Me chamo Lully

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Bruno Negri

ME C H A M O

Lully


Lully pensa sobre o que disse


DEPOIS que o texto abaixo foi gravado e decodificado, perguntei a Lully se tinha ideia do que tinha feito. Entendi que seu abanar do rabinho significava que sim. Mas, na tentativa de estar certo, repus os fios nos seus ouvidos e a sentei de novo diante do computador. NĂŁo demorou para que surgisse o seguinte: “NĂŁo ouviram que disse que me sentaram diante de um computador e me puseram uns fios nos ouvidos? Depois de algumas vezes, passei a ver diante de mim linhas e mais linhas que se sucediam. Soube depois que, por uma maquininha ligada ao computador, as linhas tinham se

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Me chamo Lully

convertido em palavras, essas coisas com que os humanos falam uns pros outros. Ninguém ainda me contou tudo o que as palavras disseram de mim. Só me falaram de algumas passagens. Mas sei que naquela caixa estará contada minha vida. E um pouco dos que vivem em volta de mim. Talvez então um tanto de minhas alegrias e meus sobressaltos. Entendo dos humanos as frases que eles mais repetem. Sei por isso que também têm tristezas e alegrias. É certo que o tempo deles parece mais longo. Não porque vivam mais anos, mas porque o tempo deles tem dois outros lados que nós, cachorrinhos, desconhecemos: o que já foi, o que só será mesmo amanhã. Não posso saber se isso nos faz muito diferentes. Creio às vezes que sim. Outras, porém, acho que têm o mesmo medo que nós. O mesmo porque, embora a gente só saiba de agora, sabemos que, em algum momento, esse agora vai sumir.” BN

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Lully, a princesa



NÃO entendo por que me chamam de princesa. Nunca me explicaram o que é isso. Ouço apenas que me chamam assim alguns dos que visitam os que vivem comigo. Prefiro então que digam de mim o que sei que sou: uma cachorrinha. Se quiserem, acrescentem: Lully, a cachorrinha shitzu. Mas não estranho não entender muita coisa. Afinal, minha língua não é essa. Falo auês e não o português dos humanos. Dani, o filho da casa, me corrige: me diz que, se é certo que não falo português, é o fio preto que ele prende aos meus ouvidos que passa para o português meu pensamento em auês.

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Bruno Negri

Devo explicar isso depois. Por ora, só me apresento. Mas implico com isso de princesa. No meu auês, isso não existe. Só sei que deve ser uma coisa boa porque assim me chamam, com um sorriso, as mocinhas que uma vez ou outra vêm aqui. As mocinhas e só as mocinhas. Como sei disso? Ora, porque vejo que saias ou shortinhos são usados apenas pelos humanos que têm perereca. Como sei disso? Pra que levanto minhas patinhas da frente e olho entre as pernas das visitas? Por isso também sei que humanos que deixam o cabelo crescer debaixo do queixo e têm muito pouco no alto da cabeça não são mocinhas. Esses, ainda que me façam algum carinho, nunca me chamam de princesa. Estranho, mas estranho mesmo, é o fio que muda meu auês para um bando de tracinhos que enchem a tela do computador do Dani. Mas disso falo depois. Desde que comecei a entender o que Dani procurava me dizer, entendi que ele quer que eu

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conte minha história para sua máquina. Pergunto como vou contar minha história se ele sabe que não falo a língua deles? Se não falo o que vocês falam, e vocês não falam meu auês, como vão me entender? Será que acham que um dia eu vou me fazer entender em português? Antes de tudo, conto como vim parar aqui.

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