forma (o devaneio, o jogo ocioso, a criação tendo a si mesma como fim, a elucidação de uma questão espacial (o mapa: representação do espaço).

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Imagem 24 Croquis em bloco de notas de Lincoln Guimarães Imagem 25 Estudo com lápis progresso e borracha de Lincoln Guimarães

Desenho 1

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O desenho de observação: o que vemos e o que não vemos Em geral, tendo a perceber as coisas como exteriores a mim mesmo. O mundo se organiza em perspectiva à minha volta, como uma paisagem de 360 graus, cujos elementos se distribuem em vários círculos concêntricos em cujo centro eu mesmo me encontro. Isso me faz crer que sou o centro do mundo. Este centro não deixa de ser o núcleo do meu universo perceptivo, núcleo este de caráter móvel, pois me acompanha aonde quer que eu vá. Esta percepção imediata do mundo, aparentemente confiável é já um pouco distorcida, pois, no fundo, as coisas não dependem nem de mim nem do lugar de onde as vejo para serem o que são. Eu as vejo, mas frequentemente, me esqueço de considerar a mim mesmo como mais um elemento entre os incontáveis que fazem parte do universo e que a minha apreensão da realidade está profundamente condicionada pelas relações de interação que estabeleço com as coisas no momento em que as percebo. Esse centramento no sujeito que sente e percebe é essencial no desenho de observação. Nele o que importa não é o que acreditamos que as coisas sejam ou o que elas significam para nós, mas a maneira com as experimentamos a partir de nossa própria experiência sensível. Especificamente, a maneira como as percebemos pela observação direta a partir de um ponto fixo. Ao desenhar, buscaremos, tanto quanto possível, dotar os desenhos de traços de semelhança com o objeto observado. Esta prática exige, obviamente, o exercício cuidadoso de observação das coisas que iremos desenhar. A maioria delas são objetos que habitam o nosso cotidiano e, portanto, bastante familiares e já exaustivamente observadas. Talvez por isso, a ideia de olhar atentamente para elas não pareça muito sedutora. O desafio básico do desenho de observação está em converter as nossas impressões visuais de um objeto e espaço tridimensional para a superfície bidimensional do papel. Uma das maiores dificuldades que encontramos quando iniciamos esta prática está no próprio fato de percebermos claramente a condição tridimensional desses objetos e ambientes e o sentimento de insegurança quanto à nossa capacidade de fazer a referida tradução. 46 Lincoln Guimarães Dias


Imagem 26 Desenho de bloco de notas de Gabriel Albuquerque

Desenho 1

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A prática do desenho de observação exige do desenhista um

Croquis em bloco de notas

esforço de abstração, no sentido de tentar ver as coisas como se elas

de Fernando Augusto

estivessem em duas dimensões, sem profundidade, achatadas numa superfície plana como o papel. Trata-se de perceber os componentes do ambiente que ele vai desenhar não como objetos, espaços ou pessoas concretas, mas sim como linhas, formatos, volumes, contornos, planos, texturas e tonalidades. Em seguida, procurar traduzi-los para as possibilidades do lápis e papel ou do material outro que estiver sendo usado. Para o desenhista, não importa a realidade física ou química das coisas que ele vê, mas sim as qualidades visuais que ele percebe. É preciso, de imediato, nos despirmos de dois preconceitos muito correntes nas escolas de arte, como também no senso comum. Um deles consiste em considerar o desenho representativo das coisas visíveis uma prática ultrapassada. Há também um outro que

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considera os desenhos não figurativos, assim como a arte abstrata em geral, matéria sem consistência e vazia de sentido. É nosso papel combatê-los, de preferência sem criar novos preconceitos, o que é um dos grandes desafios. Esses preconceitos dão margem a outros: não raro, as pessoas acreditam que o desenho figurativo não é mais que uma prática virtuosística e funcional. Virtuosística porque supostamente depende de uma grande perícia técnica. Funcional porque supostamente se reduz à tarefa de produzir cópias eficientes das coisas visíveis. Assim, o desenho acaba por ser visto somente como algo instrumentral, perdendo-se a sua dimensão estética, artística e heurística. Por fim, há a ideia de que o desenho figurativo é uma prática antiquada, distante dos novos interesses e problemáticas da arte contemporânea e há muito suplantado por novas tecnologias de representação, como a própria fotografia e os sofisticados programas gráficos de computador. Por esta ótica, a opção pelo desenho de observação só poderia significar um retorno aos valores das antigas academias de arte e, portanto, um voto de conservadorismo. No entanto, é fácil perceber que o estudo do desenho de observação é muito útil para a produção artística contemporânea. É notório que não cessa de aparecer novos artistas que, de um modo ou de outro, na elaboração de seus trabalhos, valem-se desses saberes ditos antiquados. Em geral, sabemos muito sobre os objetos que nos rodeia, mas quase sempre este saber é de pouca ajuda no ato de desenhar e, não raro, atrapalha. É que, conforme o ângulo de visão que o objeto nos oferece, a informação visual pode simplesmente não se adaptar ao conhecimento prévio que temos do objeto. Desenho 1

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No plano da formação artística, isto é, do ensino da arte, não há dúvidas de que a proposta de “desenhar o que se vê” mantémse efetivamente eficiente. Por duas razões: a primeira é que o que vemos não é evidente. A segunda é que a maioria das pessoas que chega à escola de arte porta uma visão de mundo ingenuamente realista. O exercício do desenho de observação mostra de imediato que não há como ser fiel ao visível. (Justificar o desenho de observação como sendo uma educação do olhar). A prática do desenho de observação coloca de imediato o problema do conflito entre o que se vê e o que se sabe a respeito do que se vê. É possível retomar o desenho clássico, que nada mais é que um tipo possível de desenho figurativo, como um modo de se trabalhar o aprendizado do olhar e o exercício da percepção. Nesse sentido, mais que aprender a construir formas representativas do mundo visível, importa compreender certas categorias que estruturam esse mundo tal como ele se mostra à nossa percepção visual. São categorias como luminosidade (claro/escuro), estatura (alto/baixo) e distância (perto/longe). Existem outras, que incluem pares de opostos como reto/curvo, figura/fundo, central/periférico e horizontal/vertical. Quando tomamos um objeto para desenhar, em geral, sabemos muito a respeito deste objeto. Se é uma xícara, sabemos que serve para tomar café ou chá, sabemos de qual o material é feita, que deve ter uma base simétrica e bem proporcionada, que a asa deve ter um tamanho grande o bastante para que possamos apoiar os dedos e o seu formato deve ser, tanto quanto possível, confortável e prático. Em geral, temos também uma certa imagem mental do que é uma xícara. No entanto, esta imagem mental, assim como os demais conhecimentos prévios sobre a xícara, pouco nos ajuda a desenhála. Isso porque um dos fatores decisivos é o ângulo de visão a partir do qual a contemplamos, que vai definir efetivamente as formas que vamos ver. Nesse sentido, a imagem mental prévia da xícara não só 50 Lincoln Guimarães Dias


não ajuda como também pode atrapalhar, sugerindo-nos uma aparência que não corresponde ao que vemos de fato. Educar o olhar não é o mesmo que adestrá-lo. Trata-se de

Imagem 28 Exercício gestual de elipses de Lincoln Guimarães

descondicioná-lo de hábitos perceptivos cristalizados e um pouco viciados, livrá-lo das sobredeterminações de um saber cognitivo que acaba, em grande parte, por moldá-lo. Para resumir, trata-se de fazer com que o olhar não seja ingênuo. Em seu ensaio Da pintura, Leon Battista Alberti nos deu a conhecer que “os matemáticos medem com suas inteligências apenas as formas das coisas, separando-as de qualquer matéria”2. De fato, eles estão interessados somente nos formatos e na extensão das coisas, nas suas dimensões e proporções, quer dizer, somente pelo que nelas pode ser medido e quantificado. O pintor, por sua vez, interessa-se pela presença mesma das coisas tais como elas aparecem encarnadas no mundo da matéria diante de nossos olhos. Quando contemplamos as coisas, estamos ao mesmo tempo sentindo com os olhos e interpretando o que vemos. O olho encaminha os estímulos sensoriais para o cérebro por meio de condutores nervosos. O cérebro cumpre a tarefa de identificar o que o olho viu. Em outras palavras, ele cuida daquelas operações puramente cognitivas, de caráter utilitário e que são imprescindíveis na vida prática: medir, quantificar, classificar e atribuir um valor prático e moral.

2

ALBERTI, Leon Battista. Da pintura. Campinas: Unicamp, 1992, p. 71.

Desenho 1

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Em outras palavras, o olho capta e sente as cintilâncias luminosas e o cérebro dá sentido a elas ao interpretá-las. Mas essa interação entre olho e cérebro é instantânea. Sentimos e percebemos, isto é, vemos e interpretamos ao mesmo tempo. Sensação e percepção são, portanto, dois aspectos permanentemente presentes na experiência da visualidade. Temos o hábito mental de acreditar que a visão é uma faculdade humana espontânea e que não depende de interpretação. Acreditamos que basta abrir os olhos e o mundo vai se mostrar a nós do jeito que ele naturalmente é. Suponhamos, por exemplo, que estamos a observar uma árvore: podemos distinguir a copa do tronco e ambos do chão e do espaço aéreo à sua volta. Se a árvore Imagem 29

estiver suficientemente próxima, poderemos perceber o entrecruza-

Duchamp

mento de galhos e folhas e a presença de frutas e flores se houver. Na nossa mente surge pacificamente a evocação do conceito sobre o qual repousa a imagem que vemos: “árvore”. Há uma perfeita conexão entre o que vemos e o que entendemos a partir de nossa experiência acumulada de mundo. Nada do que vemos da árvore parece contrariar aquilo que dela já sabíamos: sensação e percepção se abraçam e tudo parece fluir sem contradição, como a continuidade de um rio. O que vemos é plenamente compreensível; confirma o que acreditamos ver. Diante desse pequeno milagre, somos tomados pela crença de que o mundo, apesar de diversificado e complexo, é perfeitamente unificado e coeso. A realidade visível é transparente e o significado das coisas é plenamente acessível. Acreditamos que tudo é, de fato, o que parece ser.

52 Lincoln Guimarães Dias


Mas nesse gênero de experiência, em que reconhecemos as coisas que já conhecemos graças a vivências anteriores, não é quando ocorrem as verdadeiras experiências. Aqui, na verdade, a experiência mostra-nos o que já esperávamos encontrar e o que de fato sentimos é aquilo que, desde o começo, acreditamos que é o que “devemos sentir” e, assim, ajustamos a experiência sensível àquilo que já sabemos. Isso quer dizer que, na maioria absoluta das vezes em que olhamos ou degustamos, ouvimos ou tocamos alguma coisa, já temos em mente, previamente determinado, aquilo que vamos perceber. Parece paradoxal, mas no mundo utilitário onde habitamos na maior parte do tempo, a percepção precede a sensação. Mas a nossa percepção registra diferenças muito grandes quando olhamos as coisas com a finalidade de desenhá-las. É que, para desenhar, não basta olhar para as coisas e simplesmente reconhecê-las. É preciso perceber os seus tamanhos e formatos, a textura de sua superfície e os pontos claros e escuros. Estas informações visuais são decisivas na hora de desenhar e todas elas estão condicionadas ao ponto de vista a partir do qual são observadas. Uma mesma folha ou galho terá um formato e contorno diferentes, conforme o lugar de onde os observo. Se eu deslocar o meu posto de observação, perceberei mudanças no formato e nos contornos do galho e da folha. Portanto, o desenho vai depender muito pouco do que já sabemos anteriormente a respeito das formas dos objetos e muito mais do ponto de vista a partir do qual são observados e das condições de luz do momento. Além de perceber os formatos e contornos das coisas, é preciso também perceber os formatos e contornos das áreas vazias que estão à volta ou entre elas. Estas áreas podem configurar partes do entorno ou do cenário de fundo à frente do qual se coloca a figura que elegemos para desenhar. Elas demarcam também as distâncias existentes entre um elemento e outro que compõem a referida figura. A tarefa de desenhá-las costuma ser um pouco mais difícil pois tendemos a acreditar que nestes espaços não há nada e que, portanto, não há Desenho 1

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necessidade de dar atenção a eles. Outro fator de dificuldade é que, com frequência, estas áreas são formadas por partes dos contornos de diferentes elementos constitutivos da figura. Não raro, estes elementos estão em planos de profundidade diferentes, uns mais próximos e outros mais distantes do olho do observador. É preciso, portanto, fazer um certo esforço de abstração para percebê-los adequadamente. No desenho, estas áreas vazias são tão importantes quanto os Imagem 30 Desenho de contornos; Lincoln Guimarães. Imagem 31

ditos espaços “cheios”. Podemos chama-las de áreas negativas. Voltaremos a falar delas mais adiante. Quando, por exemplo, percebemos a profundidade do espaço

Desenho de formas negativas;

à nossa volta, quer dizer, a distância que existe entre o nosso olho

Lincoln Guimarães.

e os objetos que contemplamos, não a vemos diretamente, pois as

54 Lincoln Guimarães Dias


distâncias são dados invisíveis, apesar de mensuráveis. Damo-nos

Imagem 32

conta da profundidade porque percebemos os sinais visuais que nos

Estudo de luz, sombra e textura;

permitem deduzi-la. Algo semelhante ocorre quando observamos

de Dayse Resende.

uma coisa qualquer e percebemos se ela é mole ou dura. A consistência é uma categoria da ordem do tato. No entanto, somos capazes de apreendê-la visualmente. Quando observamos uma barra de manteiga, sabemos que se trata de algo mole, mas não porque “vemos a moleza” e sim porque aprendemos, por experiências anteriores que a manteiga é algo mole.

Desenho 1

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56 Lincoln Guimar達es Dias


2

A linha

Estamos habituados à ideia de que a linha é um dos mais importantes elementos gráficos constitutivos do desenho. Demarcar e estabelecer o contorno das coisas é um dos principais modos como ela aparece nos desenhos. Podemos vê-la em um mapa a delimitar as fronteiras territoriais entre estados e países. Em uma natureza morta, ela demarca os contornos de uma maçã, definindo o seu formato e distinguindo-a do espaço que a rodeia e de outras frutas ou objetos que possam estar juntos dela. Nos desenhos geométricos, a linha é uma extensão unidimensional e imaterial. Idealmente, é concebida como um fio que demarca esta extensão, mas que não tem espessura. Quando falamos, por exemplo, que a linha reta é a menor distância entre dois pontos, ou quando ouvimos dizer que o movimento da terra descreve uma linha curva em torno do sol, não há por que nos indagarmos a respeito das características materiais desta linha, simplesmente porque ela não existe de fato como um elemento concreto. De modo semelhante, a linha do Equador e aquela que demarca as fronteiras entre o estado do Espírito Santo e a Bahia não têm qualidades sensoriais. Elas só

Desenho 1

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fazem sentido enquanto demarcação de limites territoriais. Para o raciocínio geométrico, o que importa prioritariamente na linha é a sua extensão e as fronteiras que ela demarca e não a sua materialidade. Diferentemente dos desenhos geométricos, quando falamos de linha no contexto das artes, particularmente quando se trata de desenho, precisamos levar em conta a sua materialidade e suas qualidades sensíveis. Mesmo que cumpra a função de separar e distinguir diferentes áreas num desenho, ela obviamente terá uma espessura e uma certa presença material. É claro que isto também ocorre nos projetos arquitetônicos, nos mapas topográficos e nos demais desenhos de matriz geométrica. Mas nesses, essa dimensão corpórea e sensorial da linha pode ser desconsiderada pelo observador sem comprometer a eficácia da leitura que este fará. O mesmo não ocorre no desenho com finalidades artísticas.

Linha, aresta e contorno Perceber os contornos das coisas é uma das habilidades necessárias ao desenhista e a linha cumpre papel importante no aprendizado desta habilidade. Pode parecer um exercício ocioso, mas, para um bom entendimento, é preciso distinguir conceitualmente linha, aresta e contorno. A linha é o elemento gráfico do qual estamos falando; ela é um recurso gráfico e formal do desenho, e um elemento da linguagem visual, usado para construir discursos visuais. Enquanto recurso gráfico, ela existe independentemente dos objetos concretos e dos próprios desenhos nos quais aparece. A aresta, embora tenha aparência linear, não é a mesma coisa que a linha. Diversamente desta, ela não existe independentemente e fora das coisas concretas. É preciso que haja um objeto para que haja uma aresta. Especificamente, ela aparece quando duas superfícies, que podem ser regulares ou não, se encontram, de modo a formar um ângulo. 58 Lincoln Guimarães Dias


A forma cúbica, que iremos estudar um pouco mais adiante, possui

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seis lados que se encontram, resultando em doze arestas. Em cada

Três etapas do estudo de elipses,

um desses encontros, nos quais acreditamos enxergar uma linha, está uma “dobra” do objeto, algo que caracteriza a sua forma e nos

sombra e luz para construção de volume.

ajuda a reconhecê-lo e que precisaremos levar em conta se quisermos desenhá-lo. Aqui encontramos já um aspecto que iguala a linha à aresta e um outro que as diferencia: igualmente, tanto uma quanto a outra não possuem materialidade. A dobra de um objeto não existe como um elemento autônomo, uma parte dele que possa ser percebida e considerada independentemente. Isso torna o elemento gráfico “linha” e o elemento objetual “aresta” semelhantes. Mas há uma diferença decisiva: a linha, enquanto conceito geométrico, não possui materialidade e existência sensível e isso se aplica também às fronteiras de dois estados da federação, pois este tipo de fronteira, assim como a linha do Equador, só existe conceitualmente. A aresta do objeto, por sua vez, embora não tenha espessura nem existência autônoma, é algo que se pode ver, portanto, possui existência sensível. É um paradoxo curioso! A aresta é algo que se pode ver, mas que não possui existência autônoma. Aqui, vale a pena lembrar o que já foi dito no capítulo a respeito do desenho de observação: para o desenhista, não importa o que as coisas são e nem mesmo se elas existem! O que importa é o que ele vê. E se a aresta é visível, pouco importa as suas condições específicas de existência. DesenhaDesenho 1

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mos somente o que vemos, mesmo que o que vemos não exista. É

Foto de maçã.

importante deixar claro que falamos aqui de um verdadeiro parado-

Desenho de contorno; Davi Cáo

xo e não de miragens, alucinações ou mundos inexistentes. Falamos de coisas que efetivamente vemos, apesar de não existirem autonomamente como elementos concretos. Há, por fim, o contorno, que é frequentemente representado por uma linha, mas que também não pode ser considerado sinônimo de linha. Ele é efetivamente um componente do desenho, um rabisco concretamente existente, que existe simultaneamente como linha e como contorno. Como linha, ele é um recurso gráfico e formal, uma extensão unidimensional. Como contorno ele cumpre uma função na economia da representação: a de delinear o formato do objeto tal como aparece para o nosso olhar a partir do ponto de onde o observamos. O que quero dizer, e que talvez você já tenha percebido, é que tanto a linha quanto o contorno não existem no objeto, mas somente no desenho. A maçã existe em sua inteireza volumosa e tridimensional. O contorno é o recurso de desenho que usamos para viabilizar a sua representação nas condições bidimensionais do espaço do papel, no qual ela forçosamente aparecerá achatada. A linha, assim como os contornos, não fazem parte da configuração das coisas observadas e sim dos recursos de linguagem que o desenhista usa para dar visibilidade no desenho àquilo que ele vê e quer representar.

60 Lincoln Guimarães Dias


Imagem 35 Estudo a nanquim de Luciano Feij達o

Desenho 1

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Segundo Merleau-Ponty, (2004, p. 11) Houve, por exemplo, uma concepção prosaica da linha como atributo positivo e propriedade do objeto em si. É o contorno da maçã ou o limite do campo lavrado e da pradaria tidos como presentes no mundo, sobre cujos pontilhados o lápis ou o pincel teriam apenas que passar. Uma linha como esta é contestada por toda a pintura moderna, provavelmente por toda a pintura (...).

Em seguida, referindo-se a um texto em que Bergson também trata da linha, ele diz: Ele (Bergson) está no limiar da descoberta impressionante, já familiar aos pintores, de que não há figuras visíveis em si, de que nem o contorno da maçã nem o limite do campo da pradaria estão aqui ou ali, estando sempre aquém ou além do ponto onde se olha, sempre entre ou atrás daquilo que se fixa, indicados, implicados e mesmo muito imperiosamente exigidos pelas coisas, sem serem coisas eles próprios. Eles pressupostamente deveriam circunscrever a maçã ou a pradaria, mas a maçã e a pradaria ‘se formam’ espontaneamente e invadem o visível como vindos de um mundo anterior préespacial... Ora, a contestação da linha prosaica não exclui de modo algum toda linha da pintura, como talvez os impressionistas tenham acreditado. A questão consiste apenas em liberá-la, em fazer reviver seu poder constituinte, e é sem nenhuma contradição que a vemos reaparecer e triunfar em pintores como Klee ou como Matisse, que mais do que ninguém acreditaram na cor. Pois doravante, segundo a expressão de Klee, ela não imita mais o visível, ela ‘torna visível’, é a épura de uma gênese das coisas (Merleau-Ponty, 2004, p. 12).

Pode parecer estranho, a princípio, a afirmação de que a linha não existe nos objetos concretos. Você poderia perguntar, por exemplo, por que não podemos considerar como linhas as arestas de 62 Lincoln Guimarães Dias


um cubo. A resposta é que não há de fato “algo” ali. O que existe de

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fato são duas superfícies contíguas, cujo encontro faz aparecer este

Desenho a nanquim de Nelma Pezzin

fantasma para a visão. Quando desenhar os seus primeiros cubos, você vai configurá-los por meio do traçado de nove linhas entre as quais o papel permanecerá branco. Trata-se de mais um paradoxo: desenhamos as arestas, que a rigor, “não existem” e não as supefícies que de fato “existem”. Mas após desenhar as arestas, podemos reconhecer imediatamente as superfícies “não desenhadas” no nosso papel. No objeto, as superfícies dão origem à miragem das arestas. No desenho, as arestas dão origem a miragem das superfícies. Como já foi sugerido, todas as arestas são bordas compartilhadas de duas superfícies contíguas de um mesmo objeto. De modo análogo, no desenho, os contornos são simultaneamente bordas de duas áreas que estão juntas. No entanto, o que percebemos como áreas contíguas quando olhamos uma composição pode não corresponder a áreas efetivamente constitutivas de um mesmo objeto. Podemos ver, por exemplo o contorno que delimita o formato de uma garrafa e, por traz dele, exteriormente à borda, podemos ver a extremidade de um prato ou uma parte da parede de fundo. Ora, sabemos que a garrafa, o prato e a parede não são partes constitutivas de um mesmo objeto e que, portanto, as superfícies correspondentes a cada um deles não são áreas contíguas. Mas, como são percebidas juntas, no desenho se transformarão em áreas contíguas. Assim, o Desenho 1

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contorno da garrafa será também uma parte do contorno do prato e também uma parte do contorno da parede. O contorno, portanto, não circunscreve um objeto, mas partes dele, configurando os formatos como são percebidos. As áreas negativas, por sua vez, poderão ter os seus contornos compartilhados por partes dos contornos de vários objetos simultaneamente.

Preparação para os exercícios O exercício nº 2, também um exercício de linhas, tem um espírito semelhante ao anterior. Não se trata de fazer um “desenho” propriamente dito e sim de realizar uma experiência que irá ajudálo a se familiarizar com os diferentes modos de usar as ferramentas de trabalho. Você verá que as linhas apresentam qualidades plásticas diferentes, conforme o modo como são feitas. A linha feita com a ponta do lápis tem um aspecto mais definido; percebemos mais a sua extensão que a sua espessura e ela nos parecerá mais eficaz no desenho quando estamos preocupados em realizar contornos precisos e demarcar claramente as fronteiras entre diferentes áreas. A linha feita com a lateral da ponta, ao contrário, apresenta uma espessura esgarçada que a torna mais difusa. Talvez esta imprecisão a faça parecer desagradável a um primeiro olhar. No entanto, a sua importância no desenho é enorme, pois sabemos que muitas das coisas que percebemos visualmente estão difusas porque estão longe de nós, ou porque estão em locais pouco iluminados ou porque estão em movimento. Cabe também ao desenho captar estas sutilezas! Este tipo de linha chama a nossa atenção também para o fato de que a linha tem um corpo. No exercício número três, recomendo que você observe as linhas que produz sem se preocupar se são bonitas ou feias, retas ou tortas, eficientes ou ineficientes, em suma, sem fazer julgamentos. Procure reparar somente as suas qualidades plásticas. Repare as transformações de sua espessura e de sua tonalidade. Leve em conta também que a linha, apesar de conceitualmente definida como a extensão unidimensional de um ponto, quando concretamente realizada sobre o papel possui um corpo, como dito acima, e, portanto, uma certa espessura, mínima que seja. Observe, então, a textura deste corpo; se ela é lisa ou granulada, o que vai depender da textu64 Lincoln Guimarães Dias


ra do próprio papel e da quantidade de pressão exercida pela ponta

Imagem 37

do lápis sobe ele. Ela pode demarcar decididamente um sulco no

Estudos de texturas variadas com

papel ou se deitar suavemente como um tapete sobre ele. Observe

lápis grafite, progresso e borracha;

também as qualidades rítmicas de suas extensões, expressas pelas

Lincoln Guimaraes.

curvas, trepidações, ondulações e interrupções. Espero também que você preste atenção nos seus próprios gestos, atitudes e estados de espírito enquanto estiver desenhando. Procure observar a sua própria postura, gestualidade e estado mental. Procure ficar numa posição confortável e sem fazer esforços desnecessários. Apesar do aprendizado do desenho exigir esforço, por vezes árduo, a ato de desenhar em si é, essencialmente, um ato de prazer, invenção e descoberta! Enfim, espero que o exercício de linhas contribua para um dos objetivos básicos desta disciplina de desenho: fazer com que vocês voltem a enxergar as coisas que constituem o mundo que nos rodeia, não somente aquelas nas quais reconhecemos algum valor pragmático, mas todas as coisas, das mais preciosas às mais ordinárias. Desenho 1

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Exercícios

1

Explorando a ponta do lápis

Preencher uma folha de papel A3 com linhas horizontais, usando alternadamente a ponta e a lateral da ponta do lápis.

Preparativos 1. Prenda uma folha de papel A3 em uma prancheta e acomode-a no cavalete do mesmo modo como você fez no exercício anterior. Caso não disponha de um cavalete, use a parede mesmo, lembrando-se de prender o papel à altura do olho. 2. Pegue um lápis 6B e certifique-se de que a sua ponta está feita da maneira como proposto no primeiro exercício. 3. Leia todo o texto relativo ao exercício antes de realizá-lo. 4. Após concluir o exercício, lembrese de incluí-lo em seu porta-fólio virtual e de guardar cuidadosamente o original dentro de uma pasta.

Instruções Você deve preencher toda a superfície do papel com linhas horizontais como você fez no exercício anterior. Segure o lápis na extremidade oposta à ponta e faça a primeira linha no alto do papel, indo da esquerda à direita. Depois faça a segunda linha retornando da direita para a esquerda. Em seguida, segurando o lápis com as pontas dos cinco dedos, incline-o de modo a tocar a folha 66 Lincoln Guimarães Dias


de papel com a sua lateral e faça a terceira linha, indo da esquerda para a direita, usando a lateral da ponta do lápis. Depois faça a quarta linha, também com a lateral da ponta, retornando da direita para a esquerda. Agora, repita este procedimento, sempre alternando duas linhas feitas com a ponta do lápis com outras duas feitas com a lateral da ponta, até que a folha de papel fique totalmente preenchida pelas linhas. Não se esqueça de deixar uma pequena margem nos quatro lados do papel e de manter uma distância entre as linhas de aproximadamente a espessura de um dedo.

Imagem 38 Usando a ponta do lápis.

Imagem 39 Usando a lateral da ponta do lápis.

Desenho 1

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68 Lincoln Guimar達es Dias


3

A trama

Os exercícios de linhas feitas em trama tem como finalidade geral propor ao estudante que ele adote um estado de atenção mais profundo ao desenhar, para que ele seja capaz de perceber nos desenhos as qualidades das linhas independentemente dos temas e figuras que elas vão representar. É importante também que ele possa perceber as qualidades plásticas dos objetos que contempla, independentemente do que eles sejam e do que podem significar para nós. Há dois bons motivos para isso: o primeiro é que o que vemos não é evidente. O formato que uma folha ou um braço pode apresentar para nós, conforme o ângulo de visão a partir de onde o observamos, pode nos surpreender quando o desenhamos. Além disso, você já viu que por mais cuidadosa que seja a observação, o desenho nunca será uma cópia fiel do objeto, mas, no máximo, a sua tradução para os recursos próprios do desenho. Para afirmar esta idéia, basta dizer que os contornos não existem de fato no objeto observado, mas são imprescindíveis no desenho que o representa.

Desenho 1

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Imagem 40 Desenho em trama; Nelma Pezzin.

Imagem 41 Tecelagem em cobre de Regina Rodrigues

70 Lincoln Guimar達es Dias


O segundo motivo é que muitas vezes não percebemos efetivamente as características visuais das coisas que observamos, porque o nosso olhar está condicionado por vícios perceptivos, advindos de uma relação excessivamente utilitária com elas. Além disso, ou por causa disso, não nos damos ao trabalho de observá-las, porque acreditamos que tais características não possuem grande interesse e que já sabemos o suficiente a respeito delas. Ou ainda porque de tanto ver e rever estas coisas que fazem parte do nosso cotidiano há tanto tempo, já não as percebemos mais. Os exercícios de linha cumprem também uma outra finalidade, que é dar início a uma convivência mais íntima com o lápis e tornar mais fluente o seu manejo. O modo como manejamos o lápis e conduzimos o gesto da mão são de grande importância no ato de desenhar. De um modo geral, o desenhista iniciante empunha o lápis do mesmo modo como segura uma caneta para escrever. O problema é que escrever é uma tarefa muito mais cognitiva que sensorial. Quando escrevemos, estamos lidando com conceitos e imagens mentais, ainda que tais imagens sejam, por vezes, poéticas. O ato de escrever não guarda uma relação direta com a ação de olhar ou com o gesto da mão. Esta pode ser ágil ou lenta, trêmula ou firme e isso não vai modificar o conteúdo estrito do texto escrito. Com o desenho não se dá o mesmo: o modo como seguramos o lápis e o movimentamos é decisivo nos resultados que iremos alcançar. Com o tempo, o manejo do lápis tende a ficar mais espontâneo e nós passamos a desenhar com a mesma fluência com que fazemos uma caminhada. É importante não confundir fluência gestual com destreza técnica. As linhas feitas com a ajuda de réguas, esquadros e compasso possuem um grau de precisão que não é possível obter manualmente sem o apoio destes instrumentos. O gesto à mão livre é caracterizado por uma certa imprecisão. Isso gera consequências estranhas no julgamento que fazemos do produto do trabalho humano: tendemos a considerá-lo imperfeito diante da linha obtida com régua. Isso exDesenho 1

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Imagem 42 Desenho a nanquim de Liliana Sanches

plica a ênfase e o valor exagerado que nossa civilização dá ao acabamento industrial. Que o gesto humano é impreciso nós podemos concordar, mas daí a dizer que ele é imperfeito, é uma precipitação. Seria preciso definir primeiro o que levamos em conta para considerar uma coisa perfeita ou imperfeita. Voltando ao exercício de tramas, quero dizer com isso que a ideia de perfeição é relativa; ela depende do valor que atribuímos às coisas. A precisão é uma coisa objetivável e mensurável pela matemática mas perfeição é uma questão de valor. Buscamos uma fluência gestual não para as nossas linhas ficarem “perfeitas”, mas para que fiquem espontâneas e singulares. Mas nós não estamos aqui para fazer o elogio da imprecisão. Eu só quero relativizar esses conceitos para que um mal entendimento deles não perturbe o nosso trabalho. E nosso trabalho agora é começar a expandir o potencial da mão. Mas para fazer isso, é preciso primeiro saber quais são as características da mão. Uma dessas características é a oscilação do seu gesto que tem como efeito a imprecisão da linha resultante. Esse reconhecimento é importante para que não se espere da mão aquilo que ela não pode oferecer. Em síntese, trata-se de um exercício gestual. Nele o ato de fazer é mais importante que o produto final. Isso significa que não faz muito sentido encarar este trabalho como um “desenho” para ser contemplado ou uma “obra acabada”. A experiência de realizá-lo, e também a oportunidade de se observar realizando-a são os fatores que realmente importam. Apesar disso, ao concluir o exercício, você deve guardá-lo com cuidado, assim como deve guardar todos os desenhos e exercícios que forem realizados durante a disciplina, para que você possa, no futuro, ter um registro das diferentes etapas e dos diferentes níveis de amadurecimento pelos quais passou no percurso desta vivência com o desenho. 72 Lincoln Guimarães Dias


Desenho 1

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Exercícios

2 Tramas

Preencher uma folha de papel A3 com linhas horizontais e verticais.

Preparativos 1. Com fita crepe, prenda uma folha de papel A3 em uma prancheta e acomodea no cavalete. O centro da folha deve ficar aproximadamente à altura de seu olho. Se você vai fazer o exercício em casa e não dispõe de uma prancheta e cavalete, prenda o papel numa parede lisa à altura do olho. 2. Não coloque a fita crepe diretamente sobre o papel: faça quatro “rolinhos” e coloque-os atrás do papel, um em cada quina. Certifique-se de que o papel está bem preso, esticado e aprumado. 3. Pegue um lápis 6B e certifique-se de que a sua ponta está feita da maneira como proposto no primeiro exercício. 4. Leia todo o texto relativo ao exercício antes de realizá-lo. 5. Após concluir o exercício, não se esqueça de fotografá-lo e inseri-lo em seu porta-fólio virtual.

Instruções Você deve preencher toda a superfície do papel com linhas horizontais e verticais. Comece com uma linha horizontal que vai do canto superior esquerdo ao canto superior direito do papel. 74 Lincoln Guimarães Dias


Depois faça outra logo abaixo que vai em sentido contrário, isto é, da direita para a esquerda. Agora, repita calmamente esta ação até que todo o papel esteja coberto com linhas horizontais. A distância entre as linhas deve corresponder aproximadamente à espessura de um dedo. Depois disso, faça a mesma coisa com as linhas verticais. A primeira vai do canto superior esquerdo até o canto inferior esquerdo. A segunda vai no sentido contrário, isto é, do canto inferior esquerdo para o superior esquerdo. Agora repita a ação até que toda a folha esteja coberta com linhas verticais sobre as horizontais. Não se esqueça de deixar uma pequena margem nos quatro lados do papel. Para tanto, as linhas devem começar e terminar dentro do papel, a uma pequena distância de suas bordas, de maneira que a margem vá se constituindo à medida que o trabalho vai sendo feito; Procurar dar uma regularidade ao conjunto de traços, mantendo a mesma pressão do lápis sobre o papel, a mesma velocidade na execução das linhas e o mesmo espaço entre as linhas. Note que esses cuidados não visam à obtenção de um resultado geometricamente rigoroso nem atender a um outro critério qualquer de correção, mas sim uma certa regularidade na ação que vai ter como efeito um certo padrão que vai imprimir uma certa identidade visual ao trabalho. Vê-se que é um exercício de ação reiterativa, o que não deve ser confundido com um fazer mecânico. Procure se concentrar no exercício e deixar o corpo numa posição confortável e relaxada para que o movimento da mão transcorra regularmente. Acompanhe com o olho a ponta do lápis, como se cada instante contivesse um acontecimento novo. Mantenha o corpo atento, esvazie a mente e procure não pensar em nada, como numa meditação zen-budista.

Desenho 1

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Exercícios

3

Gradação tonal: linhas horizontais em três níveis

Preencher uma folha de papel A3 com linhas horizontais, fazendo gradações tonais em três níveis, indo do mais claro para o mais escuro.

Preparativos 1. Você já sabe como prender a folha de papel na parede ou na prancheta e acomodá-la no cavalete. E você já percebeu também como este procedimento facilita o trabalho e deixa o seu desenho mais limpo. Transforme isso num hábito! Seja o primeiro a valorizar o seu próprio trabalho! 2. Use um lápis 6B. Refaça a ponta dele se necessário. Com isso você evita interromper o exercício para refazer a ponta depois de o ter começado. 3. Leia todo o texto relativo ao exercício antes de realizá-lo.

Instruções Você deve preencher toda a superfície do papel com linhas horizontais, sempre indo da esquerda para a direita e voltando da direita para a esquerda, como nos exercícios anteriores. Use agora somente a ponta do lápis e não a lateral da ponta. Neste exercício, as linhas devem ser feitas com tonalidades diferentes. Isso significa que ao fazê-las você deverá regular a pressão exercida pela ponta do lápis sobre a superfície do papel.

76 Lincoln Guimarães Dias


As linhas devem ser equidistantes, mas você deve organizálas em grupos de três: a primeira deve ser feita em uma tonalidade bem clara, isto é, exercendo uma pressão suave da ponta do lápis sobre o papel; a segunda deve ser um pouco mais escura e, para tanto, deve-se fazer um pouco mais de pressão; a terceira será feita com mais pressão e será a mais escura de todas. Procure fazer com que a segunda linha tenha uma tonalidade exatamente intermediária entre a primeira e a terceira. Supondo que da primeira até a terceira linha há uma gradação tonal que vai do mais claro até o mais escuro, imagine que a segunda linha esteja exatamente no “meio” do caminho desta gradação Depois de ter feito a terceira linha, repita os procedimentos relacionados às três primeiras linhas sucessivamente, até que toda a superfície da folha esteja preenchida com linhas horizontais. Não se esqueça de que o movimento da mão com o lápis deve ser de vai-e-vem, quer dizer, indo da esquerda para a direita e voltando da direita para a esquerda. Procure fazer o exercício calmamente, sem pressa, mas também sem uma lentidão exagerada. Procure encontrar um ritmo calmo. Procure evitar a sensação de ansiedade devido ao desejo de concluir logo o exercício. Evite iniciar ou terminar as linhas de modo displicente. As extremidades das linhas devem ser precisas e estar alinhadas com as anteriores. Acompanhe com o olho o deslizamento da ponta do lápis sobre o papel. Isso vai aumentar a sua sensibilidade para perceber as diferenças sutis entre as qualidades das linhas e vai também aumentar o seu poder de concentração, o que lhe vai ser útil inclusive em outras atividades não artísticas.

Desenho 1

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78 Lincoln Guimar達es Dias


4

A textura

É possível que você já tenha participado daquela brincadeira que consiste em enfiar a mão em um saco de pano para apanhar um objeto que lá se encontra, mas que você não sabe ainda qual é. O objetivo é adivinhar qual é o objeto e o material de que ele é feito sem vê-lo, tendo como referência somente o toque da mão. Alguns dados podem ser decisivos; por exemplo, se a matéria-prima é leve ou pesada, mole ou dura ou se retém mais ou menos calor. São aspectos sensíveis ao tato e que informam sobre a natureza do material em questão. Mas há ainda um outro, de grande importância para o desenho e que não se confunde com peso, consistência ou temperatura. Trata-se da textura, um conjunto de informações que se encontra na superfície das coisas e que fazem parte mesmo desta superfície. Textura é o nome que damos para o conjunto das qualidades visuais e táteis que encontramos nas superfícies das coisas materiais. Todas as coisas visíveis têm uma superfície e todas as superfícies possuem textura, que pode ser lisa, áspera, rugosa, granulada, tramada, trançada, estriada etc. A textura é sentida prioritariamente Desenho 1

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pelo tato, mas, diferentemente dos outros dados descritos acima, pode também ser percebida pelos olhos. Pode-se também definir a textura como uma organização de partículas, semelhantes a pequeninos pontos ou linhas, que se acumulam ou se entrecruzam, configurando um padrão que pode ser homogêneo ou não. A textura e a cor compreendem os aspectos aparentes das superfícies, mas uma não se confunde com a outra. O termo deriva das palavras “texto” e “tecitura” e remete às ideias de trama e tecido. Você certamente já observou que os tecidos tem diferentes qualidades de superfície, conforme as características da fibra, o modo como são tramados etc. A seda e o voil, por exemplo, possuem uma textura muito sutil e discreta. É preciso chegar muito perto e apertar os olhos para perceber os seus padrões de organização. O brim e o gorgurão, ao contrario, possuem texturas muito mais evidentes, tanto para os olhos quanto para o toque. Evidentemente, muitas superfícies não se organizam em tramas, mas ainda assim, chamamos de texturas os padrões visuais e táteis que percebemos em suas superfícies. Os cabelos humanos e a lã, quando ainda na pele do carneiro, por exemplo, apesar de serem fibras, não aparecem trançados e sim em grandes fluxos. A areia da praia, por sua vez, não se organiza em fibras que se trançam, mas em grão que se aglomeram. O jogo citado acima pode parecer excessivamente infantil, mas nos surpreende ao revelar o estado de nossa capacidade de reconhecer as coisas somente pelas suas características táteis. A noção de textura pressupõe, acertadamente, que a matéria tem um jeito próprio de se organizar e que esse jeito se reflete na maneira como a sua superfície é percebida. Para o desenhista, esse tipo de percepção é muito importante, pois ele procurará um meio de traduzir estas impressões táteis e visuais em padrões gráficos no desenho capazes de identificá-las. É importante ressaltar que ao falarmos em representação das texturas no desenho não desejamos fazer um voto de realismo ex80 Lincoln Guimarães Dias


cessivo: na verdade, na maioria absoluta das vezes, o artista não

Imagem 43

faz em seu desenho texturas rigorosamente semelhantes ao modelo

Estudos de texturas variadas com

observado e, por vezes, não há de fato semelhança alguma. Quase

lápis grafite, progresso e borracha;

sempre as texturas desenhadas atingem o objetivo representativo,

Lincoln Guimarães.

quando é o caso, por uma espécie de sugestionamento imagético, que é reforçado pelos contrastes que o desenhista cria com outras texturas por ele mesmo realizadas no seu desenho. As texturas podem ser realizadas no desenho de inúmeras maneiras, conforme diferentes modos como seguramos e movimentamos o lápis. O resultado da textura depende também da velocidade do nosso gesto e da pressão do grafite que aplicamos sobre o papel. É certo que a textura no desenho pode ter como função representar a superfície de alguma coisa. Mas a textura pode ser também um elemento constitutivo do desenho, mas que não representa nada, seja somente um padrão gráfico, obtida por um modo particular de manipular o lápis. Os grãos de areia da praia são transpostos para o desenho como pontos que, não raro, viram grandes manchas nas quais perdem a sua individualidade. Desenho 1

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Exercícios

4

Seis texturas diferentes.

Exercitar, numa folha de papel A3, seis texturas diferentes.

Materiais necessários Algumas folhas de papel formato A3, lápis 6H, B e 6B um rolo de fita crepe e um estilete.

Preparativos 1. Leia o texto anterior, relativo à textura antes de iniciar o exercício. Assim você saberá mais claramente o que é a textura, qual a sua função no desenho e qual é a finalidade deste exercício. 2. Assista aos vídeos que mostram a produção das texturas. Assim você terá uma noção mais clara de como segurar o lápis, de como são os movimentos e ritmos e também do comportamento do papel ao receber o atrito do grafite. 3. Prenda o papel na prancheta do modo habitual. 4. Verifique se a ponta do lápis está feita adequadamente. 5. Evidentemente, é possível usar muitos outros lápis para fazer uma mesma textura, mas agora trabalharemos apenas com os três citados para que o exercício não fique excessivamente complexo.

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Instruções básicas Neste exercício, não importa muito a quantidade de texturas que você produzirá, nem quantas folhas de papel A3 você vai precisar. Tampouco importam os tamanhos das áreas que você vai preencher, as distâncias entre elas e o modo como aparecem organizadas no papel. O que importa de fato é que você pratique a produção das diferentes texturas, observando atentamente os diferentes modos de manejar o lápis, o ritmo, a velocidade e a pressão do seu gesto e também os resultados alcançados. Evite pressionar o lápis com força, para não amassar a textura característica do papel. Procure sempre aprimorar estes resultados. Repita muitas vezes a mesma textura. Apresento abaixo as instruções para fazer cada uma delas: 1. Para esta textura, sugiro o uso do lápis 6B. Segure-o com todos os dedos, conforme mostra no vídeo sobre texturas, e mantenha-o inclinado de modo que a lateral da ponta fique em contato com o papel. Com o lápis nesta posição, faça movimentos circulares de modo rápido e suave, o que vai resultar numa textura esfumaçada. 2. Para esta textura, sugiro o uso do lápis B. Segure-o do modo como se faz para escrever, porém, na extremidade oposta à ponta, conforme mostra no vídeo sobre texturas. Apóie o dorso da mão sobre a mesa e faça movimentos de vaivém, de modo rápido e suave, o que vai resultar numa textura de linhas retas, como feixes de fibras. 3. Esta textura é feita pela sobreposição das duas texturas que você já exercitou: faça a textura nº 1 e depois faça a nº dois sobre ela, sempre de modo suave. Para que o resultado seja mais facilmente compreendido, sugiro que os dois passos sejam feitos com o lápis B. 4. Esta textura é feita por várias sobreposições da textura nº 2, variando a direção dos movimentos. Use o lápis B. 5. Esta textura é feita em duas etapas: primeiro, faça a textura nº 1, com o lápis 6B. Em seguida, faça sobre ela a textura nº 2, porém usando o lápis 6H. Este lápis tem o grafite muito duro e, por isso, não vai acrescentar novas tonalidades à textura. A sua função é dar um polimento no trabalho executado com o lápis 6B Esta textura é semelhante à anterior: usa-se o lápis 6B para fazer a textura e o 6H para dar um polimento. Faça a textura nº 2 com o 6B e, sobre ela, repita esta mesma textura com o 6H. Desenho 1

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Exercícios

5

Desenho da mão espalmada

Desenhar a sua própria mão, contornando-a espalmada sobre uma folha de papel.

Instruções básicas Neste exercício, você vai desenhar a sua própria mão, partindo de um contorno a ser feito sobre ela mesma apoiada sobre o papel com a palma voltada para cima. Se você é destro, desenhe a sua mão esquerda e se é canhoto, desenhe a sua mão direita. A definição do formato da mão será facilitada devido ao uso do contorno. No momento seguinte, você vai adicionar ao desenho as linhas da palma da mão, distinguindo as mais fortes das mais suaves por meio de traços mais escuros ou claros e também a unha do polegar, se esta ficar visível para você. Depois disso, você vai demarcar as áreas mais iluminadas e menos iluminadas de sua mão, tal como você a vê sobre o papel. Para que o exercício funcione, é preciso que você posicione a sua mão de modo a poder ver áreas com diferentes graus de claro e escuro. Para este exercício, você vai precisar dos seguintes materiais: uma folha de papel canson A4; a folha de papel paraná, lápis 6B, 3B, H e 3H; uma borracha sintética, um pedaço de pano branco limpo e macio, um estilete e um rolo de fita crepe. Antes de começar o trabalho, verifique se estes materiais estão em perfeitas condições de uso e disponha-os sobre a mesa, de modo que estejam à mão no momento em que você precisar deles. Leia todos os passos do trabalho antes de iniciá-lo. Com a fita crepe, prenda firmemente uma

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folha de papel canson A4 sobre a folha de papel paraná e acomode-a sobre uma mesa.

Passos Estenda a sua mão sobre a folha, de modo que o pulso e a ponta de todos os dedos toque no papel. Preste a atenção no polegar: cuide para que ele não fique com a ponta elevada. Mantenha a mão fixada na posição, sem mexer os dedos enquanto estiver fazendo o contorno. Agora, com o lápis 6B, faça lenta e cuidadosamente o contorno da mão, incluindo o pulso. Avance com o lápis sempre encostado na mão, para que esta lhe sirva de apoio e molde. Leve em conta que o traço do lápis 6B é naturalmente escuro. Deslize-o suavemente sobre o papel sem apertar. Você verá que, devido às suas formas arredondadas, a mão espalmada não vai lhe indicar com precisão o percurso a ser seguido pelo lápis. Para lidar com isso, basta segurar o lápis, mantendo-o sempre na posição vertical. Repare que os dedos e as laterais da mão possuem curvas sutis. Passe o lápis vagarosamente por cada um desses pontos com a finalidade de captar estas curvas. Ao final desta etapa, você terá uma silhueta bastante fiel de sua própria mão. Retire a mão do papel e, com a ajuda do lápis B, cubra toda a área da mão com uma das texturas que você praticou no exercício anterior. Sugiro o uso da textura número um ou cinco, mas você pode usar qualquer uma delas. Faça este trabalho suavemente, de modo que a mão não fique excessivamente escura. Depois disso, improvise uma pequena trouxinha redonda com o pano branco e esfregue-a suavemente sobre o desenho da mão para tornar a textura esfumaçada e suave. Você vai notar que estas operações vão fazer com que a textura ultrapasse os limites do contorno da mão. Não há problema nisso. Depois, com a borracha, você vai corrigir isto. Mas é importante que toda a área da mão seja coberta, de modo que é Desenho 1

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melhor ultrapassar o contorno do que deixar áreas brancas sobre a mão devido ao receio de ultrapassá-las. Feito isso, com o estilete: corte um pequeno pedaço da borracha de modo a fazer uma ponta aguda, porém firme. Com esta ponta, você poderá apagar as partes da textura que ultrapassaram o contorno sem apagar o próprio contorno. Esta textura é a preparação para se demarcar as zonas de maior e menor luminosidade que você percebe em sua mão quando espalmada sobre o papel. Recoloque agora a mão sobre ele, para que você possa voltar a ver as áreas nas quais ela está mais clara ou mais escura. Agora você deverá demarcar as áreas mais claras e mais escuras, de acordo com as condições de luz. Será necessário recolocar a mão várias vezes sobre o papel para observá-la, retirá-la em seguida para desenhar e depois recolocá-la. Nas regiões que se mostram mais escuras, você deve ir com o mesmo lápis e reforçar lenta e suavemente a textura. Nas regiões mais claras, você deve usar a borracha, também de modo delicado, para clareá-las. Não se trata de apagar a textura e sim de deslizar suavemente a borracha sobre ela para torná-la pouco a pouco mais clara. Não se preocupe com precisão. Este trabalho vai resultar naturalmente “borrado” e isto faz parte dele. Preocupe-se somente em manter-se concentrado e calmo durante o trabalho, observando sempre a mão, os procedimentos e os resultados do trabalho. A tarefa é particularmente sutil. Assista ao vídeo para que você possa ter uma melhor ideia de como executá-la. Agora, é preciso acrescentar as linhas da mão. Você já deve Ter reparado que algumas delas são mais marcadas que outras e, por isso, nós as percebemos mais escuras. Outras, por sua vez, são extremamente claras e suaves. Comece com o lápis 3H, fazendo todas elas com a mesma tonalidade. Em seguida, escureça somente aquelas que você percebe com um tom médio, usando o lápis H. Por fim, com o lápis B, escureça aquelas que são as mais marcadas. Com isso, você terá reduzido as linhas de sua mão em três tonalidades básicas.

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Não se esqueça de que onde a mão está mais iluminada, as linhas também tenderão a ser mais claras. Para concluir o trabalho, recoloque a mão sobre o papel e verifique a sombra projetada por ela sobre o papel. Com o lápis B demarque e pinte esta sombra suavemente. Ela deve ficar ligeiramente mais escura que as parte mais escuras da palma da mão. Você verá que, com isso, se produzirá um efeito de volume na mão, que parecerá “saltar” da folha. Feito isto, o exercício estará concluído.

Desenho 1

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5

A composição

No desenho de observação o problema da composição está vinculado à necessidade de perceber o espaço tridimensional que está sendo observado não como constituído de objetos, edifícios, árvores ou pessoas concretas mas sim de linhas, formatos, volumes, cores e texturas. Em outras palavras, é importante que o desenhista, sem desconsiderar o que são as coisas que ele observa, desenvolva o hábito de percebê-las como conjuntos de elementos plásticos. Esse tipo de percepção vai ajudá-lo no trabalho de traduzir o que vê para as possibilidades do lápis e papel ou, se for o caso, do material outro que estiver sendo usado. Podemos pensar, a princípio, que uma cadeira é somente uma cadeira e que percebê-la como uma configuração de elementos plásticos abstratos não vai aumentar o nosso conhecimento a respeito dela e tampouco nos fornecer ajuda para desenhá-la. No entanto, esse modo de olhar provoca transformações decisivas na nossa percepção. Passamos a ter mais consciência, por exemplo, das porções Desenho 1

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de espaço que se encontram entre uma forma ou outra ou entre um objeto e outro. Temos a tendência de concentrar o nosso olhar nas coisas concretas, um hábito mental muito próprio de uma cultura excessivamente utilitária. Mas quando vemos, por exemplo, duas pessoas conversando, com os rostos próximos um do outro, percebemos que as linhas das silhuetas configuram um espaço outro, que não é o do primeiro rosto nem do segundo, mas da extensão de espaço que está entre os dois. Os artistas chamam este tipo de espaço de “forma negativa”, enquanto o espaço dos rostos são chamados Imagem 44

de “formas positivas”. As formas positivas são os espaços “cheios”,

Desenho de observação ;

ocupados pelas coisas maciças que vemos. As formas negativas são os espaços “vazios”, aquelas

Lincoln Guimarães.

áreas que se encontram nos intervalos entre as primeiras, nas quais aparentemente não há nada. Damo-nos conta de que, no desenho, esses espaços vazios são tão importantes quanto os cheios. Precisamos tratá-los como espaços tão “reais” quanto os espaços cheios. Observe nas figuras 44 e 45 Imagem 45 Vista de uma cadeira com dois pontos de fuga

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a importância dos espaços vazios na dinâmica da composição.


Imagem 46 Desenho de observação de Lincoln Guimarães.

Desenho 1

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6

O desenho cego

Já que falamos de desenho de observação, é útil falar também sobre aquele que, aparentemente, é o seu oposto, o desenho cego. Mas a cegueira a que me refiro aqui é seletiva. Do mesmo modo como fazemos no desenho de observação, no desenho cego nós também observamos o objeto que está sendo desenhado. Na verdade, nós o observamos de um modo ainda mais concentrado e penetrante do que fazemos no próprio desenho de observação. Estranho? A princípio sim, mas já explico: No desenho cego, o que não vemos de fato é o próprio desenho que estamos fazendo durante o tempo em que o estamos fazendo. Permanecemos todo o tempo com o nosso olhar fixado no objeto e procuramos desenhar o que vemos sem olhar para o desenho. Deste modo, não temos como monitorar os passos do trabalho, checar se as marcas que registramos no papel se assemelham ao que vemos, avaliar os resultados provisórios e fazer correções. Tal tarefa pode parecer, a princípio, absurda e fadada ao fracasso. Como um desenho feito nestas condições pode dar certo? É evidente que ele vai resultar num conjunto de rabiscos desencontrados, que apenas vagamente poderá se parecer com o modelo observado. Nos cursos de desenho artístico que já ministrei em caráter preDesenho 1

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Imagem 47

sencial, encontrei sempre muita resistência por parte dos alunos aos

Desenho cego de Lincoln Guimarães

exercícios de desenho cego que faziam parte do programa. Sempre foi necessário expor muitos argumentos e dedicar um bom tempo para explicar que, apesar de aparentemente absurdo, esse tipo de desenho já comprovou ser extremamente útil nos progressos dos alunos. No entanto, é importante reconhecer que as objeções dos alunos não são destituídas de sentido: de fato, os desenhos cegos, quando prontos, não ficam semelhantes aos objetos e espaços que lhes serviram de modelo. E não há como ficar. O mais difícil é lidar com o próprio momento da prática, é resistir à tentação de olhar e resistir ao ímpeto de abandonar a tarefa por considerá-la bizarra. É se manter desenhando e levar a tarefa em frente e se esforçar para compreender claramente o seu verdadeiro propósito. Para se fazer um desenho cego, é preciso partir do princípio de que o seu objetivo não é ficar semelhante ao modelo. Na verdade, a intenção não é fazer uma representação do objeto que se observa e sim registrar as nossas percepções dele nos instantes exatos em que as temos. Não são retratos de coisas concretras e sim registros de movimentos perceptivos. O desenho cego nos ajuda a desenvolver a nossa percepção visual e, portanto, a ver mais profundamente, evitando a intervenção dos nossos gostos, juízos de valor e preconceitos visuais inconscientes. Isso porque ele não permite que confrontemos os resultados do que desenhamos com as imagens mentais e informações prévias que trazemos a respeito dos objetos que desenhamos. De certo modo, o desenho cego é uma espécie de tratamento de choque, um

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modo radical de descondicionar a nossa percepção e forçar a nossa mente a trabalhar de uma outra maneira.

Imagem 48 Desenho cego de Lincoln Guimarães

Podemos dizer que esta “outra maneira de perceber” se caracteriza basicamente pela adesão absoluta aos contornos, formatos, texturas e tonalidades da coisa que estamos a desenhar e a exclusão completa do entendimento conceitual que trazemos a respeito dela. Se desenhamos uma pequena planta com algumas poucas folhas, por exemplo, o exercício do desenho cego nos colocará em contato visual estreito com cada uma das qualidades plásticas constitutivas destas folhas. Sem acompanhar visualmente os progressos do desenho, não temos como verificar se os resultados se parecem com a imagem mental que temos daquelas folhas. A diferença pode parecer sutil demais. Possivelmente você imagina que esta imagem mental não seja tão nociva assim e que o desenho cego não irá fazê-lo enxergar melhor e mais profundamente, apenas fará com que você desenhe errado! Mas a coisa não é assim! A imagem mental da folha, esta que o desenho cego vai excluir da experiência, se estivesse presente, certamente iria entrar em conflito, na sua mente, com a presença visual de cada uma das folhas que você efetivamente vê. Você tenderá, inclusive, a desenhar todas elas iguais, por acreditar que todas as folhas de uma mesma planta são necessariamente iguais. Sim, por fazerem parte de uma mesma espécie vegetal, estas folhas são de fato iguais. Mas esta Desenho 1

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Imagem 49

igualdade é um dado do seu conhecimento e não uma evidência vi-

Fazendo um desenho cego

sual. Considerando o ponto de vista a partir do qual você as observa e as posições específicas com que cada uma aparece para você, elas não são iguais. Por não permitir as checagens e correções, o desenho cego nos força a ficar permanentemente em contato somente com o que percebemos por meio da visão. Provavelmente, você terá alguma dificuldade em aceitar esta ideia num primeiro momento. No começo, o exercício se mostra bastante árduo, devido às dificuldades que normalmente temos em nos manter desempenhando uma tarefa cujo propósito não conseguimos compreender direito. Mas depois de alguma prática vamos, pouco a pouco, aprendendo a nos entregar ao trabalho, a obter prazer com ele e também a apreciar os resultados. O desenho de observação e o desenho cego possuem diferenças decisivas no modo como são feitos e estas diferenças são fundamentais para o aprendizado do desenho. No primeiro, as ações de olhar e desenhar acontecem em instantes diferentes: primeiro você olha o objeto e depois olha para o papel e procura desenhar o que viu. Em seguida, volta a olhar o objeto e olha de novo o desenho para verificar se está alcançando o efeito de semelhança. Na verdade, nesta prática, quando está desenhando, você não vê e quando vê, você não desenha. No desenho cego, é possível, e mesmo imprescindível, fazer as duas coisas ao mesmo tempo. Enquanto o seu

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olhar percorre um contorno do objeto, a sua mão procura realizar um movimento correspondente sobre o papel deixando neste o registro gestual análogo à forma observada. O desenho acabado não será verossimilhante porque você não terá como articular um gesto com o seu anterior e o seu posterior. Por esta razão, o desenho não será uma representação, mas o registro de uma sucessão de gestos manuais correspondentes à percepções visuais. Ao invés de um mapeamento espacial, o desenho será um registro temporal. O desenho cego, que os estudantes tendem a considerar, a princípio, como inadequado para se produzir desenhos “bons”, é, na verdade, o melhor exercício para se conseguir, com eficiência, que os alunos venham a fazer bons desenhos. Mais importante ainda que isto é o fato de que este exercício recupera a capacidade que demonstrávamos, em criança, para nos maravilhar e a noção do belo que víamos nas coisas mais corriqueiras1. Sua perícia para enxergar e aptidão para desenhar progredirão rapidamente. A tendência é de que os rabiscos estereotipados e com o lápis apertado sobre o papel serão substituídos por registros genuinos de percepção2. No desenho cego, interessam a qualidade das marcas deixadas sobre o papel. É desejável que estas marcas, sejam posteriormente transferidas para os desenhos de observação que você vai fazer posteriormente. É importante também que você leve para os próximos desenhos a atitude de concentração e de observação cuidadosa e penetrante que o exercício do desenho cego nos ajuda a desenvolver.

1 Betty EDWARDS. Desenhando com o lado direito do cérebro. Rio de Janeiro: Ediouro, 2001, p.113. 2 Betty EDWARDS. Desenhando com o lado direito do cérebro. Rio de Janeiro: Ediouro, 2001, p.114.

Desenho 1

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Exercícios

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Três desenhos cegos da mão

Desenhar a sua própria mão, observando-a diretamente, porém sem desviar os olhos dela e, sobretudo, sem olhar para o desenho durante o trabalho. Faça três desenhos, modificando ligeiramente a posição da mão e o ponto de vista em cada um deles.

Materiais Necessários Para este exercício, você vai precisar de uma folha de papel A3, lápis 6B, um rolo de fita crepe e uma mesa de trabalho.

Instruções básicas O desenho cego, ao contrário do que o nome parece sugerir, não é feito de olhos fechados. Tratase, na verdade, de um desenho de observação radical. Radical porque o desenhista não cessa de observar o modelo durante todo o tempo de trabalho. Evidentemente, o desenho resultante não fica semelhante ao objeto observado. O desenho registra, na verdade, não o objeto observado, mas os movimentos perceptivos do desenhista. O desenho cego é um desenho de observação radical porque ele registra não o objeto, mas sim a própria observação. Como faz parte do exercício não olhar o desenho, você não terá como saber quando ele estará “pronto”. Na verdade, trata-se de um desenho que não tem “conclusão”, pois você não estará desenhando um objeto e sim a sua própria observação. Por isso, o critério que usaremos para determinar o encerramento do trabalho será o tempo despendido 98 Lincoln Guimarães Dias


nele. Use dez minutos para cada desenho. Se você fizer este exercício no polo, o tutor vai se encarregar de contar o tempo e avisá-lo quando este estiver esgotado. Se você estiver trabalhando em casa, use um despertador, para não haver a necessidade de dividir a atenção entre o trabalho e o relógio. Leia o texto que trata deste tema antes de iniciar este trabalho. Leia também todo o enunciado do exercício antes de começá-lo.

Passos Prenda firmemente, com fita crepe, o papel sobre a folha de papel paraná. Se você é destro, desenhe a sua mão esquerda e se você é canhoto, desenhe a sua mão direita. Posicione-se um pouco de lado para a mesa, de modo que você possa, dobrando um pouco o braço que vai desenhar, situar o papel ligeiramente atrás de você. Apoie o dorso da mão suavemente sobre a mesa, com os dedos ligeiramente curvados. Você vai notar que o polegar estará ligeiramente na frente de alguns dos outros dedos. A posição relaxada da mão vai permitir a percepção clara de muitas rugas na palma da mão e entre as falanges dos dedos. Assim que encontrar esta posição, você estará pronto para iniciar o trabalho. Agora, observe atentamente a sua mão, as arestas que fazem a sua silhueta, as arestas que formam as rugas, a posição do polegar com relação aos demais dedos. Comece a desenhar por onde quiser e faça tudo pausadamente. Movimente lentamente o seu olho, acompanhando o percurso das arestas, como se estivesse apalpando-as com o olhar. Ao mesmo tempo, e no mesmo ritmo do movimento de seu olhar, deslize o lápis sobre o papel, procurando traduzir com esta ação o movimento dos olhos. O tempo todo você ficará tentado a olhar o papel para verificar os resultados do desenho. Resista! Não olhe o desenho até que o tempo termine.

Desenho 1

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Perspectiva - o cubo

Ao ler esta parte do texto, é interessante ter à mão algum objeto que tenha a forma cúbica, pois isto tornará a leitura menos tediosa e facilitará enormemente o entendimento. Há um brinquedo chamado cubo mágico que é ótimo para isso. Na falta dele ou de algo semelhante, é válido usar um objeto que sirva como hexaedro, ainda que as faces não sejam iguais. Sugiro o uso de uma caixa de xarope ou de duas caixas de fósforos coladas uma sobre a outra pelas faces maiores. Tendo isto à mão, façamos uma rápida análise do cubo, de maneira a identificar os diferentes elementos que o compõe. Vamos considerá-lo, a princípio, não como um objeto concreto e singular, definido pela sua materialidade, mas como uma forma ideal e abstrata, definida pela sua configuração geométrica. O cubo possui seis faces quadradas de tamanhos e proporções rigorosamente iguais, organizados de modo a originar um hexaedro regular, fechado e simétrico. Cada face do cubo está em contato direto com outras quatro, que se posicionam ortogonalmente a ela. Para cada face existe também uma outra que lhe é paralela, mas com a qual ela não tem contato direto. Assim, o cubo pode ser estruturalmente descrito como um volume fechado e simétrico, constituído de seis faces Desenho 1

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Imagem 50

iguais que se relacionam por paralelismo e ortogonalidade. Por não

Desenho a grafite de Nelma Pezzin

haver distinção entre as seis faces, quando colocamos um cubo sobre uma superfície horizontal, podemos apoiá-lo sobre qualquer das faces e o resultado estrutural será o mesmo. É justamente isso que torna possível o uso de dados em jogos de azar. O cubo possui também doze arestas, que surgem do encontro ortogonal das bordas das faces. Cada aresta é borda de duas faces simultaneamente. As extremidades das arestas se encontram ortogonalmente em grupos de três, dando origem as oito quinas do cubo. Cada quina é, portanto, um ponto de convergência de três faces do cubo. Podemos dizer, então, que cada aresta faz parte, simultaneamente, de duas faces do cubo. E cada quina faz parte, simultaneamente, de três faces do cubo. Em resumo, o cubo possui: 6 faces 12 arestas 8 quinas 24 ângulos retos O cubo é a forma mais elementar capaz de mostrar com clareza as três dimensões do espaço euclidiano, que são altura, largura e profundidade. Por isso, ele é útil a esta parte dos estudos.

102 Lincoln Guimarães Dias


Imagem 51 Passo a passo para se desenhar o cubo por observação; esquema de Lincoln Guimarães.

Desenho 1

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Exercícios

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Cubo com fotografia

Desenhar um cubo, mostrando duas faces laterais e uma superior, a partir da observação de uma fotografia.

Preparativos 1. Desta vez o papel a ser usado terá o formato A2, que tem o dobro do tamanho do papel usado nas atividades anteriores. 2. Com a ajuda de régua e esquadros, desenhe sobre a folha de papel A2 um retângulo do tamanho da fotografia do cubo que se encontra neste livro em página destacável. 3. Feito isso, recorte as laterais do papel A2 que restaram fora do retângulo. O exercício será feito neste retângulo, que mede duas vezes o tamanho da fotografia. Você fará, portanto, um desenho ampliado, duas vezes maior que a fotografia original. Isso significa que todas as medidas que você obtiver por meio da vareta de medição deverão ser dobradas. 4. Prenda o retângulo de papel na prancheta do modo habitual. Em seguida, prenda a fotografia à sua esquerda se você for destro ou a sua direita se você for canhoto. A fotografia também deve ficar posicionada à altura do olho e estar muito bem aprumada. 5. Use um lápis 6B, certificando-se de que a sua ponta está feita adequadamente. 6. Neste exercício, serão usados ainda dois equipamentos simples de apoio, que são o medidor de ângulos e duas varetas de churrasco. Aqui você pode também eventualmente usar uma bor-

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racha. Certifique-se de que estes equipamentos estão com você e adequadamente preparados para o uso. 7.

Leia todo o texto relativo ao exercício antes de começar

a realizá-lo.

Instruções básicas Você fará agora o seu primeiro desenho de observação dentro deste curso. O objeto a ser desenhado, um cubo, não será observado diretamente, mas sim por meio de uma fotografia. Este procedimento apresenta duas vantagens: a primeira é que a fotografia já se apresenta como uma imagem em duas dimensões, do mesmo modo que o desenho sobre papel. Portanto, neste exercício, ainda não será necessário converter as impressões de um objeto tridimensional para um espaço bidimensional. A segunda é que a fotografia apresenta o objeto a ser desenhado já dentro de um determinado enquadramento espacial com limites já demarcados pelas suas bordas. Neste recorte, já estão definidos o ponto de vista a partir do qual o objeto é percebido, os elementos constitutivos do espaço à sua volta, as proporções, o jogo de iluminação com as suas determinações de claro e escuro e as inclinações das linhas de perspectiva que se dirigem para a profundidade do enquadramento. Isso significa que quando você desenha observando uma fotografia todas as questões de composição já aparecem resolvidas na própria fotografia. Você precisa somente reproduzir os formatos das áreas, levando em conta os tamanhos e os ângulos de inclinação das linhas. Antes de começar, observe o cubo que aparece na fotografia. Sabemos que os cubos possuem seis faces, mas deste você só consegue ver três, um à esquerda, outro a direita e um superior. Sabemos também que os cubos possuem doze arestas, mas quando vistos deste ângulo, só é possível ver nove. Destas, três são verticais e seis são inclinadas. Apesar das arestas do cubo terem todas o mesmo Desenho 1

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tamanho, quando olhamos para ele, enxergamos cada uma com um tamanho diferente. Enxergamos as arestas horizontais do cubo inclinadas em diferentes ângulos. Certifique-se de que você percebeu claramente estes dados, pois, do contrário, você encontrará algumas dificuldades ao fazer o exercício.

Passos 1. Em primeiro lugar, lembre-se de que o desenho deve ser feito à mão livre, portanto, sem a ajuda de réguas ou esquadros. 2. Comecemos desenhando a aresta vertical que está entre o lado esquerdo e o direito do cubo. Vamos chamá-la de aresta vertical mediana. Primeiro, é preciso localizá-la no espaço do retângulo, de acordo com a fotografia. Para tanto, com a ajuda de sua vareta de churrasco, meça a distância horizontal que vai da margem esquerda da fotografia até a referida aresta (distância 1 no desenho 2). Agora, transporte esta medida para o seu retângulo de papel. Lembre-se de dobrar o tamanho, pois você fará o desenho numa escala duas vezes maior. Demarcada a localização da aresta do meio, desenhe uma linha vertical que irá representá-la. Faça isso levemente, sem apertar a ponta do lápis. Não se preocupe com o comprimento da linha, pois isto será visto no próximo passo. 3. Meça agora a distância vertical que vai da extremidade inferior da aresta do meio até a margem inferior da fotografia. Transporte-a para o papel e com isso você terá a localização exata da extremidade inferior da aresta do meio. O resto é simples: meça o tamanho da aresta do meio, dobre este tamanho e demarque-o no seu desenho. Agora, você já pode traçar com exatidão a linha que representa a aresta do meio, pois você já demarcou a sua localização no espaço e já mediu a sua extensão. 106 Lincoln Guimarães Dias


4. Agora, é preciso desenhar as outras duas arestas verticais: vamos chamá-las respectivamente de aresta vertical esquerda e aresta vertical direita. Meça a distância horizontal que vai da aresta do meio até a aresta esquerda. Transporte esta distância para o papel. Desenhe a linha que vai representar a aresta esquerda do mesmo modo que você fez com a aresta do meio. Agora repita a operação com a aresta direita. Feito isso, você terá demarcado as distâncias entre estas arestas e a aresta do meio. 5. Resta agora encontrar o ponto exato no qual se situam as suas extremidades inferiores e medir as suas extensões. Para isso, use o seu medidor de ângulos. Posicione uma das peças do medidor horizontalmente sobre a fotografia, de modo que a sua borda superior passe exatamente sobre a extremidade da aresta do meio. Agora posicione a outra peça do medidor de modo que a sua borda inferior fique exatamente sobre a aresta diagonal inferior esquerda. Feito isso, você terá o ângulo exato de inclinação desta diagonal. Transporte este ângulo para o seu desenho, faça a linha e com isso você terá realizado a diagonal inferior esquerda e terá encontrado a extremidade inferior da vertical esquerda. Resta agora medir o comprimento desta aresta na fotografia e transportá-la para o desenho. Faça agora uma linha, unindo as extremidades superiores das duas verticais e você terá realizado a diagonal mediana esquerda e terá concluído a face esquerda do cubo. 6. Repita agora o passo cinco para fazer a face direita do cubo. 7. Agora, é preciso fazer as duas diagonais superiores: à esquerda e a direita, e com isso, concluir a face superior do cubo. Para tanto, é necessário encontrar o ponto no qual se encontram estas duas diagonais, que corresponde à quina superior mediana do cubo, o seu ponto mais alto na fotografia. Este ponto corresponde também à extremidade superior da quarta aresta vertical do cubo, que poderíamos enxergar se o cubo fosse transparente (desenho 7). Desenho 1

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8. Coloque uma das varetas verticalmente sobre a fotografia, passando pela quina cuja posição queremos encontrar. A sua vareta ficará, portanto, na mesma posição em que se encontra a quarta aresta vertical não visível. Mantenha esta vareta aí e, com a outra, meça a distância que há entre ela e a vertical mediana (distância um na imagem oito). Agora transporte esta distância para o seu desenho, não esquecendo de dobrá-la. Demarcada a distância, desenhe levemente uma linha auxiliar, conforme o desenho 8. 9. Volte agora para a fotografia e meça a distância vertical que há entre a quina superior mediana e a diagonal mediana direita, que passa logo abaixo dela. Transporte esta distância para o desenho e você terá a localização exata da quina superior mediana. Resta agora, simplesmente, fazer duas linhas unindo este ponto às extremidades superiores das linhas verticais esquerda e direita. Com isto o exercício está concluído.

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Dois cubos com fotografia

Desenhar dois cubos sobrepostos, a partir da observação de uma fotografia, com a ajuda de varetas e medidor de ângulos.

Material necessário Uma fotografia dos dois cubos, que se encontra neste livro, em papel destacável, uma folha de papel formato A2, lápis H e 3B, uma vareta e um medidor de ângulos.

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Instruções básicas Este exercício é muito semelhante ao anterior. Trata-se de desenhar a forma cúbica, valendo-se dos mesmos métodos. Como se trata agora de dois cubos, a forma resultante é um pouco mais detalhada e complexa. No entanto, o exercício não apresenta problemas efetivamente novos. Por isso, não apresentarei novas instruções. Deixo que vocês mesmos encontrem o caminho para a realização do exercício, sabendo que devem usar os mesmos procedimentos usados no exercício anterior. Sugiro apenas que vocês façam primeiro o cubo de cima, pois este é o caminho mais fácil. É mais fácil porque você pode ver plenamente as suas três faces visíveis, enquanto o de baixo terá a face superior encoberta pelo cubo de cima. No entanto, aqueles que preferirem podem começar pelo cubo de baixo sem maiores problemas. Faça os preparativos exatamente como no exercício anterior.

Desenhar dois cubos sobrepostos, a partir da observação direta. Depois de tocar o papel com a ponta do lápis, não a retire mais do papel até que cada desenho esteja concluído. Faça três desenhos, modificando ligeiramente o seu ponto de vista em cada um deles. Use cinco minutos para cada desenho.

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Desenho cego de dois cubos sobrepostos

Material necessário Uma fotografia dos dois cubos, uma folha de papel formato A2, lápis H e 3B, uma vareta e um medidor de ângulos.

Desenho 1

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Instruções básicas Leia todo o texto relativo a este exercício antes de inicia-lo. Verifique se o lápis está com a ponta adequadamente feita. Você já sabe como fazer um desenho cego. Proceda da mesma maneira como no desenho cego da mão. Porém, neste trabalho, você não vai erguer o lápis do papel enquanto estiver desenhando. Cada vez que for necessário deslocar o lápis de um ponto do papel para outro, para dar continuidade ao desenho, você deverá deslizá-lo sobre o papel, produzindo uma nova linha. Esta regra vai se mostrar perturbadora a princípio, pois além do “incômodo” de desenhar sem ver o desenho, você será forçado a produzir linhas extras, que não fazem parte do modelo observado. Mais uma vez, lembre-se de que você não estará desenhando alguns cubos e sim o seu movimento perceptivo. Este trabalho é ainda mais radical que o desenho cego simples. Aquele registrou somente a sua observação da mão, o percurso do seu olhar ao acompanhar a extensão das arestas. Este vai registrar também os “saltos” dados pelo seu olhar quando ele sai de um ponto do modelo e vai pousar em outro. Você terá neste trabalho, portanto, um registro mais completo e profundo do movimento do seu olhar e de sua atitude perceptiva. Por se tratar de um desenho feito por observação direta, você vai fazer uso de um cavalete de desenho e este será feito na vertical. Posicione o seu cavalete a uma distância de aproximadamente quatro metros dos cubos. Coloque o cavalete” à sua frente, um pouco deslocado para o lado, para não obstruir a visão do cubo. Se você é destro, desloque-o um pouco para a direita; se você é canhoto, desloque-o um pouco para a esquerda. O papel estará fixado à prancheta que vai apoiada verticalmente no cavalete. Isso permite que você o contemple nas mesmas condições em que olha o modelo que será desenhado, sem precisar abaixar a cabeça e olhar de cima, que é o que ocorre quando o papel está apoiado sobre uma mesa. Você vai perceber, com o tempo, que este detalhe faz muita diferença. 110 Lincoln Guimarães Dias


Para este trabalho, você vai precisar de três folhas de papel canson A3, lápis 6B, a folha de papel paraná, um rolo de fita crepe, uma prancheta de madeira no qual caiba a folha de papel A3 e um cavalete de desenho.

Passos Prenda firmemente a folha de papel paraná com fita crepe sobre a prancheta. Sobre ela prenda em seguida o papel A3 no qual será feito o primeiro desenho. Apoie a prancheta sobre o cavalete, de modo que o centro do papel fique aproximadamente na altura de seu olho. Posicione-se na lateral do cavalete, de modo a ver perfeitamente os cubos, sem ver o papel. Se você é destro, fique na lateral esquerda do cavalete e vice-versa. Antes de iniciar o desenho, observe o modelo por alguns instantes. Todo ele é constituído de arestas retas. Tente perceber intuitivamente os comprimentos, as distâncias entre elas e os diferentes graus de inclinações que as arestas horizontais apresentam em função de seu ponto de vista. Comece o desenho por onde quiser. Mas não se esqueça de que, uma vez colocada a ponta do lápis sobre o papel, ela não deve ser mais retirada até que o tempo dedicado ao desenho tenha se esgotado. Use cinco minutos para fazer cada desenhe. Após concluir o primeiro, retire o papel da prancheta, prenda a segunda folha e repita a operação.

Desenho 1

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Cubo por observação direta

Desenhar um cubo, a partir da observação direta com a ajuda das varetas de medição e do medidor de ângulos.

Material necessário Uma folha de papel formato A2, lápis H e 3B, duas varetas de medição e um medidor de ângulos, um horizonte de bolso, um rolo de fita crepe e um estilete.

Preparativos 1. Este será o seu primeiro trabalho feito a partir da observação de um objeto concreto. O cubo deve estar, preferencialmente, sobre uma mesa de aproximadamente 50 centímetros de altura. O ideal é que a superfície e as laterais da mesa estejam totalmente cobertas com um grande pano branco opaco e fosco e esticado, para encobrir pormenores irrelevantes. 2. Instale o seu cavalete em um local a partir do qual você possa ver duas faces laterias e a face superior do cubo, a uma distância dele que esteja entre 3 e 6 metros. Trata-se de uma vista semelhante àquela que aparece na fotografia do cubo que você já desenhou. 3. Após encontrar o local adequado, posicione-se de frente para o cubo. Se você é destro, coloque o seu cavalete de frente 112 Lincoln Guimarães Dias


para você, mas ligeiramente deslocado para a direita, de modo que ele não obstrua a sua visão do cubo. Deste modo, você poderá confortavelmente desenhar com a mão direita e usar a vareta de medição com a mão esquerda. Se você é canhoto, desloque o cavalete para a esquerda. 4. Prenda o papel na prancheta do modo habitual. 5. Você usará o lápis 3H para fazer as linhas auxiliares e o 3B para fazer as linhas constitutivas do cubo. Certifique-se de que as pontas estão feitas adequadamente. 6. Neste exercício, serão usados ainda dois equipamentos simples de apoio, que são o medidor de ângulos e duas varetas de churrasco. Aqui você pode também eventualmente usar uma borracha. Certifique-se de que estes equipamentos estão com você e adequadamente preparados para o uso. 7. Leia todo o texto relativo ao exercício antes de começar a realizá-lo.

Passos 1. Antes de qualquer outra coisa, meça com a vareta a altura total e a largura total do cubo, tal como você as percebe a partir do ponto em que se encontra para desenhar. Certifique-se de que estas dimensões cabem dentro do seu papel e que o desenho não ficará pequeno demais em relação ao tamanho do papel. Se for este o caso, duplique, triplique ou quadruplique as medidas para que o desenho fique grande e você aproveite o máximo do espaço do papel. 2. O procedimento acima permite que você demarque no papel o local exato a ser ocupado pelo desenho do cubo antes de iniciá-lo. Por uma questão de comodidade, sugiro que você centralize o desenho. 3. Feita esta demarcação, faça, com o lápis H, uma leve linha vertical que será a aresta vertical mediana do cubo. Desenho 1

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4. Agora, coloque-se de frente para o cubo para observá-lo e começar o desenho propriamente dito. Fique atento, pois você deverá manter esta posição de observação durante todo o trabalho. 5. Observe o cubo e, com uma das varetas de medição, faça a medida desta vertical. Feita a medida, transporte-a para o papel e demarque o comprimento exato da vertical que você já fez. Agora, você pode escurecê-la, usando para isso o lápis 3B. Siga rigorosamente as instruções do texto que trata do uso das varetas de medição. Não se esqueça de duplicar ou triplicar as medidas se for o caso. 6. Em seguida, com o lápis H, faça sobre o papel, levemente, uma linha horizontal de referência que deverá passar pelo ponto mais baixo do cubo, isto é, na extremidade inferior da aresta vertical mediana que você acabou de desenhar. 7. Prossiga agora do modo como você fez ao desenhar o cubo pro fotografia: tire as medidas das distâncias entre a vertical mediana e as verticais laterais e as transporte para o desenho. 8. Na sequência, é preciso visualizar a inclinação das arestas diagonais inferiores. Para isso, instale o seu horizonte de bolso atrás da orelha e posicione a vareta de modo que ela passe sobre a extremidade inferior da aresta vertical mediana do cubo. Isso vai ajudá-lo a perceber com mais clareza os ângulos formados pela inclinação das arestas diagonais inferiores e a horizontal de referência representada pela vareta. E mais: você verá também que estes dois ângulos são diferentes. 9. Agora, com o medidor de ângulos, meça o ângulo formado pelo cruzamento da vareta com cada uma das arestas diagonais inferiores do cubo. Essa operação será um pouco desajeitada, pois você deverá manipular o medidor de ângulos e o horizonte de bolso ao mesmo tempo, ajustando um ao outro, sem perder de vista o cubo que está sob observação. 114 Lincoln Guimarães Dias


10. Encontrados os ângulos, é só transportá-los para os desenhos e, em seguida, medir o comprimento das verticais laterais e, por fim, ligar as extremidades superiores destas verticais. Com isso, você terá concluído as faces direita e esquerda do cubo. 11. Resta agora o lado superior. Para fazê-lo é preciso somente desenhar as duas diagonais superiores: a esquerda e a direita. Para tanto, é necessário encontrar o ponto no qual se encontram estas duas diagonais, que corresponde à quina superior mediana do cubo. Este ponto corresponde também à extremidade superior da quarta aresta vertical do cubo, que poderíamos enxergar se o cubo fosse transparente (desenho 7). 12. Você deverá proceder do mesmo modo como o fez no desenho do cubo com fotografia. Releia os passos 8 e 9 daquele exercício e os aplique neste. Obviamente, o que você fez naquele exercício observando uma fotografia você fará agora observando um objeto concreto. Com isto, o exercício estará concluído.

Desenhar três cubos, a partir da observação direta: o primeiro em 20 minutos, o segundo em 10 minutos e o terceiro em cinco minutos.

Instruções básicas Este exercício tem como finalidade fixar

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Três croquis do cubo

melhor o que você aprendeu nos exercícios anteriores e também estimulá-lo a realizar este tipo de desenho com mais agilidade e desenvoltura. Provavelmente, você levou um tempo longo para fazer os cubos. Agora que você já conhece os pasDesenho 1

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sos e já sabe lidar com os instrumentos, vamos desenhar mais rapidamente. Leve em conta que os instrumentos de aferição são úteis nas fases de aprendizado, mas que depois de alguma prática podem ser deixados de lado. A tendência é de que, depois de um certo tempo, você consiga perceber as distâncias e os ângulos sem precisar usar aqueles instrumentos. Mas enquanto isso não acontece, continue utilizando-os. Porém, procure fazer isso rapidamente, mas mantenha-se atento à precisão das medidas. Neste exercício, você deverá fazer três desenhos do cubo, todos a partir do mesmo ponto de vista. Na prática, os desenhos resultantes serão muito pareceidos. Espera-se que de um desenho para outro você vá ampliando a sua percepção do objeto em questão e também a sua familiaridade com os instrumentos. Para este trabalho, você necessitará de três folhas de papel formato A2, uma folha de papel paraná, lápis 6B, uma vareta e um medidor de ângulos, um rolo de fita crepe, um estilete, uma prancheta e um cavalete.

Passos 1. Coloque uma das folhas de papel A2 no cavalete e posicione-se diante do cubo do mesmo modo como feito no desenho do cubo por observação direta. 2. Quando o tutor der o comando, inicie o desenho seguindo os mesmos procedimentos do exercício anterior, porém, com agilidade. Durante os 20 minutos em que o primeiro desenho deverá ser feito, o tutor dará avisos periódicos sobre o tempo restante. Procure fazer o desenho com precisão, mas é prioritário que o desenho esteja pronto ao final dos 20 minutos. 3. Esgotado este tempo, anote no canto da folha que se trata do primeiro desenho feito em 20 minutos, coloque a data 116 Lincoln Guimarães Dias


e assine. Em seguida, retire a folha do cavalete e coloque uma nova para o segundo desenho. Não utilize o verso do papel. 4. O segundo e o terceiro desenho seguirão os mesmos procedimentos, porém, sempre com a metade do tempo do desenho anterior. 5. Se você estiver trabalhando em casa, sozinho, conte você mesmo o tempo no relógio.

Desenhar a partir da observação direta e com a ajuda dos instrumentos de aferição, três objetos que façam parte do seu cotidiano e que, em sua estrutura essencial, sejam semelhantes a um cubo.

Instruções básicas

12 Três objetos de

estrutura cúbica

Os sólidos geométricos, como o cubo ou a esfera, são úteis para o exercício e o aprendizado do desenho, mas não são, em si mesmos, objetos muito interessantes para desenhar. Na verdade, nós os desenhamos para aprender a desenhar outras coisas que tenham formato semelhante a eles. Por exemplo, uma geladeira, televisão, mesa, sofá, alguns computadores ou impressoras etc. Escolha três objetos deste tipo e os desenhe, usando os mesmos instrumentos e procedimentos que você utilizou para desenhar o cubo. Para este trabalho, você vai precisar de três folhas de papel formato A2, a folha de papel paraná, lápis H e 6B, uma vareta, um medidor de ângulos, um horizonte de bolso, um rolo de fita crepe e Desenho 1

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um estilete. Provavelmente, você não terá um cavalete em sua casa. Prenda o papel paraná sobre uma parede e prenda o papel canson sobre ela. Não é a condição ideal de trabalho, mas é a possível.

Passos 1. Em casa, provavelmente você não disporá de um cavalete. Use, então uma folha de papel menor, formato A3 e pregue-a sobre uma parede ou sobre uma mesa, conforme as condições de que você dispõe para trabalhar. 2. O ponto de vista é muito importante. Coloque-se em um ponto onde você possa observar duas faces do objeto em questão, uma à esquerda e outra à direita, assim como foi feito com o cubo (ver imagens x e y, página tal, no texto sobre o cubo). Assim, entre estas duas faces você terá uma aresta vertical mediana, que será o ponto a partir do qual você deverá iniciar o desenho. 3. Siga o roteiro que você seguiu para desenhar o cubo. Você verá que o objeto escolhido apresentará detalhes novos, não existentes no cubo. Tente desenhá-los também. 4. Não se preocupe se o seu desenho ficará “bonito” ou “bem feito”. Concentre-se em resolver bem as medidas, os ângulos e incluir o máximo de detalhes.

118 Lincoln Guimarães Dias


Desenho 1

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120 Lincoln Guimar達es Dias


8

As áreas negativas

Na maior parte das vezes, a nossa relação com os objetos é pautada pelo senso de utilidade e de valor prático. Esta disposição mental molda a nossa percepção das coisas. Quando usamos uma xícara, por exemplo, enfiamos o dedo indicador na abertura da asa, sem a qual não poderíamos pegá-la de modo confortável. No entanto, quando pensamos na xícara, tendemos a pensar que o buraco da asa não faz parte dela. Isso porque consideramos que a xícara, como os demais objetos, é um corpo sólido. O buraco da asa, portanto, não faria parte dela e sim do espaço que a envolve. De modo semelhante, podemos pensar que o espaço entre os pés de uma cadeira não faz parte da cadeira. O objetivo deste capítulo é convidá-lo a perceber também estes espaços tidos como vazios que estão entre e ao redor das coisas. Numa fotografia de documento de identidade, por exemplo, o espaço que circunda o rosto do retratado corresponde à área negativa, enquanto o próprio rosto é a forma positiva. Tais espaços são chamados pelos desenhistas de áreas negativas, em contraste com as áreas positivas, que são aquelas efetivamente ocupadas pela corpo dos objetos. O ponto fundamental que pretendo colocar aqui é que as áreas negativas são tão importantes quanto as positivas e a sua percepção no ato de desenhar é imprescindível para que o desenho alcance um bom resultado Desenho 1

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e o desenhista aprimore as suas habilidades perceptivas e a sua capacidade de desenhar. Devemos considerá-las tão “reais” quanto as partes concretas constitutivas dos objetos. Para o desenhista iniciante, as formas negativas são de grande importância. Diria mesmo que são mais importantes que as formas positivas. Isso porque elas ajudam muito a perceber os formatos que os objetos assumem quando os contemplamos, a partir de um certo ponto de vista. Só conseguimos ver bem a asa da xícara se percebemos também a forma do vazio que há em seu interior. A configuração de um depende da configuração do outro. Já falamos a respeito do conhecimento intelectual e utilitário que temos dos objetos e do quanto ele pode atrapalhar a percepção do que efetivamente está diante de nossos olhos. Mas áreas negativas, por sua vez, costumam passar despercebidas pela nossa percepção utilitária e, por isso, não guardamos delas imagens estereotipadas em seu arquivo de memórias. São formas sem nome e sem história, sobre as quais nada sabemos previamente. Quando olhamos um objeto para desenhá-lo, podemos perceber as áreas negativas mais livremente e temos mais chances de desenhá-las corretamente. Ao observar uma cadeira para desenhá-la, o iniciante inevitável, e inconscientemente, vai confrontar o que vê com um conjunto de ideias e imagens mentais que ele já possui a respeito dela. Por exemplo, o assento precisa ser grande o suficiente para comportar uma pessoa, todas as quatro pernas costumam ter o mesmo comprimento e repousam sobre uma superfície plana e assim por diante. Este conhecimento não ajuda e, a bem da verdade, pode até atrapalhar quando se desenha uma cadeira. A razão é que, tomada de ângulos diferentes, a informação visual pode não se encaixar no que sabemos. Em termos visuais – ou seja, conforme o que se vê no plano –, o assento de uma cadeira pode aparecer como uma faixa estreita, sem a largura suficiente para que alguém nele se sente. As pernas podem

122 Lincoln Guimarães Dias


se mostrar com comprimentos diferentes. A curva do encosto pode parecer completamente diferente do que conhecemos . 1

Imagem 52 Uma geladeira em vista com dois pontos de fuga

É justamente por isso que se faz necessário, no momento de

Imagem 53

desenhar, um esforço de abstração por parte do desenhista no sen-

Um sofá em vista com dois

tido de afastar de sua mente estes conhecimentos prévios para que

pontos de fuga

possa apreender os contornos e formatos da cadeira em questão tal como eles se mostram naquele momento à sua percepção. E estes formatos, neste momento, tenderão a ser tão surpreendentes quanto os formatos das áreas negativas. Em síntese, não basta observar e desenhar os componentes do corpo da cadeira: é preciso observar e desenhar também as áreas supostamente vazias que estão entre e ao redor destes elementos. A esta altura, você já deve ter percebido que tais áreas não são vazias. Elas podem não ter uma materialidade palpável, sólida e compacta, mas ela interfere decisivamente nos formatos das coisas sólidas que iremos perceber. E, convenhamos: algo que interfere de modo tão decisivo nas outras coisas não pode ser considerado “vazio”.

1 “Edwards, Betty. Desenhando com o lado direito do cerebro. Rio de Janeiro: Ediouro, 2001. p. 138. Desenho 1

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13 Cadeira com fotografia

Desenhar uma cadeira a partir da observação de uma fotografia, incluindo o uso da textura para determinar os claros e escuros.

Preparativos Prenda o papel na prancheta do modo habitual ao lado da fotografia que servirá de modelo. Não se esqueça de que esta deverá ficar à sua esquerda se você for destro ou à sua direita se você for canhoto. Certifique-se de que as pontas dos lápis estejam feitas adequadamente. Para este trabalho, você vai precisar de uma folha de papel formato A2, a folha de papel paraná, lápis 6H, B e 6B, uma vareta, um medidor de ângulos, um rolo de fita crepe, um estilete, uma prancheta de madeira e um cavalete de desenho.

Instruções básicas 1. Comece o trabalho com um procedimento que vai permitir que você saiba quanto do espaço do papel será ocupado pelo desenho e onde será exatamente a sua localização. Este planejamento serve para organizar a composição, isto é, o modo como o desenho estará situado dentro do espaço do papel, levando em conta a topologia e a escala destas duas grandezas. Para isso, você deverá verificar a altura e a lar124 Lincoln Guimarães Dias


gura do desenho. Imagine que a cadeira esteja inscrita dentro de um retângulo cujas linhas tangenciam os seus pontos extremos (figura 1). A altura e a largura do desenho corresponderão respectivamente à vertical e à horizontal do retângulo. Agora, considerando que o seu desenho vai ocupar no papel um espaço com as proporções deste retângulo, situe-o dentro do papel. Você verá que o papel é grande o bastante para conter um desenho bem maior. Dobre as medidas e demarque discretamente sobre o papel os pontos extremos a serem ocupados pelo desenho. 2. Façamos agora uma rápida observação da cadeira: trata-se de uma cadeira. Você já deve ter notado que ela tem a mesma estrutura do cubo. Evidentemente a cadeira em questão tem muitos outros detalhes que o cubo não apresenta, mas a forma essencial é a mesma. Considere que cada perna da cadeira corresponde a uma aresta do cubo e que as áreas compreendidas entre elas correspondem às suas faces. 3. Cada perna da cadeira, por sua vez é constituída por quatro arestas verticais, das quais a fotografia só nos permite ver três. O mesmo ocorre com os caibros que unem horizontalmente uma perna a outra. Logo, cada parte que compõe a cadeira tem o formado de um prisma oblongo constituído de seis lados. São como cubinhos alongados (figura 1). 4. Observe que as extremidades inferiores das pernas estão alinhadas umas com as outras, como mostra a figura 2. Esta observação permite que consideremos a área do chão compreendida entre elas como sendo também uma face do cubo. 5. Feitas estas observações simples, comecemos o desenho: a fotografia permite que você veja as quatro pernas da cadeira. Comece pela perna que se encontra mais próxima de você, ou seja, a segunda da esquerda para a direita. Especificamente, comece pela linha vertical central. Desenhe esta linha no ponto já demarcado no papel e, em seguida, use a Desenho 1

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vareta de medição para verificar o comprimento da linha. Dobre a medida e demarque este comprimento no seu desenho. 6. Em seguida, verifique as distância horizontais que separam esta linha das linhas exteriores das pernas que se encontram à esquerda e à direita. Desconsidere, por enquanto, a quarta perna que aparece atrás à direita. 7. Encontradas estas três linhas básicas, use o medidor de ângulos para verificar a inclinação das linhas que unem as extremidades inferiores destas três pernas da cadeira. Com elas, você demarcará as extremidades destas três pernas. (Reveja as figuras 1 e 2 do exercício do cubo). Evidentemente, no caso deste exercício, estas linhas são imaginárias. E servem somente para ajudar o raciocínio. 8. Feito isso, meça e demarque as alturas destas pernas. Leve em conta que a perna da direita se prolonga e, na sua parte alta, serve de apoio para o espaldar. Faça-a já inteira. Em seguida, meça as suas larguras e faça, em cada uma, as outras duas linhas verticais que as constituem. 9. Para fazer a quarta perna, meça a distância horizontal que a separa da perna da direita. Em seguida, com o medidor de ângulos, encontre o ângulo de inclinação da linha imaginária que une a perna da direita com esta quarta perna e você terá a sua localização exata. Observe que esta perna também serve de apoio para o espaldar da cadeira e é possível ver a sua ponta ao alto. Demarque já o seu comprimento total. Isto irá ajudar a desenhar o espaldar posteriormente. 10. Com os mesmos procedimentos de medição, demarque e desenhe os caibros que unem horizontalmente as pernas das cadeiras. 11. Como você já notou, o assento da cadeira cobre as extremidades superiores da perna central e da esquerda. Este assento tem a forma de um losango. Faça primeiro as suas duas linhas inferiores, pois para isso basta fazer linhas paralelas aos caibros que lhes dão apoio. Após medir os seus com126 Lincoln Guimarães Dias


primentos e demarcar as suas extremidades, você poderá fazer as duas linhas superiores. É possível usar o medidor de ângulos, mas aqui este procedimento será um pouco incômodo e os resultados tendem a ficar imprecisos. Sugiro que você use o mesmo método utilizado para fazer a parte superior do cubo. Reveja os passos 7, 8 e 9 do exercício 4 (cubo por fotografia). 12. Feito o assento, a sua linha superior direita será o ponto de apoio que faltava para fazer o espaldar e, com isso, o desenho estará concluído.

Desenhar uma cadeira a partir da observação de uma fotografia, considerando somente os contornos que definirão as suas partes cheias e as suas partes vazadas.

Instruções básicas

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Formas positivas e

Até agora, recomendamos fazer os desenhos

negativas de uma

a partir da percepção da extensão de linhas e dis-

cadeira

tâncias, procurando medi-las e perceber também ângulos de inclinação. No exercício que você fará agora, propomos uma orientação um pouco diferente, porém compatível. Você usará os mesmos instrumentos de aferição, mas, ao invés de medir as extensões das áreas positivas, deverá medir as das áreas negativas. Neste desenho, deverá ser registrado somente as arestas que formam a silhueta da cadeira. No desenho, estas silhuetas vão assumir a forma de contornos que revelarão, por contraste, as áreas positivas e as áreas negativas. Os demais Desenho 1

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contornos não comparecerão no desenho, embora as arestas a eles correspondentes no objeto serão também examinadas no trabalho de observação. Após desenhar todas as linhas de silhueta, as áreas negativas serão pintadas de preto de modo a fazer um grande contraste com as positivas. O desenho resultante, será, portanto, de alto contraste. A esta altura, você já está um pouco mais familiarizado com o uso das varetas e, provavelmente, estará em condições de perceber as variações possíveis de seu uso. Experimente estas possibilidades, pois isso vai deixá-lo mais independente e autônomo. Certifique-se de que as pontas dos lápis estão feitas adequadamente. Para este trabalho, você precisará de uma folha de papel formato A2, a folha de papel paraná, lápis H, 6B e progresso, uma vareta, um medidor de ângulos, um rolo de fita crepe e um estilete.

Passos Prenda o papel na prancheta do modo habitual ao lado da fotografia que servirá de modelo. Não se esqueça de que esta deverá ficar à sua esquerda se você for destro ou à sua direita se você for canhoto. Antes de iniciar o desenho, com a ajuda de régua e esquadros, faça uma margem de dois centímetros à volta de todo o papel. Ela será necessária, porque o espaço ao redor da cadeira é também área negativa e deverá ser totalmente pintada depois de feitos os contornos que separam as áreas negativas das positivas. É possível iniciar este desenho de muitas maneiras e conduzilo por muitos caminhos. Se você se sentir seguro para fazer a sua própria escolha independentemente destas instruções, vá em frente! Mas caso prefira seguir estes passos, apresento aqui uma sugestão de direção que considero adequada e fácil.

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Sugiro que você comece desenhando uma lateral da cadeira compreendida entre duas pernas, o assento e o chão. Esta parte da cadeira é semelhante a uma face do cubo, com a diferença de que, por ser toda vazada, ela é constituída principalmente por áreas negativas, enquanto o cubo é todo ele maciço. Meça e registre no papel uma das arestas verticais exteriores da perna da cadeira que aparece ao meio e à frente. Em seguida, meça e desenhe a aresta exterior interna da perna da extremidade correspondente. Com o medidor de ângulos, encontre os ângulos de inclinação das peças horizontais que ligam estas duas pernas uma à outra. Faça o mesmo com a aresta inferior do assento. Por fim, ligue as extremidades inferiores das duas pernas uma à outra. Com isso, você terá concluído a primeira das laterais da cadeira. Faça agora o mesmo com a outra lateral da cadeira e, em seguida, use os mesmos procedimentos para fazer os vazados correspondentes ao espaldar. Aqui você terá menos áreas negativas, mas será muito importante realizar com precisão os ângulos de inclinação dos contornos exteriores do objeto. Feitos os contornos, use o lápis progresso para pintar todas as áreas negativas. Quanto mais escura e cerrada ficar esta pintura, maior será o contraste entre as áreas. Use a lateral da ponta do lápis progresso para agilizar o trabalho, mas não deixe áreas brancas. Feito isto, o exercício estará concluído.

Desenho 1

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15 Três croquis

de cadeira com fotografia

Fazer três croquis de uma mesma cadeira a partir da observação direta, com tempos determinados. O primeiro em 30 minutos, o segundo em 15 e o terceiro em 7.

Instruções básicas Prenda a folha de A2 sobre o papel paraná e este sobre a prancheta do modo habitual. Posicione o cavalete em relação à cadeira que servirá de modelo também do modo habitual. Certifique-se de que as pontas dos lápis estão feitas adequadamente. Para este exercício, você precisará de três folhas de papel formato A2, lápis 6H, B e 6B, uma vareta, um medidor de ângulos, um rolo de fita crepe e um estilete. Para fazer este exercício, você deverá seguir as mesmas instruções do exercício nº 10.

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Desenhar uma cadeira a partir da observação direta, incluindo o uso da textura para determinar os claros e escuros.

Instruções básicas Para fazer este exercício, você deverá usar as mesmas técnicas e instrumentos utilizados para

16 cadeira por

observação direta

fazer os cubos e as cadeiras anteriores, tanto por observação de fotografia quanto por observação direta. O trabalho de desenhar a cadeira a partir de observação de fotografia vai ajudá-lo, agora, a desenhar uma cadeira por observação direta, em que será necessário lidar efetivamente com o espaço tridimensional. Não se esqueça de que, diferentemente do que ocorre com o trabalho feito a partir de fotografia, neste você deverá escolher um posto de observação e manter-se nele, sem sair do lugar. Escolha um ponto de vista que permita ver três faces da cadeira, sendo uma delas sempre a superior, representada pelo assento. As outros duas podem ser a frente e uma lateral ou as costas e uma lateral. Veja os exemplos abaixo:

Imagem 54 Vistas de uma cadeira, com dois pontos de fuga, em diferentes ângulos e vista de um pé de mesa.

Desenho 1

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Sabemos que existem cadeiras muito diferentes umas das outras. Mas para este curso, vamos usar prioritariamente aquelas que sejam estruturalmente semelhantes a um cubo. Isso significa que, apesar de suas formas e detalhes um pouco mais complicadas e variadas, essencialmente, elas são constituídas de faces horizontais e verticais, separadas por arestas também horizontais e verticais. Evidentemente, as cadeiras, assim como a maioria dos objetos fabricados, não são somente formas geométricas rigorosas. Elas possuem também características de estilo, formatos variados, conforme o uso para o qual foram projetadas, curvas ornamentais etc. Por esta razão, nem sempre é fácil enxergar a estrutura básica do cubo nas formas de uma cadeira. Possivelmente, está terá o acento um pouco inclinado, as pernas ligeiramente curvas e elementos vazados no espaldar, talvez um estofamento. Procure ver estes elementos diferenciados como novos desafios para o seu trabalho de desenhista. Para este trabalho, você vai precisar de uma folha de papel formato A2, lápis 6H, B e 6B, uma vareta, um medidor de ângulos, um rolo de fita crepe e um estilete.

Passos Prenda o papel na prancheta do modo habitual ao lado da fotografia que servirá de modelo. Não se esqueça de que esta deverá ficar à sua esquerda se você for destro ou à sua direita se você for canhoto. Comece o desenho pela linha vertical mais próxima de você, que será aquela que, como no cubo, une as duas faces laterais da cadeira na altura das pernas. Esta união de faces vai se dar na perna dianteira central. Você já observou que de cada perna são visíveis três arestas verticais. A linha a que me refiro é, portanto, a aresta do meio. É mais fácil entender isto observando uma imagem que lendo este texto: observe as imagens que aparecem acima como exemplos e procure encontrar, na perna central dianteira a aresta vertical do meio. 132 Lincoln Guimarães Dias


Desenhe esta aresta e, em seguida, com a vareta de medição, meça a sua altura no modelo e transfira-a para o desenho. Em seguida, meça a distância que há entre esta aresta e a aresta exterior de uma das pernas laterais, seja ela à esquerda ou à direita. Faça agora a linha correspondente a esta aresta e meça a sua extensão em seguida. Repita a operação com a outra lateral da cadeira. Agora, observe a parte da cadeira compreendida pelas áreas negativas entre as pernas, o assento e a área do chão abaixo dela e procure visualizá-la como se fosse um cubo vazado. Com o medidor de ângulos, encontre o ângulo de inclinação das horizontais hipotéticas que unem as extremidades inferiores das pernas. Ao transferir estas linhas inclinadas para o desenho, você demarcará o ponto inicial inferior das pernas e também a inclinação das pequenas linhas horizontais que estas pernas apresentam ao chão. Usando os mesmos procedimentos de medição, você poderá desenhar as peças horizontais que unem as pernas da cadeira umas às outras. Não se esqueça de observar os espaços negativos e leválos também em consideração na elaboração do desenho. É preciso dizer que as técnicas de medição de extensões e de visualização de ângulos que usamos estão sujeitas a falhas. Isso é normal e previsível. A nossa mão treme e qualquer pequeno deslocamento do olhar é suficiente para gerar uma imprecisão. A observação das áreas negativas entre as pernas da cadeira vai ajudá-lo a corrigir estas possíveis distorções. O assento deve ser feito do mesmo modo como se faz a face superior do cubo. O espaldar, por sua vez, apresenta-se como uma lateral extra do cubo.

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Glossário

Esse glossário tende a virar um “dicionário de desenho”. Os verbetes que nele aparecem procuram recobrir todo o vocabulário específico do campo conceitual do desenho artístico. Sua finalidade é ajudar o estudante que está fazendo um curso de desenho artístico à distância. As definições procurarão elucidar os verbetes somente no que se refere às especificidades do campo do desenho artístico. Não há, portanto, exaustividade e profundidade filosófica. As definições tampouco substituirão as definições dicionarizadas.

Aparência

Na filosofia é corrente a oposição entre os conceitos de aparência e essência. Diferentemente disto, no âmbito do desenho naturalista e do desenho de observação, a aparência compreende o conjunto das qualidades visíveis constitutivas das superfícies das coisas e que se encontram efetivamente em condições de serem vistas. Sendo a aparência constituída do visível, ela se opõe ao não visível, que inclue todos os elementos concretos que também fazem parte do objeto em Desenho 1

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questão, mas que, devido ao ponto de vista do observador, não se encontram visíveis. Podemos dizer que faz parte também do “não visível” o conjunto formado pelos saberes e juízos que normalmente o observador eventual tem antecipadamente a respeito do objeto que mira e que, corretos ou não, modificam a sua percepção dele. Assim, a realidade física de uma árvore inclui evidentemente todos os lados de seus troncos, galhos e folhas, mas só fazem parte da sua aparência imediata as superfícies que efetivamente se mostram para o olho em cada experiência de olhar. As partes que permanecem ocultas, como a raiz, os veios interiores do tronco e as partes de folhagen que se encontram imersas na copa, apesar de constitutivas da árvore, para efeitos de desenho, não fazem parte desta aparência imediata. Como a experiência da mirada pressupõe um posto de observação específico, a aparência de um determinado objeto compreenderá somente os dados acessíveis a cada mirada específica. Para o olhar que se move, a aparência das coisas está em constante mutação.

Aresta

É uma espécie de dobra no formato dos objetos, que assume a forma de um vinco que a torna perceptível. A aresta aparece também como uma borda ou fronteira compartilhada por duas superfícies que se encontram. Ao ser representada no desenho, ela ganha a forma de uma linha que assume a função de contorno, delineando e distinguindo as porções de área visível das diferentes faces do objeto em questão e conferindo-lhes os formatos específicos percebidos a partir do ponto de vista do desenhista.

Colagem

Quando dois ou mais elementos de origens distintas e que possuem significados específicos nos seus contextos originais são justapostos 136 Lincoln Guimarães Dias


em um plano ou suporte exterior a ambos, dizemos que temos uma colagem. A colagem envolve, portanto, em primeiro lugar, uma operação de recorte, no primeiro sentido dado à palavra neste glossário, e, em segundo lugar, uma operação de deslocamento.

Composição

No sentido geral, a composição é o resultado da organização articulada do conjunto de dados sensíveis e/ou cognitivos que configuram um determinado todo. Excluindo-se o caso das composições temporais, presentes na música, literatura, cinema, dança e artes cênicas, e atendo-se à composição espacial, que é o que nos interessa, trata-se essencialmente da disposição articulada de elementos plásticos como linhas, cores, formatos, volumes e texturas dentro de um determinado espaço. No desenho de observação, o problema da composição está vinculado à necessidade de perceber os componentes de um determinado espaço tridimensional não como coisas ou pessoas concretas e sim como linhas, formatos, volumes, cores e procurar traduzi-los para as possibilidades do lápis e papel ou do material outro que estiver sendo usado. Chamamos também de composição o conjunto de elementos que observamos e assumimos como modelo para desenhar. É certo que deste conjunto fazem parte os objetos, animais, pessoas, e o próprio espaço em torno. Mas ele é constituido, sobretudo, dos componentes plásticos constitutivos destes elementos, a saber: as linhas, formatos – incluíndo as áreas negativas - , texturas, ritmos etc.

Cubo

Esse hexaedro é um objeto concreto que se dá a observação e, portanto, um instrumento útil no exercício de percepção de formatos, extensões, ângulos e proporções. Mas é também um construto abstrato que sintetiza as relações fundamentais entre as tres dimensões Desenho 1

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do espaço euclidiano. Sendo assim, o cubo é um modelo nas duas acepcões dadas ao termo neste glossário. O cubo, além de objeto de observação e modelo de estruturação, apresenta algumas analogias com as condições de percepção do ser humano: suas arestas verticais são análogas à posição ereta e vertical do homem, enquanto as horizontais são análogas à direção prioritária de seu olhar. Estas analogias são suficientemente fortes para contribuir na produção de uma concepção ideológica do espaço “natural” estremamente persuasiva.

Desenho

É o campo de conhecimento e de experiências que se pretende descrever com as palavras desse glossário. Pode-se tentar definir desenho a partir de seus meios, de seus fins e de seus referentes. Os seus meios são, em súmula, a dedução, a observação e a ação. Os fins são a concepção (projeto), a representação (tradução) e a presentificação, que seria uma expressão de si mesmo. Os referentes do desenho no campo da arte sofreu diversas transformções no tempo. Estes podem ser resumidos em três, em função de três paradigmas que sucessivamente foram dominantes na história da arte do renascimento aos dias atuais: durante o período de domínio do paradigma acadêmico, o referente prioritário do desenho foi o “objeto exterior, definido em linhas gerais como sendo a “natureza” a qual o artista deveria “imitar”. No período de domínio do paradigma moderno, o seu referente passou a ser os seus próprios meios de representação das coisas exteriores e de expressão de si mesmo. Na contemporaneidade, pode-se dizer que o referente do desenho voltou a ser uma realidade exterior, mas com a qual ele não se relaciona mais por meio da representação. Os modos específicos e renovados como o desenho contemporâneo se relaciona com o real são variados e ainda estão por ser adequadamente descritos.

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Desenho de observação

São assim chamados os desenhos realizados pelo método da observação direta do objeto que está sendo desenhado. É um tipo de desenho representativo, que tem como particularidade o fato de que o seu objeto é algo necessariamente visível e que se encontra diante do desenhista. É um tipo de desenho que se define não pelo tema ou estilo, mas pelo método como é feito. No desenho de observação o problema fundamental está na tradução dos dados percebidos como tridimensionais para as condições bidimensionais do espaço do papel. Relacionado a este está o problema da composição, que pode ser descrito como a necessidade de perceber os componentes do referido ambiente tridimensional não como espaços, pessoas ou objetos concretos e sim como linhas, formatos, volumes, cores e procurar traduzi-los para as possibilidades do lápis e papel ou do material outro que estiver sendo usado.

Desenho representativo

É a designação dos diversos tipos de desenho que, cada um a sua maneira, total ou parcialmente, representam coisas exteriores a eles mesmos. Estas coisas podem ser simples objetos de existência concreta, como bules, cadeiras e pessoas, como também universos, espaços, ou seres imaginados. Um mapa, por exemplo, é um desenho representativo, já que ele simula a configuração espacial, em escala diminuta de uma determinada extensão geográfica, mas sem a pretenção de simular as suas qualidades físicas e plásticas perceptíveis; sem ser naturalista, portanto.

Desenho 1

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Deslocamento

Trata-se de uma operação por meio da qual um elemento ou porção constitutiva de um determinado universo é transposto do seu lugar de origem para outro. O deslocamento pressupõe o procedimento logicamente anterior de recorte e o procedimento logicamente posterior de colagem, que é a destinação do elemento recortado e deslocado para uma nova alocação. As operações de recorte, deslocamento e colagem estiveram fortemente presentes no cubismo, com a tomada de coisas como jornais e bilhetes de metrô e a sua transposição do “universo do mundo não artístico” para o “universo da obra de arte”. Também o surrealismo é pródigo em experiências plásticas de deslocamento, mas de uma outra ordem, que deram origem a imagens plenas de paradoxos visuais, como acontece em Magritte e Delvaux. Os deslocamentos podem ser feitos no desenho com diferentes intenções e produzindo efeitos também diferentes. Podem ser usado somente como um recurso para resolver composições, alterando nos desenhos as posições de certos elementos tais como eles aparecem para a observação. De maneira semelhante, os dados percebidos em uma determinada mirada, ou por um ponto de vista distinto, podem ser intercambiados. É importante frisar que, tanto no desenho naturalista quanto no de observação, é necessário que o elemento deslocado compareça de alguma maneira no desenho que se está por produzir, pois se ele é excluído do desenho, estaríamos falando em redução e não em deslocamento. Duração

A noção de duração está relacionada à experiência do tempo. No desenho, ela pode comparecer em ao menos três situações distintas: 1. a duração que é um conteúdo do universo representado pelo desenho. 2. Ela pode estar relacionada ao tempo vivido pelo desenhista ao realizar o desenho. 3. Ela pode estar relacionada ao 140 Lincoln Guimarães Dias


tempo da “fruição”, quer dizer, ao tempo solicitado ao observador do desenho. Em todos os casos, a duração não deve ser pensada somente como uma certa extensão de tempo, mensurável pelo relógio, mas sobretudo em termos dos conteúdos qualitativos presentes nas diferentes experiências de tempo, que nos fazem senti-lo como “longo”, “tenso”, “pesado”, “fluido” etc.

Eixos

Para viabilizar uma “aproximação do mundo visível” por meio do desenho, somos inclinados a assumir que por detrás da infinidade de formas, cores e demais qualidades visuais agregadas de maneira sempre singular é possível identificar uma organização subjacente e não visível, capaz de fornecer modelos de configurações capazes de orientar a observação das coisas concretas. Nos desenhos, os eixos são representados por linhas auxiliares que ligam extremidades opostas de uma mesma configuração, regidas por um equilíbrio relativo e demarcando a extensão central da forma em torno da qual se estabelece uma relação de simetria.

Enquadramento

Enquadrar, sob certos aspectos, pode ser visto como sinônimo de recortar. Assim, o enquadramento constitui o recorte, em geral quadrangular, de uma determinada porção do espaço observado no desenho. O enquadramento faz parte do problema mais geral da concepção visual e conceitual dos limites do espaço representado. Quando observamos um determinado objeto ou paisagem para desenhar, somos forçados a estabelecer limites na extenção do espaço constitutivo da paisagem ou da porção de espaço em torno do referido objeto. Quando fotografamos ou filmamos, o próprio paralax, presente no visor da câmara, determina estes limites, resDesenho 1

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tando ao operador ajustá-los ao ponto de vista, ao ângulo de visão, ao zoom e à proximidade adequados aos resultados que pretende alcançar na imagem a ser produzida. No desenho, ao contrário, não há uma demarcação prévia de limites com a qual negociar, a não ser que consideremos como tais as bordas difusas de nosso cone de visão a partir de uma mirada fixa. Logo nos damos conta da inoperatividade desse tipo de limite. Já os espaços, estes são, por eles mesmos, contíguos e infinitos. Cabe ao desenhista, por uma operação abstrata, demarcar contornos à volta do espaço.

Equilíbrio

Está ligado à distribuição de pesos e quantidades pelo espaço da representação. É frequente o hábito mental de considerar que somente a presença maciça dos objetos contribui efetivamente como termo do equilíbrio visual de uma composição. Este raciocínio corresponde à uma percepção supervalorizada das áreas positivas em detrimento das negativas. Mas sabemos que a ausência e o vazio também têm a sua densidade.

Escorço

É o nome que se dá à posição do objeto observado e ao seu correspondente representado no desenho, quando ele não está paralelo ao nosso rosto. Nestes casos, o referido objeto parece avançar em nossa direção ou, ao contrário, afastar-se em direção ao fundo do cenário, transpassando os diferentes planos de profundidade.

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Espessura

No desenho, o problema da espessura aparece principalmente na linha. Esta é concebida pela geometria como uma extensão “imaterial”. Ela é capaz de delimitar os contornos das coisas tal como os percebemos e demarcar fronteiras. No entanto, quando desenhamos uma linha, não obtemos esta entidade imaterial e sim um corpo, dotado de extensão e espessura. Esta espessura, que manifesta a materialidade da linha e não um aspecto do objeto representado por ela, chama a nossa atenção para o fato de que a linha, independentemente de sua configuração representativa, é também uma coisa em si e o índice de uma ação.

Estrutura

A palavra “estrutura” carrega uma grande quantidade de significados que adquiriu na história da filosofia e nos seus usos cotidianos. Para um uso operativo desse conceito no entendimento do desenho, será necessário nos atermos somente a alguns pontos deste enorme espectro de significados. A estrutura pode ser pensada, a princípio, como uma certa articulação do objeto ou do espaço que se coloca como objeto do desenho, que não é imediatamente percebido pela retina, mas que pode ser apreendido pelo intelecto com a ajuda do olho. Esta articulação se constitui de planos e eixos, que podem ser representados por retas, curvas, arcos, elipses. A estrutura permite apreender a articulação dos volumes constitutivos do objeto, uns com os outros, a distribuição de pesos que permite o seu equilíbrio e estabilidade. A apreensão da estrutura subjacente permite a percepção intelectual das partes do objeto que não estão visíveis.

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Experiência

É a ação que se define pelo próprio fazer e não por um saber anterior ou por uma motivação funcional. É certo que nas atividades científicas, a experiência tem a função de testar, no plano empírico, as hipóteses formuladas no plano conceitual. Não raro, na arte a experiência também desempenha um papel semelhante. No entanto, para os interesses dessa disciplina, o que interessa da ideia de experiência é uma certa indeterminação ou imprevisibilidade dos resultados. A experiência visa ao conhecimento da constituição e do comportamento das coisas para que se possa regular as expectativas com relação a elas, além de programar e controlar os seus usos.

Expontaneidade

No desenho, o expontâneo está relacionado com o ato de desenhar sem seguir regras ou programações dadas explicitamente. Isto não quer dizer que estejamos trabalhando sem regras, num regime de absoluta liberdade. Na maioria das vezes, o desenho expontâneo implica na existência de regras, modelos e padrões, herdados, aprendidos ou concebidos por nós mesmos, mas que já se encontram introjetados em nossos hábitos como desenhistas, ou ainda não afloraram à consciência, de modo que acabamos por desenhar fluentemente sem percebê-los.

Fenômeno

É tudo aquilo que aparece para os sentidos. Para nós, desenhistas, interessa especificamente os fenômenos visuais.

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Fluência

É a qualidade presente nas ações cuja eficácia não dependeu do raciocícnio.

Forma

Diferentemente do que o uso corrente desta palavra pode sugerir, a forma não está relacionada à aparência imediata das coisas. Para estes casos, a palavra formato nos parece mais adequada. A forma está ligada à ideia de configuração, mas de uma configuração não necessariamente visível. Está relacionada principalmente às relações entretecidas entre as partes e a totalidade de um determinado universo. Quando estas relações, sejam elas como forem, produzem algum tipo de articulação apreensível e descritível, podemos dizer que temos uma forma.

Formato

É preciso distinguir a palavra formato da palavra forma. Usamos a primeira para se referir à configuração do todo ou de cada uma das partes de um desenho ou de um objeto concreto. Esta configuração é dada pelas dimensões e pelos contornos lineares, considerando as retas, curvas, ângulos. Nesse sentido, é possível falar de formatos retangulares ou esféricos, longos ou curtos etc. No tocante ao formato dos objetos concretos, é importante fazer algumas distinções: há o formato do objeto tal como ele se configura na sua condição concreta e tridimensional e há também o formato deste mesmo objeto tal como o percebemos a partir de um ponto de vista específico. Assim, é possível descrever uma pizza, sem vê-la, como sendo redonda e achatada. Tal descrição procura dar conta da totalidade do objeto pelo que ele é em si mesmo, sem Desenho 1

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depender de um ponto específico de observação. Tem a vantagem de oferecer um espectro multifacetado do objeto em questão por não estar atrelada à experiência. Quando estamos de fato em presença de uma pizza, ela poderá parecer redonda se a observamos de cima e parecerá uma linha grossa se a observamos de perfil. Fica claro que a retina não pode apreender simultaneamente a totalidade dos dados oferecidos pela descrição conceirual. Mas, na maioria das vezes, nós observamos uma pizza sobre a mesa, nem totalmente de cima nem completamente de perfil e o que vemos nestes casos é um formato elíptico. Isso aponta para o fato de que a experiência contém um outro gênero de informação não presente no conceito.

Gesto

É o movimento, voluntário ou não, do corpo ou de um instrumento numa ação que envolve deslocamento. No desenho, a marca gráfica resultante do gesto pode apresentar características que nos remetem ao gesto que a produziu.

Hachura

Assim como a textura, é uma organização de partículas que configuram um padrão que pode ser homogêneo ou não. Ambas, juntamente com a cor, compreendem os aspectos aparentes das superfícies. Na hachura, é possível perceber a descontinuidade de pontos e linhas, podendo haver os dois ou somente um ou outro.

Interpretação

É tudo que afirmamos a respeito das coisas visíveis, que vai além da percepção retiniana. Como a própria descrição das coisas, seja 146 Lincoln Guimarães Dias


por meio de palavras ou de imagens, como o desenho, não é capaz de reproduzir essa percepção, pode-se dizer que qualquer afirmação sobre qualquer coisa implica em interpretação.

Linha

Prolongamento de um ponto. Extensão sem espessura. Ela parece ser o contorno das coisas, mas surge no encontro de áreas. No âmbito do desenho representativo, e sobretudo no desenho de observação, podemos dizer que quando contemplamos o mundo visível a linha é algo que aparece para a percepção, mas que não existe materialmente nas coisas percebidas.

Mapa

Embora não seja um desenho de observação no sentido extrito dado à expressão nesta disciplina de desenho, o mapa pressupõe o procedimento geral de observação a qual certamente foi submetida a extensão geográfica que ele representa.

Memória

É o conjunto das impressões que a nossa mente reteve dos objetos e que nos permite ter deles uma “imagem mental” vaga antes de desenhá-lo. É comum haver um conflito entre os dados da memória e os dados da observação imediata. Uma das contribuições do desenho de observação é a percepção mais clara da distinção entre a percepção sensorial efetiva e os dados da memória que fazem parte da imagem mental que costumamos trazer das coisas.

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Mirada

É um olhar parado que abarca uma determinada porção do campo visual à frente do observador. Este recorte do campo visual operado pela mirada será a paisagem. O recorte temporal compreende o instante em que o olho está fixo nesta paisagem, após o seu último deslocamento e anteriormente ao próximo. Os dados e qualidades visíveis desta paisagem serão a sua aparência singular perceptível somente por aquela mirada.

Modelo

Esta palavra é usada com frequência no desenho para se referir ao objeto tomado como representante da espécie a que ele faz parte e que serve de referência visual para se desenhar. Fala-se particularmente em “modelo vivo” em alusão a pessoas que posam para desenhistas e pintores. Sem desconhecer esse uso corrente do termo, é importante apontar um outro significado que considero mais interessante para as práticas do desenho. Nesta outra acepção, o modelo é uma forma idealisada, abstrata e sintética que, no desenho naturalista ou de observação, serve de referência para a interpretação das aparências do mundo visível e para a conversão do produto desta interpretação em desenho. Para tanto, o modelo deve ser capaz de dar conta de um certo número de questões ligadas ao desenho. Na primeira acepção, o modelo é uma referência de aparência, enquanto na segunda é uma referência de estrutura. Enquanto na primeira o modelo é um objeto concreto que se oferece à observação, na segunda é uma arquitetura abstrata que serve de mediação. Enquanto o modelo na primeira acepção é a própria coisa observada, na segunda ele se encontra num lugar abstrato, entre a concretude daquilo que efetivamente se mostra e o desenho realizado como sua interpretação. Talvez a perspectiva linear seja o melhor exemplo de modelo na segunda acepção, assim como o cubo. A diferença entre 148 Lincoln Guimarães Dias


eles é que a perspectiva é um modelo como sistema, enquanto o cubo é um modelo como objeto.

Modo de existência

É frequente a consideração do senso comum de que o real corresponde ao conjunto das coisas que existem concretamente e que, portanto, podem ser apreendidas pelos sentidos. No entanto, todos sabem instintivamente que o medo, a angústia ou a inveja, quando acometidas em um sujeito, são “reais”, ainda que não tenham existência material e sensível. Assim como estes e os demais sentimentos, mesmo aqueles que sentimos mas que não sabemos nomear, há muitos outros tipos de coisas que são igualmente reais, mas cujo modo de existência não é material. Os sonhos, por exemplo, são indubitavelmente realidades, ainda que se possa duvidar de que os seus conteúdos tenham uma relação com a “realidade objetiva”. As equações matemáticas ou lógicas e os conceitos científicos ou filosóficos constituem um outro tipo de realidade dotado de um modo de existência não material. O real, portanto, se constitui de coisas dotadas de diferentes modos de existência e de apreensão. O desenho de observação, no plano prático e imediato, interessa-se pelas coisas cuja realidade se manifesta de modo a poder ser apreendida pela visão.

Paisagem

Em princípio, é tudo aquilo que é visível e exterir ao sujeito que vê e que pode ser apreendido por uma única mirada.

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Percepção

Há o sujeito da percepção, o objeto da percepção, os meios e a experiência da percepção. A percepção é a interpretação dos estímulos sensoriais. Ela nos permite objetivar uma determinada sensação, separá-la do conjunto de fenômenos físicos e psicológicos aos quais estamos sujeitos a todo momento. Nesse sentido, percepção se parece com consciência, ela é a sensação consciente. Quando a sensação é percebida, isto é, torna-se percepção, ela passa a ser um dado da consciência, um certo tipo de conhecimento produzido pela experiência imediata, ainda que provisório e incerto. A percepção é um ato cognitivo, enquanto a sensação é uma experiência puramente fisiológica. A percepção não possui nenhuma garantia de validade dos seus dados. Ela se mantém na esfera do provável. Ela constitui-se de probabilidades e não de certezas. A percepção não é o conhecimento total e completo de um determinado objeto, mas um “dar-se conta” imediato da sua existência.

Perspectiva

É sabido que um dos problemas básicos da pintura e do desenho figurativos é a necessidade de representar uma realidade visível que se apresenta em três dimensões na superfície do papel ou tela que possui, obviamente, duas dimensões. A perspectiva é o sistema constituido de um conjunto de conceitos e técnicas que permite a construção de uma profundidade simulada em superfícies planas por meio do desenho, da pintura ou do baixo-relevo. A ideia de perspectiva se aproxima da de prospecção à medida que a perspectiva procura abstrair-se da evidência da superfície plana do suporte para oferecer à visão, em lugar disso, uma impressão de terceira dimensão que se dá no eixo da profundidade. Segundo a definição de Panofsky, o suporte material em que as figuras são 150 Lincoln Guimarães Dias


desenhadas ou pintadas é negado e reinterpretado apenas como um dos plano do quadro, especificamente aquele que se encontra mais próximo do observador. Sobre ele, e aprofundando-se por trás dele, projetam-se o contínuo espacial por meio de diversos outros planos de produndidade, dentre os quais se encontram distribuidos os diversos objetos isolados1. O sentido etmológico mais antigo e literal de perspectiva é “ver com clareza”, no caso, ver em profundidade, um significado mais abstrato, portanto. A interpretação de Dürer, mais moderna, a considerará já como um termo técnico de um fazer específico e já instrumentalizada a partir das necessidades da pintura. Panofsky, em sua obra A perspectiva como forma simbólica, apresenta outras formulações do conceito de perspectiva: “ciência da representação dos objetos numa superfície da forma como surgiriam ao olhar humano, vistos de uma certa distância.” “Ciência da representação de objetos e do espaço que os cerca e da maneira como esses objetos, espalhados por diversos planos do espaço, seriam, como o seu espaço próprio, apercebidos pelo olhar, a partir de um ponto de vista único [...]” “Capacidade de representar objetos e a porção de espaço que os rodeia, de forma a que o suporte material do quadro seja totalmente ultrapassado pela noção da existência de um plano transparentee, através do qual acreditamos contemplar um espaço imaginário.”

Plano

O plano pode ser entendido como o suporte físico ou conceitual sobre o qual se apoia e se organiza o conjunto de dados de uma determinada manifestação discursiva. Como conceito operativo para se fazer descrições de desenhos ou fotografias, pode-se dizer que os planos são interceções paralelas ao enquadramento destas imagens e que comparecem em diferentes níveis da profundidade representada. É neste sentido que se fala em “primeiro plano”, “segundo plano”

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E.PANOFSKY, A perspectiva como forma simbólica, p. 31. Desenho 1

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etc. A ideia de plano não deve ser confundida com a de superfície. O plano tão pouco deve ser tido como um elemento plástico específico, pois a ideia de plano já se constitui como uma interpretação de uma certa configuração plástica.

Ponto

Para a geometria, é uma marca ou sinal sem extensão, que não pode ser dividido em partes. Funciona como uma demarcação. Em termos empíricos, quer dizer, em suas encarnações concretas, costuma ser a micro área de uma mancha mais ou menos redonda de tamanho mínimo. Num desenho materialmente realizado ou no espetáculo do mundo que se apresenta aos olhos, tudo que é visto é extenso e, portanto, divisível. Empiricamente, o ponto é, então, uma superfície de extensão mínima.

Prospecção

Esta palavra tem a mesma origem da palavra perspectiva e, em italiano, as duas palavras portuguesas correspondem a uma mesma e única palavra. Conceitualmente, trata-se de uma intervenção técnica que nos permite saber o que há por detrás de superfícies opacas. Concretamente, pode se dar por um “atravessamento” da superfície sem alterá-la, caso do raio x, ou por meio de uma escavação feita sobre uma determinada superfície, caso das sondas de petróleo. No campo da arte, o termo refere-se a um tipo de intervenção nas práticas de restauração de obras de arte. As técnicas de prospecção permitem conhecer as camadas de tinta sobrepostas que compõem o corpo de uma pintura ou saber se existem galerias de cupins numa escultura de madeira. A maioria das prospecções procura adulterar o mínimo possível o estado das superfícies visíveis se estas são consideradas também valiosas. 152 Lincoln Guimarães Dias


Enquanto técnica e método de organização do espaço representado no desenho e na pintura, a prospecção ganha o nome mais específico de perspectiva.

Quadro

É preciso dizer logo de saída que o quadro não é aquele objeto retangular que serve de suporte para a pintura. No campo das artes visuais, o quadro é o produto do enquadramento, e como tal, pode resultar de duas maneiras: na primeira, ele corresponde à uma determinada área do espaço visível que é tomada em consideração para a feitura de um desenho, fotografia, filme, pintura etc. Esta ideia pode ser exemplificada de maneira simples com o uso de uma câmara fotográfica ou filmadora: quando se olha pelo visor de um destes aparelhos, a porção de espaço contida nele e limitada pelos quatro lados do paralax da câmara corresponde ao quadro. Quando, por uma operação mental e abstrata ou com a ajuda de uma câmera, preconizamos um quadro a contornar uma porção de espaço, esta porção, assim como os elementos que a compõem se tornam imediatamente uma composição.

Recorte

O termo recorte no desenho tem duas acepções diferentes: a primeira corresponde à tomada em consideração de um ou mais elementos específicos dentro de um determinado universo mais amplo. Por exemplo, ao falar de uma festa, o sujeito pode se ater à alegria e bom humor dos convidados e não tecer considerações a respeito da comida, da música, da decoração do ambiente etc. Assim, no discurso deste sujeito, o aspecto “alegria” e “bom humor” foram recortados do conjunto de dados que constituem a festa como um todo e receberam uma atenção especial.

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Evidentemente, o exemplo acima se refere a um recorte operado dentro de um discurso verbal oral. Quando se trata de desenho de observação, o recorte é um procedimento que se faz no momento em que se observa um determinado espaço a ser desenhado e se faz o planejamento de como se vai desenhá-lo, considerando o que vai e o que não vai ser incluido no desenho. A operação de recorte pode ser feita de duas maneiras básicas: na primeira, recortar é tomar em consideração, para efeitos de produção de uma imagem, uma área limitada constitutiva de um espaço visível mais amplo. Pode-se fazer o recorte a olho nu ou com a ajuda de um visor. Trata-se de colocar limites, ou “molduras”, na extensão espacial que se observa, que por si mesma possui uma continuidade infinita, para que determine, logo no começo do trabalho, qual será a porção de espaço a ser considerada no desenho. Na segunda, recortar é tomar em consideração um ou mais aspectos de um determinado espaço visual, já recortado na primeira acepção. Assim, é possível, por exemplo, observar uma determinada paisagem na qual comparecem algumas árvores, rochas e três animais sobre um gramado e relizar um desenho de observação que só inclua as árvores e um dos animais e que ignore as rochas e os outros animas. Se o produto do recorte é posteriormente associado à outros elementos na produção de uma imagem, tem-se uma colagem como produto final. Se o recorte se baseou num plano de sintetização de dados, tem-se o procedimento da redução.

Redução

Trata-se de uma operação por meio da qual uma quantidade variável de aspectos visíveis de um determinado objeto que se está a desenhar são sintetizados, ou mesmo excluídos, em nome de uma maior clareza formal, de uma especificidade temática ou conceitual que se quer imprimir no desenho. Não se trata propriamente de uma “simplificação” ou de uma diminuição quantitativa de dados, mas de amalgamar um espectro mais denso de significados em uma configuração formal mais sintética e, por isso mesmo, mais capaz de expressá-la. 154 Lincoln Guimarães Dias


Sensação

É uma espécie de frêmito elementar produzido no corpo do sujeito, uma experiência dos sentidos quando considerada independente e anteriormente a qualquer operação mental de reconhecimento, elaboração, avaliação ou julgamento. É certo que somente de quando em quando passamos por vivências que posteriormente possam ser assim consideradas. Creio ser o caso de um pequeno choque elétrico inesperado ou uma topada no caminhar desatento pela rua. De todo modo, trata-se de uma vivência totalmente involuntária e caracterizada pelo súbito.

Superfície

Para a geometria, é o limite exterior de uma suposta interioridade, uma área sem espessura. Na experiência visível imediata, podemos dizer que é a parte externa e visível dos corpos e que se fazem perceber visualmente pela extensão e por qualidades plásticas como cor, brilho, textura, porosidade, hachura, se é plana, ondulada, escalonada etc. É a pele das coisas. As superfícies se fazem perceber visualmente pela cor, textura e hachura, qualidades estas cujas percepções dependerão também das condições de luminosidade. É como a pele das coisas e, evidentemente, em suas manifestações concretas, encarnam corpos dotados de espessura, mas o conceito leva em conta somente a sua extensão, limites, formatos e as qualidades plásticas citadas acima. As superfícies são o que efetivamente vemos dos corpos, salvo os casos em que estes são transparentes. Textura: assim como a hachura, é uma organização de partículas que configuram um padrão que pode ser homogêneo ou não. Ambas, juntamente com a cor, compreendem os aspectos aparentes das superfícies. Na textura, o padrão se estende sem que seja possível perceber pontos ou linhas individualmente.

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Visor

Trata-se de um dispositivo por meio do qual é possível fazer enquadramentos dentro de um determinado espaço visível. Como tal, o visor é um componente essencial das câmaras fotográficas e filmadoras, mas para o desenhista é possível trabalhar com um simples pedaço de papelão rígido sobre o qual aparece um retângulo visual. O uso associado de duas cantoneiras feitas do mesmo papelão é ainda mais eficiente porque permite regular o tamanho e o formato do retângulo que dará os limites do enquadramento.

Vivência

Procedimento que visa a verificar a capacidade, o alcance e a eficiência de certos materiais, ferramentas ou técnicas com a finalidade de se assegurar da regularidade de seus desempenhos para colocá-los a serviço da resolução de problemas específicos. O valor da experiência consiste em seu caráter de pesquisa e visa à constituição de um saber. Nesse sentido, a experiência não se confunde com a vivência, que denota uma ação motivada pela singularidade do gesto em si e do instante em que ele é vivenciado e não por razões funcionais.

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MAYER, Ralph. Manual do artista. Trad. Christine Nazareth. São Paulo, Martins Fontes, 2006. 835p. MERLEAU-PONTY, Maurice. O olho e o espírito. São paulo: Cosacnaify, 2004. 166p. OSTROWER, Fayga. Universos da arte. 9. ed. Rio de Janeiro: Campus, 1991. 358p. PANOFSKY, Erwin. A perspectiva como forma simbólica. trad. Elisabete Nunes. Lisboa: Edições 70, 1993. RILKE, Rainer Maria. Cartas a um jovem poeta/A canção de amor e morte do porta-estandarte Cristóvão Rilke. 17.ed. trad. Paulo Rónai e Cecília Meireles. São Paulo: Globo, 1989. SACKS, Oliver. “Ver e não ver”. In: ______. Um antropólogo em marte: sete histórias paradoxais. trad. Bernardo Carvalho. São Paulo: Cia das Letras, 1995. Pp. 123-64. SANTOS NETO, Fernando A. dos. Linguagem gráfica. Vitória: UFES-NEAD/Daliana, 2008. 78p. SMITH, Stan. Anatomia, perspectiva y composicion para el artista. Trad. esp. De Juan Manuel Ibeas. Madri: Hermann Blume, 1985. 224p. SIMBLET, Sara. Anatomy for the artist. Londres: Dorling Kindersley, 2001. 255p.

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Créditos Imagens nas páginas de abertura de capítulos: 1 - O Conceito

de

Desenho: Composição livre sobre estudo de Joyce

Brandão. 2 - A Linha: Composição livre sobre estudo de forma, composição e movimento de Rosindo Torres. 3 - A Trama: Composição livre sobre sobre a página do bloco de notas de Gabriel Albuquerque. 4 - A Textura: Composição livre sobre estudo de luz e sombra de Fabíola Veloso. 5 - A Composição: Composição livre sobre croquis de Joyce Brandão. 6 - O Desenho Cego: Composição livre sobre desenhos cegos de Juliana Colli. 7 - Perspectiva -

o

Cubo: Composição livre sobre desenho de obser-

vação de Jamil. 8 - As Áreas Negativas: Composição livre sobre estudo de texturas de Lincoln Guimarães. Glossário: Composição livre sobre desenhos de Nelma Pezzin. Referências: Composição simples sobre a página de bloco de notas de Lincoln Guimarães. Créditos: Composição livre sobre a página de bloco de notas Lincoln Guimarães.

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