Políticas Públicas para as Mulheres A Experiência na Promoção da Equidade no Universo do Trabalho: Brasil, Portugal, Equador, Moçambique, Vietnã e Líbano
2014
Esta publicação foi produzida no âmbito do convênio 161/2012-SPM/ PR, SICONV nº 774481/2012, processo nº: 00036.001334/2012-35, entre a Federação Democrática Internacional de Mulheres - FDIM, e a Secretaria de Políticas para as Mulheres - SPM/PR. Federação Democrática Internacional de Mulheres - FDIM Márcia Campos - Presidenta Lenice David Antunez - Secretária Executiva Pesquisa elaborada nesta publicação por: Mirlene Fátima Simões Wexell Severo - Coordenação de Pesquisa Maria Beatriz Pires da Rocha Alarcón - Pesquisadora Edição e Projeto Gráfico BN Editora e Publicidade Ltda. ME
Políticas Públicas para as Mulheres A Experiência na Promoção da Equidade no Universo do Trabalho: Brasil, Portugal, Equador, Moçambique, Vietnã e Líbano
Título: Políticas públicas para as mulheres: experiências na promoção da equidade no universo do trabalho: Brasil, Portugal, Equador, Moçambique, Vietnã e Líbano. FDIM. Mirlene Simões Severo (Coordenadora de Pesquisa). São Paulo/SP. Editora: BN Editora e Publicidade LTDA. Ano: 2014 Número de páginas: 144 páginas ISBN: 978-85-66294-02-6 Palavras-chave: Mulher e trabalho, Acesso do trabalho formal, Políticas públicas
Sumário Apresentação - Márcia Campos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 09 Introdução - Mirlene Simões Severo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11 1. Brasil . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 22 1.1. Breve histórico da presença da mulher no trabalho formal no Brasil . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 22 1.2. O Plano Nacional de Política para as Mulheres . . . . . . . . . . . . . 28 1.2.1. O I Plano Nacional de Política para as Mulheres (2004) . . . . 28 1.2.2. O II Plano Nacional de Política para as Mulheres (2007) . . . 30 1.2.3. O III Plano Nacional de Política para as Mulheres (2011) . . . 33 1.3. Situação atual da mulher no trabalho . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 36 1.4. Algumas considerações finais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 44 Referências . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 47 2. Portugal . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 53 2.1. Breve histórico das Políticas Públicas para as Mulheres . . . . . . . 53 2.2. Especificidades no mercado de trabalho formal para as mulheres . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 58 2.3. A seguridade social e o trabalho feminino . . . . . . . . . . . . . . . . . 63 Referências . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 71
3. Equador . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 77 3.1. A Revolução Cidadã e a nova Constituição Equatoriana: aliadas na transformação das Políticas Públicas para Mulheres . . . . 77 3.2. Proposta de Políticas Públicas na “Agenda Nacional de las Mujeres y la Igualdad de Género 2014-2017” . . . . . . . . . . . . . . . 84 Referências . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 90 4. Moçambique . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 95 4.1. Políticas Públicas no horizonte Pós-Independência . . . . . . . . . . 95 4.2. O Plano Nacional para o Avanço das Mulheres . . . . . . . . . . . . 105 Referências . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 110 5. Vietnã . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 115 5.1. Apresentação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 115 5.2. A presença da mulher no desenvolvimento do país . . . . . . . . . . 117 5.3. O papel da União das Mulheres do Vietnã na implementação de políticas públicas para as mulheres . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 120 Referências . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 126 6. Líbano . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 129 6.1. Os Movimentos de Mulheres Libanesas e a conquista de direitos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 129 6.2. Políticas Públicas e acesso ao trabalho formal . . . . . . . . . . . . . . . 133 Referências . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 138 7. Acerca de uma conclusão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 141
apresentação
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Apresentação É com muito orgulho que a Federação Democrática Internacional de Mulheres - FDIM, através do seu Centro de Estudos e Pesquisas Mulher e Trabalho, entrega para o movimento feminino brasileiro e internacional mais uma ferramenta que nos ampara e auxilia em nossa luta diária pela igualdade de direitos e pela plena emancipação das mulheres. Lutamos por um mundo com paz justa, com desenvolvimento econômico e social, pelo fim de todas as formas de violência contra a mulher como de todos os seres humanos, pelo acesso a saúde gratuita e de qualidade, com atenção especial ao parto natural e redução da mortalidade materna e, pela garantia da inserção plena da mulher em todas as categorias de trabalho, com salário igual para trabalho igual, no mesmo trabalho realizado entre homens e mulheres. Agradecemos à Secretaria de Políticas para as Mulheres - SPM, parceira da FDIM no Brasil, para a realização de mais este trabalho, através de seu patrocínio. Em nosso XV Congresso, realizado em abril de 2012, as delegadas saudaram o apoio que a SPM tem dado para que desenvolvamos esses estudos na área do acesso das mulheres ao trabalho. Assim, ampliamos nossa compreensão dos avanços que ainda precisamos ter para que a mulher seja, mundialmente, integrada na política, na economia e na sociedade. Aumentamos nossa 11
capacidade crítica de apontar as insuficiências que precisam ser enfrentadas de forma a avançarmos plenamente na emancipação das mulheres em todos os níveis. Nossa luta é por uma sociedade com cada vez mais compromisso com a promoção da mulher, com políticas públicas alavancadas por investimentos direcionados à sua integração e para fazer frente às conquistas e demandas das mulheres de todos os rincões. Através do Centro de Estudos, sentimo-nos orgulhosas de poder levar essa pesquisa sobre as relações da mulher com o mundo do trabalho para bem perto de mulheres de tantos países. Agradecemos em especial à Secretária de Políticas do Trabalho e Autonomia Econômica das Mulheres, Tatau Godinho, por sua participação e apoio nesse estudo. Agradecemos também a cada uma das nossas organizações internacionais filiadas que se mobilizaram e estiveram junto com o Centro de Estudos contribuindo e buscando os dados que pudessem ser parâmetros aos nossos estudos. Seguimos em frente em nosso desafio pelo aprofundamento do conhecimento, da observação atenta e focada no percurso trilhado pelas mulheres mundialmente, buscando os elementos que nos apoiém e nos impulsionem na direção de um mundo mais justo, igualitário, fraterno e humano para todos, onde a presença da mulher no trabalho, com salário igual para trabalho igual, seja uma constante e, antes de tudo, uma realidade, contando com governos e parlamentos zelosos na busca de leis que viabilizem essa realidade. Márcia Campos Presidente Federação Democrática Internacional de Mulheres - FDIM
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Introdução O objetivo do projeto que resultou neste livro foi realizar estudos (pesquisa documental) entre Brasil, Equador, Moçambique, Portugal, Vietnã e Líbano, para uma leitura intercontinental, com relação às políticas públicas para as mulheres que facilitem sua inserção e permanência no mundo do trabalho. Busca-se também retratar o aspecto da diferença salarial entre homens e mulheres, no mesmo trabalho realizado, com o objetivo de definir, através de uma tendência mundial, como se relaciona os avanços e entraves para a conquista desse direito. A relevância de tal pesquisa consiste na observação do conjunto de ações públicas coordenadas que cada país pesquisado, com suas diversidades e especificidades, encontraram no sentido de promover autonomia econômica para as mulheres. Estas experiências representam os insumos estratégicos para pensarmos na permanência da mulher no trabalho formal, a igualdade de remuneração, os direitos trabalhistas e, assim, especificar políticas públicas que tenham o intuito de permitir o acesso e permanência da mulher ao mundo do trabalho. Como se apresentará mais adiante, esse estudo também demonstra o período de grave crise econômica, iniciada em 2008, oriunda dos países de economia capitalista desenvolvidos, e que se tornou particularmente importante para conhe13
cer como se estabelece, também nessa conjuntura específica, as condições da presença da mulher no mundo do trabalho. Considera-se inicialmente, neste projeto, assim como relatado na XI Conferência Regional sobre a Mulher, organizado em 2010 pela Cepal, que não poderá haver igualdade no trabalho para a mulher enquanto não se resolver a questão da carga de trabalho não remunerado. Ressalta-se que o trabalho não remunerado, assenta-se na ausência da divisão do trabalho doméstico entre homens e mulheres e na ausência de equipamentos sociais. A igualdade no trabalho requer uma nova equação entre o Estado, o mundo do trabalho e as relações sociais, para que assim se possa redistribuir a carga total de trabalho. Isso, por sua vez, envolve políticas, práticas e normas públicas e privadas, portanto, um compromisso maior de toda a sociedade e do Estado, para que se reduza a carga de cuidados que recai sobre a mulher, permitindo seu acesso ao mundo do trabalho. Sabe-se que, de forma geral, nos diversos países pesquisados neste projeto, não há uma rede de serviços públicos que dê conta do trabalho doméstico realizado pelas mulheres, para que assim, ela possa se dedicar ao trabalho formal, com acesso aos direitos trabalhistas. Somente a mulher que tem renda mais alta pode contratar serviços e pessoas (geralmente outras mulheres) para realizar tais serviços domésticos, e assim, se liberar para o trabalho formal e remunerado. Salienta-se que, com relação às mulheres pobres e de setores médios das classes sociais, a ausência de equipamentos sociais como creches, escolas, restaurantes e lavanderias populares, e a precariedade dos serviços públicos, torna praticamente impossível conciliar sua vida profissional e familiar (CEPAL, 2010). Desta forma, gerar renda está associado à precarização, à ausência de direitos e a informalidade no trabalho. 14
Considera-se na pesquisa que hora se apresenta que, para a geração de políticas que contribuam para a autonomia econômica das mulheres e a concretização de trabalho formal e remunerado, são necessárias ações, medidas e políticas de caráter público. Somente a ação decidida dos governos poderá reverter a desigualdade entre homens e mulheres, que é um fenômeno estruturante e persistente em nossas sociedades. Tem-se avaliações que apontam para o papel que os Estados e governos devem cumprir no sentido da igualdade, assim como destaca relatório OIT/CEPAL/ONU (2013), a livre iniciativa do mercado não resolverá os problemas da desigualdade entre homens e mulheres no mundo do trabalho. Ações racionais de políticas de Estado, focadas nas diferenças de classes sociais devem ser destacadas com o intuito que as desigualdades não se perpetuem com o tempo. Constata-se, com isso, como primeiro resultado desta pesquisa que, as políticas públicas incidem de forma direta sobre o acesso e permanência das mulheres ao trabalho, e portanto, as políticas de geração de emprego associadas a políticas que reduzam os serviços realizados dentro de casa, precisam ter um amplo alcance, chegar até as classes sociais mais empobrecidas e estarem comungadas com o desenvolvimento de cada país. Observa-se, em particular a partir de 2008 quando se instalou a crise econômica nos Estados Unidos e em países europeus, uma dificuldade mundial, de governos e do próprio sistema econômico, na geração de novos postos de trabalho. Os efeitos da crise sob o trabalho foram graves e generalizados no mundo, diminuindo agudamente nos setores de exportação e criando um efeito multiplicador negativo em outros setores de trabalho (GHOSH, 2013). Este impacto sobre a geração de postos de trabalho refletiu imediatamente no acesso e permanência da mulher no trabalho formal. Além do que, 15
muitos dos postos de trabalho que foram ofertados, eram com menor remuneração e baixa qualificação, gerando a luta pelo trabalho decente em todas as partes do mundo. Assim como descrevem diversos pesquisadores, tais como, Ghosh (2013), Souza (2009), Green (2010), os efeitos sobre os setores sociais e sobre as condições de desenvolvimento humano foram bem marcantes, isso porque muitos países atuaram de forma a conter a crise por meio de cortes nos programas sociais, através da flexibilização e precarização dos direitos adquiridos. Com a desaceleração econômica, a sociedade, em diferentes países, enfrentou o desemprego, a perda dos meios de subsistência e a deterioração da condição de vida (GHOSH, 2013). Dadas estas condições, a geração de postos de trabalho, de 2008 a 2013 foi desfavorável para os trabalhadores dos mais diversos setores da indústria e comércio, ou seja, o crescimento da produção e da atividade econômica não tem gerado os postos de trabalho necessários no mundo. Cada vez mais, o mercado de trabalho se caracteriza por contratos informais, ocasionais, por conta própria e precarizados. As taxas de desemprego aumentaram mundialmente com a crise econômica de 2008, sobretudo com relação ao desemprego feminino, como é demonstrado no quadro a seguir:
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Fonte: Gosh, 2013, p. 22.
Observa-se que a crise econômica trouxe ao universo feminino outra realidade: enquanto os efeitos da crise sobre o emprego remunerado e formal é mais rápido e notório, o impacto da crise no trabalho não remunerado segue sendo subvalorizado, pouco dimensionado e, muitas vezes, esquecido nas discussões oficiais. A mulher que fica em casa, para retaguarda de toda a família, e que forma grande contingente de mão de obra de reserva, ao ser agredida com a redução cada vez mais crescente dos programas sociais, vê aumentar de forma progressiva sua atividade para atender as necessidades da família no dia a dia. O trabalho doméstico, realizado predominantemente por mulheres em qualquer região do mundo, é uma parte crítica da atividade econômica: diante da crise os ajustes 17
financeiros se dão principalmente nos cortes orçamentários de programas sociais, na redução do atendimento à serviços públicos como de assistência social, primeira infância entre outros, o que sobrecarrega ainda mais as mulheres com os afazeres domésticos e de cuidados. Lembra-se que o trabalho no lar, escravo, entre quatro paredes, fora da produção, é basicamente feminino. As mulheres têm, diante disso, assim como conceituado pela OIT (2012), maior acesso ao ‘emprego vulnerável’ (trabalhadores por conta própria e trabalhadores familiares), que lhe possibilite manter o trabalho dentro de casa com todas as obrigações e funções, e ainda ir em busca de trabalho que lhe dê remuneração, mas que não é formal. A crise econômica de 2008 trouxe ‘novas’ relações informais de trabalho, o que refletiu na diferenciação entre as taxas de emprego/desemprego entre homens e mulheres. Nos países desenvolvidos como um todo, incluindo a União Européia, assim como demonstrado na tabela anterior, as taxas de desemprego feminino foram maiores que as taxas de desemprego masculinas até 2008, mas no curso da crise até 2013, o desemprego masculino aumentou rapidamente e permaneceu a uma taxa superior que o desemprego feminino. A diferença foi particularmente notável em 2010: a taxa de desemprego dos homens aumentou significativamente, enquanto a taxa feminina diminuiu ligeiramente em relação ao ano anterior, embora continuou a ser muito maior do que antes. A diferença salarial entre homens e mulheres praticada no mundo do trabalho, faz com que, em momentos de crise econômica, a mão de obra feminina seja mais procurada, e os empregos mal remunerados sejam mantidos em relação ao emprego dos homens. Observa-se que a incidência de contratos temporários, desde a crise econômica de 2008, é significativamente maior entre as mulheres do que entre os homens, e assim, pode-se 18
explicar em parte, as diferenças nas taxas de desemprego entre homens e mulheres. Também a flexibilização de direitos adquiridos se amplia nesse período. Assim como se apresenta no gráfico abaixo:
Quadrado quadrado quadrado Fonte: OIT/ILO, 2014, p. 15
Pode-se ainda constatar que a crise econômica destruiu cerca de 13 milhões de empregos para as mulheres, além disso, em 2012, a proporção de mulheres em empregos vulneráveis foi de 50%. Além do que, as mulheres estão mais limitadas na eleição de um posto de trabalho, dadas as obrigações com filhos, enfermos, idosos e com suas casas (OIT, 2014). De forma geral no mundo, desde 2008, se reduziu pela metade o emprego na indústria para as mulheres. Lembra-se também que 85% do emprego feminino está no setor de serviços, muitas vezes com remuneração baixa, e quase nenhum direito trabalhista (OIT, 2014). Compartilha-se, mais uma vez, com a proposta de 19
Ghosh (2013), em que, para o acesso de mulheres ao mundo do trabalho, é fundamental a universalização aos serviços públicos sociais principalmente nas áreas de saúde, água e saneamento, educação, segurança alimentar, habitação, serviços de cuidados para crianças, idosos e enfermos, entre outros, definidos de acordo com as prioridades de cada país. Apresenta-se assim uma segunda conclusão referente a esta pesquisa: os governos tem que realizar uma abordagem que se baseia nos direitos de acesso como também a universalização a serviços públicos sociais e, associado a isso, estruturar políticas de geração de emprego estruturais, consonantes com o plano de desenvolvimento de cada país, indo além do tratamento isolado de necessidades, com programas específicos, tendo como prioridade a redução das diferenças e desigualdades de gênero e a pobreza. Ressalta-se na perspectiva desta pesquisa que as mulheres sempre enfrentaram uma série de obstáculos desfavoráveis no mundo do trabalho, mas estes obstáculos se acentuaram a partir da crise econômica de 2008, nas mais diferentes regiões do mundo. Os capítulos que seguem neste livro, como resultado da pesquisa documental são acrescidos pelas observações (intervenções orais, documentos e relatos) realizados pelas representantes de diferentes entidades de mulheres, dos seis países envolvidos na pesquisa, que participaram do ‘Seminário Internacional Políticas Públicas para as Mulheres a Promoção da Equidade no Universo do Trabalho’, realizado nos dias 06 e 07 de junho de 2014, no Centro Universitário Belas Artes de São Paulo, como parte do projeto hora apresentado.
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Referências CEPAL. Informe de la XII Conferencia Regional sobre la Mujer de America Latina y el Caribe. Santo Domingo, 15 a 18 de octubre de 2010. GOSH, J. Crisis financiera y trabajo femenino: tendencias emergentes y experiencias pasadas. In: Revista Crítica y Emancipación. Revista latinoamericana de ciencias sociales. Año V, nº 10, segundo semestre 2013. pags. 17- 58. GREEN, D. et al. The Global Economic Crisis and Developing Countries. Oxfam International: Research Report, May 2010. OIT/ILO. Global employment trends 2014: risk of a jobless recovery? Geneva: ILO: 2014. OIT; CEPAL; ONU. Informe Regional de Desarrollo Humano 2013-2014: Seguridad Ciudadana con rostro humano. Diagnostico y propuestas para a America Latina. Alfa Omega: 2013. SOUZA, N. A. Economia Internacional Contemporânea: da depressão de 1929 ao colapso financeiro de 2008. São Paulo: Atlas, 2009.
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BRASIL
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1. Brasil 1.1. Breve histórico da presença da mulher no trabalho formal no Brasil Nos primeiros anos do século XX grande parte do proletariado brasileiro era constituído por mulheres e crianças. As operárias, em grande parte, migrantes de países europeus, perfaziam o principal contingente de mão de obra em São Paulo e Rio de Janeiro: De modo geral um grande número de mulheres trabalhava na indústria de fiação e tecelagem que possuía escassa mecanização, estavam ausentes dos setores de metalurgia, calçados e mobiliário. Além disso, muitas mulheres eram costureiras e completavam o orçamento doméstico trabalhando em casa, às vezes, até dezoito horas por dia. (RAGO, 2000, p. 581)
Ao longo das décadas do século XX, as trabalhadoras foram sendo substituídas pela mão de obra masculina, para se ter uma ideia, em 1872, as mulheres, principalmente as mulheres jovens, compunham 76% da força de trabalho na in25
dústria, em 1950 passaram representar apenas 23% (RAGO, 2000). Mesmo com o acentuado crescimento econômico vivido no Brasil na década de 1930, tem-se que o emprego das mulheres aumentou nas atividades secundárias: as tarefas menos especializadas e mal remuneradas cabia à elas, e os cargos de chefia e direção aos homens. Lembra-se que, está associada à redução da força de trabalho feminina na indústria neste período no Brasil, além das considerações já apontadas, que a elite nacional, influenciada por filósofos franceses, por concepções religiosas e culturais, tentava redefinir o papel da mulher na sociedade brasileira. Muito se acreditava que o trabalho da mulher fora de casa era o ingrediente para a destruição da família. Então, mesmo com a crescente urbanização e com o desenvolvimento econômico da década de 1930, as perspectivas de trabalho formal e atuação profissional da mulher se restringiram: “enquanto o mundo do trabalho era representado pela metáfora do cabaré, o lar era valorizado como o ninho sagrado que abriga a ‘rainha do lar’ e o ‘reizinho da família’”. (RAGO, 2000, p. 588). Desta forma, ideologicamente se formulou um conceito social de que o mundo público era o espaço que poderia ameaçar não só a moral da mulher, mas também seu papel de mãe e esposa. Além de mudar, no geral, as concepções da mulher acerca de sua independência econômica, isso feria mais gravemente as mulheres negras. Desde a Abolição da Escravidão, as mulheres negras foram associadas ao trabalho desqualificado e, por isso, recebiam salários baixíssimos para trabalhos domésticos, a maior parte das vezes em péssimas condições, e sem perspectiva de acessar um trabalho na indústria ou no comércio. Retoma-se. A década de 1930, dado o acentuado crescimento econômico, inaugurou a cidadania social no Brasil, assim como demonstra Giulani (2000): 26
O Estado passa a definir os direitos e os deveres relativos à organização das práticas produtivas; aceita as associações profissionais como interlocutoras; reconhece como oficiais as organizações dos sindicatos. Com a criação do Ministério do Trabalho, a legislação trabalhista é promulgada como corpo jurídico válido nacionalmente. (GIULANI, 2000, p. 641)
Este modelo de proteção ao trabalhador se mantém até o golpe militar de 1964, onde diversas restrições foram feitas à lei trabalhista e, portanto, aos trabalhadores. As mulheres na década de 1930, mais precisamente em 1932, conquistaram o direito à cidadania política, o direito ao voto, antes mesmo de vários países da Europa, como a França. Mas, no mundo do trabalho, mesmo com as conquistas apontadas, sua independência econômica e profissional será adiada até a década de 1980. A década de 1980 é marcada pelos movimentos de redemocratização da política na sociedade brasileira. Foi nesse período que grupos feministas, de operárias, de partidos e de sindicatos, que outrora atuavam de forma independente, se unem com o intuito de debater a participação e o papel da mulher. Recorda-se que o Movimento de Luta por Creches teve início em 1974 e, logo em seguida, em 1975, houve a organização de Centros e Grupos de Mulheres, que estimulavam o debate, e onde também “são constantemente avaliados e revisados os papéis sociais (mãe/esposa/dona de casa) mesmo que a reflexão sobre o trabalho e a discriminação no emprego não estejam sempre presentes”. (GIULANI, 2000, p. 649) A Constituição de 1988 irá contemplar os debates realizados por estes movimentos e grupos de mulheres. A Carta Constitucional definiu, por exemplo, a ampliação da licença maternidade, introduziu a licença paternidade, estabeleceu 27
um limite de idade diferente entre homens e mulheres para a aposentadoria, além de reconhecer a reciprocidade no casamento e a igualdade entre mulheres e homens. Além disso, a Constituição, quando estabeleceu o princípio de igualdade entre homens e mulheres no mundo do trabalho refletiu os compromissos assumidos pelo Brasil na esfera internacional, em que se destacavam as Convenções nº. 100 e nº. 111 da Organização Internacional do Trabalho OIT, e a Convenção sobre a Eliminação de todas as formas de Discriminação contra a Mulher, da Organização das Nações Unidas - ONU, ratificada no Brasil em 1984. A Convenção nº. 100 da OIT, editada em 1953 e ratificada pelo Brasil em 1957, estabeleceu igualdade entre homens e mulheres nos parâmetros de remuneração e, exige que a valoração do trabalho entre os sexos seja equivalente (OIT, 1953). A Convenção nº. 111 da OIT, editada em 1958 e ratificada pelo Brasil em 1968, trata da discriminação no emprego e na ocupação, considera que qualquer distinção, exclusão ou preferência fundada em diversos aspectos, inclusive sexo, que tenha por efeito anular ou alterar a igualdade de oportunidades ou de tratamento em matéria de emprego ou profissão, seja superada. (OIT, 1960). A Convenção para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher foi outro exemplo de ação com o intuito de estabelecer igualdade entre homens e mulheres no mundo do trabalho. Tal resolução foi adotada pela Assembléia Geral das Nações Unidas em 1979, e entrou em vigor no Brasil em 1984. No artigo 11, ao tratar do trabalho, apresenta orientações para que os governos eliminem as diferentes formas de discriminação que as mulheres sofrem em relação às oportunidades de trabalho, em especial quando estão grávidas ou são mães (ONU MULHERES, 1981). 28
Os efeitos destas propostas são intensos no sentido das mulheres pensarem sua participação na vida pública e no mundo do trabalho. A partir desse momento questionamentos sobre a independência econômica da mulher brasileira começam a ser feitos e assim, pesquisas sobre a inserção da mulher no mundo do trabalho ganham espaço na academia e nos institutos governamentais. A década de 1990 reflete a disputa ideológica acerca do acesso e permanência da mulher no mundo do trabalho, promovida principalmente pelo levantamento de dados que indicavam a sobrecarga de trabalho realizado fora e dentro dos lares, os poucos espaços ocupado pelas mulheres no trabalho formal e, a presença predominante no trabalho doméstico. Percebe-se então, que no Brasil, até este momento, a constituição de políticas sociais para as mulheres se desenvolveu concomitante a construção democrática do Estado e, também por isso, o acesso à equipamentos sociais que facilitassem a inserção e permanência das mulheres no mundo do trabalho, sempre esteve associado à luta pela não discriminação, pela igualdade e autonomia. Ou seja, uma concepção mais integrada do papel da mulher no espaço público e no desenvolvimento do país. A partir dos anos 2000 esta lógica de conquistas de direitos tem uma mudança. Inaugura-se a década das políticas públicas e da associação de programas focados para a superação de problemas sociais. Mesmo de forma diferente de ação e com programas focados, como será demonstrado a seguir, nenhuma política relacionada ao acesso e permanência da mulher no trabalho formal foi concretizada. O que indica que fortalecer os movimentos, associações e grupos de mulheres em torno do tema ‘acesso e permanência ao trabalho’, nunca esteve tão atual. A seguir será apresentado um histórico das políticas pú29
blicas específicas para as mulheres, desde 2000 e o que isso significou para a implementação de direitos para as mulheres. Este histórico será apresentado a partir da constituição dos planos nacionais de políticas para as mulheres.
1.2. O Plano Nacional de Política para as Mulheres 1.2.1. O I Plano Nacional de Política para as Mulheres (2004) O I Plano Nacional de Políticas para as Mulheres PNPM, completou em 2014 sua primeira década de existência e permite uma avaliação do processo de consolidação das políticas para as mulheres no Brasil. O I PNPM é fruto de ações propostas pelo movimento de mulheres na I Conferência Nacional de Políticas para Mulheres realizada em 2004, coordenada pela Secretaria de Políticas para as Mulheres e por entidades de mulheres da sociedade civil presentes no Conselho Nacional dos Direitos da Mulher. O I PNPM foi estruturado em torno de quatro áreas: a) autonomia, igualdade no mundo do trabalho e cidadania; b) educação inclusiva e não sexista; c) saúde das mulheres, direitos sexuais e direitos reprodutivos; d) enfrentamento à violência contra as mulheres. (PNPM, 2005) A base dos PNPM é a transversalidade, pois tanto a relação entre os ministérios, quanto com as esferas estadual, distrital e municipal, correspondem às propostas apontadas nas conferências e dependem da parceria dos governos para chegar aos resultados esperados. A garantia de que tal determinação da transversalidade aconteça, passa pelo avanço na constituição de mecanismos 30
de acompanhamento e na fiscalização nas três esferas. Para o movimento de mulheres isto ainda está longe de acontecer: A diretriz [...] continuará sendo mera peça de retórica, mesmo que se aprimorem os instrumentos de gestão, enquanto os objetivos referidos [...] não impactarem as tomadas de decisão dos executores diretos da política. De nada adiantará, por exemplo, um Termo de Cooperação entre a SPM e o MEC para a execução do Prêmio Construindo a Igualdade de Gênero, se o responsável do setor financeiro, no MEC, afirmar a impossibilidade da compra dos computadores destinados ao prêmio alegando que não há rubrica para tal despesa. (BRANDT, 2013)
Considerando os objetivos, metas, prioridades, e ações executadas em todo território nacional, com relação ao I PNPM, especialmente as que correspondem aos equipamentos públicos, apresenta-se que “até 2007 foram apoiadas 440 cozinhas comunitárias, sendo 309 em funcionamento e 100 restaurantes populares, sendo 34 em funcionamento” (PNPM, 2005, pag.40). Estes dados demonstram o quanto o tema ainda era pouco considerado mesmo nas políticas relacionadas às mulheres, afinal, se fizermos uma projeção, dos 5561 municípios brasileiros, não chega a 6% do total dos municípios aqueles que receberam uma cozinha comunitária. Deduz-se assim que os investimentos em equipamentos sociais que possibilitem o acesso e permanência da mulher no trabalho não são ainda uma realidade no Brasil. Lembra-se ainda que o I PNPM pauta a promoção da autonomia econômica e financeira das mulheres por meio da assistência técnica, do acesso ao crédito e do apoio ao empreendedorismo, associativismo, cooperativismo e comércio, não 31
aponta uma diretriz clara para as ações voltadas para a inserção da mulher no trabalho formal, que de fato pode garantir sua plena autonomia e sua contribuição para o desenvolvimento do país. Muito embora o I PNPM apontasse entre suas metas adotar medidas que promovessem a elevação em 5,2% na taxa de atividade das mulheres na População Economicamente Ativa (PEA), entre 2003 e 2007, observou-se que as ações para concretizar tais metas foram insuficientes. E mais uma vez, destaca-se que, (embora o I PNPM) se preste muito bem a expressar um pacto da sociedade brasileira, e principalmente do poder público nas três esferas, em torno dessa política, do ponto de vista da responsabilização de órgãos federais e do planejamento e monitoramento da execução de ações específicas sob sua responsabilidade ele é ainda muito insuficiente (BRANDT, 2013, p.09)
A seguir, são apresenta as propostas do II PNPM. 1.2.2. O II Plano Nacional de Política para as Mulheres (2007) Em agosto de 2007, ocorreu a 2ª Conferência Nacional de Políticas para as Mulheres, onde se estruturou as resoluções do II PNPM. As propostas do II PNPM foram articuladas no Plano Plurianual 2008- 2011 e na Agenda Social do governo, sob a coordenação da Secretaria de Políticas para as Mulheres. Estiveram envolvidos dezoito órgãos da administração pública federal em parceria com representantes da sociedade civil. 32
A estimativa à época de recursos investidos pelo conjunto de órgãos envolvidos no II Plano, de 2008 a 2011, são apresentados na tabela abaixo. Nota-se que o recurso destinado à construção de creches (R$1,6 bilhões), pouco discutido no I PNPM, está condicionado à decisão do município em apresentar projetos, o que dificulta sua execução.
Fonte: II PNPM, 2007, p. 202 33
Na prática, a política pública definida no âmbito federal fica atrelada a realidade dos municípios que, como se sabe, por terem poucos recursos disponíveis à projetos, se cria uma escala de prioridades que muitas vezes não são as mesmas estabelecidas no plano federal, ou seja, a responsabilidade pela obra é do município. Além disso, prefeitos e dirigentes municipais de educação, apesar de apoiarem a proposta, enfrentaram dificuldades para executá-la, pois a redistribuição dos recursos pelo governo federal estava abaixo do custo por aluno e o encargo é grande para o município. De acordo com balanço do FNDE - Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação, sobre o programa Proinfância (programa do governo federal destinado a construção de creches no território nacional), somente 39 das 2003 creches e pré-escolas com verbas liberadas foram construídas entre 2007 e 2010. O número representa apenas 1,94% do total. Ainda de acordo com o balanço do FNDE, o número total de obras paralisadas chegava a 80, mais de 1100 prédios estavam em fase de planejamento, licitação ou adequação de projetos, 791 prédios em construção e quase metade deles, 366, com menos de 50% das obras concluídas. (MEC, 2013) Verifica-se com esses dados que além de não se alcançar a construção do que estava programado, por si os números demonstram o insuficiente número de creches que estavam programadas para serem construídas. Os cuidados com as crianças são o principal fator para que a mulher possa ter acesso e permanência ao mundo do trabalho, além de ser uma das principais bandeiras dos movimentos sociais de mulheres. Pode-se destacar que o II PNPM trouxe elementos para se buscar a igualdade no mundo do trabalho entre homens e mulheres, no sentido de propor equipamentos e reafirmar políticas de garantia da participação das mulheres no desenvolvimento do país. Mas, observa-se que, a execução ficou 34
aquém das expectativas. Muito há, ainda, que construir no que se refere à garantia de condições igualitárias entre homens e mulheres de acesso e permanência no mundo do trabalho, bem como na remuneração pelas atividades desenvolvidas. O próximo item tratará do plano de políticas para as mulheres atual, o III, aprovado em 2011 em conferência nacional. 1.2.3. O III Plano Nacional de Política para as Mulheres (2011) A 3ª Conferência Nacional de Políticas para as Mulheres ocorreu em dezembro de 2011. O III PNPM expressou uma maior reivindição de políticas e programas relacionados às temáticas das mulheres, fruto da mobilização dos movimentos sociais e da sociedade civil. O III PNPM foi o que mais profundamente relacionou políticas públicas e autonomia econômica das mulheres. As ações propostas no Plano foram previstas no PPA 2012-2015 e apontaram para a inserção da mulher no mundo do trabalho e a relação direta com a criação de equipamentos sociais para a garantia e efetividade de sua permanência no mesmo. Ressalta-se, novamente, que mesmo com a reserva de recursos e a exposição de políticas relacionadas ao acesso e permanência da mulher no mundo do trabalho, assim como ocorreu nos planos anteriores, as metas no III Plano também não foram cumpridas. Lembra-se, assim como será exposto mais à frente, que esta é uma política de relevância ímpar para ampliar a autonomia econômica das mulheres e criar condições que permitam sua entrada no mercado de trabalho formal, mas que foi insuficientemente desenvolvida pelo governo federal. Na comparação entre os três PNPM, observa-se que, 35
embora pauta recorrente do movimento de mulheres, a questão da educação infantil, associada a política de emancipação das mulheres, somente se expressará no II Plano, que incorporou as ações relacionadas à ampliação das vagas na educação infantil no capítulo que tratava da autonomia econômica e da igualdade no mundo do trabalho. Mas que, como se viu, não foi executado de forma efetiva. Ressalta-se também que desenvolver a economia do país é o caminho para viabilizar a política de acesso e permanência da mulher no mundo do trabalho e, desta forma, garantir a infraestrutura básica, como os centros de educação infantil, é parte fundamental para a plena participação da mulher na vida do país. Percebe-se que desde 2011 a economia brasileira vem demonstrando sinais de recessão o que compromete as políticas sociais, principalmente as políticas necessárias para a emancipação econômica da mulher. Lembra-se que, com este modelo econômico, além dos recursos serem escassos para aplicação nas políticas públicas para as mulheres, outro fator vem sendo pauta constante da SPM neste mesmo período, os contingenciamentos. O orçamento para 2013 somou R$ 208,5 milhões. Apesar disso, apenas 39,1% dos recursos foram desembolsados durante o ano, o equivalente a R$ 81,5 milhões. [...] (Para 2014) o orçamento autorizado para a SPM é de R$ 217,2 milhões [...] Porém, mais uma vez, o desembolso dos recursos pode ser reduzido já que o governo federal anunciou contingenciamento de R$ 20 milhões nas despesas discricionárias da Secretaria (MENEZES, 2014).
Prevalece a visão parcial das políticas, dificultando a identificação e execução dos recursos destinados às mulhe36
res. Em algumas áreas os avanços ocorreram, no entanto, a inclusão dessas temáticas no PPA e no Orçamento da União ainda se mostra incipiente e insuficiente para atender às especificidades das mulheres com atenção à raça, classe social e escolaridade. Se o planejamento da ação pública não é feito se considerando tais dimensões, a superação das amarras para a verdadeira inclusão da mulher no mundo do trabalho não serão superadas. Após uma década de conferências e três planos, a garantia de direitos às mulheres não obtiveram os resultados desejados por todos os envolvidos, tendo um pequeno avanço diante das necessidades. Torna-se imperioso que sejam aplicados os orçamentos destinados a políticas públicas específicas, assim como é demonstrado: Apesar de todos os esforços do movimento de mulheres e feminista [...] a situação que já era bem grave em 2011, piorou ainda mais a partir da Lei Orçamentária 2013. A LOA 2013 continuou imbuída da mesma lógica do PPA, sacramentou a desconexão entre as duas peças orçamentárias (PPA e LOA) e dificultou sobremaneira o dimensionamento e acompanhamento dos recursos destinados às políticas públicas para as mulheres, inclusive no que se refere ao PNPM 2013-2015. Perdeu-se ainda mais informação. Atualmente, a exceção do número e título do Programa, não existe mais nenhum atributo que esteja ao mesmo tempo no PPA e na LOA. Faltam elementos para avaliar o que foi planejado, se o planejado corresponde aos recursos efetivamente alocados, e se a execução do planejado e do orçado permitiu alcançar os objetivos traçados. [...] Não resta dúvida: está muito mais difícil avaliar a ação governamental 37
relacionada aos direitos das mulheres e ao enfrentamento das múltiplas formas de desigualdades que vivemos. (CFEMEA, 2013)
O III PNPM que poderia ser um mecanismo para que os movimentos pudessem acompanhar e fiscalizar as propostas de ação aprovadas e sua execução, dada a nova metodologia adotada pelo governo em 2013, como visto acima, tornou-se impraticável. Ou seja, o orçamento público não foi alocado de forma transparente no que se refere às políticas públicas para as mulheres e daí o constante contingenciamento do orçamento da SPM. No próximo item será abordado como que as políticas públicas para as mulheres vem sendo executadas no período mais recente a partir dessa lógica de ausência de investimentos e de uma política de desenvolvimento que dê conta da inserção da mulher no trabalho formal.
1.3. Situação atual da mulher no trabalho O movimento de mulheres no Brasil é reconhecido por sua capacidade de construir estratégias consensuais, na diversidade de organizações e redes que o compõem, em períodos marcantes da história política do país, para com isso, fortalecer sua posição frente ao Estado. É bastante recente na estrutura do Estado um organismo que foque os direitos das mulheres, integrando os diversos ministérios. Em 2003, foi criada a Secretaria de Política para Mulheres, que recebeu parte significativa das demandas que o movimento pautou ao longo de sua trajetória e que, atualmente buscam, através de suas reivindicações, incorporar tais demandas como políticas de Estado. 38
Comemora-se o reconhecimento de importantes conquistas para as mulheres, fruto de históricas lutas, como a criação da SPM. Mas, ainda não se pode afirmar que a desigualdade entre homens e mulheres está próxima de ser banida. Certifica-se que a equidade entre homens e mulheres é uma necessidade social para o desenvolvimento do país, por isso, a busca constante de mecanismos que possibilitem a inserção da mulher no trabalho formal, associado à diminuição da carga de trabalho dentro dos lares, deve ser pauta constante entre governo e sociedade civil. Por isso, entende-se que é função do Estado elaborar políticas públicas que reconheçam as desigualdades de direitos que existem entre homens e mulheres, para que assim possa ser corrigida práticas discriminatórias históricas, principalmente no mundo do trabalho. No entanto, o que se verifica é que, nas duas últimas décadas no Brasil a distância entre homens e mulheres no mundo do trabalho e as disparidades salariais na mesma ocupação tem se mantido constante. Sabe-se que a participação feminina no trabalho formal, neste mesmo período, aumentou, mas atingiu um teto durante alguns anos e posteriormente estagnou. Deduz-se que há ainda no Brasil um enorme contingente de mulheres fora do mundo do trabalho. Além disso, a taxa de desocupação feminina, durante este mesmo período, foi sempre superior à masculina. Destaca-se também que a diferença salarial entre homens e mulheres para trabalho na mesma função continua sendo desigual. Observe a tabela a seguir:
39
Fonte: IPEA, 2014, p. 606
A desigual distribuição por setor de atividade, como demonstrado na tabela acima, também está relacionada a menor renda alcançada pelas mulheres pois as ocupações são aquelas menos valorizadas socialmente: Somam-se à colocação no mercado de trabalho – setor de atividade e forma de contrato – as capacidades do indivíduo, em geral, medidas pelo tempo de experiência de trabalho e pelo nível de escolaridade. A escolaridade do trabalhador é historicamente um importante determinante do rendimento do trabalho[...]. No entanto, o peso do determinante sexo mostra-se muito relevante, pois, apesar de mulheres mais escolarizadas receberem rendimentos mais elevados que mulheres menos escolarizadas, homens e mulheres com a mesma escolaridade apresentam importantes diferenciais de renda, e isto se agrava entre os/as mais escolarizados/as. (IPEA, 2014, p. 606)
Constata-se que as mulheres brasileiras são em maior 40
proporção que os homens, empregadas domésticas, trabalhadoras na produção para o próprio consumo e não-remuneradas, enquanto os homens encontram-se, proporcionalmente, mais presentes na condição de empregados (com e sem carteira assinada), conta-própria e empregador. É possível, a partir da análise feita por Araújo e Lombardi (2013), constatar que a evolução da ocupação no Brasil cresceu, de 2001 a 2009, mais de 22%. Entende-se que ocupação significa que as mulheres ou homens estão realizando tarefas, em suas casas ou fora delas, que gerem recursos para sua sobrevivência, ou seja, não é trabalho formal com direitos estabelecidos. Dentro dos 22% a ocupação feminina cresceu 28%, contra 18% da masculina. Isso se deve principalmente entre as que trabalham ‘por conta própria’, que perfaz um total de 27,3% contra 6,6% entre os homens. (ARAÚJO e LOMBARDI, 2013, p. 462). Deduz-se, então, que o crescimento da participação das mulheres na vida econômica está associado ao trabalho esporádico, sem direitos, e precário. Além disso, se vincula a este aumento na ocupação, a política de terceirização e flexibilização que gerou no ano de 2012 mais de dez milhões de postos de trabalho no Brasil, comemorado em grande parte pelos setores governamentais, mas que representa os postos de trabalho mais precarizados e com menor remuneração. Enquanto isso, por exemplo, neste mesmo período, os postos de trabalho na indústria, que representa os setores mais próximos das garantias trabalhistas, caíram progressivamente (ARAÚJO e LOMBARDI, 2013). No caso das mulheres se verifica uma situação ainda pior, pois além da terceirização, outra justificativa apontada para que a ocupação das mulheres tenha subido significativamente a partir dos anos 2000, é “a possibilidade da redução da jornada de trabalho: o trabalho em período parcial pode garantir a manutenção dos afazeres domésticos, assim como o cuidado com 41
filhos e idosos” (ALARCÓN; SIMÕES SEVERO, 2013). Ou seja, retira-se do Estado as obrigações com os cuidados com as crianças e idosos e os afazeres domésticos, e delega-se à mulher esta responsabilidade pois, entende-se que ela agora tem responsabilidades definidas entre o lar e o trabalho. Ressalta-se que: Em 2012, do total de mulheres ocupadas (39,8 milhões), cerca de 7% trabalhavam no próprio domicílio; no caso dos homens, esta proporção é de 1,8%. A imensa maioria destes/as trabalhadores/ as é considerada “conta própria” e possui renda de até um salário mínimo. No total de mulheres ocupadas, cerca de 30% recebia como renda do trabalho principal até um salário mínimo; entre aquelas ocupadas como conta própria, esta proporção sobe para 50%; e no caso daquelas ocupadas como conta própria que trabalhavam no próprio domicílio, 61% concentrava-se nesta faixa de renda. Estes números sugerem grande precariedade e indicam que o trabalho por conta própria no domicílio parece se configurar como um arranjo das trabalhadoras que se responsabilizam pelos afazeres domésticos, pelos trabalhos de cuidado e que se inserem no mercado de trabalho de forma extremamente frágil. (IPEA, 2014, p. 607)
Evidente que esta política promovida pelo Estado, no período de 2011-2014, se expressa nos baixos salários e no descumprimento dos direitos trabalhistas, além de não promover a inserção da mulher no trabalho formal. Verifica-se a pouca atuação do governo em sua responsabilidade frente às demandas de políticas públicas para o acesso e permanência da mulher ao trabalho formal. Estas demandas também foram apontadas nas lutas dos movimentos sociais de mulheres e levadas como propostas nas 42
Conferências Nacionais e nos Planos Nacionais de Política para as Mulheres (PNPM), como foi visto nesta pesquisa. E assim, ressalta-se que este modelo de acesso ao trabalho, não se relaciona à redução de jornada de trabalho com garantia de direitos, pelo contrário: são trabalhos precarizados, mal remunerados, com pouco ou nenhum direito assegurado, pouco qualificados ou desqualificados, que irá empregar principalmente mulheres negras e pobres. As desigualdades no acesso ao trabalho, mesmo para mulheres com formação superior, impossibilitou, entre outros fatores, que os salários entre homens e mulheres, na mesma categoria, fossem iguais. Além disso, verifica-se que, de cada dez brasileiras, três não tem nenhum rendimento: A proporção de mulheres de 16 anos ou mais sem rendimento está acima do observado para o total da população (25,1%) e para os homens nessa mesma faixa etária (19,4%). A região norte é onde há mais mulheres nesta condição (37,7%). No oposto está o sul com 24,6% das mulheres sem rendimento próprio. (IBGE, SNIG, 2014)
O fato das mulheres não terem rendimento próprio reflete a condição de dependência e de obrigações com as tarefas domésticas e de cuidados, ou seja, ligadas exclusivamente à vida privada. Além disso: Há vários fatores que apontam para a disparidade de rendimentos entre homens e mulheres. Apesar da superioridade escolar da população feminina adulta, elas ainda direcionam para carreiras com menor rendimento médio, como educação, humanidades e arte. Entretanto, o rendimen43
to feminino não se iguala ao masculino em nenhuma das áreas pesquisadas. A dupla jornada de trabalho da mulher também influencia [...] além da discriminação no mercado de trabalho [...] (apontado principalmente) diante da possibilidade da mulher engravidar e ficar seis meses afastada do trabalho, (onde) acaba preterida de cargos mais altos. [...] (ALVES, 2014)
Para inverter esse quadro é fundamental que o Estado ofereça centros de recreação infantil, centros de assistência social e de saúde a enfermos e idosos, além de infraestruturas como lavanderias e restaurantes populares com o intuito de liberar a mulher para o mundo do trabalho. Percebe-se com estes dados que conciliar a maternidade com o trabalho formal gera, automaticamente, demanda de equipamentos sociais. Levar em conta a questão da maternidade é essencial para a análise de todos os outros aspectos da vida da mulher. Como citado aqui anteriormente, e buscando reforçar o aspecto da mulher, mãe e trabalhadora formal, relata-se o Proinfância. O Programa Proinfância assumiu destaque na agenda governamental ao ser incorporado ao Programa de Aceleração do Crescimento I e II - PAC. No entanto, ainda que previsto em orçamento e no próprio PAC, o investimento em tal equipamento não refletiu a resposta para a demanda apontada historicamente pelos movimentos sociais, bem como ficou aquém da capacidade de investimento e do compromisso assumido pelo governo, mas não realizado. De acordo com Relatório do Tribunal de Contas da União – TCU, Em quatro anos de programa – que se utilizou da estratégia convencional de contratação (convênio, seguidos de licitações individuais e obras) 44
– menos de 20% das creches foram concluídas. Obviamente que o quadro indica uma baixíssima eficiência, em termos de adimplemento às metas do programa. As consequências são também óbvias: um alto número de crianças sem o atendimento educacional devido nas primeiras fases da vida, com efeitos deletérios decisivos e duradouros por todo o desenvolvimento escolar. Em verdade, essa ineficiência repercute diretamente na vida de alguns milhares de crianças. (TCU, 2013)
Em 2011 o Ministério da Educação aprovou a construção de 6063 creches, mas apenas 417 delas ficaram prontas até 2014. Certifica-se como dito aqui, a necessária construção de tais equipamentos pois, neste mesmo período, apenas 18% das 10 milhões de crianças em idade de creche estavam matriculadas (MEC, 2013). Reforça-se: enquanto não há prioridade de cuidados promovidos pelo Estado com a primeira infância, as mulheres individualmente assumem esta responsabilidade, em detrimento à sua participação na vida produtiva do país. Se, com relação à política mais importante para o acesso e permanência da mulher no trabalho formal, verifica-se um pequeno compromisso, os outros instrumentos sociais públicos que possibilitariam a vida produtiva da mulher, sequer são apontados como políticas públicas, assim como se especificou na parte referente aos Planos Nacionais de Políticas para as Mulheres. A definição ideológica do modelo de desenvolvimento promovido por um governo em um país pode ser sentido pelas políticas adotadas com relação à participação produtiva das mulheres. O que percebe-se, é que esta definição tem ao longo da última década, apresentado um desenvolvimento bastante insatisfatório, para que seja possível o acesso das mulheres brasileiras ao mundo do trabalho. 45
1.4. Algumas considerações finais Com os dados apresentados até aqui, deduz-se que o modelo de desenvolvimento econômico e social adotado no país tem reflexo direto na inserção da mulher no trabalho. Além disso, sabe-se que apenas gerar postos de trabalho ou, como se tornou habitual, ‘ocupação’, não resolve o problema estrutural de acesso e permanência da mulher no trabalho formal. A presença de equipamentos sociais, em especial de centros de educação infantil, é concomitante à inserção da mulher na vida produtiva. Por isso, faz-se necessário conhecer alguns aspectos da política econômica adotada nos últimos cinco anos pelo governo federal, até para que se possa saber o quanto são ainda inibidas as políticas públicas para a inserção da mulher no trabalho formal, e quanto é necessário mudanças econômicas no sentido de garantir a participação produtiva da mulher. A política econômica do governo federal tem sido, nas duas últimas décadas, a manutenção da estabilização econômica. Desde 2008, especialmente, que as medidas se concentram na contenção dos impactos da crise econômica sobre o sistema brasileiro. Evidente que as conseqüências negativas destas medidas atuam, sobretudo, nas relações sociais e econômicas das mulheres. As desigualdades entre homens e mulheres no mundo do trabalho, em momentos de crise econômica, causam reflexos na produção, no consumo e no investimento de todo o país. Esse fator tem se acentuado no Brasil nos últimos cinco anos (KON, 2012). Como visto, mas, ressalta-se novamente, esta conjuntura faz com que as mulheres recebam menos, apresentem maior rotatividade nos postos de trabalho e ocupem as piores condições de emprego. Por exemplo, o aumento da População 46
Economicamente Ativa - PEA, feminina, entre 2005 e 2011, é “explicado mais adequadamente como resultado da entrada mais intensa de mulheres no mercado de trabalho por necessidade de complementação de renda familiar, do que pela condição de maior desenvolvimento cultural, que conduz à condição de maior autonomia” (KON, 2012, p. 120). Neste mesmo período, por exemplo, a economia nacional continuou a apresentar crescentes taxas de desemprego entre as mulheres e que refletiram sobre as condições de pobreza da população, [...] a pobreza enfraquece a cidadania feminina e impede as mulheres de assumirem ações políticas, interferências institucionais e legais para modificar sua condição. Além do mais, também precariza as possibilidades de romper com o ciclo intergeracional da pobreza. No Brasil, como em países do Terceiro Mundo, o aumento da capacidade produtiva das mulheres seria um fator prioritário para quebrar o ciclo da pobreza. [...] Se as desigualdades de gênero vêm atuando no país como obstáculos para um desenvolvimento equilibrado, a integração da dimensão de gênero nas políticas públicas deveria se dar no sentido de formular novas articulações entre os espaços formais e informais da região (de trabalho e lazer), entre a economia produtiva e a reprodutiva, entre a esfera doméstica e a pública [...] (KON, 2012, p. 134)
A implementação de políticas públicas para a superação da pobreza devem ter como princípio a compreensão que sua causa está diretamente associada as diferenças entre homens e mulheres no mundo do trabalho, em especial as disparidades no salário entre homens e mulheres na mesma função. “Além 47
disso, sendo a crise atual sistêmica, as respostas de mercado têm o significado de reacomodação das desigualdades, porém mantendo as consideráveis assimetrias estruturais entre gêneros” (KON, 2012, p. 135). Lembra-se que os rendimentos médios mensais dos trabalhadores ocupados no Brasil, especificamente para aqueles que ganham até um salário mínimo, refere-se predominantemente às mulheres. Nas faixas superiores a dois salários mínimos concentram os homens. As políticas públicas para as mulheres no Brasil ainda não estão voltadas para o acesso e permanência no mundo do trabalho, o que se relaciona à dificuldade atual do governo na promoção do desenvolvimento econômico e social para o país. A equidade no mundo do trabalho, embora seja pauta de discussões pelos movimentos sociais de mulheres desde a década de 1990, é ainda pouco expressivo para realizar as mudanças necessárias tanto na perspectiva das relações de trabalho, quanto nos setores governamentais. E, por isso, apoiarse nas recomendações de organismos internacionais, como a OIT e a ONU, é importante para propor recomendações para a igualdade no mundo do trabalho. Além disso, os PNPM e os planos orçamentários do país, embora insuficientes perto das dificuldades a serem superadas, podem demonstrar dispositivos específicos para o acesso e permanência da mulher no mundo do trabalho. Como conclusão, o desafio se mantém e os dados apontados nesse capítulo corroboram a importância do tema na agenda dos programas de emancipação e autonomia das mulheres, e sua inserção e permanência no trabalho, sendo a construção de creches e escolas de educação infantil, bem como demais equipamentos públicos como lavanderias, restaurantes e cozinhas comunitárias, ação imprescindível para que a mulher alcance sua emancipação econômica no Brasil. 48
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PORTUGAL
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2. Portugal 2.1. Breve histórico das Políticas Públicas para as Mulheres A década de 1970 é um marco internacional na luta dos direitos das mulheres, dada a realização em 1975 da I Conferência Internacional de Mulheres. Em Portugal, no marco da Revolução de Abril, a Comissão da Condição Feminina é institucionalizada em 1977 pelo Decreto-Lei nº 485/77 de 17 de novembro, o diploma orgânico da Comissão. Entre os objetivos, atribuições e competências estabelecidos pela Comissão estavam o de trabalhar para que toda a sociedade assumisse a maternidade como função social, com as responsabilidades que daí decorrem. Na primeira fase da Comissão, nos anos 1970 e início de 1980, destacam-se os seguintes objetivos: conhecimento da situação real das mulheres; levantamento estatístico (demografia, educação, trabalho, desemprego, salários, participação na vida cívica e política), alteração de legislação, apresentação de propostas e de participação em grupos de trabalho, em áreas tais como: direito de família, publicidade, nacionalidade, igualdade no trabalho e emprego. Importante destacar que na área igualdade no trabalho a pauta da comissão teve início 55
como base as análises da discriminação existente em convenções coletivas, proposta esta que esteve na origem da CITE - Comissão para a Igualdade no Trabalho e Emprego1. Destaca-se que em 1980, Portugal foi um dos primeiros países do mundo a ratificar, sem ressalvas, a Convenção das Nações Unidas para a Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres, adotada pela Assembleia Geral em 1979. Nos anos 1990, a partir do decreto-lei 161/91, de 9 de Maio, é criada a Comissão para a Igualdade e para os Direitos das Mulheres e passa da formulação de questões relacionadas diretamente à condição feminina, para as noções de Igualdade e Direitos das Mulheres. Em Março de 1997 foi aprovado, no Conselho de Ministros, o Plano Global para a Igualdade de Oportunidades. Tal plano buscava a integração da perspectiva de igualdade em todas as áreas, conciliando as ações específicas em áreas como violência, trabalho e emprego, vida privada e profissional, proteção social da família, da maternidade e da paternidade, saúde, educação, ciência e cultura. Em se tratando das relações de trabalho, condição primeira para a emancipação plena das mulheres na sociedade, resgata-se o conceito de trabalho digno, definido pela Organização Internacional do Trabalho – OIT:
1 A composição da CITE compreende quatro representantes do Estado (um do Ministério das Finanças e da Administração Pública, um da Secretaria de Estado dos Assuntos Parlamentares e da Igualdade e dois do Ministério da Solidariedade, Emprego e Segurança Social), quatro representantes sindicais e quatro representantes patronais. Outros detalhes podem ser consultadas em http://www.cite.gov.pt 56
O Trabalho Decente é o ponto de convergência dos quatro objetivos estratégicos da OIT: o respeito aos direitos no trabalho (em especial aqueles definidos como fundamentais pela Declaração Relativa aos Direitos e Princípios Fundamentais no Trabalho e seu seguimento adotada em 1998: (I) liberdade sindical e reconhecimento efetivo do direito de negociação coletiva; (II) eliminação de todas as formas de trabalho forçado; (III) abolição efetiva do trabalho infantil; (IV) eliminação de todas as formas de discriminação em matéria de emprego e ocupação), a promoção do emprego produtivo e de qualidade, a extensão da proteção social e o fortalecimento do diálogo social (OIT BRASIL, 2014).
Nas prioridades nacionais do Plano Nacional de Emprego – PNE, período 2005-2008, considera-se que para promover a igualdade de oportunidades no mercado de trabalho entre homens e mulheres, é necessário reduzir as diferenças entre os gêneros no emprego, desemprego e nos salários, bem como a segregação setorial e profissional, favorecendo a conciliação entre a atividade profissional e a vida privada e familiar. Para que essa prioridade possa ser prosseguida, foram definidas linhas de intervenção, conforme constam do referido Plano: - Promover o desenvolvimento de Planos de Igualdade nas empresas e incentivos às empresas e outras entidades que adotem medidas que promovam a igualdade entre mulheres e homens e facilitem a conciliação entre a vida profissional e familiar, designadamente pelo recurso à flexibilidade de horários, ao trabalho a tempo parcial ou que criem creches para os filhos dos seus trabalhadores; 57
- Estimular o crescimento da oferta de serviços de apoio às famílias, expandindo e consolidando uma rede nacional de apoios neste domínio, privilegiando a partilha de responsabilidades entre o Estado, as autarquias, os parceiros sociais, as associações não governamentais e as próprias famílias e promovendo a formação profissional do pessoal a eles adstrito, de forma a melhorar a respectiva qualidade. Neste âmbito irão ser aumentados em 50% os lugares de creche, terminar-se-á a cobertura da rede do pré-escolar e generalizar-se-á o apoio domiciliário e os centros de dia para idosos; - Adaptar os modos e tempos das escolas às necessidades das famílias, na organização dos estabelecimentos pré-escolares e escolas básicas. (PORTUGAL, PNE, 2006)
Mas a política econômica recessiva a que foram submetidos os trabalhadores e trabalhadoras portugueses na última década comprometeu uma a uma as metas acima descritas pelo referido Plano Nacional de Emprego, assim como é demonstrado na denúncia do movimento de mulheres do país: Em 2014, a maioria das queixas registradas pela CITE contra as entidades patronais incidiram sobre a recusa de trabalho em regime de horário flexível para apoio à família, incluindo o exercício dos direitos de maternidade e paternidade. A grande maioria das famílias com filhos menores tem dificuldade em aceder aos serviços e equipamentos sociais de apoio à infância devido à sua escassez e ao aumento dos custos. A ausência de uma rede de equipamentos para a primeira infância e de apoio a outros dependen58
tes, de qualidade e a custos acessíveis, tem um impacto negativo na vida das famílias, sobretudo, das mulheres trabalhadoras. A Rede de Equipamentos Pré-Escolar, que devia promover o aumento do número de vagas em pré-escolar para as crianças dos 3 aos 5 anos e a universalidade da oferta do último ano da educação pré-escolar (crianças de 5 anos), é indispensável para reforçar as condições de igualdade no desenvolvimento socioeducativo das crianças e mais uma vez para a conciliação da vida pessoal, familiar e profissional das famílias jovens, mas continua por concluir. (MDM, 2014)
Segundo a Comissão para a Igualdade no Trabalho e Emprego, em seu relatório de 2005, considera-se: o crescimento contínuo das taxas de atividade e de emprego femininas, ao contrário do sucedido com as os homens, que estagnaram ou até decresceram a partir de 2002, deve-se a um significativo e constante aumento do volume total de emprego feminino que, por exemplo, entre 2004 e 2005 registrou um crescimento líquido de 18,6 mil postos de trabalho, enquanto que o emprego masculino teve uma quebra de -18,8 mil postos de trabalho. (PORTUGAL, CITE, 2005)
Desta maneira, supõe-se que, o crescimento a que se refere o relatório citado acima está expresso na área de serviços terceirizados para as mulheres, e o decréscimo para os homens se encontra na produção, visto que tal qual a maioria dos países pesquisados, a inserção da mulher nos últimos anos se deu principalmente nas áreas de serviços e não na indústria. 59
Ressalta-se no próximo item algumas especificidades no mercado de trabalho português, relacionado às questões da inserção e permanência da mulher no trabalho formal.
2.2. Especificidades no mercado de trabalho formal para mulheres No mercado de trabalho português, assim como dos países apresentados neste livro, homens e mulheres não se encontram indistintamente distribuídos, ficando assim alocados pelos grandes grupos profissionais e setores de atividade econômica: as mulheres predominam nas atividades de serviços (67,8%), nas profissões administrativas (63,1%) e nas profissões intelectuais e científicas (57,3%). Por sua vez, as profissões ligadas à produção industrial, nomeadamente, operários e operadores, são majoritariamente ocupadas por homens (78,4% e 82,1%, respectivamente), o mesmo se passando com os quadros superiores de chefia, ou seja, profissionais com nível de escolaridade superior (66,1% destes são homens) (PORTUGAL, CITE, 2005). Entre 2004 e 2005, a representatividade das mulheres aumentou em dois dos grupos mais qualificados: de 32,8% para 33,9% dos quadros superiores e de 41,7% para 43,5% de técnicas e profissionais de nível intermediário. A proporção de mulheres aumentou, também, entre as trabalhadoras não qualificadas de 62,7% para 64,5%. Exemplificando este dado, o setor de hotelaria, que empregava em sua maioria mulheres, 79,4% são trabalhadoras não qualificadas, revelando quanto é alto o índice de mulheres em trabalhos marcados pela flexibilização e ausência de direitos. Com relação à participação da mulher na indústria, relativo ao grupo das operárias de instalações e máquinas, di60
minuiu de 20,9% para 17,9% (PORTUGAL, CITE, 2005), refletindo a grave crise que se abateu sob o país e que desde então vem gerando desemprego. Em 2004, dentro da década pesquisada, a indústria têxtil, uma das principais empregadoras de mão de obra feminina, registrou uma diminuição de cerca de 207 empresas, com o corte de cerca de 50.000 postos de trabalho. No que concerne à divisão do emprego por gênero, constata-se que cerca de 73% do total desses trabalhadores são mulheres (LIMA, 2008). Para além dos ramos de atividades expostos anteriormente, as trabalhadoras portuguesas predominam largamente nos setores de: outros serviços (98%), nos serviços de saúde e ação social (87,6%), de educação (73,5%) e de alojamento e restauração (62,1%), em detrimento aos homens que se fazem presentes na construção (92,6%), nas indústrias extrativas (91,0%), na produção e distribuição de eletricidade, gás e água (83,2%) e nos transportes, armazenagem e comunicações (77,6%), apresentadas como profissões “masculinas”. Há ainda registro do aumento da participação feminina (entre 2004 e 2005) no setor de atividades financeiras (de 37,1% para 42,9%) e no setor de transportes, armazenagem e comunicações (de 23,2% para 25,8%) (PORTUGAL, CITE, 2005). Em relatório publicado pela União Européia, no marco das comemorações do Dia Europeu da Igualdade Salarial (2012), aponta-se que as mulheres têm que trabalhar em média 59 dias a mais até atingirem o mesmo rendimento anual que um homem, sendo que em Portugal, essa média sobe para 65 dias. Nos países membros da União Européia, os homens ganham 16,4% a mais que as mulheres, uma percentagem que se aproxima a de Portugal (15,7%), um dos países onde a disparidade salarial de gênero tem aumentado, ao lado da Hungria, Estônia, Bulgária, Irlanda e Espanha (acima de 20%). 61
Nos últimos anos tal realidade se agravou, como aponta o Movimento Democrático de Mulheres – MDM: a diferença salarial entre mulheres e homens cresceu 70,6%. Em muitos casos, a diferença salarial decorre de discriminações que contrariam o princípio constitucional ‘para trabalho igual salário igual’. Em Outubro de 2013, o salário médio mensal dos trabalhadores por conta era de €1.037,91 nos homens e €853,80 nas mulheres. A discriminação salarial permanece em todos os níveis profissionais, acentuando-se nos de mais baixa remuneração: no nível ‘Operários/Aprendizes’ as mulheres ganhavam em média 74,4% do salário dos homens; nos ‘Dirigentes’, cerca de 83%. (MDM, 2014)
Paradoxalmente, na União Europeia, segundo dados de 2012, as mulheres têm melhor aproveitamento na escola e na universidade do que os homens: 83%, em média, das mulheres jovens tinham habilitações literárias ao nível do décimo segundo ano de escolaridade (correspondente ao ensino secundário no Brasil), contra 77,6% dos homens; as mulheres representam 60% dos licenciados. (PORTUGAL, CITE, 2005). A Comissão para Igualdade no Trabalho e Emprego – CITE, apontou: Em 2010, as estatísticas mais recentes citadas pela CITE, um homem nos quadros superiores ganhava uma média de 2400 euros e a mulher 1700 euros. É neste nível de qualificação que se registrava o maior desequilíbrio. Quando se falava em salário médio mensal de base existia no geral uma diferença de 28,2%, enquanto ao ní62
vel de ganho médio mensal chegava aos 28,9% (PORTUGAL, CITE, 2010)
O movimento de mulheres tem se posicionado de forma veemente contra a situação de precariedade da mulher no trabalho: São reconhecidas as vexatórias e injustas discriminações no trabalho, o menosprezo pela função social da maternidade/paternidade, as remunerações e carreiras discriminatórias que trazem desconforto para a grande maioria das mulheres de todas as gerações e profissões. São elas que usufruem os mais baixos salários e pensões. São elas que sofrem materialmente, mas também a vergonha de viverem a penúria, a pobreza e a fome da família. Pese embora o grande valor demonstrado pelas mulheres, a sua reconhecida competência e qualidade no exercício das suas actividades profissionais e da sua crescente participação política, na verdade o desemprego e a precariedade do emprego, a não evolução na carreira, o congelamento e redução dos salários, a desregulação dos horários, acarretam mal estar, desanimo, desalento e mesmo revolta, em todas as dimensões das suas vidas e traduz um enorme retrocesso social e civilizacional. (MDM, 2014)
Dados da Comissão Européia apontam para uma “ligeira” diminuição da diferença salarial entre homens e mulheres, provocada pela (ainda pequena) porcentagem crescente de trabalhadoras femininas com nível de ensino superior. No entanto, identifica-se que a desaceleração econômica em setores predominantemente masculinos e o impacto mais forte da 63
desaceleração econômica em certos sectores dominados pelos homens, como a construção ou a engenharia, são indicadores mais realistas para a apresentação desses índices (PORTUGAL, CITE, 2005). O lugar da mulher na produção, a precarização do trabalho e a diferença salarial, são indicadores importantes para a necessidade da efetivação das políticas públicas de serviços voltados para a inserção da mulher no trabalho. Tais condições se expressam igualmente na partilha do tempo nas tarefas domésticas e prestação de cuidados à família, onde as mulheres tendem a ter muito mais tempo ocupado com tais tarefas: quase três horas a mais em cada dia em relação aos homens. Em Portugal, o IV Plano Nacional para a Igualdade no Trabalho inclui entre os seus objetivos a redução das disparidades salariais entre os sexos e a introdução de planos para a igualdade nas empresas. Alguns países da União Européia estabeleceram disposições em matéria de transparência salarial ou de convenções coletivas e de igualdade salarial. Em Portugal, quase todos os empregadores estão obrigados a recolher anualmente informações nos registros do pessoal da empresa para o Ministério do Trabalho e do Emprego, sobre diversos aspetos das condições de trabalho, nomeadamente as remunerações. Os registros do pessoal são transmitidos às Autoridades da Inspeção do Trabalho - ACT; aos sindicatos ou comissões de trabalhadores (a pedido formulado em tempo devido); aos representantes do empregador presentes na Comissão Permanente de Concertação Social (CPCS). Antes, porém, da transmissão a essas entidades, devem os registros do pessoal ser postos à disposição dos empregados. O Conselho de Ministros adotou uma Resolução em 8 de março de 2013 que aprovava algumas medidas que visa64
vam garantir e promover a igualdade de oportunidades e resultados entre homens e mulheres no mercado laboral, bem como a eliminação de disparidades salariais. As medidas incluem a elaboração e divulgação de um relatório sobre as disparidades salariais por setor. (PORTUGAL, MSSS, 2012, p.19) Os homens dedicam um maior número de horas ao trabalho formal se comparado às mulheres, que por sua parte assumem um tempo maior na prestação de cuidados à família, revelando desta forma, uma desigualdade na distribuição do tempo dedicado às tarefas domésticas.
2.3. A seguridade social e o trabalho feminino A Carta Social é um estudo de análise da dinâmica da Rede de Serviços e Equipamentos Sociais – RSES. O objetivo desta ferramenta é conhecer as respostas sociais, no âmbito da ação social, tuteladas pelo Ministério da Solidariedade, Emprego e Segurança Nacional – MSSS, em funcionamento em Portugal, a sua caracterização, localização territorial, equipamentos e entidades de suporte (PORTUGAL, CARTA SOCIAL, 2012). Utilizando os dados expostos na Carta Social, com atenção especial a oferta de serviços e de equipamentos para a primeira infância (com crianças de até três anos) relativamente ao total da população, vê-se que: era atingido 23,5% de crianças em 2005, face a 22,4% em 2004. A taxa global de cobertura dos serviços e equipamentos para pessoas idosas, por exemplo, atingiu os 11,1% neste mesmo ano, face a 10,9% em 2004 (PORTUGAL, CARTA SOCIAL, 2012). Paradoxalmente, em Portugal ocorre que: 65
A taxa de cobertura das respostas de apoio à primeira infância, Creche e Ama2, tem apresentado um aumento significativo ao longo da última década, registrando-se no período 2006-2012 um crescimento de 57 % aproximadamente [...], a redução do ritmo de crescimento do número de utentes destas respostas não tem acompanhado o aumento do número de lugares disponíveis, observando-se uma tendência inversa. Em 2012, as crianças com idade igual ou inferior a um ano de idade que frequentavam a resposta Creche no Continente3 representavam 50% do número total de utentes desta resposta, sendo que 18% destas não tinham completado um ano de idade. As crianças com 2 anos constituíam por outro lado, quase 45% do total. A diminuição progressiva do número de nascimentos, para além das possibilidades introduzidas pelo regime de proteção na parentalidade (possibilidade de usufruir até 180 dias de licença parental), a preferência pela rede informal para os cuidados nos primeiros meses de vida da criança e os efeitos da crise econômica, poderão explicar o menor peso de crianças integradas em berçários (menos de um ano de idade). 2 Creche: resposta social, desenvolvida em equipamento, de natureza sócio-educativa, para acolher crianças até os três anos de idade, durante o período diário correspondente ao impedimento dos pais ou da pessoa que tenha a sua guarda de fato, vocacionada para o apoio à criança e à família. Ama: resposta social desenvolvida através de um serviço prestado por pessoa idônea que, por conta própria e mediante retribuição, cuida de crianças que não sejam suas parentes ou afins na linha reta ou no segundo grau da linha colateral, por um período de tempo correspondente ao trabalho ou impedimento dos pais. (PORTUGAL, CARTA SOCIAL, 2012) 3 A designação é usada para diferenciar o território continental (o Continente) dos arquipélagos atlânticos dos Açores e da Madeira (as ilhas ou regiões autônomas). (MAPAS GEOGRÁFICOS, 2013). 66
Ao nível da primeira infância, a diminuição do número de crianças até os três anos de idade, ademais da atual conjuntura econômica com efeitos no poder compra das famílias, podem constituir algumas das explicações para a redução do número de crianças em Creche e Ama. (PORTUGAL, CARTA SOCIAL, p. 20 a 23).
Cabe ressaltar que no contexto do relatório da Carta Social, as entidades proprietárias são agrupadas segundo a natureza jurídica em entidades lucrativas e entidades não lucrativas. As entidades não lucrativas compreendem as Instituições Particulares de Solidariedade Social - IPSS, entidades sem fins lucrativos, equiparadas as IPSS, e outras organizações particulares sem fins lucrativos, as Entidades Oficiais, os Serviços Sociais de Empresas e a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa. Na última década, com a terceirização dos serviços e a diminuição do Estado frente aos equipamentos sociais, o número de entidades privadas gerenciando equipamentos sociais teve um aumento considerável. Ao nível das entidades lucrativas (equipamentos privados) o crescimento atingiu 72% no período 2000-2012, enquanto ao nível das entidades não lucrativas (públicas e filantropias) situou-se nos 24%. Quanto à natureza jurídica das entidades proprietárias de equipamentos, a maioria (52%) das entidades que abriu equipamentos em 2012 eram privadas, ao passo que do conjunto de equipamentos que encerraram em 2012, 53% corresponde a equipamentos públicos (PORTUGAL, CARTA SOCIAL, 2012). Portanto, torna-se claro que o governo não tem assumido sua responsabilidade no que diz respeito a garantir uma rede de serviços que apoie as famílias e, particularmente as mulheres, nas tarefas para conciliação entre a vida pessoal e 67
profissional. Antes pelo contrário, limitando o investimento público, reduz ainda mais as já escassas estruturas de apoio. Conforme apontado pelo Movimento Democrático de Mulheres - MDM, a grande maioria das famílias com filhos menores tem dificuldade em aceder aos serviços e equipamentos sociais de apoio à infância devido à sua escassez e ao aumento dos custos. Destaca-se que entre 2011 e 2012, foram encerrados diversos serviços sociais e reduzido o pessoal de atendimento, inclusive nas escolas públicas. A privatização dos serviços sociais aumentaram ainda mais a responsabilidade das famílias e tirou do Estado sua responsabilidade de cuidado, o que limitou gravemente o acesso, por parte da população, a estes serviços. (MDM, 2014)
Apresenta-se abaixo o número de equipamentos novos e equipamentos fechados no período de 2010-1012.
Fonte: Portugal, Carta Social, 2012, p. 09 68
No ano de 2012, no âmbito das respostas sociais houve o crescimento de 29 % na oferta de creches, 25% em Estrutura Residencial para Pessoas Idosas e 17% no Serviço de Apoio Domiciliário. O número de aberturas de Refeitórios/Cantinas Sociais, vinculadas ao Programa de Emergência Social - PES, visa permitir o apoio a um maior número de famílias com carências socioeconômicas. Do total de creches em funcionamento no território continental, 74% são desenvolvidas em equipamentos de entidades não lucrativas, fundamentalmente da rede solidária, o que revela o peso destas entidades no âmbito do apoio social às famílias. Em 2012 houve um aumento de 6.200 vagas em creches, no entanto, a presença do Estado nestas e demais ações de seguridade social estão cada vez mais reduzidas, como apontado: A oferta de equipamentos sociais como creches é cada vez menos de iniciativa pública. Há estímulos e apoios a Instituições Privadas de Solidariedade Social (IPSS’s). Nas creches das IPSS (com uma variedade de tarefas) as pessoas pagam em função dos vencimentos segundo tabelas estabelecidas para o rendimento das famílias. Não há iniciativas públicas de restaurantes e lavanderias públicas (há algumas cantinas sociais). Algumas IPSS tem estes serviços, mas não são absolutamente gratuitos. As pessoas, mesmo desempregadas ou idosas, só tem acesso a estes serviços se pagarem alguma coisa e se estiverem dentro de algum escalão de rendimento. Em Portugal, depois da Revolução de Abril, todas as mulheres passaram a ter pensão social e/ou de sobrevivência. Nos últimos dez anos as mulheres idosas pensionistas, tem visto reduzidas as suas pensões. (MARQUES, 2014) 69
No entanto, há um questionamento presente na sociedade portuguesa que perpassa a relação da mulher com a maternidade e desta com o trabalho em tempos de crise econômica: a queda na taxa de natalidade. Tema de discussão que leva a reflexão sobre os impactos da atual crise econômica e as responsabilidades cada vez maiores para as famílias e em especial para as mulheres, sobre os cuidados com os filhos. De acordo com Mesquita (2014), as famílias vivem um duplo constrangimento do ponto de vista da parentalidade. Ser pai ou mãe tornou-se muito mais exigente e complexo, porque nunca como agora os filhos foram tão centrais nas famílias, com uma série de direitos relativos à criança, tornando os papéis de pai e mãe muito mais complicado. Mas, ao mesmo tempo que se exige mais dos pais, retiram-se apoios, quer do ponto de vista do Estado quer também das relações das próprias famílias. Assim, as famílias vivem com esta tensão, que podem ter repercussões profundas do ponto de vista da opção de ter filhos e da forma como educá-los. Entre vários fatores a pesquisa de Mesquita (2014) apontou que os constrangimentos materiais são um fator importante e se associam àquele que foi indicado pelas famílias como problema central: o stress para conciliar a família com o trabalho. No caso das atribuições do Estado, a grande dificuldade apontada pelas famílias, segundo a pesquisa, não está no fato de quem possa ficar com a criança nas situações regulares, mas nas situações que não são programáveis, como as doenças, o não funcionamento dos equipamentos, como escolas e creches em situações de greves ou paralisações. Acresce que essas redes formais estão organizadas de forma pouco flexível. Os horários rígidos não refletem a realidade em que há cada vez mais pais que trabalham nos fins de semana ou por turnos. A atual precariedade dos vínculos laborais em Portugal é o segundo grande fator que persuade a escolha da parentalidade: 70
Intervir na parentalidade implica sérias opções do ponto de vista do trabalho. Implica promover a tal estabilidade profissional e criar condições para uma maior disponibilidade para os filhos, mas sem retirar o direito das mães a terem iguais condições de trabalho, inclusivamente o direito de trabalharem a tempo inteiro. Se virmos de uma perspectiva sistémica, e há muito que defendo isso, a promoção da natalidade obriga a uma redistribuição do trabalho, porque temos taxas de desemprego elevadíssimas e pessoas a trabalhar um excesso de horas. O incentivo monetário ao trabalho a tempo parcial é bem-intencionado mas pode prejudicar as mulheres, porque pode aumentar a discriminação negativa por parte dos empregadores. (MESQUITA, 2014)
No marco da discussão sobre o tema na Assembleia da República, foi apontado, por meio de lideranças do Movimento Democrático de Mulheres, que: A instabilidade no emprego e a instabilidade que hoje as famílias têm quanto ao futuro, são, queira-se ou não, de natureza económica e financeira e é seguramente a questão central que leva as famílias a terem menos filhos, a adiarem o casamento e a maternidade... Em 2014, a maioria das queixas registadas pela CITE contra as entidades patronais incidiram sobre a recusa de trabalho em regime de horário flexível para apoio à família. Entre os pareceres emitidos pela CITE, 27% prendiam-se com despedimento de trabalhadoras grávidas, puérperas ou lactantes. Nesta discussão está a ficar nítido que natalidade é também uma questão de opção de modelo 71
social e económico. O modelo que temos tido não serve claramente nem o aumento da natalidade nem o desejo de maternidade/paternidade de tantas famílias. Há, pois que ir noutro sentido. No reconhecimento de que os direitos das mulheres a que natalidade e maternidade estão associados não representam quaisquer privilégios, integram-se nos direitos humanos como pedras basilares da civilização humana. (MARQUES, 2014).
Em Portugal, tal qual nos demais países pesquisados, são as mulheres que executam grande parte das tarefas domésticas rotineiras de manutenção da casa e da família. Os homens se dedicam a tarefas mais esporádicas e menos exigentes em termos de tempo na esfera doméstica. A prestação de cuidados à família seja as crianças ou a pessoas adultas em situação de dependência, se apresenta claramente feminizada, num contexto de oferta de serviços e de equipamentos sociais ainda insuficientes. Somado a isso, a queda na taxa de natalidade portuguesa tem sido tema de discussão, levando a reflexão sobre os impactos da atual crise econômica que coloca para as famílias e, em especial para as mulheres, a tensão permanente sobre os cuidados com os filhos.
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EQUADOR
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3. Equador 3.1. A Revolução Cidadã e a nova Constituição Equatoriana: aliadas na transformação das Políticas Públicas para Mulheres. O Equador tem vivido, desde 2006, um processo de inclusão do debate sobre os direitos das mulheres em todas as esferas governamentais. Este processo teve início com a eleição de Rafael Correa (reeleito em três mandatos: 2006, 2009 e 2013) e a proposta de elaboração de uma nova carta Constitucional ao povo equatoriano. A Constituição, aprovada em 2008, após um ano de debates, criou a ‘Comisión de Transición para la Definición de la Institucionalidad Pública que Garantice la Igualdad entre Hombres y Mujeres’ que estabeleceu como objetivo: - Transversalizar en el Estado el enfoque de gé-
nero a nivel de las politicas publicas y instrumentos de macro planificación; - Observar la vigencia de los derechos y la incorporación del enfoque de género en planes, programas, proyectos y políticas públicas; formulando recomendaciones y propuestas vincu79
lantes y de obligatoria aplicación; - Transformar los padrones culturales que existen en sector público y en la sociedad en general, respecto de los roles y estereotipos discriminatorios hacia las mujeres que contribuyan a erradicar el sexismo, y la violencia de género. (EQUADOR, CTDIP, 2014, p. 19)
A Comissão referida acima foi criada em 2009, sob regência de decreto do poder executivo, baseado na Constituição Equatoriana. A proposta de ação da Comissão foi desenhar a estrutura institucional pública a ser implantada no poder executivo federal e demais esferas que o compõem e, além disso, elaborar projetos de reforma normativa com o intuito de dar condições para a criação e estruturação do Conselho Nacional das Mulheres e Igualdade de Gênero - CONAMU. Para tanto, foi elaborada a “Agenda Nacional das Mulheres e a Igualdade de Gênero 2014-2017”. O objetivo desta Agenda: [...] se radica en la transformación de las relaciones sociales discriminatorias hacia un Estado en el que la igualdad real o sustantiva sea garantizada; se enmarca en el Buen Vivir como horizonte del que hacer del Estado, para posibilitar la desestructuración de las herencias coloniales del neoliberalismo. Desde esta perspectiva, el género como una construcción social se articula al Buen Vivir para edificar relaciones igualitarias entre mujeres y hombres […]. (EQUADOR, CTDIP, 2014, p. 25).
Buscou-se por meio da Agenda criar ferramentas políticas para a efetivação da igualdade entre homens e mulheres e seus direitos. Além disso, assim como expresso pela Presidenta 80
da Comissão, a Agenda é a associação dos direitos expressos pela sociedade civil em diálogo com o Estado. (EQUADOR, CTDIP, 2014) A Agenda Nacional das Mulheres tem como proposta potencializar políticas públicas para as mulheres nos cinco poderes do Estado, tem incidência direta sobre o Plano Nacional de Bem Viver. Esta Agenda tem nove eixos temáticos: violência, saúde, educação, comunicação, ambiente, produção e emprego, poder e cultura. Com relação à história das políticas públicas para as mulheres no Equador, tem-se que, no início da década de 1970 foi criado o primeiro departamento da Mulher. Em 1979 foi realizada a primeira Oficina Nacional da Mulher e em 1986 esta oficina se transformou em Direção Nacional da Mulher, encarregada de executar os programas para o bem estar das mulheres. Em 1997 foi criado o Conselho Nacional das Mulheres, que gerou as políticas públicas para as Mulheres e, em maio de 2009 se articulou a Comissão de transição para a Definição da Institucionalidade Pública (TELEGRAFO, 2014). Somente após a organização da comissão é que se iniciou os debates para estruturar a Agenda Nacional das Mulheres. Neste processo, a Agenda esteve vinculada às mudanças políticas e sociais do país, com participação direta da sociedade civil e do movimento organizado de mulheres. As propostas que estruturaram a Agenda estiveram ligadas às estratégias políticas das mulheres no sentido de alcançarem a igualdade no trabalho, na sociedade e na vida, com a perspectiva de superar os aspectos culturais e econômicos e as diferenças entre homens e mulheres, assim como se explica: La Agenda Nacional de las Mujeres y la Igualdad de Género 2014-2017, fue construida con la activa participación de distintas mujeres del país. 81
El proceso se desarrolló en dos momentos: en un primer momento, se realizaron tres consultas previas; siete encuentros de diálogo político con alcance zonal; dos encuentros nacionales, con enfoque intercultural; uno, en la Sierra Centro; y, otro en Galápagos. En un segundo momento, se ejecutaron tres talleres con grupos específicos de mujeres. (TELEGRAFO, 2014)
A Agenda se estruturou em cinco capítulos. O primeiro contém o marco referencial, conceitual, jurídico e a articulação da Agenda na planificação nacional. O segundo capítulo encontra-se um resumo dos nove eixos da Agenda. No terceiro capítulo é apresentado o diagnóstico, as políticas, e as linhas a serem executadas. Neste capítulo também se apresenta as lacunas da desigualdade entre homens e mulheres e as formas de superá-las, apresentando as causas que as estruturam, os avanços nas políticas públicas e de forma central as políticas de igualdade e as linhas estratégicas de cada política em cada eixo. No capítulo quatro aborda-se a estratégia da transversalização da Agenda, suas implicações, atribuições e articulação, tanto no espaço setorial como nos territórios com os Governos Autônomos Descentralizados. O capítulo quinto apresenta as metas e indicadores discutidos durante os encontros e a proposta de gestão da Agenda. Antes de explicitar as propostas apresentadas na Agenda, faz-se necessário ressaltar que, assim como destaca Ortega (2014) o Estado equatoriano, trouxe garantias de direitos que tinham sido abolidos no período neoliberal, no final dos anos 1980 e durante a década de 1990. O Estado recuperou sua função mais nobre: o de produzir e distribuir riquezas. É retomada a planificação da economia com a perspectiva da inclusão e de solidariedade. Assim como se verifica na tabela a seguir: 82
Fonte: Jornal Hora do Povo, 2014
O Equador no período de 2005 a 2014 teve na Formação Bruta de Capital Fixo - FBCF (trata-se do mesmo que produção de bens de capital), taxas elevadas, diferente dos demais países latinos, como apontado na tabela. Isso demonstra a retomada de crescimento do setor industrial e o incremento do Estado no sentido de promover a economia nacional. A igualdade de direitos e de oportunidades é tema central nas discussões entre sociedade civil e governo e assim, a equidade e a não discriminação são princípios orientadores, que cercaram a ideia de desenvolvimento sustentado nas necessidades do ser humano. Estabelece-se o quarto poder com a participação da sociedade civil na criação e formulação das ‘Agendas Nacionais’. O objetivo destas ações é pensar no estado que seja laico, com justiça social e de direitos e com respeito aos espaços 83
interculturais. Este é o Estado de Bem Viver que se articula através de objetivos éticos e políticos. Ortega (2014) reforça este aspecto da construção conjunta de um estado que integra a participação cidadã à execução de suas políticas. O Estado de Bem Viver é conceituado a partir da planificação do desenvolvimento nacional com o sentido de erradicar a pobreza, promover o desenvolvimento sustentável e a redistribuição equitativa dos recursos. A segurança social neste estado é um direito inalienável, regido pelos princípios de solidariedade, obrigatoriedade, universalidade, equidade, eficiência, subsidiariedade, suficiência, transparência e participação. Estabelece-se a garantia efetiva do direito à seguridade social às pessoas que realizam trabalho não remunerado, e neste caso quase que exclusivamente às mulheres, e pessoas em atividades para o auto-sustento, como no campo. No Estado de Bem Viver é garantido o direito ao trabalho a todos, sem discriminação (ORTEGA, 2014). Com relação a seguridade social, Ortega (2014) ressalta que são estabelecidos grupos de atenção prioritária, a saber: niños/as, adolescentes; mujeres embarazadas, adultos/as mayores, discapacitados, personas con enfermedades catastróficas; personas en situación de riesgo, las víctimas de violencia doméstica y sexual, maltrato infantil, personas privadas de la libertad. (ORTEGA, 2014)
Vê-se que a perspectiva de desenvolvimento do estado equatoriano está no horizonte da garantia do exercício de direitos, respeitando a equidade, a solidariedade e a melhor qualidade de vida para todos. Lembra-se que, como expresso anteriormente neste livro, a integração da mulher no mundo do trabalho formal 84
deve estar associada ao desenvolvimento e à política macro econômica do país. Pensar em soluções pontuais é minimizar o problema, sem resolvê-lo. De acordo com relatório da Comissão Econômica para a América Latina e Caribe - CEPAL (2014), a América Latina na última década apresentou um ingresso significativo de mulheres ao mundo do trabalho. Entretanto, constata-se que metade dos empregos conquistados por estas mulheres são precários (por conta própria e sem direitos constituídos). Além disso, os avanços em matéria de acesso e permanência da mulher ao mundo do trabalho se deram de forma lenta e heterogênea e os resultados foram bastante diferentes entre os países, basta para isso comparar que, mesmo tendo 100 milhões de mulheres ocupadas na região, isso representa metade das mulheres em idade economicamente ativa (CEPAL, 2014). Vê-se que, assim como afirmado anteriormente neste livro e sustentado por diversos autores, entre estes, Ghosh (2013), os fatores de desenvolvimento econômico e as políticas nacionais associadas a este desenvolvimento, tem que estar ligadas à condição de acesso e permanência da mulher no mercado de trabalho, com o objetivo de superar o trabalho não remunerado, o subemprego e a precarização. Neste sentido o movimento de mulheres e o estado equatoriano buscaram a partir da Constituição Cidadã e da Agenda de Mulheres, construir propostas para superar estes problemas. Certifica-se disso com a Agenda que será detalhada a seguir.
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3.2. Proposta de Políticas Públicas na “Agenda Nacional de las Mujeres y la Igualdad de Género 2014-2017”. A ‘Agenda Nacional das Mulheres e a Igualdade de Gênero 2014-2017’, assim como dito anteriormente, foi construída com a participação de distintos setores do movimento de mulheres do Equador, apoiados na realização de diversos encontros regionais, nacionais e oficinas junto ao governo. Os temas debatidos foram: produção, emprego e trabalho, economia do cuidado, saúde, erradicação da violência, educação, informação e comunicação. Na Agenda é definido igualdade entre homens e mulheres como o “[…] concepto debe ser entendida desde dos dimensiones fundamentales: la igualdad formal o de jure y la igualdad sustantiva o real” (EQUADOR, CTDIP, 2014, p. 31). A igualdade formal é a que está ligada às leis e regras e, por isso, está ligada aos direitos e oportunidades; a igualdade real é aplicação direta das políticas públicas, de programas e projetos que contribuam para a oportunidade igual à todos. O eixo central da Agenda é o ‘Bem Viver’, e a forma para aprofundar o alcance dos direitos humanos como associa -los às condições materiais para sua concretização: de igual manera, el Buen Vivir permite reinterpretar la igualdad de oportunidades y generación de capacidades de las personas, en el que se ubica como condición necesaria el reconocimiento, las potencialidades, la diversidad y aportes previos de individuos y colectivos, las dinámicas, formas de organización productiva, social y cultural que han sido estigmatizadas y afectadas por la desigualdad. La igualdad de oportu86
nidades no se traduce en oferecer trato igual a individuos, colectivos o sectores que viven en condiciones de desigualdad, porque redunda en más desigualdad, sino en reconocer los aportes, potencialidades y necesidades específicas de cada uno de ellos, para superar las condiciones de desventaja en que viven y potenciar su realización plena, tanto en el individual como en el colectivo (EQUADOR, CTDIP, 2014, p. 31).
Há uma interpretação, quando da elaboração da Agenda, que as políticas de igualdade apoiadas no conceito de ‘Bem Viver’ dará as condições para as que as relações entre mulheres e homens possam ser transformadas e institucionalizadas através de políticas públicas. Entende-se também que esta perspectiva pode interferir nos projetos de modernização e da democratização do Estado, com a garantia de direitos individuais e coletivos. Considera-se na Agenda, que as políticas públicas de igualdade entre homens e mulheres são ferramentas indispensáveis para eliminar a descriminação e construir a igualdade. Além disso, as políticas públicas para a igualdade de gênero “se constituyen en normas, principios y objetivos explícitos definidos por el Estado para lograr la igualdad de hecho y de derecho de mujeres y hombres” (EQUADOR, CTDIP, 2014, p. 32). Os direitos são a sustentação para a construção de políticas e para a superação da descriminação. Neste sentido: la Agenda Nacional de las Mujeres y la Igualdad de Género 2014-2017, abre un nuevo ciclo histórico para la construcción de igualdad desde una perspectiva integral. El logro de la igualdad pasa a ser objetivo central de la acción pública y de la transformación social. Ello implica el salto 87
cualitativo de un Estado que genera, legitima o perpetúa las desigualdades, a un Estado que garantiza la igualdad formal, tutela la igualdad material o sustantiva y prohíbe la discriminación en sus diversas formas, de tal manera que el Buen Vivir sea una realidad para todas las personas. (EQUADOR, CTDIP, 2014, p. 32).
A Agenda se apresenta como o instrumento que vincula entre os diversos setores públicos o princípio da igualdade e da não discriminação no Estado equatoriano. E por isso, os eixos definidos para a Agenda são: reprodução e sustentabilidade da vida; uma vida livre de violência; educação e conhecimento; saúde; esporte e recreação; cultura, comunicação e arte; produção e emprego; ambiente e poder e tomada de decisões. Para os fins e o objetivo desse livro destaca-se o eixo produção e emprego. O eixo produção e emprego potencializa as mulheres no desenvolvimento econômico-produtivo do país, criando condições para superar o subemprego, o desemprego, e a exploração no trabalho. Constam na Agenda treze linhas que sustentam este eixo: el aseguramiento y la protección social obligatoria para las mujeres trabajadoras; ampliación de la oferta laboral, así como su flexibilización, para las mujeres vinculadas al cuidado de terceros, mujeres jefas de hogar, en situación de pobreza y extrema pobreza; igualdad de oportunidades para productoras rurales y urbanas, a través de programas de capacitación, fortalecimiento de liderazgos y autonomía, para contribuir al desarrollo endógeno de manera competitiva; incorporar en el sistema de economía popular y solidaria, el co88
nocimiento, prácticas y saberes de las mujeres que realizan trabajo doméstico, de cuidado humano, conservación de recursos y servicios eco sistémicos, medicina ancestral, artesanías y gastronomía locales. . (EQUADOR, CTDIP, 2014, p. 51).
Considera-se que as mulheres devem estar inseridas nos processos econômicos produtivos com vistas a exercerem sua autonomia. Segundo dados do Instituto Nacional de Estatística e Senso - INEC, do Equador: La participación de las mujeres en las actividades económicas, muestra un acelerado incremento al pasar del 15,8% en 1974 al 18,1% en 1982; del 26,0% en 1990 al 30,5% en 2001; y 36,5% en el 2010. Los períodos de 1982-1990 y 2001-2010, son los de mayor crecimiento, seguramente por las fuertes crisis económicas que vivió el país, que obligó a las mujeres a insertarse en mayor medida al trabajo remunerado. (EQUADOR, CTDIP, 2014, p. 109).
Ainda segundo o Instituto a taxa de ocupação global das mulheres no período de 2007 a 2013, oscilou entre os 47,6% para 42,5% e entre os homens foi de 70,2% para 65,1% respectivamente (EQUADOR, CTDIP, 2014). Em 2013, 24,9% das mulheres com educação superior participavam do índice de População Economicamente Ativa - PEA, frente a 16,9% dos homens. A taxa de ocupação global é alta: bajo la condición de ocupados plenos el 47,0% son mujeres, mientras que los hombres el 58,9%, y bajo la modalidad de subempleo el 52,6% son 89
mujeres y el 40,8% son hombres (INEC, 2013), En caso de los desocupados (as), porcentualmente se ubican en 6,1% mujeres y 4,0% hombres (EQUADOR, CTDIP, 2014, p. 110).
Assim como se verifica em outros países estudados neste livro, a condição das mulheres no mundo do trabalho está centrada em sua maior parte no subemprego. Um total de 34% das equatorianas estão na categoria por conta própria. No setor rural é onde está a maior percentagem de mulheres no subemprego, com 85,3% e na área urbana é de 49,8%. Com relação ao nível de desemprego, 6,1% são de mulheres e 4,0% são de homens (EQUADOR, CTDIP, 2014, p. 111). Estes dados demonstram as relações desiguais de acesso e permanência no mundo do trabalho para as mulheres. De acordo com a ONU Mulheres (2014), 40,2% da população ocupada no setor informal no Equador são mulheres e, 94,1% do total de pessoas que trabalham no setor doméstico também são mulheres: la economía informal es un recurso para muchas personas en situación de vulnerabilidad. Las mujeres están representadas de manera significativa en ésta y es uno de los grupos más marginados y con mayores limitaciones para ejercer plenamente sus derechos (ONU MULHERES, 2014).
Outro fator que se relaciona a esse é o salário desigual entre homens e mulheres que executam a mesma função. Segundo INEC las mujeres, en general, perciben el 79,1% de ingresos en relación a los hombres, [...]. Las mujeres 90
del área rural son las que más desventaja tienen, el porcentaje de desigualdad es del 72,9% respecto a sus pares masculinos. [...] Según área territorial, datos comparativos del 2003 en relación al 2013, muestran que la brecha del ingreso tiene una ligera tendencia a una mejoría, sobretodo en el área rural, donde la brecha se redujo de 52,9 al 27,1 puntos; en cambio, en el área urbana pasó de 33,0 a 23,2 puntos. Existe una relación directa entre los niveles de estúdio y los ingresos; las mujeres con niveles de instrucción superior/postgrado, son las que se posicionan mejor remunerativamente, aunque siguen por debajo del promedio masculino (EQUADOR, CTDIP, 2014, p. 111).
Para reduzir as diferenças entre homens e mulheres no trabalho criou-se programas, onde destaca-se: o sistema de compras públicas com ênfase nos pequenos e médios produtores; o incentivo à criação de associações; a produção de bens e serviços locais; o programa de cofinanciamento para promover a competitividade em setores produtivos no país e o programa para melhorar a produtividade do setor manufatureiro através da renovação de maquinaria e equipamentos obsoletos. Apresenta como sugestão assegurar os recursos necessários para o financiamento das políticas indicadas na Agenda, assim como no Sistema Nacional de Planificação Participativa do governo equatoriano, propõe-se adequar as políticas públicas pertinentes do Plano Nacional de Bem Viver aos interesses e necessidades das mulheres e homens e, com isso, assegurar a transformação das relações de poder e da igualdade para construir políticas de igualdade de gênero no âmbito local. O eixo de emprego, destacado neste livro, abordou o acesso e permanência da mulher no trabalho com destaque 91
para programas ligados à política nacional de desenvolvimento (indústria, comércio e agrícola), além do suporte na formação técnica, indo além das concepções de projetos de curto prazo. Lembra-se que por se tratar de medidas recentes, é parte dos movimentos de mulheres acompanhar e fiscalizar a implementação dessas medidas. Conclui-se que, com a criação da Agenda Nacional das Mulheres 2014-2017, foi possível organizar o foco das políticas públicas, como também o que deveria ser realizado e em qual dimensão. Além das especificidades de classe, foi destacado também as diferenças entre mulheres urbanas, do campo, mulheres indígenas, negras e brancas e como esta diversidade poderia superar cada uma de suas necessidades. Referências CEPAL. Informe regional sobre el examen y la evaluación de la Declaración y la Plataforma de Acción de Beijin. Santiago de Chile, 2015. EQUADOR. Comisión de Transición para la definición de la Institucionalidad Pública que Garantice la Igualdad entre Hombres y Mujeres. Secretaría Nacional de Planificación y Desarrollo. Agenda Nacional de las Mujeres y la Igualdad de Género 2014-2017. Abril, 2014. EQUADOR. Consejo Nacional de las Mujeres. Ministerio de Coordinación de desarrollo Social. La situación de las Mujeres ecuatorianas: una mirada desde los derechos humanos. Agosto, 2008. GOSH, J. Crisis financiera y trabajo femenino: tendencias emergentes y experiencias pasadas. In: Revista Crítica y Emancipación. Revista latinoamericana de ciencias sociales. Año V, nº 10, segundo semestre 2013. pags. 17- 58. 92
JORNAL HORA DO POVO. PIB: taxa de investimento encolhe a 16,5%. Matéria publicada no dia 30/08/2014. Disponível em www.horadopovo.com.br Acesso em dezembro 2014. TELEGRAFO. Agenda de la mujer y la igualdad impactara en 5 poderes del estado. Disponível em: http://www.telegrafo.com. ec/noticias/informacion-general/item/agenda-de-la-mujer-y-la -igualdad-impactara-en-5-poderes-del-estado-galeria.html . Acesso em 20/03/2014 ONU MUJERES ECUADOR. Mujeres y mercado laboral informal: vulnerabilidad y pobreza. July 2014. Disponível em: http:// ecuador.unwomen.org/es/noticias-y-eventos/articulos/2014/7/ mujeres-y-mercado-laboral-informal-vulnerabilidad-y-pobreza Acesso em novembro de 2014. ORTEGA, E. Seminário Internacional sobre Políticas Públicas para as Mulheres. Brasil, São Paulo, julho 2014. Apresentação oral.
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MOÇAMBIQUE
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4. Moçambique 4.1. Políticas Públicas no horizonte Pós Independência. Integrar as mulheres no mundo do trabalho é tarefa de toda a sociedade e implica mudanças profundas na organização social, na estrutura econômica e na cultura e práticas entre homens e mulheres. Em Moçambique, mesmo após ‘A Luta Armada de Libertação Nacional’ que levou o país a independência em 1975, o direito ao trabalho formal para as mulheres é uma prática constante de luta por direitos, assim como visto nos outros países estudados neste livro. Moçambique pós-independente, fruto da intensa mobilização da sociedade civil, integrou de forma massiva homens e mulheres à educação, o que permitiu ao Estado ter mão de obra qualificada para o mundo do trabalho. Ao longo dos anos após a independência esta ação deixou de ter a atenção e prioridades necessárias refletindo nas relações formais de trabalho para as mulheres. A igualdade de acesso ao trabalho formal está presente no cotidiano dos movimentos de mulheres, e nas reivindicações das organizações sociais, haja visto, a ausência de postos de trabalho no país. Isso porque, o baixo desenvolvimento 97
econômico atinge homens e mulheres, marcadamente as mulheres que, muitas vezes, se submetem a condições precárias de trabalho com baixos salários. A possibilidade das mulheres estarem em setores informais de trabalho é bastante recorrente, e por isso, as diferenças salariais também são grandes. A importância das políticas públicas se insere neste horizonte, no sentido de ter mais mulheres nos espaços públicos, em atividades formais de trabalho, garantindo melhores salários. Sem esta perspectiva a desigualdade de acesso ao trabalho e de diferença salarial continuará destoante entre homens e mulheres. Lembra-se que os movimentos de mulheres, em especial a Organização da Mulher Moçambicana tem, ao longo dos anos, após a independência, se posicionado na vanguarda para a garantia dessas políticas junto ao governo. Ressalta-se: [...] não é surpresa de que a maioria da população trabalha por conta própria e que percentualmente temos mais mulheres do que homens nesta área de actividade. Se quisermos extrapolar para outros estudos feitos anteriormente, não teremos dúvidas em afirmar que grande parte dessas mulheres realiza pequenas (mesmo que devidamente formalizadas) actividades de subsistência. Este facto também pode ser constatado na coluna sobre participação de homens e mulheres no sector privado. Neste, podemos ver que sempre foi insípida a participação das mulheres no sector privado enquanto a participação dos homens até recrudesceu de 1997 para 2007, passando de 11,9% para 12%. [...] constatamos que as mulheres empresárias encontram demasiados obstáculos para 98
competir em pé de igualdade com os seus pares masculinos, num mundo empresarial já per si agressivo. A consequência é continuarmos a nos deparar com um empresariado feminino não muito competitivo, proprietárias de pequenas e médias empresas que muitas vezes até constituem um braço da esfera doméstica, como por exemplo, proprietárias de empresas ligadas ao [...] floriculturismo ou artesanato. (MONJANE, 2011)
Assim como apresentado neste livro, a condição de acesso e permanência da mulher no mundo do trabalho tem similaridades em todos os países pesquisados, e isso não é diferente em Moçambique. Sabe-se que garantir trabalho formal para as mulheres obrigatoriamente é também garantir assistência integral às crianças, idosos e enfermos, papel que a mulher cumpre em seus lares. Além disso, é possibilitar espaços públicos como escolas de educação infantil, restaurantes e lavanderias, retirando a carga do trabalho doméstico das mulheres. Além do mais há que se reconfigurar o espaço do homem nas responsabilidades com o lar e os filhos, além de ser imprescindível uma maior ação do Estado na construção dessa nova cultura da divisão de responsabilidades, tanto nos espaços privados como públicos. Lembra-se que no momento que a Revolução Industrial trouxe novas formas de produção e, portanto, outra organização do trabalho, surgiu também uma contradição: as mudanças na produção permitiram a liberdade das mulheres para o trabalho na indústria, para o mundo público, mas, também criou a divisão sexual do trabalho, pois as responsabilidades domésticas continuavam com as mulheres. Esta contradição está presente desde o século XVIII sendo motivo de luta dos diversos movimentos de mulheres. A suposi99
ção, ainda presente em diversas sociedades, de que o espaço da casa é um espaço feminino demanda um grande esforço de todos para buscar uma nova compreensão que permita homens e mulheres assumirem plenamente e mais coletivamente as responsabilidades da vida no lar. Reforça-se que: Uma verdadeira emancipação das mulheres dependerá de vontade política por parte do Estado de tomar para si as tarefas que têm a ver com a reprodução da força de trabalho, garantindo a instalação de serviços públicos de qualidade como creches, escolas, lavandarias, restaurantes, confecções, o que permitirá que homens e mulheres despendam tempo de qualidade tanto na esfera pública quanto (com seus filhos) (MONJANE, 2011).
Retoma-se a situação de acesso ao trabalho formal às mulheres moçambicanas. Em primeiro de agosto de 2007 foi aprovada a nova Lei do Trabalho, onde, em artigos específicos, se considerou as necessidades das mulheres como nos casos de gravidez, doença ou aborto. Ressalta-se que esta é a quarta lei do trabalho em vigor desde a independência. A primeira, foi herdada do colonialismo português e revogada pela lei n° 08 de 14 de dezembro de 1985, que tinha um acompanhamento maior do Estado e permitia interferências na regulação trabalhista. Esta lei foi revogada pela n° 08 de 20 de julho de 1998, que foi concebida com uma forte orientação para a economia de mercado. A lei de 2007 trouxe considerações sobre a flexibilização das leis trabalhistas e tinha como objetivo intervir, nos custos de trabalho e nas instituições de mercado que era a principal causa da informalidade no país (CHIVEVA, 2007, p. VII). A nova lei modificou as regulações para o trabalho for100
mal, mas não interviu sobre o trabalho informal que ainda é maioria em Moçambique. Com relação ao trabalho das mulheres houve avanços: [...] numa simples contabilização do fundo de tempo de que um trabalhador ou trabalhadora pode dispor, pode-se concluir que para os homens a nova lei veio agravar mais os custos [...] e no que respeita as mulheres a situação melhorou [...]. (CHIVEVA, 2007, p. 41)
Apresenta-se abaixo uma tabela comparativa com outros países africanos com relação à licença maternidade, principal direito regulado na lei de 2007 para a mulher trabalhadora:
Fonte: Chiveva, 2007, p. 46
Vê-se que a nova lei do trabalho é progressista no sentido de incorporar garantias específicas para a mulher em situação de gravidez. Esta é uma demanda que se apresenta de forma internacional, afinal a equidade de salário na mesma função entre homens e mulheres é iniciada por meio dos direitos iguais de acesso e permanência no mundo do trabalho, a começar pela licença maternidade. Constata-se que as disparidades entre homens e mulheres no mundo do trabalho muitas vezes são aceitas dadas as condições de pobreza que o país vive. Tem-se que em Moçambique os trabalhadores por conta própria representavam em 2007, à 101
época da aprovação da lei do trabalho, 54% da População Economicamente Ativa - PEA, e os trabalhadores familiares não remunerados representam 34%. Apenas 11% do total de trabalhadores eram assalariados, dos quais 3% trabalham no governo e 7% no setor privado (CHIVEVA, 2007, p. 47). Os níveis de analfabetismo entre as mulheres é refletido na desigualdade com os homens: somente 32% das mulheres sabem ler e escrever ante a 63% dos homens (UNFPA, 2006). Assim como é reconhecido pelo governo de Moçambique: Uma das áreas em que o Governo deve investir para obter ganhos na igualdade e equidade de género é o sector da educação. Os grandes desafios neste sector, residem primeiro na implementação de acções que permitam e ou estimulem a rapariga a prosseguir com os estudos para os níveis secundário, terciário e técnico. Garantir a retenção da rapariga no nível secundário e aumento da taxa de conclusão não é suficiente, também é necessário garantir que esta expansão seja acompanhada de qualidade e de recursos. Paralelamente o sector irá consolidar acções de alfabetização e educação de adultos dirigidos à mulher de forma permanente. (MOÇAMBIQUE, MMAS, 2014, p. 08)
Retoma-se, além da lei do trabalho 23/2007 que resguarda artigos específicos às mulheres, pode-se destacar outras leis que garantem a plena participação das mulheres moçambicanas na sociedade. Destaca-se a Constituição da República, no artigo 36, sobre o Princípio da Igualdade de Gênero, e também no artigo 122 em que estabelece o desenvolvimento das mulheres e sua participação em todas as atividades políticas, econômicas, sociais e culturais do país. Inscreve-se também: 102
- A Lei n.º 19/97, Lei de Terras, que reconhece o direito das mulheres a este capital; - A Lei n°10/2004 da Família, que preconiza a liderança partilhada da família e o reconhecimento das uniões de facto e direitos iguais entre homens e mulheres; - A Lei n° 6/2008 sobre o Tráfico de Pessoas, em especial mulheres e crianças; - A Lei n°29/2009 sobre Violência Doméstica praticada contra a mulher; - Revisão do Código Comercial, que estabelece a autonomia da mulher na realização de negócios económicos; (MOÇAMBIQUE, MMAS, 2014, p. 09).
Ressalta-se que, a efetividade das leis e dos programas desenvolvidos para a igualdade entre mulheres e homens, dependem do financiamento de tais políticas, em particular as ações desenvolvidas pelo Ministério da Mulher e Ação Social e do Conselho Nacional para o Avanço da Mulher. Destacase que em todos os documentos pesquisados, percebe-se que o governo de Moçambique vem desenvolvendo esforços para reverter esta situação e, para isso, adotou a planificação com objetivo de garantia de orçamento para políticas na perspectiva de igualdade de direitos entre homens e mulheres. Em 2014 o governo atuou para desenvolver ações em todos os ministérios com este objetivo. Além das leis específicas relatadas acima é importante destacar que, logo após a independência, a primeira constituição aprovada pelo governo de Moçambique garantiu o direito ao voto para as mulheres. Foi aprovado também a não discriminação para o acesso ao emprego, salário, saúde, educação, justiça. Mas, os direitos de cidadania não eram iguais. A constituição de 1990 procurou superar estas lacunas de garantias de direitos 103
para as mulheres, e se multiplicaram associações e entidades pela defesa dos direitos das mulheres (CASIMIRO, 2012). Dada a independência do país, e como suporte os documentos internacionais para a igualdade entre homens e mulheres e a organização dos movimentos de mulheres moçambicanas, vê-se que é uma constante o debate para se estabelecer políticas públicas que superem as diferenças entre homens e mulheres no país. Destacam-se, além das leis descritas acima, os seguintes programas e ações do governo: - Criação do CNAM, Conselho Nacional para o Avanço da Mulher. A importância da transversalidade da política de gênero; - Política de Género e Estratégia da sua Implementação: O objectivo principal é garantir que as mulheres no poder e nos órgãos de tomada de decisão, sejam agentes de transformação efectiva, [...]; - O Plano Nacional para o Avanço da Mulher: objectivos e estratégias relativamente ao acesso das mulheres a órgãos de poder; o acompanhamento e a avaliação dos compromissos assumidos pelos Governos ao nível regional, continental e das Nações Unidas; a formação, numa perspectiva de género das mulheres que exercem cargos de poder; e a “elaboração e implementação de programas de Educação Pública destinados à mudança de atitudes em relação ao papel e direitos socioeconómicos da mulher”. (CASIMIRO, 2012, p. 14)
Reafirma-se que as políticas, programas, planos e leis existem. Contudo, assim como afirma Casimiro (2012), falta efetivar as ações na prática para que se sinta a mudança real na vida e no cotidiano das mulheres moçambicanas. 104
Para dar respostas a esta situação foi elaborado em 2014 pelo Ministério da Mulher e Assistência Social - MMAS, o “Plano de Ação de Beijing +20”. Lembra-se que a IV Conferência das Nações Unidas sobre as Mulheres aconteceu na cidade de Beijing, na China, em 1995, onde se estabeleceu aos países membros da ONU uma plataforma de ação para garantia de direitos das mulheres na economia, na educação e na sociedade. O documento elaborado pelo MMAS (2014) apresenta um balanço das ações propostas por esta Conferência para identificar as realizações, os progressos e as falhas do governo moçambicano com relação aos objetivos propostos pelo Plano de Ação de Beijing. Destaca-se a seguir, na ótica deste livro, os progressos realizados na área econômica. As principais medidas para melhorar o acesso da mulher à educação e a recursos de produção estão identificadas abaixo: - A introdução de incentivos para o ingresso de raparigas no ensino técnico e profissional como a isenção de propinas e concessão de bolsas de estudo completas que incluem o fornecimento gratuito de produtos de higiene íntima. Estatísticas do MINED, indicam que de 2007 à 2011 o ingresso de raparigas cresceu de 30,4% para 32,6% no nível básico e de 28,9% para 30,4% no ensino médio para o mesmo período; - A monitoria da implementação da quota de 25% de emprego de mulheres nas empreitadas de obras públicas, que aumentou as oportunidades de acesso ao emprego para mulheres, [...]; - A realização de esforços no sentido da integração de mulheres nos programas de formação oferecidos pelo Instituto Nacional de Emprego e Formação Profissional (INEFP). [...] Em 2013 fo105
ram criados 234.689 empregos dos quais 181.532 para homens e 53.197 para mulheres. No âmbito da formação profissional beneficiaram 113.328 dos quais 71.759 homens e 41.569 mulheres; - O Ministério da Agricultura desenvolveu e implementou procedimentos simplificados de tramitação dos pedidos de Direito de Uso e Aproveitamento da Terra (DUAT) e criou Serviços Distritais de Cadastro de modo a providenciar os serviços cada vez mais próximos dos utentes. Além disso, foram tomadas medidas com vista a aumentar o acesso das mulheres a assistência técnica através da sub-contratação dos serviços de extensão de modo a alcançar o maior número de produtores e produtoras. [...]; - No que diz respeito ao acesso aos recursos financeiros e no âmbito da implementação da Estratégia de Desenvolvimento Rural, em 2005, o Governo estabeleceu o Fundo de Desenvolvimento Distrital. A par de outras iniciativas e esforços com vista a expandir os serviços financeiros aos distritos o FDD, destina-se a aumentar o acesso da população a financiamento para estimular a produção de alimentos e geração de emprego dois elementos chave na redução da pobreza. [...]. (MOÇAMBIQUE, MMAS, 2014).
Ainda no campo das políticas e ações propostas pelo governo para a igualdade entre homens e mulheres na sociedade de forma geral e no acesso e permanência ao trabalho em particular, identifica-se que, desde 2008 há a realização das conferências nacionais sobre os direitos das mulheres. Estas conferências abordam temas específicos para as mulheres e são realizadas de dois em dois anos. Ressalta-se que este mecanismo de participação proposto pelo Conselho para o Avanço das 106
Mulheres e pelo MMAS, pode produzir um debate mais intenso para a efetividade das políticas públicas para as mulheres. Certifica-se que, com a realização das conferências, houve uma maior disposição para ter-se o conhecimento, tanto por parte do governo como por parte da sociedade civil, de quem são as mulheres moçambicanas, quais são seus problemas e onde atuam. Resultam destas conferências alguns dados que se apresentam a seguir. O Índice de Desenvolvimento Humano - IDH, de Moçambique ocupa o 172° lugar dentre 182 países. Significa que: A população ocupada é de 75%, e chega a 18,7% a taxa de desemprego, sendo 14,7% homens e 21,7% mulheres. A população assalariada é de 13,3%, os homens ocupam 19% dos postos formais de trabalho e as mulheres 3,9% (CASIMIRO, 2012, p. 8).
Destaca-se que não se tem ocupação ou função, ou trabalho específico para 40% das mulheres moçambicanas, em detrimento a 12% dos homens. Ao mesmo tempo 37,8% das mulheres não recebem nenhuma remuneração e com os homens este dado é de 5,8%. (CASIMIRO, 2012, p. 09)
4.2. O Plano Nacional para o Avanço das Mulheres Antes mesmo da aprovação do Plano Nacional para o Avanço das Mulheres, foi criada a Política de Gênero, Estratégia e Implementação – PGEI, contido no Plano Quinquenal do Governo. Esta política representou a resposta para que nos diversos setores governamentais e privados pudesse existir ações 107
que assegurassem a igualdade entre homens e mulheres. Como forma de dar concretude aos diversos compromissos e resoluções internacionais que o governo de Moçambique assinou no sentido de alcançar a igualdade entre homens e mulheres, foi necessário ir alem da PGEI e neste sentido foi criado o Plano Nacional para o Avanço da Mulher - PNAM, que reafirmou a necessidade de integrar as questões da igualdade de direitos, principalmente no combate a fome. Ressalta-se que: (o Plano é) documento que incorpora os diferentes objectivos, estratégias e actividades definidos pelos sectores com vista a diminuir os desequilíbrios de gênero. Este Plano identifica as principais linhas de acção que o governo vai prosseguir a curto, médio e longo prazos, partindo da premissa de que a implementação adequada e a concretização dos objectivos impõe fortes compromissos e parcerias activas com a sociedade civil e uma melhor coordenação intersectorial e interdisciplinar. (MOÇAMBIQUE, 2007, p. 754 -51)
O Plano destaca sete áreas para intervenção: pobreza e emprego; saúde e HIV; educação e formação das meninas; direitos e interrupção da violência; poder; agricultura e ambiente e mecanismos institucionais para o avanço da mulher. Estas áreas estão contidas nos objetivos do PNAM, assim como será tratado mais adiante. O primeiro plano foi constituído em 2007 com a proposta de ser avaliado de quatro em quatro anos, a sua implementação compreendeu a capacidade do governo de gerir estratégias para que as ações dos diferentes setores públicos e privados pudessem ter como foco a questão dos direitos das mulheres. Para isso, foi necessário “a formação e a capacita108
ção, a partilha de conhecimentos entre os diferentes intervenientes, a difusão de legislação relevante, divulgação de instrumentos internacionais em defesa dos direitos das mulheres” (MOÇAMBIQUE, 2007, p. 754-51) com o objetivo do Plano se enraizar no cotidiano das mulheres moçambicanas. O PNAM foi constituído de cinco partes. A primeira contextualizou a mulher em Moçambique, a segunda salientou os mecanismos institucionais para o avanço da mulher, a terceira trouxe os objetivos e as prioridades do plano, a quarta parte apresentou os mecanismos de coordenação implementação e monitoria do plano e a quinta e última parte apresenta um conjunto de matrizes operacionais do Plano. Destaca-se que nos objetivos, propõe-se dispor de referencial para coordenar a execução das ações de promoção da mulher e, para isso, a importância em se reservar recursos financeiros, materiais e humanos para estes objetivos. Nos objetivos relacionados a pobreza e emprego, propõe-se criar estratégias para inserir a mulher no mercado de trabalho formal; dar condições para não existirem práticas discriminatórias no setor laboral; criar centros de capacitação e educação principalmente para as jovens. (MOÇAMBIQUE, 2007, p. 754-52). Com relação aos mecanismos institucionais para o avanço da mulher, é referendado: - introduzir a perspectiva de gênero nas políticas, programas e projectos de desenvolvimento nacional; - reforçar os actuais mecanismos institucionais e estruturas a todos os níveis através de um processo de integração do gênero; - aumentar a participação financeira do Estado, das ONGs e de outras agências no apoio institucional à promoção do estatuto da mulher 109
- promover a concertação, harmonização e sinergias das acções a favor da mulher. (MOÇAMBIQUE, 2007, p. 754-53)
Ficou a cargo do Ministério da Mulher e Ação Social e do Conselho Nacional para o Avanço da Mulher a responsabilidade pelo monitoramento e execução do plano. Foi instituído também as co-responsabilidade dos outros setores governamentais para a plena execução do PNAM. Lembrase que o papel das organizações de mulheres moçambicanas foi no sentido de fiscalizar e atuar para a plena realização do plano. Segundo Pelembe (2014), o Plano Nacional para o Avanço da Mulher, é um instrumento que possibilita a inserção da mulher nos diversos setores da sociedade, dando referencial e perspectivas para as mulheres no que tange sua independência econômica e social. Considera-se, principalmente, sobre os objetivos do Plano: a) Promoção e implementação de políticas não discriminatórias do sector laboral; b) Melhoria do acesso ao capital financeiro e à tecnologia de produção; c) Investimento nas mulheres através do aproveitamento da sua capacidade empresarial e desenvolver a educação, formação e encorajamento das oportunidades de emprego; d) Incentivar a uma maior participação das mulheres na esfera política e nos órgãos de poder e de tomada de decisões. (PELEMBE, 2014).
Para Muchangos (2014), mesmo com o advento do PNAM, o entrave para as mulheres moçambicanas contunua na área financeira, questiona a autora: 110
[...] porque não se pode apostar em projectos macros? [...] É preciso abandonarmos a ideia de associar a mulher a uma banquinha de tomate e caldo em frente à sua casa, com roupa usada nas mãos a vender pelas ruas, sentada nas esquinas das ruas e em frente das escolas com uma bacia de bolinhos. Queremos ver a próxima geração de mulheres a desenvolver grandes negócios, a abraçar ramos da indústria, da aviação e porque não da construção de estradas? [...] o empoderamento não deve ser orientado para a sobrevivência, chamando à atenção das instituições financeiras no sentido de compreenderem as dificuldades da mulher (MUCHANGOS, 2014).
Reforça-se que o PNAM é uma das alternativas para que o Estado possa garantir o acesso das mulheres nos setores produtivos, inclusive no privado. Estimular a contratação de mulheres para os diferentes setores produtivos é um dos caminhos para o desenvolvimento do país, é pensar nas alternativas para que a pobreza seja superada. Percebe-se que, na última década o governo de Moçambique junto a sociedade civil e aos movimentos sociais de mulheres vem procurando criar mecanismos de tranformação da realidade da mulher. Para isso, além das legislações especíicas, também elaborou planos e programas com o objetivo de dar condições para que a mulher moçambicana tenha escolhas tanto para sua vida particular e familiar quanto para sua vida profissional. No entanto, verifica-se que ainda são necessários vários movimentos e financiamento de políticas para que a superação da condição da mulher seja concretizada.
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Referências CASIMIRO, I. M. Desigualdades de Género em Moçambique. Dia Africano de estatística. Governo de Moçambique. Maputo, 2012. CHIVEVA, J. P. A. A Lei do Trabalho 23/2007: que incentivos trás à competitividade e produtividade das empresas em Moçambique? Faculdade de Economia, Universidade Eduardo Mondlane. 2007. MOÇAMBIQUE. Diário Oficial. Imprensa Nacional de Moçambique. 24 de dezembro de 2007. MOÇAMBIQUE. Ministério da Mulher e da Acção Social. Relatório de Moçambique Beijing + 20 sobre a implementação da Declaração e Plataforma de Acção. Maputo, Abril 2014. MONJANE, V. Participação feminina no mercado de trabalho em Moçambique. Disponível em: http://www.webartigos.com/ artigos/participacao-feminina-no-mercado-de-trabalho-emmocambique/61012/ Acesso em dezembro 2014. MUCHANGOS, L. Sair da luta pela sobrevivência. Entrevista ao Jornal de Notícias de Maputo. Abril de 2014. Disponível em http://www.jornalnoticias.co.mz/index.php/pagina-da-mulher/ 27399-wased4r5t6yr Acesso em novembro de 2014. PELEMBE, M. F. M. Seminário Internacional sobre Políticas Públicas para as Mulheres. Brasil, São Paulo, julho 2014. Apresentação oral. UNFPA. Igualdade de Género e Emponderamento da Mulher em Moçambique. Moçambique: UNFPA: 2006.
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VIETNÃ
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5. Vietnã 5.1. Apresentação Localizado na Ásia, a República Socialista do Vietnã faz fronteira com China, Laos e Camboja e é banhado pelo Oceano Pacífico ao leste. É o 66º país em extensão no mundo e possui os seguintes recursos naturais: fosfatos, carvão, manganês, bauxita, cromato, petróleo, gás natural e recursos hídricos. A população é de 89,7 milhões de habitantes, mais da metade são mulheres. A população alfabetizada é 93,2% e a expectativa de vida é de 75,4 anos. No ranking do Índice de Desenvolvimento Humano – IDH, de 2012, o país posicionou-se no 127º lugar entre 187 países. (BRASIL, MRE, 2012) O Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento – PNUD, reconhece os progressos feitos pelo país com relação à erradicação da fome e da pobreza extrema, antes do prazo de 2015, estipulado nos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio4 fixados pela Organização das Nações 4 As metas do milênio foram estabelecidas pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 2000, com o apoio de 191 nações, e ficaram conhecidas como “Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM)”:1 - Acabar com a fome e a miséria; 2 - Oferecer educação básica de qualidade para todos; 3 Promover a igualdade entre os sexos e a autonomia das mulheres; 4 - Reduzir a mortalidade infantil; 5 - Melhorar a saúde das gestantes; 6 - Combater a Aids, a malária e outras doenças; 7 - Garantir qualidade de vida e respeito 117
Unidas - ONU. A proporção da população que vive abaixo da linha de pobreza diminuiu de 28,9% em 2002, para 14,2% em 2010 e, 12,6% em 2012. Lembra-se que a renda mensal, definida e reajustada anualmente pela inflação, é de US$ 23 para as áreas rurais e US$ 29 para áreas urbanas. Por sua vez, o Índice de Desigualdade de Gênero – IDG, classificou o Vietnã no lugar 48 de 146 países em 2011, com o índice 0,305, um dos melhores no Sudeste Asiático, um ponto atrás dos Estados Unidos que ocupava a posição 47, com índice de 0,299 e não muito distante do Reino Unido, com o lugar 34 e índice de 0,209. (UNDP, VIETNAM, 2014) Entre 1990 e 2011, o IDH do Vietnã cresceu de 0,435 para 0,593, um aumento de 37% ou seja, uma média anual de 1,5%. Este é considerado um progresso impressionante e reflete as conquistas do país em matéria de crescimento econômico e melhoraria nos padrões de vida da população. A Renda Nacional Bruta per capita aumentou em 228% entre 1990 e 2011. (UNDP, VIETNAM, 2014) Com PIB nominal de US$ 170,02 bilhões e crescimento de 5,3% em 2013, o Vietnã posicionou-se como a 58ª economia do mundo. O setor de serviços é o principal ramo de atividade e respondeu por 42,2% do PIB, seguido do industrial com 38,5%, e do agrícola com 19,3%. (BRASIL, MRE, 2012). Segundo a Organização Internacional do Trabalho OIT, no Vietnã o setor informal responde por cerca de 20% do Produto Interno Bruto - PIB. Há 8,4 milhões de empresas familiares informais no país e, cerca de 24% dos trabalhadores vietnamitas estão empregados no setor informal. A indústria de construção formam o maior complexo informal: 43% do total de empregos, seguido pelo comércio com 31%, e serviços ao meio ambiente e 8 - Estabelecer parcerias para o desenvolvimento. Demais informações podem ser acompanhadas pelo sítio da ONU no Brasil, www.odmbrasil.gov.br 118
com 26%. As empresas estatais estão presentes com cerca de 40% da produção econômica do país. (UNDP, VIETNAM, 2014)
5.2. A presença da mulher no desenvolvimento do país As mulheres desempenham um papel importante na economia vietnamita, respondendo por 46,6% da força de trabalho ativa, recebendo 87% do rendimento médio pago aos homens. Muitas ainda estão concentradas em empregos informais e vulneráveis, assim como visto nos demais países pesquisados neste livro. No entanto, a sociedade vietnamita está em busca de equilibrar a empregabilidade das mulheres comparada às dos homens, estando cada vez mais presentes no setor não agrícola, especialmente nos setores econômicos que exigem alto nível de competências técnicas e tecnológicas, onde a presença de trabalhadores do sexo feminino vem crescendo. (VIETNAM, GSO, 2014) Registra-se, como demonstrado nos capítulos anteriores desse livro, que a dupla responsabilidade da mulher, a saber: cuidados com a família, com o trabalho doméstico, bem como para a geração de renda, restringe sua capacidade de participar no emprego remunerado, em particular no setor formal, o que também ocorre no Vietnã. Entre trabalhadores assalariados, as mulheres compõem 40% deste universo, estando assim distribuídas: 46% são empresárias; 49,42% estão na economia familiar; 30,3% das mulheres são funcionárias e servidores públicos em gestão de órgãos/agências estatais (sendo destas 40% em nível central, 28,3% em nível local); 61,7% das mulheres são funcionárias do Estado em agências de serviços administrativos (des119
tas 37,2% em nível central, 62,4% em nível local); 48% das mulheres são empregadoras (pequenas empresárias). (VIETNAM WOMEN’S UNION, 2014) Em algumas indústrias com ocupações profissionais e técnicas, a renda das mulheres representa 81,5% comparada à dos homens, com o mesmo nível de qualificação (UNDP, VIETNAM, 2014). Mesmo em algumas profissões, onde a representação de trabalhadoras aumentou, como na indústria de transformação, o seu rendimento é menor do que a dos homens. Em diferentes setores econômicos, tais como, o setor estatal privado, negócios domésticos, economia coletiva, investimento estrangeiro, a situação permanece comum. Esta diferença salarial entre homens e mulheres na mesma profissão é atribuída, pelas fontes pesquisadas, por dois fatores em especial. Em primeiro, pela lacuna na educação. As vietnamitas tem menos escolaridade em comparação com os homens. Em segundo está a remuneração das horas trabalhadas pelas mulheres, que é mais baixa do que a dos homens, isso porque, também no Vietnã, as mulheres consomem grande parte do seu tempo conciliando o trabalho remunerado com o trabalho doméstico e o cuidado com as crianças. Persiste, assim como nos outros países pesquisados neste livro, mesmo com os esforços da sociedade vietnamita, a divisão sexual do trabalho: ocupações predominantemente femininas e ocupações masculinas. Assim, o trabalho mais ligado às mulheres está concentrado nos setores agrícola, de negócios e serviços. Lembra-se que estes setores são também os que concentram menores salários. Com relação às ocupações masculinas, há uma concentração nos setores técnicos ou em posições de liderança. Devido às diferenças de remuneração e ocupação, a proteção social tem papel destacado na sociedade. Os investimentos em proteção social do Estado vietnamita são de 120
4,1% do PIB, acima da média de 56% dos países asiáticos, com 71% dos pobres recebendo alguma forma de proteção social (UNDP, VIETNAM, 2014). O seguro social é obrigatório para os empregados de empresas privadas e públicas, com contratos de pelo menos três meses, o que abrange 25% da força de trabalho, existindo a cobertura voluntária para os trabalhadores independentes. Para milhões de famílias que vivem abaixo ou um pouco acima da linha de pobreza, a falta de cobertura da seguridade social é complementada pela constituição de redes informais de cuidados, organizados por grupos familiares e sociais. O sistema de bem-estar social vietnamita estabeleceu como estratégia de 2011 a 2020 seis objetivos: aumentar a igualdade no mercado de trabalho, desenvolver o seguro social avançado, melhorar a saúde, reduzir a pobreza, garantir o acesso aos serviços sociais, expandir o sistema de assistência social flexível. Apresenta-se que o financiamento necessário para estes objetivos é de US$ 38 bilhões, dos quais 50% serão financiados pelo Estado. Tais ações beneficiarão, em particular, as mulheres trabalhadoras em suas necessidades específicas (UNDP, VIETNAM, 2014). Como se tem apresentado, o Vietnã tem feito bons progressos em direção à igualdade entre homens e mulheres e as disparidades têm sido particularmente reduzidas na educação primária e secundária. Mesmo assim, subsistem desafios importantes no campo social e econômico. As conquistas alcançadas pelo povo vietnamita, com a presença ativa das mulheres na vida política e econômica do país, asseguraram o lugar de número 48 para o Vietnã entre 146 países no Índice de Desigualdade de Gênero 2011 - IDG, indica uma desigualdade mais baixa do que alguns países da categoria de “muito alto desenvolvimento humano”, como Chile e Argentina. (UNDP, VIETNAM, 2014) 121
Dos 500 deputados eleitos no Vietnã, 122 são mulheres e sua representação na Assembleia Nacional é de 24,4%. A meta do governo é ter um mínimo de 35% de mulheres representadas na Assembleia Nacional e em Conselhos Populares, após a eleição de 2016. (VIETNAM, GSO, 2014). Importante destacar que, na busca pela igualdade de oportunidades entre homens e mulheres, as vietnamitas em comunidades de minorias étnicas são particularmente desfavorecidas: pelo menos uma em cada quatro é analfabeta; entre as mulheres jovens com idade entre 15 a 17 anos, cerca de 60% estão na escola, em comparação com mais de 72% dos homens jovens. As mulheres das minorias étnicas têm maior taxa de mortalidade materna do que as suas contrapartes. A pobreza é maior na região central do norte e áreas montanhosas e menor no Sudeste, com uma em cada duas pessoas de minorias étnicas vivendo na pobreza. (VIETNAM, GSO, 2014) Neste sentido, a União das Mulheres do Vietnã desempenha um papel importante na promoção de políticas de igualdade entre homens e mulheres e de apoio à família, conforme exporemos a seguir.
5.3. O papel da União das Mulheres do Vietnã na implementação de Políticas Públicas para as Mulheres. No Vietnã as associações nacionais formam a Frente Patriótica - VFF. Esta Frente é uma organização que agrupa 29 entidades não governamentais registradas, assim como grupos de interesses especiais, dos quais a União das Mulheres do Vietnã – UMV, é o maior, com uma adesão de mais de 13 122
milhões das 46.415.156 mulheres que completam a população total, e com 10.472 filiais em todo o país. A UMV tem como objetivo uma ampla gama de questões sociais, que vão desde o fornecimento de informações sobre planejamento familiar e de saúde até questões relacionadas à facilitação de serviços de poupança e crédito. Como uma organização social e política, a UMV tem o direito de apresentar projetos de lei para a Assembleia Nacional; participar da elaboração de leis e políticas de desenvolvimento da mulher e, também, na gestão do Estado sobre a igualdade de mulheres e homens. Ativamente dá conselhos, propõe questões relativas às mulheres; colabora com o desenvolvimento de documentos legais relacionados com mulheres e crianças no âmbito do Governo e dos ministérios. A UMV tem a responsabilidade de exercer o controle social das políticas e leis relacionadas à igualdade entre mulheres e homens; participando da formulação, alteração, suplementação e ajuste dos mecanismos, políticas, programas e planos de desenvolvimento socioeconômicos, da ordem social e de segurança relativas aos direitos e interesses das mulheres e das crianças assim como estipulado pelo Decreto Governamental nº 56/2012 de 16 de julho. Este decreto ficou conhecido como a “Lei da Igualdade de Gênero”. Destaca-se o papel preponderante desempenhado pela UMV na formulação dessa Lei que foi aprovada pela Assembleia Nacional do Vietnã e entrou em vigor em 01° de julho de 2007. A UMV se envolveu na preparação de documentos para orientar a implementação da referida Lei, participando com opiniões e críticas em 86 projetos de lei, portarias, decretos, circulares e outros documentos legais. Coordenou de forma ativa a relação com ministérios e departamentos propondo políticas relacionadas às mulheres e cumpriu importante papel na coordenação com outros organismos envolvidos em 123
atividades de monitoramento dessas ações. Todos os anos o Conselho Central da UMV, com representantes eleitas em suas bases participa de atividades de acompanhamento promovidas pela Comissão dos Assuntos Sociais da Assembleia Nacional, realizada desde a implementação da Lei de Igualdade de Gênero e da Lei contra a Violência Doméstica. Soma-se às atividades de controle social da UMV, outras de propaganda, assessoria, assistência jurídica, coordenação com as autoridades competentes, a fim de melhorar e dar qualidade na construção, conclusão e implementação do sistema legal e de políticas relacionadas às mulheres, criando condições para seu pleno desenvolvimento, com apoio às políticas relacionadas ao trabalho feminino; políticas de apoio às mães e às famílias; apoio aos grupos de jovens de base comunitária; apoio as mulheres idosas, solteiras, portadoras de deficiência e, com especial atenção, às mulheres trabalhadoras rurais. A Lei de Igualdade de Gênero define que as políticas de Estado devem garantir a igualdade entre os sexos e o sistema de seguridade social deve proteger os direitos e interesses das mulheres e seus filhos, incluindo outros conteúdos, entre os quais se destacam: - Garantir a igualdade de gênero em todos os domínios da política, economia, cultura, sociedade e família; apoiar e fornecer ao homem e à mulher condições para que se desenvolvam em suas capacidades; proporcionar a igualdade de oportunidades para a mulher participar no processo de desenvolvimento e se beneficiar das conquistas do desenvolvimento; - Proteger e apoiar a mãe durante a gravidez, parto e educação de seu filho, para facilitar o homem e a mulher na partilha de tarefas domésticas; 124
- Apoiar atividades de igualdade de direitos em áreas remotas e montanhosas, em áreas de minorias étnicas e áreas em condições socioeconômicas extremamente difíceis; para apoiar a criação de condições necessárias para aumentar o Desenvolvimento do Gênero (GDI) nas indústrias, campos e locais em que a GDI é mais baixa do que o nível médio de todo o país; - Estipular responsabilidade das agências e organizações, a fim de facilitar o desenvolvimento de estabelecimentos de assistência social e serviços de apoio para reduzir a carga de trabalho da família; - Configurar rede adequada de creches para que os trabalhadores do sexo masculino e do sexo feminino possam harmonizar o trabalho produtivo e o trabalho doméstico; apoiar as trabalhadoras do sexo feminino que participam nas atividades de formação e de reciclagem profissional e tem filhos menores de 36 meses de idade; criar condições favoráveis para os trabalhadores do sexo masculino usufruírem de licença remunerada completa e subsídios, quando suas mulheres dão à luz. (CAM, 2014)
Além da Lei de Igualdade de Gênero, pode-se destacar também alguns programas e projetos, desenvolvidos pela UMV em parceria com o governo, voltados para a autonomia das mulheres, a saber: Apoio às mulheres na formação profissional e na criação de emprego no período 2010-2015; Educação de 5.000.000 mães e pais em responsabilidades parentais; Apoio e desenvolvimento de creches independentes nas zonas industrial de exportação e processamento até 2020. Este projeto em particular, tem como objetivo apoiar as mulheres trabalhadoras nessas áreas para que seus filhos, com menos de 125
36 meses de idade, possam ficar em lugar seguro com assistência à infância, contribuindo, assim, para resolver o problema atual de falta de creches. (CAM, 2014) Ainda com relação ao projeto de creches em setores industriais, destaca-se a grande conquista da sociedade civil em especial do movimento de mulheres de apoio às instalações com base em ações comunitárias e de acolhimento de crianças; a capacitação, comunicação, mobilização e educação para a sensibilização; criar mecanismos para garantir e melhorar a qualidade dessas instalações em desenvolvimento; estudar e analisar a proposição de políticas relevantes para apoiar as mulheres que têm filhos com menos de 36 meses de idade; monitoramento e avaliação. (CAM, 2014) Diante de tais desafios, a União de Mulheres do Vietnã, apresenta os seguintes dados: Com referência ao Projeto “Apoiar as mulheres na formação profissional e a criação de emprego no período 2010-2015”, os grupos de trabalho da UMV organizaram 73.043 eventos de comunicação para mais de 3,4 milhões de pessoas; fornecendo aconselhamento profissional e de emprego para 566.804 mulheres. Nos Centros de formação profissional foi oferecido treinamento para 152.300 trabalhadoras. Como resultado, a taxa de formandos recebendo trabalho após o treinamento atingiu mais de 80%, principalmente em 2013 e o número de mulheres trabalhadoras formadas foi de 97 mil. Entre as metas da organização para o ano de 2012, destacam-se: a formação de mais de 70% das mulheres capacitadas para atuar à frente da direção do Partido, junto às políticas e as leis do Estado, visando a defesa pela igualdade de direi126
tos, a prevenção e o apoio às famílias; mais de 60% das mães com crianças menores de 16 anos de idade serão orientadas quanto aos cuidados e educação das crianças; mais de 70% das mulheres pobres serão apoiadas pela UMV para reduzir a pobreza e eliminar a fome, com atenção à 90% das famílias pobres chefiadas por mulheres, com o objetivo de tirar de 40 a 50% dessas famílias da pobreza”.(CAM, 2014).
Observa-se que a educação tem um importante papel na seguridade social. De acordo com o Escritório Geral de Estatísticas do Vietnã, a taxa de alfabetização para maiores de 15 anos em 2009 foi de 93,5%. Da população acima dos 5 anos 24,7% estavam cursando escola, 70,2% tinham frequentado a escola no passado e apenas 5,1% nunca haviam frequentado a escola. Os dados também permitem uma avaliação do progresso do Vietnã para com os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio da ONU. Verifica-se que o Vietnã ao buscar alcançar a educação primária universal, caminha para a promoção da igualdade entre homens e mulheres, que se reflete positivamente nos resultados de diversos indicadores. Igualmente, percebe-se que foram desenvolvidas políticas governamentais adequadas para melhorar o nível educacional das mulheres, e o investimento nas qualificações técnicas e profissionais, especialmente entre as mulheres das áreas rurais e em províncias empobrecidas. Não obstante os esforços e investimento empreendidos em ações governamentais em parceria com a sociedade civil, em especial a União de Mulheres Vietnamitas, observa-se que a mulher busca superar a desigualdade posta nas relações de trabalho e na distribuição dos encargos com cuidados atribuídos à mulher, principalmente da infância, tal qual nos demais países pesquisados neste livro. 127
Referências BRASIL. MINISTÉRIO DAS RELAÇÕES EXTERIORES. Como Exportar. Vietnã. Brasília: MRE, 2012 (Coleção Estudos e Documentos do Comércio Exterior). 76 p. CAM, N. T. Seminário Internacional sobre Políticas Públicas para as Mulheres. Brasil, São Paulo, julho 2014. Apresentação Oral. UNDP. UNITED NATIONS DEVELOPMENT PROGRAMME IN VIETNAM. Disponível em http://www.vn.undp.org/ Acesso em novembro de 2014. VIETNAM. MINISTRY OF PLANNING AND INVESTMENT. GENERAL STATISTICS OFFICE- Population and Housing Census 2009: analysis of key indicators. Disponível em: in http://www.gso.gov.vn Acesso em setembro de 2014. VIETNAM WOMEN’S UNION. Disponível em http://www. hoilhpn.org.vn/ Acesso em novembro de 2014.
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LÍBANO
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6. Líbano 6.1. Os Movimentos de Mulheres Libanesas e a conquista de direitos O governo do Líbano é constituído pelo parlamentarismo que inclui cada uma das organizações religiosas reconhecidas no Estado e o Primeiro Ministro determina as leis que regulam o país. O estado Libanês ratificou a “Convenção sobre todas as formas de Descriminação contras as Mulheres” - CEDAW, em 1996. Os movimentos e organizações de mulheres libanesas participaram ativamente para sua aprovação. Algumas ressalvas à Convenção foram feitas pelo governo, no que tratava dos assuntos relacionados à família. Cabe destacar que estas ressalvas foram feitas, pois assuntos como: divórcio, casamento e filhos, são de competência das instituições religiosas do país. Esse tema é muito debatido pelo movimento de mulheres buscando com que a relação entre homens e mulheres na sociedade sejam definidas de comum acordo no âmbito social e familiar. (SALAMEH, 2014). A Constituição da República do Líbano prevê a igualdade entre homens e mulheres, mas o estatuto pessoal no dia a dia é diferente, dada a situação religiosa, como também a con131
dição econômica das mulheres libanesas, onde as mulheres das classes sociais mais empobrecidas são as que tem menos acesso aos direitos iguais. Em 1995 o governo Libanês decidiu participar da “IV Conferência Mundial sobre a Mulher em Pequim” passando a ser signatário de sua declaração final. Isso mudou qualitativamente a participação da mulher na vida da sociedade deste país. Estes avanços contam com a longa história dos movimentos de mulheres no Líbano. Registra-se que: A era da Al-Nahda5, caracterizada pela efervescência associativa, testemunhou o surgimento de muitas organizações de mulheres no Líbano. Acadêmicos identificaram o que tem sido chamado de “a primeira onda” ou “a primeira geração de organizações de mulheres”, que eram principalmente orientadas pela caridade, assim como o resto das organizações associativas existentes naquela época. Os anos 1960 e 1970 viu o nascimento de uma segunda “onda”, que floresceu a partir de grupos de esquerda; esta geração centrava questões específicas das mulheres. Durante os anos 1990, uma terceira “onda” de organizações, criada na sequência das convenções internacionais (CEDAW, 1979; Pequim, 1995), sublinhou uma nova tendência de “profissionalização” das mulheres e ativismo no Líbano . Mais recentemente, nos anos 2000, e 5 O Nahda, ou renascimento, é o projeto de modernização cultural e intelectual do Oriente árabe. Tudo começou simultaneamente no Líbano e no Egito. Enquanto no Líbano o Nahda foi caracterizado por um esforço para modernizar a cultura árabe através da introdução de novos gêneros da escrita, bem como reviver a língua árabe, no Egito, a ênfase era sobre a reforma das instituições islâmicas. (fonte: http://laits.utexas.edu/modern_me/ egypt/1/nahda Acesso em novembro de 2014, tradução nossa). 132
na veia de mobilizações anti-globalização, testemunhou-se o surgimento de grupos que se apresentavam como “radical”, e que concentraram suas demandas sobre identidades de gênero e direitos sexuais, com uma tendência de aumento das prestações de serviços de saúde, mobilização e advocacia. (SALAMEH, 2014, p. 17, tradução nossa).
Ressalta-se também que em 1910 um importante movimento de trabalhadoras do setor industrial se fez refletir por todo o Líbano, e pode também circunscrever a história dos movimentos de mulheres e a conquista de seus direitos. “A’amiah” ou garotas da fábrica, como ficaram conhecidas, eram as filhas de camponeses que, no início da industrialização libanesa, reivindicavam melhores condições de trabalho diante das longas jornadas. Estas mulheres jovens, operárias, combinaram a independência por direitos à independência na vida social (SALAMEH, 2014). A partir do final da década de 1990 se verificam estruturas e métodos de organização de mulheres referendadas no Estado. A Comissão Nacional para as Mulheres Libanesas NCLW, foi criada em 1996, em conformidade com as resoluções da Conferência de Pequim. Esta Comissão é composta por organismos oficiais e não oficiais, resguardando o cargo de presidenta à esposa do Primeiro Ministro, declarada primeira dama do país. Por um lado, a Comissão está responsável por acompanhar a aplicação da “Convenção Sobre todas as formas de Descriminação contra as Mulheres”, e, por outro, promover a igualdade entre homens e mulheres. Além desse instrumento, registra-se também, o Conselho Libanês para a Mulher - LCW, onde se congrega mais de cem organizações de mulheres. Este Conselho, assim como 133
exposto por Salameh (2014), foi criado em 1952, como resultado da fusão da União das Mulheres, fundada em 1920 e da Associação Solidariedade das Mulheres Libanesas, fundada em 1947. O Conselho Libanês para a Mulher, ressalta a autora, é composto principalmente por entidades religiosas e são orientados para a prestação de serviços a estas comunidades. A Liga dos Direitos das Mulheres Libanesas - LLWR foi fundada em 1947. Tem hoje diversas filiais espalhadas pelo Líbano. É uma entidade que atua na promoção da integração da mulher árabe e em diversos conselhos no Líbano e no exterior. Em 1999 o governo libanês apresentou o primeiro relatório sobre os progressos alcançados na implementação da CEDAW. Este relatório teve o acompanhamento do Fórum de Mulheres Libanesas, organização dos movimentos de mulheres, composto pelas entidades acima descritas, com o intuito exclusivo de relatar junto ao governo os avanços em matéria de igualdade e não discriminação para com as mulheres. Lembra-se que as ressalvas feitas pelo governo em 1996, no que tange os assuntos relacionados à família continuaram e, por este motivo, onde se desenvolveu a crítica dos movimentos de mulheres. (WOMEN’S RIGHTS MONITOR, 2002). Diferente da LLWR, tanto a NCLW, quanto a LCW são organizações que não congregam parte significativa das mulheres libanesas, presentes nas classes de famílias vulneráveis e marginalizadas, e até mesmo pelas trabalhadoras não formais. Estas organizações de mulheres não participam da formulação de estratégias e de políticas para representar seus interesses. Estas organizações muitas vezes decidem se aproximar de outras mulheres com as campanhas “de sensibilização” e atividades, que, essencialmente, confirma seu status de elite e superioridade em relação a sua base política. Esta 134
abordagem frequentemente convida as mulheres a adotar uma demanda, ou discurso, ou ferramenta, que se funde por normas e definições de direitos humanos internacionais. No entanto, tais ferramentas e discursos, pode não ser aplicável a muitas mulheres em sua vida diária. É importante ter em conta que as mulheres vivem em diferentes circunstâncias e comunidades que moldam a injustiça que elas enfrentam. Assim, deve ser dado espaço para que elas criem suas próprias ferramentas e discursos, a fim de sobreviver e resistir ao status quo. (SALAMEH, 2014, p. 24, tradução nossa).
As mulheres libanesas das classes médias e alta, vivem um “reino de liberdades”, o que não ocorre com as mulheres de classes sociais empobrecidas. As instabilidades políticas incitadas principalmente pelas guerras, a mais recente com Israel em 2006, afetaram a economia libanesa e, com isso, a participação das mulheres na luta pela igualdade. Relata-se a seguir a presença da mulher no setor formal de trabalho e o caminho a ser percorrido para aumentar a presença feminina fora do ambiente privado dos lares.
6.2. Políticas Públicas e acesso ao trabalho formal Assim como visto nos capítulos anteriores deste livro, o trabalho formal para as mulheres sempre traz consigo problemas em torno dos afazeres domésticos e das responsabilidades com os filhos, daí a importância de políticas focadas para a redução destes afazeres através da criação de centros de educação infantil públicos, restaurantes e lavanderias populares e a assistência social universal. No Líbano esta realidade não é diferente. 135
Para as mulheres que procuram trabalho formal, tem-se que as que estão acima de 15 anos, somente 23% fazem parte da força de trabalho. A maior parte das mulheres libanesas não estão inseridas no trabalho formal (SALAMEH, 2014). Assim como afirmou Gosh (2013), o trabalho da mulher dentro de casa é invisível tanto para a sociedade quanto para o Estado, consequentemente a responsabilidade com crianças, idosos, enfermos e com os afazeres domésticos fazem parte da economia informal realizado em qualquer parte do mundo pelas mulheres. São longas horas de trabalho que são muitas vezes banalizadas e sem valor. Tem-se visto que no Líbano, de uma década para cá, dados os conflitos na Síria, na Palestina e no Iraque, cresceu o número de trabalhadoras domésticas estrangeiras advindas destas zonas em guerras. Embora isso possa significar acesso a um posto de trabalho, a remuneração está muito aquém dos serviços realizados. As mulheres estrangeiras representam uma outra classe social, sem garantias trabalhistas, regido por um contrato que vincula a trabalhadora especificamente à residência que presta serviços e não à lei trabalhista do país. (SALAMEH, 2014). O gráfico a seguir demonstra a força de trabalho por sexo e por setor econômico:
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Fonte: SALAMEH, 2014, p. 09
Constata-se que a mulher libanesa atua, predominantemente, no setor de serviços e de negócios. Assim como em outros países pesquisados neste livro, sabe-se que no Líbano o setor de agricultura tem participação significativa das mulheres, mas por elas não serem, em sua maior parte, remuneradas, os dados não são refletidos no gráfico. Outro aspecto relevante é que 57% do emprego feminino é informal, onde se caracteriza a falta de segurança, as longas jornadas de trabalho e a ausência de seguridade social. (SALAMEH, 2014). Ainda segundo a autora, o artigo 29 da Lei do Emprego foi alterado para aumentar a licença maternidade, no entanto, faz-se cumprir a norma prevista na Convenção da Organização Internacional do Trabalho - OIT, n°. 103, ou seja, a não concessão de menos de doze semanas de licença. Ressalta-se que a educação infantil, para recém nascidos até a idade escolar não é oferecido pelo Estado o que torna mais difícil para as mulheres serem inseridas no trabalho formal. 137
As desigualdades de salários também estão presentes entre as trabalhadoras formais comparativamente aos homens. É pago 27% a menos do que os homens para o mesmo tipo de trabalho e, as libanesas tem acesso limitado a cargos de decisão. Há também uma diferença salarial quanto às mulheres jovens, pois o salário é incrementado de acordo com os anos de experiência (SALAMEH, 2014). Para Osman (2011), as mulheres libanesas procuram, sistematicamente, contribuir no orçamento e no sustento familiar. Desta forma, realizam diferentes atividades, tais como, trabalhos independentes, ajudando nos negócios da família, principalmente no comércio, entre outras atividades. Mas, a autora também considera que todas as funções da mulher libanesa são secundarizadas, é uma função complementar, mesmo que na prática se revele mais do que isso. Para se ter aprovação e legitimação do trabalho realizado fora de casa é preciso ir além da figura masculina ausente, é também necessário se assumir seja perante o cônjuge, os conterrâneos e para si própria (OSMAN, 2011). É na ausência do homem que cabe às mulheres as responsabilidades de manutenção da família: coragem, determinação, esforço não faltam a essas mulheres quando se vêem na função primordial de chefes de família. No entanto, é um período provisório, enquanto os filhos estudam ou crescem, para assumirem totalmente esse dever (OSMAN, 2011, p. 119).
As mulheres libanesas enfrentam restrições familiares para adentrar no universo do trabalho. Mesmo na imigração a estrutura patriarcal permanece e o trabalho formal, fora de casa, é visto como vergonhoso. Isso se deve a considerações culturais 138
e sociais presentes em grupos da sociedade libanesa tais como a “incapacidade do homem como provedor do lar e da família, ou ainda uma convivência inadequada entre homens e mulheres fora do ambiente doméstico”. (OSMAN, 2011, p. 120) Para conquistar um espaço no trabalho fora de casa, predominantemente antes da década de 1970, e ainda presente em alguns grupos sociais, era necessário que as mulheres obedecessem a algumas imposições da família tais como: auxiliar seus maridos nos negócios, serem profissionais liberais, e dentre estas as profissões consideradas mais adequadas às mulheres, e ainda que não estivessem submetidas a relações de patrão e empregado. Recorremos novamente a Osman (2011) para exemplificar esta relação de trabalho: Quando as mulheres trabalham, com a concordância da família ou do marido, é porque exercem atividades consideradas adequadas e de acordo com as normas e papéis sociais atribuídos a elas. Determinadas profissões são permitidas, outras se limitam à formação educacional, mas não ao exercício profissional. (OSMAN, 2011, p. 122)
Percebe-se que a escolha profissional está atrelada à condição do ambiente de trabalho, onde obrigatoriamente predomine a freqüência feminina, como por exemplo, no magistério. Ou seja, a opção em estudar e trabalhar, está mais condicionada à divisão sexual do trabalho: trabalho para mulher e trabalho para homem. Observa-se que as novas gerações de libanesas optam, pouco a pouco, por diferentes campos profissionais, embora ainda predominantemente a escolha seja a administração dos negócios familiares e as profissões liberais. O papel social da mulher libanesa é limitado, ainda 139
hoje, pelo ambiente familiar e doméstico, independente da religião, ou das relações culturais e sociais que a família possui. As leis e garantias para o mundo privado ainda estão pouco presentes no cotidiano das mulheres, mas há de se considerar que a partir dessas leis uma nova dimensão do espaço público se abre para as mulheres libanesas. Referências FDIM. Panorama mundial da inserção feminina no universo do trabalho: a perspectiva das lideranças da FDIM. São Paulo: 2012. GOSH, J. Crisis financiera y trabajo femenino: tendencias emergentes y experiencias pasadas. In: Revista Crítica y Emancipación. Revista latinoamericana de ciencias sociales. Año V, nº 10, segundo semestre 2013. pags. 17- 58. LEAGUE FOR LEBANESE WOMEN’S RIGHTS. Disponível em http://llwr.org/english.html Acesso em dezembro 2014. OSMAN, S. A. Mulheres Árabes e a participação econômica no processo migratório entre Brasil e Líbano. In: Revista Mandrágora, v. 17, n. 17, 2011, p. 115-133. SALAMEH, R. Gender politics in Lebanon and the limits of legal reformism. Civil Society Knowledge Center: Beirute. Set. 2014. Disponível em http://cskc.daleel-madani.org/sites/default/files/ papers/genderpoliticsinlebanon_riwa_salameh_cskc.pdf Acesso em outubro 2014. WOMEN’S RIGHTS MONITOR. Convention on the Elimination of all Forms of Discrimination Against Women. 2002. Disponível em: http://www.lnf.org.lb/windex/introduction.html Acesso em novembro de 2014.
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CONCLUSテグ
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7. Acerca de uma conclusão Sabe-se que a condição de acesso e permanência da mulher no mundo do trabalho encontra similaridades em todos os países pesquisados neste livro. Desde a Revolução Industrial, no século XVIII, que se estabeleceu a contradição nas condições para as mulheres no mundo do trabalho: liberdade para o trabalho assalariado, e responsabilidade com os afazeres domésticos. A liberdade para o trabalho formal não veio acompanhada da divisão de responsabilidades domésticas pelo setor produtivo, pelo Estado ou pelos companheiros de vida. Desde então, as escolhas das mulheres tem que ser pautadas entre o trabalho formal e os afazeres domésticos. Para superar esta contradição é necessário que se possibilite de fato que a mulher ocupe cada vez mais o espaço público, a rua, e ir além do horizonte da casa, do espaço doméstico e privado, para que se possa, de forma radical, serem apresentadas as dificuldades do cotidiano dos lares. Assim, o papel das organizações de mulheres para garantir a corresponsabilidade do Estado na solução dos afazeres domésticos, e no cuidado com crianças, idosos e enfermos, destaca-se como um dos caminhos para que a mulher possa estar presente e atuante na vida econômica do país. Além do mais, há que se reconfigurar o espaço do homem nas respon143
sabilidades com os filhos e o lar. Lembra-se também que a crise econômica de 2008 trouxe novas relações de trabalho, especialmente para as mulheres, o que representou mais acesso ao trabalho informal, vulnerável, temporário e sem direitos. Relacionar as políticas de desenvolvimento econômico de cada país com as políticas de acesso e permanência da mulher no mundo do trabalho é fundamental para se superar o atual quadro de subemprego, emprego vulnerável e precário. O acesso das mulheres ao mundo do trabalho será possível quando o Estado universalizar os serviços públicos e associar políticas de desenvolvimento econômico de forma geral. Destacam-se algumas diretrizes apontadas pelos estudos realizados nesta pesquisa e que condensam políticas para superar o desemprego e ampliar a inserção da mulher no mundo do trabalho. A saber: 1) melhorar a infraestrutura para que as mulheres possam reduzir a carga de trabalho não remunerado (afazeres domésticos); 2) fornecer serviços de cuidado, especialmente às crianças; 3) equilibrar a divisão do trabalho doméstico; 4) compensar as desigualdades de oportunidades de emprego, sobretudo quando há interrupção da atividade profissional por conta de licença maternidade.
Ressalta-se também, que é de grande importância existir mais observatórios dos direitos das trabalhadoras, o acompanhamento e inserção das mulheres no mundo do trabalho que tenha por objetivo: 1) levantar em cada país as demandas prioritárias das mulheres trabalhadoras; e, 2) focar para as políticas que possibilitem o desenvolvimento econômico e, 144
assim, a inserção da mulher no trabalho formal. Quanto maior o número de mulheres no trabalho formal, maiores as responsabilidades coletivas, principalmente as advindas do Estado, no sentido de proporcionar um ciclo menor de afazeres e cuidados dentro dos lares. Permiti-se concluir através dos estudos realizados neste livro que, para alcançar desenvolvimento e crescimento econômico, justo e com inclusão social, é necessário que se invista na infraestrutura de cuidados e na infraestrutura relacionada aos afazeres domésticos, para que assim, a força de trabalho da mulher possa ser integralmente absorvida para o setor produtivo e para a economia nacional. Além disso, garantirá também a autonomia e independência econômica das mulheres.
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