ANO 2 .Nº 6 .JUNHO 2007 R$ 10,00
00006 9 771980 368060
PRIMEIROPLANO
Rua Visconde de Ouro Preto, 308 - Florianópolis - SC - 88020-040
PRIMEIROPLANO ENTREVISTA
Olinta Cardoso, da Fundação Vale do Rio Doce: “Critérios sociais para desenvolvimento econômico”
PLANETA CAFÉ Mais consumo e outros aromas no momento pós-crise
CARROS DE VOLTA PARA O FUTURO
Como a Industria está respondendo aos novos desafios
ETANOL
Brasil pode ser o centro da produção, mas é preciso arrumar a casa
CELULOSE IRANI I EXEMPLOS DA ÍNDIA E CHINA I PROPAGANDA RESPONSÁVEL
CARTAS Olá, Como já afirmei por telefone, quero parabenizar a equipe da Revista pelo excelente trabalho que estão fazendo. Conheci a revista em um restaurante de Floripa e fiquei muito feliz por ver o excelente padrão de um instrumento de comunicação feito por gente daqui. O tema da responsabilidade social, do número que encontrei, está “espalhado” pela Revista,com uma diversidade de artigos que realmente demonstra a complexidade e amplitude da questão. Atenciosamente, Profa Dra Sonia Maria Martins de Melo Diretora de Pesquisa, Extensão e Pós-Graduação do Centro de Educação a Distância/CEAD/UDESC
SUMÁRIO 06 | POR EXEMPLO Portal Social: ferramenta para alavancar projetos
22 | MUNDO DO TRABALHO Passos da modernização social na cana-de-açúcar
38 | RESPONSABILIDADE SOCIAL Fundos de Pensão adotam princípios sociais
44 | INCLUIR Bons exemplos que vêm da Índia e China
EXPEDIENTE
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Diretor: Odilon Luís Faccio Edição: Sara Caprario (MTe/Sc 625-JP) Redação: Sara Caprario, Vanessa Pedro (MTe/Sc 831-JP) Edição de Arte: Maria José H. Coelho (MTe/Pr930) Fotografia: Sérgio Vignes Colaboradores: Celso Marcatto, Clemente Ganz Lúcio, Dauro Veras, Michelle Lopes, Paulo Itacarambi, Pieter Sijbrandij, Ronaldo Baltar. Secretaria: Lilian Franz Distribuição: Luciano Marcondes Impressão: Nova Letra Gráfica e Editora Ltda
Parceiros Institucionais Banco do Estado de Santa Catarina (BESC) Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (Dieese) Fundação Vale do Rio Doce (FVRD) Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola (Imaflora) Instituto Observatório Social Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social Rede de Tecnologia Social (RTS)
52 | AMBIENTE Irani no caminho certo / Abelhas desaparecem
54 | CONSUMO CONSCIENTE Energia solar / Tela econômica / Fogão eficiente
56 | AGENDA GLOBAL Action Aid prevê cenário da produção de alimentos e etanol
58 | ENTREVISTA Diretora-superintendente da Fundação Vale do Rio Doce aborda os rumos da sustentabilidade
62 | SOLUÇÕES Grampeador sem grampo | Selo de CO2
64 | MONITOR Salário Mínimo e o poder de compra Visconde de Ouro Preto, 308 - Térreo - Centro – Florianópolis (SC) 88020-040 - Fone/fax: + 55 (48) 3025-3949 www.primeiroplano.org.br - contato@primeiroplano.org.br Os artigos e reportagens assinados não representam, necessariamente, o ponto de vista das organizações parceiras e da revista Primeiro Plano. A divulgação do material publicado é permitida (e incentivada), desde que citada a fonte.
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66 | MEU MUNDO Maitê Proença e os hábitos em prol do planeta
apresentação
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AUTOMOVEIS E RSE Os caminhos em busca da eficiência
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PLANETA CAFÉ Aspectos sociais, trabalhistas e econômicos
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ETANOL
Brasil pode ser líder se fizer sua parte
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ENSAIO FOTOGRÁFICO Cultura Indígena reveladas em detalhes
PROPAGANDA RESPONSÁVEL Movimentos em prol dos valores
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om o aquecimento global é preciso estabelecer uma relação direta entre responsabilidade social e sustentabilidade do planeta. Nesta edição abordamos a produção de automóveis e como as grandes empresas e suas fornecedoras de autopeças realizam suas políticas de responsabilidade social, incluindo questões de como caminhamos para uma política de mobilidade mais sustentável. A nossa percepção é de avanços e limites. Os avanços estão nas relações de trabalho e no desenvolvimento de tecnologias. Um dos limites é estrutural. É preciso ir além da produção de carros mais eficientes, é preciso pensar também nos efeitos que a grande quantidade de carros gera sobre as cidades. Na mesma direção, tratamos também do etanol, seus efeitos positivos e o quanto precisa avançar para diminuir o passivo trabalhista e social. O Brasil pode se tornar líder na produção desse biocombustível, mas na produção de cana-deaçúcar ainda persiste um dos trabalhos mais degradantes. Um dos desafios é garantir emprego decente e, ao mesmo tempo, dar respostas para um enorme contingente de pessoas que perderão o emprego com a implantação da mecanização e novas tecnologias. Num artigo especial é tratada a relação entre a expansão da cana-de-açúcar com a produção dos alimentos. Outro destaque dessa edição é o café, um setor que está vivendo uma realidade após uma grande crise internacional. Hoje somos beneficiados por consumir mais e melhores cafés, no entanto, ainda os pequenos produtores e trabalhadores que plantam e colhem não participam dos ganhos. Como conduzir os negócios de uma empresa de mineração pensando na sustentabilidade é o tema da entrevista especial com a superintendente da Fundação Vale do Rio Doce. Ainda temos as matérias sobre a Celulose Irani que vem comercializando créditos de carbono, sobre os Fundos de Pensão que adotaram critérios socioambientais para orientar seus investimentos e um breve panorama de como a propaganda pode ser mais responsável. Vale apreciar o ensaio fotográfico sobre a cultura indígena e deixar se levar pelas dicas espalhadas por toda a Revista para que cada pessoa possa fazer a sua parte por um planeta sustentável. PrimeiroPLANO . ano 2 . no6 . junho 2007
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por exemplo
O planeta em movimento
Do virtual para o real
2009 CARNE SEM TRABALHO ESCRAVO
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Os dois maiores frigoríficos do Brasil e o maior do Sudeste paraense concordaram em cortar relações comerciais com pecuaristas flagrados com trabalho escravo. A pressão veio do Wal-Mart e do Banco Mundial. Durante os dois anos de existência do Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo, acordo que envolve as empresas no combate a esse crime, nenhum frigorífico figurava entre os mais de 100 signatários. Em maio três frigoríficos decidiram aderir: Bertin, Friboi e Redenção. O acordo reúne empresas que se comprometem a erradicar o trabalho escravo em suas cadeias produtivas.
É a data limite para um documento internacional que suceda o Protocolo de Kyoto no combate às mudanças climáticas. A decisão foi tomada no final de maio por 45 diplomatas asiáticos e europeus reunidos na Alemanha.
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Portal Social permite interatividade com projetos sociais e ambientais
ma ferramenta de comunicação para mobilizar pessoas e empresas para apoiar organizações sociais que atuam em benefício de todos. Este é o grande desafio do Portal Social, uma iniciativa da Fundação Maurício Sirotsky Sobrinho (FMSS) e do Instituto Nestor de Paula (INP), com apoio técnico do clicRBS. Através do site na internet www.portalsocial.org.br os interessados em contribuir com projetos sociais e ambientais podem escolher uma organização ou instituição para fazer doações on-line e ao mesmo tempo manter-se informados sobre os resultados do investimento.
Para o gerente executivo da Fundação, Alceu Terra Nascimento, mais importante do que apenas oferecer recursos as pessoas podem acompanhar os projetos e aproximarem-se de uma rede de organizações que desenvolvem ações relevantes e de impacto. “Muitos projetos precisam de apoio para garantir a sustentabilidade. As doações servem como fonte de custeio para algumas instituições e assim elas podem realizar melhor a atividade fim”, ressalta Alceu. Os projetos são avaliados antes de ir para o ar, e depois de definido o catálogo de iniciativas são realizadas visitas técnicas para checagem final de da-
A SELEÇÃO DE PROJETOS As inscrições de projetos para o Portal Social acontecem durante certos períodos do ano e podem ser feitas apenas por Organizações NãoGovernamentais (ONGs) com atuação no Rio Grande do Sul e Santa Catarina. Os projetos são avaliados e selecionados por comissões regionais e estaduais constituídas para este fim, as quais são integradas por representantes da sociedade civil e do Ministério Público.
COMO CONTRIBUIR O internauta escolhe a instituição/projeto de sua preferência e define o valor da doação (mínimo de R$ 10,00). A ferramenta gera automaticamente um boleto bancário, o qual poderá ser pago pela internet (via código numérico a ser digitado no site da instituição bancária onde o internauta possuir conta corrente) ou diretamente em uma agência bancária, através da impressão do boleto.
GERENCIAMENTO DOS RECURSOS DOADOS Os valores das contribuições realizados via Internet serão depositados em conta bancária específica para este fim. Os internautas/doadores poderão acompanhar na página de cada projeto a evolução da captação de recursos, bem como receber notícias por e-mail, tanto sobre atividades de divulgação do projeto realizadas pela instituição, como também a respeito da efetiva aplicação dos recursos doados. Os recursos das doações são repassados integralmente ao projeto (descontando-se apenas a taxa bancária de emissão de boleto, no valor unitário de R$ 0,85, e a CPMF). Os recursos serão liberados à instituição executora mediante assinatura de um Termo de Cooperação, no qual a mesma se compromete a aplicá-los estritamente na execução do projeto.
dos e posterior assinatura de convênio com a Fundação Maurício Sirotsky Sobrinho (FMSS). Este documento registra os compromissos das partes no que diz respeito à aplicação dos recursos que venham a ser doados pelos internautas. As iniciativas selecionadas ganham uma página no site, onde permanece pelo período de até dois anos (um ano para captação dos recursos solicitados no orçamento e um ano para execução do projeto). Neste espaço são apresentadas informações sobre a organização promotora, a ação proposta, o valor a ser captado, o número de pessoas que serão benefici-
adas diretamente pelo projeto, além de fotos que retratem o trabalho realizado pela instituição. “Acompanhamos o desenvolvimento e a prestação de contas de cada projeto, disponibilizando estas informações no Portal Social e diretamente aos doadores que manifestarem interesse em recebê-las por email”, diz Alceu. O site é dinâmico e está sempre avançando para criar novos ambientes interativos. “Estamos criando mais áreas de informação e estamos planejando abrir novas possibilidades de participação das pessoas, como doação de equipamentos e par-
ticipação dos projetos como voluntários”, adianta o gerente da Fundação. Até metade deste ano foram beneficiados 167 projetos e a meta para a nova seleção, iniciada em maio, é alcançar 180 projetos. Foram R$ 244 mil em doações, sendo que 120 projetos receberam apoio e 10 deles atingiram cem por cento das suas necessidades. Caso a instituição não tenha conseguido captar 100% da meta, pode apresentar um novo plano de investimentos para aplicação dos recursos captados, preferencialmente mantendo o mesmo foco da proposta inicial. PrimeiroPLANO . ano 2 . no6 . junho 2007
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POR EXEMPLO Inclusão digital e técnica
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A comunidade paraibana está localizada entre o mar e o mangue, e pouco a pouco os seus valores vão sendo descobertos, incentivados e divulgados como forma de elevar a auto estima dos moradores e registrar a sua história. Os jovens talentos estão sendo assistidos e apoiados pelo Projeto Comunidade de Boas Práticas, através da inclusão digital, da capacitação técnica, da arte e do incentivo à leitura. A idéia é gerar oportunidades de qualificação profissional, de protagonismo e empreendedorismo juvenil e alguns resultados já são observados pelas famílias e moradores. A qualidade de vida dos jovens e as perspectivas de um futuro melhor passou a ser uma realidade. O projeto é resultado de uma parceria entre o Tecop – Terminal de Combustível da Paraíba e o Instituto Soma
FRANK MAIA
Brasil e foi elaborado de forma compartilhada com lideranças comunitárias do Recanto do Poço da cidade de Cabedelo, na Paraíba. O público-alvo do Projeto Comunidade de Boas Práticas são os jovens de 15 a 24 anos residentes na comunidade, e tem como objetivo criar um espaço de convivência social e cidadã e atuar como alternativa de crescimento pessoal e profissional. Este ano o Projeto iniciou outras ações e atividades para incentivar a competência empreendedora entre os jovens, o associativismo e o estabelecimento de micros negócios com a aplicação de pesquisas, testes e capacitações dirigidas. Além disso, estratégias especiais serão adotadas para prospectar parcerias que possibilitem identificar e criar oportunidades de ocupação e renda para os jovens.
Al Gore e Greenpeace O premiado documentário “Uma Verdade Inconveniente” (An Inconvenient Truth) chegou às lojas em DVD no mês de maio com embalagem em papel reciclado e uma novidade mundial, a inclusão de disco extra com o documentário produzido pelo Greenpeace: “Mudanças do Clima, Mudanças de Vida”. Este documentário, totalmente gravado em solo nacional, revela como o aquecimento global provoca vítimas, doenças e prejuízos econômicos em todo o Brasil. Vencedor do Oscar de melhor documentário e melhor canção “Uma Verdade Inconveniente” é apresentado pelo ex-vice-presidente dos Estados Unidos, Al Gore. No Brasil, além do Greenpeace, outra ONG que apóia o lançamento do DVD é a SOS Mata Atlântica, concedendo palestras e apoio promocional junto aos principais clientes. A SOS foi criada em 1986 e tem como missão defender os remanescentes da Mata Atlântica, conservando e buscando seu desenvolvimento sustentado.)
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DIVULGAÇÃO V OLKSWAGEM
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QUEM TIVER A SORTE DE VISITAR A "FÁBRICA TRANSPARENTE" DA VOLKSWAGEN, NA ALEMANHA, VERÁ O QUE AS EMPRESAS SÃO CAPAZES. MAS INEVITAVELMENTE A SOCIEDADE E O SETOR AUTOMOBILÍSTICO TERÃO QUE SE PERGUNTAR: O AUMENTO DE EFICIÊNCIA VAI SER SUFICIENTE PARA QUE A MOBILIDADE, ALÉM DE RESPONSÁVEL, TAMBÉM SEJA SUSTENTÁVEL?
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NO DESA
VOS FIOS Vanessa Pedro e Pieter Sijbrandij
Para a maioria dos consumidores, os conhecimentos sobre o setor automotivo se concentram na potência do motor, no kit de acessórios, no valor do juro cobrado para um financiamento longo e no prazo de entrega. Mas e aqueles consumidores que também se interessam em saber se seus automóveis são fabricados de maneira socialmente e ambientalmente responsável? Para eles é possível perceber o investimento no setor? A indústria automobilística está estruturada para fabricar carros que produzam menos poluição, respeitem os direitos trabalhistas, ofereçam oportunidades iguais e aumentem a oferta de empregos? A indústria de automóveis passa por desafios, avanços e contradições neste setor. Imagine uma fábrica onde todo processo de produção pode ser acompanhado através de paredes transparentes. O chão não tem graxa, os trabalhadores usam uniformes impecáveis, a tecnologia auxilia o trabalho dos mecânicos e a unidade é administrada em co-gestão com os trabalhadores. Assim é a “Fábrica Transparente” da Volkswagen, em Dresden, na Alemanha. Ela foi criada para ser um modelo de organização, relação com os empregados, administração e produção. Mas nesta fábrica cristalina é montado apenas o modelo mais luxuoso, e o tamanho o torna mais poluente do que outros modelos menores da empresa. Sua fabricação depende do fornecimento equipamentos e sistemas inteiros, produzidos por fábricas de autopeças que não possuem o mesmo padrão de produção. E está localizada apenas na Alemanha, com bons salários e boas relações de trabalho, deixando para outras plantas em países como China e o Brasil uma situação distinta. Hoje a produção de um automóvel, para ser socialmente responsável e sustentável, depende da ação de atores diversos e de iniciativas que vão além da organização da unidade de produção na montadora.
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NOVOS DESAFIOS NOVOSDESAFIOS
Outra questão importante é a sustentabilidade do modelo de transporte que prioriza o automóvel, sem que sejam desenvolvidos robustos e eficientes sistemas de transportes públicos e coletivos. Com o novo impulso na indústria de automóveis, previsto por montadoras, autopeças e representantes dos trabalhadores do setor, mesmo que a indústria cada vez mais desenvolva mecanismos sustentáveis de produção, a tendência é o agravamento de uma situação que já preocupa as cidades: o aumento da frota de automóveis. A malha viária deficiente não suporta a frota existente e a margem para ampliação não é infinita. Diante desse cenário, as grandes e médias cidades precisam discutir políticas públicas para resolver o problema dos engarrafamentos e das condições de transporte da população. Muitas administrações estão divididas entre melhorar as condições da malha viária, para suportar um sistema que o Brasil escolheu há décadas quando começou a incentivar o desenvolvimento da indústria de automóveis, ou investir em transportes alternativos e coletivos. Para tentar responder a estas e outras questões e saber o quanto a indústria automotiva é sustentável ou se esforça em ser, a Revista Primeiro Plano enviou questões, divididas em alguns temas relacionados à Responsabilidade Social, para vários representantes do setor. Todas as grandes montadoras e alguns dos principais fornecedores foram procurados pela reportagem. Todos os que responderam às questões propostas estão citados na matéria. Também fomos em busca de documentos, histórias e análises que demonstrem a atuação social e ambiental das empresas. As questões serviram para buscar atitudes e projetos que considerassem a Responsabilidade Social como uma ação
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transversal no processo de produção da empresa, em áreas como segurança, tecnologia, reciclagem de materiais, aquecimento global, condições de trabalho na cadeia produtiva, emprego e acesso dos consumidores à informação. Os temas têm ou terão um impacto significativo para as empresas montadoras porque afetam o negócio e são preocupações presentes da sociedade. Também são temas sobre as quais as montadoras e autopeças têm um razoável grau de controle e ingerência.
“As grandes e médias cidades precisam discutir políticas públicas para resolver o problema dos engarrafamentos e das condições de transporte da população.” Todas as empresas que responderam às questões têm atuação em alguma ou em todas as áreas mencionadas. Entretanto, quando questionadas sobre Responsabilidade Social, as empresas na maior parte das vezes encaminharam informações prioritariamente sobre projetos sociais desenvolvidos com a comunidade.
Sobre os investimentos em pesquisa e desenvolvimento de tecnologia no Brasil, a principal preocupação é em relação à transferência de conhecimento. Muitas soluções também atingem diretamente a relação com o meio ambiente, como a quantidade de gás carbônico emitido para a atmosfera. A montadora Fiat, que em 2005 produziu no Brasil 503.105 veículos (entre os quais 423.663 automóveis), investiu no Pólo de Desenvolvimento Giovanni Agnelli, inaugurado em 2003. Isso garantiu à empresa realizar todas as etapas do desenvolvimento de um automóvel na fábrica de Betim (MG). Sua construção e equipamentos absorveram investimentos de R$ 400 milhões. O pólo é composto por seis áreas de engenharia e capacita a Fiat a deter toda a tecnologia de projetar um automóvel, do design até a construção dos protótipos. “Esta capacitação representa um ganho competitivo para a Fiat e será utilizada também pela rede de fornecedores para a realização de testes em seus componentes, além de aumentar as sinergias com a matriz, na Itália”, afirma o diretor de Engenharia, Appio Aguiari. “É o único centro de desenvolvimento da Fiat fora da Itália”, completa. Em seu site brasileiro, a Volkswa-
FROTA DE VEÍCULOS No país, segundo a Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), a frota é de aproximadamente 23 milhões de unidades. São valores próximos da China e da Espanha, mas bem distantes dos Estados Unidos, que possuem uma frota de 230 milhões de veículos. A relação veículos por habitante no Brasil é de 8,4, enquanto na Espanha, Japão e Alemanha é de 1,7 habitante por veículo.
Evolução na estrada A indústria automobilística modificou radicalmente a sua estrutura no país nas últimas décadas, buscando aumento de produção e redução de custos. Dos anos 90 para cá, horizontalizou a produção. Deixou de ser um setor onde os fabricantes produziam todo o conjunto do carro para dividir a cadeia produtiva com o setor de autopeças. Hoje as grandes fabricantes são montadoras, que recebem dos fornecedores de autopeças os componentes do carro. Centenas de pequenas e grandes fábricas de componentes são responsáveis pela constituição de um automóvel. Há empresas, chamadas sistemistas, que fornecem partes inteiras como motores ou outros componentes fechados dos carros, enquanto outras fornecem peças específicas. “A partir de 1996, todas as plantas passaram a ser horizontais”, afirma o diretor de Relações Internacionais da Confederação Nacional dos Metalúrgicos (CNM), Valter Sanches. “O exemplo extremo é a fábrica de caminhões e ônibus da Volkswagen em Resende (RJ): tem 3 mil trabalhado-
gen aponta seus centros de pesquisa como destaques no desenvolvimento de tecnologias no país. “A razão de todo avanço tecnológico está, principalmente, na eficiência dos laboratórios incumbidos de garantir a qualidade dos produtos”. Segundo informações oficiais da empresa, na Volks já foram investidos mais de R$ 3 milhões em laboratórios que fazem análise de materiais e testes de odores em peças metálicas, elétricas e químicas adquiridas de fornecedores. Só na fábrica Anchieta seriam realizados 400 testes por mês em mais de 2,5 mil peças de metal, plástico, borracha e tecido, além de combustíveis e lubrificantes. O motor flex, que trabalha com qualquer proporção de mistura de álcool e gasolina, é uma tecnologia desenvolvida no Brasil. Ela está disponível para comercialização em larga escala e é atualmente exportada para países que estão adotando uso do álcool combustível. Diferentes empresas fornecedoras de peças e sistemas se intitulam pioneiras neste desenvol-
res, mas 700 são diretos e 2.300 são empregados de outras empresas que fornecem para a montadora”. Só na fabricação de automóveis, as montadoras chegaram a manter 133 mil empregados nos anos 1980. De lá pra cá os números do emprego direto foram sendo reduzidos até que se mantivessem em torno dos 100 mil. Mas esta mudança não significou necessariamente desemprego, embora tenha resultado em redução de salários. “Os empregos migraram para outros setores como as autopeças”, diz Sanches. “Para as montadoras, era uma opção para lidar melhor com as oscilações do mercado de consumo de carros e para reduzir custos”. O crescimento do emprego nos últimos anos é sustentado em boa parte pela exportação. Com a tendência de as montadoras comprarem sistemas dos seus fornecedores e a constante pressão pela redução de custos, as condições de trabalho no setor de autopeças precisam de constante monitoramento.
vimento. Ao fim, diversas companhias produzem partes diferentes do que se tornou o carro flex. A empresa Robert Bosch venceu o Prêmio Finep de Inovação Tecnológica, na categoria produto, pelo desenvolvimento da tecnologia Flex Fuel. A Magneti Marelli, que começou suas atividades no Brasil em 1978 fabricando carburadores, também participou desde o início do lançamento dessa tecnologia.
“O orgulho nacional com respeito ao carro Flex mostra o que Brasil é capaz em desenvolvimento de tecnologia e transferência de conhecimento.” O setor de transportes como emissor de dióxido de carbono é o que mais cresce em termos mundiais, embora o setor energético seja o que mais emite. A União Européia já anunciou
medidas obrigatórias para a indústria automobilística, colocando metas a fim de tornarem os motores mais eficientes. O aquecimento global é outro tema específico de RSE. O orgulho nacional com respeito ao carro Flex mostra o que Brasil é capaz em desenvolvimento de tecnologia e transferência de conhecimento. Manter e ampliar os centros de pesquisa é essencial para o desenvolvimento do setor. Esses centros beneficiam toda uma cadeia de fornecedores que geram empregos, pagam impostos e produzem serviços e produtos que melhoram a qualidade de vida. Investimentos em novas tecnologias prometem maior segurança. Ao mesmo tempo existe uma tendência de desenvolver modelos de baixo custo. Se não é uma atitude responsável andar sem cinto de segurança, por que pode ser sem ABS ou airbag? Além do dilema da segurança mínima oferecida, o setor automobilístico poderia se engajar mais em campanhas para mudar a atitude pouco responsável do motorista brasileiro. Um PrimeiroPLANO . ano 2 . no6 . junho 2007
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NOVOS DESAFIOS NOVOSDESAFIOS
estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) com o Denatran, divulgado em dezembro de 2006, indica que o preço dos acidentes de trânsito no Brasil entre julho de 2004 e junho de 2005 superou os 22 bilhões de reais, ou 1,2% do PIB nacional. O número de mortes no trânsito registrado o ano passado superou os 35 mil. Alguns cientistas calculam um total de até 80 mil mortos por ano. Os equipamentos como cintos de segurança e airbag para reduzir o impacto nos acidentes, pneus mais aderentes e freios ABS devem ser associados a uma mudança na atitude dos motoristas brasileiros. Há muitos exemplos de empresas que investem para aumentar a segu-
Denatran. Exemplares serão doados aos Denatran para programas do órgão e também para outras entidades.
“O setor automobilístico poderia se engajar mais em campanhas para mudar a atitude pouco responsável do motorista brasileiro.” A Marcopolo, fabricante de ônibus, informa que foi a primeira empresa no Brasil a introduzir o cinto de segurança nas poltronas de passageiros, a poltrona com encosto alto e
dial Pressão Certa, um projeto para alertar sobre a pressão que os pneus dos automóveis devem conter para melhorar o desempenho, garantir segurança e durabilidade. Logística reversa ou a capacidade de reduzir o uso de materiais e maximizar o reaproveitamento pela empresa após o consumo também é uma das questões importantes sobre Responsabilidade Social e Ambiental. As empresas do setor investem valores significativos na redução de insumos e reutilização de resíduos nos processos de produção. A “produção enxuta”, conceito vitorioso que trabalha com estoques mínimos e uma rigorosa análise de aproveitamento dos insumos, liderada pela Toyota, trouxe
DADOS GERAIS - 24 empresas produzem automóveis, veículos comerciais leves, caminhões, ônibus, máquinas agrícolas automotrizes, motores e componentes, com 45 unidades distribuídas pelo país, das quais 22 foram inauguradas entre 1996 e 2002.
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- A região que mais concentra empresas do setor é a Sudeste, com 28 unidades, seguida do Sul, com 14. - Cerca de 90 mil empregados trabalham para as fabricantes de autoveículos (dados de 2004). - Considerando apenas as fábricas de automóveis, são 25 espalhadas pelo Brasil e a Região Sudeste concentra o maior número delas. Fonte: Anuário da Indústria Automobilística Brasileira, produzido pela Anfavea em 2006.
rança. A Peugeot Citroën garante a realização de rigorosos testes de segurança em suas fábricas no Brasil e em outros países. Entre os itens oferecidos no Brasil pela montadora, a empresa destaca os freios com ABS, sistema de auxílio a frenagem AFU e direção elétrica. Também destaca a atuação da companhia com educação, apresentando em fase final de impressão a cartilha “Segurança no Transporte Veicular de Crianças”, desenvolvida em parceria com a Associação Brasileira de Medicina de Trânsito (Abramet) com aprovação do
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pára-brisa laminado. Segurança e tecnologia também caminham juntas no caso dos fabricantes de pneus. A Bridgestone-Firestone, maior fabricante mundial desde que adquiriu a Firestone em 1988, produziu os pneus para o primeiro automóvel produzido em série no mundo, o Ford-T. A empresa investe em tecnologias como a “uniT”, para dar maior desempenho nos fatores que aferem a qualidade do pneu, como dirigibilidade em pista seca e molhada, durabilidade, conforto, ruído e tração. Já a Michelin desenvolve no Brasil o programa mun-
não apenas redução de custos, como também resultou em benefícios ambientais. Uma questão é até que ponto as montadoras assumem responsabilidade pela coleta e reciclagem de material após o consumo, como no caso das baterias, óleo e pneus. Essa gestão de “ciclo de vida” cresce em importância, considerando os volumes envolvidos. No mundo, 70% das 5,5 milhões de toneladas de chumbo utilizadas na fabricação de baterias são para a indústria automotiva. No Brasil são recicladas até 80% das baterias. Segun-
MONTADORAS 2006 – 2,5 milhões de veículos produzidos
2007 – a previsão é ultrapassar os 3 milhões Faturamento
anos 80 – US$ 2 bilhões ao ano do dados de 2005 do Compromisso Empresarial para Reciclagem (CEMPRE), países desenvolvidos chegam próximos aos 95%. O Brasil produziu, em 2005, 53,4 milhões de unidades de pneus. Desse total, 58% das 220 mil toneladas de pneus foram destinadas à reciclagem. Nos EUA, o percentual gira em torno de 73%, ou 685 mil toneladas das 940 mil carcaças jogadas fora por ano. O Brasil consome anualmente cerca de um bilhão de litros de óleo lubrificante e gera 350 milhões de litros de óleo usado. O uso automotivo representa 60% do consumo nacional. Dados de 2005 revelam que a coleta foi de 268 milhões de litros. Embora o óleo lubrificante represente uma porcentagem ínfima do lixo, o seu impacto ambiental é muito grande. Apenas um litro de óleo é capaz de esgotar o oxigênio de um milhão de litros de água, formando, em poucos dias, uma fina camada sobre uma superfície de mil metros quadrados, o que bloqueia a passagem de ar e luz, impedindo a respiração e a fotossíntese. As Baterias Moura investem em reciclagem da sucata da bateria e apro-
veitamento de todo o chumbo, o plástico e a água utilizados na fabricação dos acumuladores. A empresa afirma que também desenvolve campanhas de incentivo à devolução da sucata em toda a sua rede de distribuição. A sueca Visteon, que produz diversos sistemas internos como painéis, sistemas eletrônicos de climatização, áudio, aquecimento e rolamentos, investiu neste setor associada às montadoras, como no caso da Fiat. A empresa promoveu a troca das chamadas gaiolas, que fazem parte do sistema de rolamentos e sempre foram de aço, para materiais plásticos, menos poluentes na fabricação e mais aptos à reciclagem. A Ford, em seu site, destaca o tratamento e a reutilização da água no processo de pintura dos veículos, realizados em todas as suas unidades no Brasil (Taubaté, São Bernardo do Campo, Complexo Industrial Ford Nordeste e Campo de Provas de Tatuí). O aumento da eficiência com redução dos insumos e o incremento da reciclagem das sobras nos processos de produção são importantes. Porém, mais pode ser feito, sobretudo pelas detentoras das marcas gran-
Faturamento em
2005
– US$ 29 bilhões
INDÚSTRIA DE AUTO_PEÇAS FATURAMENTO NA
DÉCADA DE 80 - US$ 5 BILHÕES POR ANO
EM 2005 - US$ 25 BILHÕES
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NOVOS DESAFIOS NOVOSDESAFIOS D IVULGAÇÃO R ENAULT
poluentes, reciclando materiais em todos os estágios do ciclo de vida do produto.
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des, em trabalhar a reciclagem pósconsumo. Em empresas como a ArvimMeritor, que produz amortecedores, eixos, freios, sistemas de escapamento, silenciosos e outras peças, destaca-se o programa de pós-consumo que prevê coleta seletiva permanente. Os materiais coletados são enviados para uma empresa que os recicla por completo. Segundo dados da empresa, em 2006 foram recicladas cerca de
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300 toneladas entre plástico, vidro, papel e madeira. De cavaco de aço foram 6.500 toneladas enviadas para refusão e reaproveitamento. A francesa Renault investe em reciclagem dos resíduos que produz e na substituição de materiais. Segundo a empresa, das 30 mil toneladas anuais de resíduos industriais gerados pelas três fábricas, 95% são recicladas. A GM afirma que tem o compromisso com a redução de desperdício e de
MECANIZAÇÃO Os dados da Anfavea mostram que a produtividade da mão-de- obra aumentou, em 40 anos, de 3 até 21 carros por empregado em 2005. O custo da mão-de-obra é um dos fatores que pesa para a decisão de uma montadora se instalar ou renovar fábricas num país. E as diferenças são grandes entre os países. Segundo cálculos da Federação Internacional dos Trabalhadores das Indústrias Metalúrgicas (FITIM), o custo de carro novo de classe média equivale a 75 dias de trabalho do metalúrgico alemão, 93 do norte-americano, 149 do espanhol, 324 dias do trabalhador brasileiro, 517 do turco, 870 do sulafricano, 1.298 do hindu e 3.070 dias do indonésio. Ou seja, o metalúrgico indonésio precisa trabalhar quarenta vezes mais tempo que o alemão e quase dez vezes mais que o brasileiro para comprar o carro que fabrica. Nas questões sobre condições de trabalho e empregos, em geral as empresas que responderam à entrevista falam em investimentos na produção e aumento de contratações, visando mais o mercado interno ou o Mercosul do que fora do continente. A Cum-
D IVULGAÇÃO B OSCH
mins, fabricante norte-americana de motores diesel para Ford, Volkswagen e Agrale, confirma a tendência de os países asiáticos atraírem mais investimentos e de o Brasil reduzir a capacidade de exportar em função do dólar baixo, mas acredita na demanda do mercado interno. “Temos um mercado interno de fazer inveja à maior parte dos países e muitas matrizes entendem que só por esta razão já é super importante manter investimentos e modernizar as operações por aqui”, diz Luis Pasquotto, diretor técnico comercial da Cummins Latin America. “Na Cummins, por exemplo, estamos convictos do maior crescimento do país nos anos vindouros e projetamos volumes crescentes em nossa fábrica de motores”. A Renault destaca entre as suas ações o Programa de Contratação de Pessoas com Deficiência. Em 2006 a empresa lançou seu primeiro Balanço Social. A Peugeot Citroën afirma ter como política não anunciar com antecedência os planos de contratação de pessoal, mas diz que quer ampliar sua participação de mercado no Brasil e no Mercosul, o que, segundo a companhia, pode resultar no aumento de efetivos. “A estratégia da empresa é estar presente industrialmente nas principais regiões onde está presente comercialmente, com as fábricas locais apoiando o desenvolvimento comercial em sua região específica”, afirma a direção. “Assim, temos fábricas na Europa, no Mercosul e na China, sem que
Emissões de Carbono
A principal luta dos anos 80 e 90 no Brasil foi contra a emissão de poluentes, liderada com êxito pelo Programa Proconve do Ministério de Meio Ambiente. Em 20 anos de Proconve a redução de emissão de poluentes foi de 98% de monóxido de carbono (CO), de 95% de hidrocarbonetos (HC), de 94% de monóxidos de nitrogênio (NOx) e de 92% de aldeídos nos veículos automotores. Isso evitou quase 15 mil mortes na Região Metropolitana de São Paulo provocadas por doenças cardiovasculares e pulmonares e representa uma economia de US$ 1,322 bilhão em internações e procedimentos. Para o diretor do programa, Paulo Macedo, os resultados mais expressivos alcançados pelo Proconve nestes 20 anos são: a modernização do parque industrial automotivo brasileiro; a adoção, atualização e desenvolvimento de novas tecnologias; a melhoria da qualidade dos combustíveis automotivos; a formação de mão-de-obra técnica especializada; o aporte no Brasil de novos investimentos, de novas indústrias, de laboratórios de emissão; e o maior de todos os efeitos, que é a redução da emissão de poluentes. A frente está mudando hoje para o aquecimento global e a luta na redução da emissão de CO2. Assumir essa responsabilidade publicamente é o mínimo que as montadoras podem fazer. Não adianta apenas falar para os europeus críticos, já que lá existem normas de redução drástica. Os brasileiros desejam e merecem um mundo melhor, e têm o direito de saber para poder escolher. “Esta preocupação é recente e, assim como nós, somente agora os países que têm programas como o Proconve estão trabalhando nesta limitação”, diz Macedo. Ainda assim, a Resolução 342 da CONAMA solicita desde 2003 aos produtores de motos e veículos que forneçam os dados para estudos referentes ao aquecimento global. Como consumidor, a redação de Primeiro Plano entrou em contato com as principais montadoras do Brasil, procurando informações sobre a emissão de CO2 dos modelos mais vendidos no país. O objetivo era produzir um “ranking” e contribuir desta maneira para a conscientização do consumidor brasileiro. A nossa surpresa foi grande. Apenas a Volkswagen respondeu com dados: “Os motores VW, independente do combustível utilizado, emitem em média 160 g/km de CO2, estando em conformidade com as normas do PROCONVE vigentes no Brasil”. As demais não informaram e remeteram ao próprio manual, site ou sugeriram fazer uma pesquisa.
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NOVOS DESAFIOS NOVOSDESAFIOS
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O que podemos fazer para deter o Aquecimento Global?
Com atitudes cotidianas podemos preservar o meio ambiente. Há ações individuais possíveis de ser realizadas em relação ao consumo de água, ao uso de energia, à produção de lixo, à reciclagem de materiais e também ao transporte. Algumas dicas:
• Diminua o uso do veículo particular. Faça-o de forma eficiente. • Não viaje só. Organize traslados em grupos ou em transporte coletivo. • Calibre satisfatoriamente os pneus. Você economizará combustível e o motor não o queimará desnecessariamente. • Revise a emissão de gases do seu veículo. • Não acelere quando o veículo não estiver em movimento. • Reduza o uso do ar-condicionado, pois ele reduz a potência do motor e eleva o consumo de combustível. • Diminua a velocidade. Nunca ultrapasse a velocidade permitida. Acima dessa velocidade há um excessivo consumo de combustível. • Nunca sobrecarregue o veículo. Mais peso, maior consumo de combustível. • Comece a utilizar a bicicleta na medida do possível.
DIVULGAÇÃO BOSH
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isso tenha como reflexo o deslocamento para lugares com custo de produção mais baixo”. A Peugeot Citroën destaca também, sobre condições de trabalho, o Acordo Mundial sobre Responsabilidade Social, firmado em 2006 com a Federação Internacional de Organizações de Metalúrgicos (FIOM) e a Federação Européia de Metalúrgicos (FEM), que representam 85 organizações sindicais. Segundo a companhia, está sendo implementado em todas as filiais. No Brasil, o acordo foi ratificado em setembro de 2006. Prevê o compromisso de adotar as melhores práticas em matéria de recursos humanos e difundir em todo o mundo a política de igualdade de oportunidades. O acordo também estende as exigências aos fornecedores. Para a representação dos trabalhadores no setor, a negociação internacional é o grande desafio. A assinatura de Acordos Marcos Globais é uma saída viável e eficiente. São negociações feitas por empresa, nas quais elas se comprometem expressamente a cumprir as convenções da OIT (Organização Internacional do Trabalho), a cobrar a mesma atitude dos fornecedores e, principalmente, dá condições de monitoramento por parte dos sindicatos. Segundo Valter Sanches, da CNM (Confederação Nacional dos Metalúrgicos), várias empresas já possuem acordos, principalmente as européias. A dificuldade ainda está nas asiáticas, que hoje dominam o mercado mundial, e nas norte-americanas. A última questão é sobre as iniciativas para informar os consumidores sobre o desempenho sócio-ambiental das empresas. O grau de disponibilização dessas informações pode ajudar a medir o quanto as empresas prestam contas à sociedade das suas iniciativas. Também é uma forma de acompanhar o desenvolvimento das companhias nas áreas já citadas. Ainda há muito o que avançar.
Todos direcionaram suas respostas para a área de projetos sociais e é isso que ganha destaque nos websites das empresas. Isto revela que o tema Responsabilidade Social não está no processo de gestão. Quando procuramos os dados em nível internacional, encontramos bastante informação sobre política, programas e resultados ambientais e sociais. Algumas montadoras usam as diretrizes GRI (Global Reporting Initiative), mostram a evolução dos indicadores e publi-
cam textos adicionais sobre temas que consideram cruciais para o futuro da empresa, do setor e da sociedade em relação ao aquecimento global, mobilidade, segurança, entre outros. O Roberts Environmental Center do Claremont McKenna College, nos Estados Unidos, faz um detalhado acompanhamento e avaliação da informação sócio-ambiental publicada pelo setor automotivo. Os dados, de 2006, mostram que as montadoras divulgam mais e melhor que os seus fornecedores. Este estudo também permite comparar o que é pronunciado como política da empresa, ou seja, quais as suas intenções divulgadas, com os dados divulgados sobre o deu desempenho. As diferenças são marcantes. Na escala de 0-100, a qualidade de pronunciamento das intenções ambientais do conjunto das empresas do
DESAFIOS DAS MONTADORAS • Engajar-se em programas de atitude responsável dos seus clientes no trânsito. setor ganhou um score de 69. Na hora de medir a performance divulgada, cai para 8 pontos. Um padrão similar ocorre nos aspectos sociais. As intenções chegam a um score de 52, mas na performance a média cai para 13. O setor automotivo ainda necessita de grande desenvolvimento em iniciativas sociais e ambientais, prin-
ARAM AMSTRONG
Carro elétrico
cipalmente face ao desafio de reduzir a emissão de poluentes que provocam o aquecimento global e às alterações no modo de produção que leva investimentos para onde a mão-deobra tem menor custo. Ainda há muito a avançar para que se possa aliar sustentabilidade com um eficiente modelo de transporte.
Uma das saídas para reduzir a emissão de gases nocivos ao meio ambiente e tornar a fabricação de automóveis mais sustentável é o carro movido a energia elétrica. Ainda não é um produto disponível em larga escala no mercado, mas pesquisas e iniciativas de produção já são realizadas com sucesso. Um dos projetos que a General Motors apresentou na mostra automotiva de Detroit este ano foi o GM/Volt. Um veículo híbrido que permite andar apenas com energia elétrica, em curtas distâncias, ou consumindo um mínimo de combustível fóssil, por meio de um motor utilizado apenas para manter a carga da bateria elétrica. No Brasil, o Instituto Nacional de Eficiência Energética (INEE) e a Associação Brasileira do Veículo Elétrico (ABVE) vão realizar em outubro, no Rio de Janeiro, a quinta edição do Seminário e Exposição de Veículos Elétricos. Na França, a empresa Cleanova desenvolveu um sistema que possibilita converter qualquer veículo a combustão em um veículo elétrico, permitindo a circulação de 100 Km pelo valor de um euro. As principais vantagens dos veículos elétricos são ambientais. Além da redução na emissão de gás carbônico, não utilizam óleo nem água, parados não consomem energia e são silenciosos.
• Garantir boas condições sócio-ambientais nos seus fornecedores, valorizando certificações como ISO14001, OHSAS 18001 e SA8000. • Divulgar mais, melhor e em português, utilizando formatos reconhecidos, como a GRI (Global Reporting Initiative). • Aproveitar do conhecimento e criatividade dos brasileiros ampliando centros de pesquisa e desenvolvimento de novos produtos. • Engajar clientes, concessionárias e fornecedores na gestão do ciclo dos materiais pósconsumo. • Desenvolver relações de trabalho com representantes nacionais e internacionais que visem a produção socialmente responsável e ambientalmente sustentável. • Reduzir a emissão de gases poluentes e CO2 além dos níveis obrigatórios. PrimeiroPLANO . ano 2 . no6 . junho 2007
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DIVULGAÇÃO ETHOS
Apoio à pequena empresa
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PAULO ITACARAMBI Diretor executivo do Instituto Ethos
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A função social da empresa vem passando por uma mudança contínua, profunda e cada vez mais evidente. Trata-se de uma mudança da maneira de fazer negócios que, sem perder de foco o lucro ao acionista, busca incluir as demandas dos diversos públicos com os quais se relaciona, compartilhando com os mesmos os resultados obtidos. Esta é, genericamente, a definição para responsabilidade social empresarial. A qualidade do comportamento da empresa vira atributo de competitividade, assim como as variáveis administrativo-financeiras, preço e a excelência dos produtos e serviços. Já o comportamento pode ser verificado por critérios muito concretos para a sociedade, se bem que ainda intangíveis para boa parte dos analistas de negócios: a transparência da governança e a adesão (e aderência) da empresa aos valores éticos; o nível de cidadania empresarial relacionada ao grau de participação da empresa na solução dos problemas; e o grau de compromisso e efetividade da empresa no equilíbrio entre benefícios privados e públicos de suas atividades, medidos pelo grau de estabilidade entre os resultados econômicos, sociais e ambientais de seus negócios. A sociedade, por diversos mecanismos, demanda e propõe mudanças na função social da empresa. Este processo caminha em paralelo com a mudança da função social do Estado e das organizações da sociedade civil. Está se fortalecendo na sociedade a convicção de que a empresa deve ser instrumento de geração de riquezas para o conjunto dos públicos interessados, não apenas para os acionistas. As organizações da sociedade civil têm um relevante papel: além de cooperação e articulação de ações com empresas, também exercem uma função fiscalizadora. A sociedade, dessa forma, cobra responsabilidade da empresa sobre as suas externalidades – os impactos socioambientais negativos de produtos, processos e serviços oferecidos. Nova oportunidade - O movimento da sociedade também impulsiona o desenvolvimento de um novo papel para o Estado, com outras estratégias para atingir objetivos distributivistas próprios da função pública do Estado. A construção de um ambiente mais favorável ao desenvolvimento das atividades produtivas mais amigáveis com os serviços da natureza e com impacto social e econômico melhor redistribuído tanto em termos social quanto regional, função social do Estado, pode ser facilitada pelo estímulo á valorização, por parte do mercado, do comportamento empresarial socialmente responsável. É, portanto, estratégico, legítimo e fundamental que o Estado utilize o poder de compra para beneficiar as pequenas e microempresas, geradoras de empregos, de renda e de desenvolvimento local e regional. Por isso, a Lei Geral da PMEs é um instrumento estratégico e fundamental para a construção de um país com oportunidades para todos. Mantendo-se os princípios básicos que regem o Direito Administrativo, é perfeitamente legal e imprescindível que os órgãos dos diversos níveis de governo façam uso de seu poder de discricionaridade – conferido pela sociedade – para desenvolver estratégias de interesse público. Investir de modo diferenciado em PMEs é tão legítimo quanto selecionar alguns setores da economia ou regiões do país para receber incentivos, políticas específicas, isenções fiscais, e outras estratégias de desenvolvimento econômico e social. Acredito que as empresas comprometidas em construir um comportamento socialmente responsável no mercado apóiam uma política pública de investimento diferenciado em PMEs, uma vez que tal fato contribui para a construção de fundações sólidas em uma sociedade inclusiva e sustentável.
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MUNDO DO TRABALHO
Qualidade na vida
Condições sociais na produção de cana
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QUANTOS SÃO
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reais por mês é o que recebe, em média, o trabalhador que colhe 10 toneladas de cana por dia. Hoje o piso varia de R$ 380 a R$ 470,00 conforme o acordo coletivo. Fonte: Dieese
Conforme estudo do Dieese, dos 4,9 milhões trabalhadores, aproximadamente dois milhões teriam postos fixos com contratos de trabalho por tempo indeterminado. Outro contingente de 1,5 milhão seriam contratados por safra com duração de 4 a 8 meses e, por fim, mais 1,5 milhão seriam de contratos de curta duração, em culturas como tomate, feijão, milho e café. Nesses casos, muitos trabalhadores migram ao longo do ano por três a quatro estados do país em busca de oportunidades de trabalho.
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O crescimento do setor provoca movimentos contraditórios: a diminuição do número de empregos na produção da cana, em decorrência especialmente da mecanização, o crescimento do número de trabalhadores com carteira assinada na produção e a geração de mais empregos nas usinas. Para que a produção seja sustentável e socialmente justa, como também para evitar possíveis barreiras na exportação do etanol, o Brasil deve continuar avançando na área trabalhista. De acordo com a Única (União da Indústria Canavieira de São Paulo), o setor em São Paulo tem alto índice de carteira trabalhista assinada, com os direitos assegurados. Mas isso não significa qualidade de vida e de trabalho porque é o mínimo que a Constituição Brasileira exige. Segundo Braz Albertini, presidente da Federação dos Trabalhadores Rurais de São Paulo (Fetaesp), o corte por produção exige muito mais do trabalhador, mas jamais a indústria vai pagar um salário alto que satisfaça a maioria dos trabalhadores. MUDANÇAS - Diversos motivos, como uma maior conscientização do papel social das empresas, mudanças nos governos, fiscalização pelos órgãos públicos, ação dos sindicatos e ongs, presença de empresas estrangeiras e pressão dos consumidores, estão provocando mudanças no modo de conduta de setores empresariais rurais do setor. Há controvérsias quando se fala em remuneração. A Única afirma que a remuneração média do trabalhador no corte manual de cana seria duas vezes maior que o salário míni-
O aumento das vendas do etanol e a melhoria dos preços do açúcar indicam que é o melhor momento para se debater a renda, emprego e condições de trabalho do setor mo nacional, quando supera a meta de 10 toneladas de cana por dia. O professor da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), Francisco Alves, que pesquisa o setor, na década de 80 o piso era de dois salários mínimos e meio e hoje os valores estão na média de R$ 750,00. De acordo com o estudo do Dieese (Desempenho do setor sucroalcooleiro brasileiro e os trabalhadores, fevereiro de 2007), na cultura da cana ocorrem dois fenômenos simultâneos: por um lado, a diminuição do número de empregos no cultivo, em paralelo com o aumento da formalização das contratações. O crescimento do número de trabalhadores com carteira assinada entre 1992 a 2002 pulou de 47% para 60%. Em São Paulo, os representantes empresariais e sindicais concordam que o emprego formal represente 90%. Mas, em termos de renda, houve uma queda de 26% dos com carteira ao longo da década de 90, passando de R$ 411,70 para R$ 310,00. A formalização é uma garantia dos direitos mínimos, entre eles, os previdenciários. Quem não está no mercado de trabalho ou sem vínculo formal fica em si-
cana. O presidente da Fetaesp destaca como avanços a eliminação do corte com sete ruas (que fazia o trabalhador andar mais para empilhar a cana cortada), a conquista de cesta básica, seguro de vida e participação nos resultados. Além de garantir o mínimo de reajuste da inflação do período (7%), há alguns direitos e condições importantes assegurados como: hora extra pelo deslocamento ao local da produção, fixado um piso salarial, modo de aferição para fixar o preço da tonelada cortada, aposentadoria, não discriminação, marmita térmica entregue para alimentação, equipamentos de proteção e segu-
cana caminha a passos rápidos. Há uso intensivo de tecnologias e pesquisa, tratores monitorados por satélite, máquinas de adubação com controle eletrônico e colheitadeiras de precisão. A despeito desses avanços, os direitos sociais não avançam na mesma velocidade e 70% da produção de cana no Brasil ainda é colhida manualmente. Há fortes diferenças entre as regiões produtoras: no Nordeste não deve chegar a 10 %, em Goiás é de 39%, Mato Grosso do Sul é 31%, Mato Grosso é de 80% e, em São Paulo 40%. Em Ribeirão Preto, no interior de São Paulo, a colheita é mecanizada em 50% das propriedades. Como conseqüência, a mecanização aumentou a produtividade e diminuiu no número de empregos, enfraquecendo o poder de negociação dos sindicatos. Para o presidente da Fetaesp, Braz Albertini, a mecanização de corte de cana é irreversível. “Daqui há alguns anos haverá desemprego, por isso estamos fazendo sugestões para o governo e o setor sucroalcooleiro para qualificar esses trabalhadores para outras atividades, entre outras ações”. O secretário executivo do Imaflora (Instituto de Manejo e Certificação Florestal Agrícola), Luis Fernando Guedes Pinto, opina que nas novas regiões o corte deveria ser mecanizado desde o início. “A premissa é que corte de cana é degradante e não é um emprego desejável, então que nas novas áreas o emprego seja local e para outras coisas, como capinas, recuperação ambiental, controle de pragas”, diz, concluindo que assim, evitaria-se a sazonalidade do emprego e migração. O ideal seria uma combinação de responsabilidade de empresas com política pública local e na origem da migração. FAUSTO BERNAL
NATAREN
tuação precária. A existência do direito formal não é garantia que eles existem de fato. Muitas vezes há também o descumprimento da legislação, o que implica na fiscalização e atuação dos sindicatos. Em março deste ano, o Grupo Estadual de Fiscalização Rural da Delegacia Regional do Trabalho em São Paulo (DRT/SP), aplicou 72 multas em oito usinas sucroalcooleiras que possuem propriedades rurais nas regiões de Marília, Assis e Bauru, novas fronteiras de cana de São Paulo. As principais infrações à lei constatadas foram ônibus de transporte de trabalhadores
rurais sem autorização do Departamento de Estradas de Rodagem para realizar a atividade; falta de Equipamentos de Proteção Individual (EPIs); excesso de jornada de trabalho; falta de ferramentas adequadas para a realização das tarefas, entre outras. Neste quadro dramático das condições de trabalho e remuneração dos trabalhadores da cana, há sinais de avanços. A Convenção Coletiva de Trabalho do Setor Canavieiro, assinada entre os Sindicatos Rurais, a Federação da Agricultura do Estado de São Paulo (FAESP), Sindicato da Indústria do Açúcar no Estado de São Paulo (SIAESP) e Sindicato da Indústria da Fabricação do Álcool no Estado de São Paulo (SIFAESP), cuja validade é até abril desse ano. Esta convenção dá cobertura jurídica para 250 mil trabalhadores da
rança, transporte adequado e, seguro de vida ou de acidentes pessoais para seus empregados. Outro assunto relevante para os trabalhadores da cana vem sendo negociado diretamente entre a representação dos empregados assalariados rurais de São Paulo (Feraesp) e os empresários do setor, através da Única. Trata-se do fim da terceirização na contratação de mão-de-obra rural por parte de usinas e a contratação dos trabalhadores migrantes. Neste caso, estabeleceu-se acordos para coibir a atuação de intermediários, o transporte clandestino, o aliciamento ilegal, alojamentos/moradias precárias com medidas de prevenção e proteção da saúde dessa população. MECANIZAÇÃO X EMPREGOS A modernização da produção da
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DIVULGAÇÃO DIEESE
AGENDA PELO DESENVOLVIMENTO
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CLEMENTE GANZ LÚCIO Diretor Técnico do DIEESE
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Sete Centrais Sindicais brasileiras , com apoio do DIEESE, iniciaram um movimento para debater a questão do desenvolvimento com os trabalhadores. Denominada de Jornada pelo Desenvolvimento com Distribuição de Renda e Valorização do Trabalho, a iniciativa reúne propostas para abrir e estabelecer o diálogo com empresários e governos em prol do desenvolvimento sustentável do país. Juntas, as Centrais construíram a Agenda dos Trabalhadores pelo Desenvolvimento, que sistematiza propostas já discutidas em seus congressos, reúne quatro âmbitos problemáticos e traz mais de 150 diretrizes, políticas, projetos e ações. A Agenda busca superar contradições entre crescimento econômico, desenvolvimento social e sustentabilidade ambiental. O primeiro âmbito problemático considera que, no século XX, o Brasil foi conduzido a dois extremos. Até o final dos anos 70, apresentou altas taxas de crescimento econômico, com forte impacto na estrutura produtiva e na urbanização. Na década de 80, sofreu com a inflação, a dívida pública crescente, a queda na taxa de investimento e várias crises. Os resultados são extrema concentração de renda, exclusão social, pobreza e desigualdades regionais, rurais e urbanas. Diretrizes e propostas nesse âmbito visam promover uma sociedade com equilíbrio na distribuição da renda e da riqueza e com vigoroso processo de elevação da qualidade de vida dos pobres. O segundo observa que a estagnação econômica teve impactos diretos sobre a geração e a qualidade dos postos de trabalho, criando elevado desemprego, informalidade e precariedade no mercado de trabalho, e fragilidade do sistema de relações de trabalho. A transformação desejada deve promover crescimento econômico e fortalecimento do mercado interno, com emprego de qualidade conforme o conceito do trabalho decente; proteção social para as diferentes formas de ocupação e fortalecimento do sistema de relações de trabalho, com direito de negociação, de organização, de greve e solução ágil dos conflitos. O terceiro âmbito destaca que estagnação econômica e crise de financiamento do Estado, associadas a medidas e programas de estabilização, reduziram a capacidade de o Estado alavancar o desenvolvimento econômico e social. Desestruturado, o Estado comprometeu sua capacidade de estimular e promover investimentos, desenvolver infra-estrutura e melhorar seus serviços. Diretrizes e propostas apresentadas visam aumentar a capacidade de o Estado mobilizar investimento público e privado, articulando políticas públicas eficientes que favoreçam o emprego, a produção e o bem-estar social com uma estrutura tributária progressiva e simplificada. O último âmbito problemático considera que – apesar do processo de democratização pós Constituição de 1988 - sobrevive, em muitos aspectos, a herança autoritária que forjou o Estado brasileiro. Permanecem a insuficiência e a inadequação dos espaços de poder e participação e a baixa capacidade de organizações da sociedade civil estabelecerem mecanismos ou processos de controle social. As propostas objetivam promover a participação da sociedade nos variados espaços, conferindo pluralidade e equilíbrio na promoção das políticas de desenvolvimento e no acesso aos meios de comunicação. As Centrais Sindicais entendem que o desenvolvimento que almejam só poderá ser alcançado se houver capacidade de articulação e coordenação das escolhas e das decisões políticas e que, para isso, o diálogo social é um bom caminho.
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Estudos recentes indicam que o café faz bem à saúde. Em doses certas, melhora o humor, previne a depressão e doenças cardiovasculares. Também estimula a memória e a concentração. Há controvérsias, mas os estudos quebram um paradigma. O Brasil é o segundo maior consumidor de café no mundo, mesmo assim, pouco lembramos ou sabemos que a produção do café passou recentemente por mais uma crise. Mais do que crise, o café está passando por uma profunda transformação, na produção, no comércio e na qualidade do produto final. Estamos tomando novos e melhores cafés. Entretanto, sabemos pouco do que realmente bebemos e quem ganha com tudo isto. Nossos gostos e preocupações priorizam a qualidade e o preço. Podemos nos orgulhar de que somos o maior produtor mundial de café e a qualidade do produto melhorou. Com mais hábito de consumo, abrem-se novos mercados. A maior e mais famosa cafeteria do mundo, a americana Starbucks, abre pontos no Brasil, enquanto a brasileira Damasco abre na China. A indústria do café vem se transformando. Muitas propriedades, pequenas, médias ou grandes, começam a adotar princípios de produção sustentável com preocupações econômicas, aliadas aos aspectos sociais e ambientais. É uma reação às exigências dos mercados, dos consumidores e uma boa medida face às conseqüências do aquecimento global que afetará a agricultura. PrimeiroPLANO . ano 2 . no6 . junho 2007
B ROCK
B ROCK
AMBOLLINOS
F ELDEN G OLDENBERG
CONSUMO DE QUALIDADE Café está em alta. Nunca o brasileiro bebeu tanto café em quantidade e qualidade. O número de pontos para tomar um café cresce rápido e confirma a tese de que torrar e vender café é um bom negócio. O Brasil é líder mundial na exportação de café em grão verde, com aproximadamente 1/3 do mercado. A Alemanha, que não produz café, é campeã na re-exportação do café torrado: compra muito, processa e reexporta o café torrado, ganhando muito dinheiro. O Brasil, líder na produção mundial, logo pode ultrapassar os EUA em consumo. Para o diretor do Departamento do Café do Ministério da Agricultura, Lucas Tadeu Ferreira, o crescimento da demanda interna, além de proporcionar renda aos produtores, serve também como antídoto para enfrentar os desequilíbrios do mercado global e minimiza os efeitos das flutuações cambiais. O alto consumo interno do café “dá musculatura”. Para o presidente do Conselho Nacional do Café (CNC), Gilson Ximenes, a cafeicultura brasileira tem vivido nos últimos 20 anos com o desequilíbrio econômico na atividade e, atualmente, a valorização do Real frente ao Dólar “é o grande problema dos cafeicultores”.
PLANETA
CAF Odilon Faccio e Pieter Sijbrandij
ALPER Ç UGUN
PAUL GOYETTE
SALLY TAYLOR
FRICH SUMMERS
C OLLEN T AUGHER
CAROL SAWANDA
IMPORTÂNCIA NO MUNDO O café é produzido em mais de 60 países em desenvolvimento e consumido principalmente em países desenvolvidos, onde as vendas anuais no varejo são superiores a US$ 70 bilhões. Estima-se que, em todo o mundo, 25 milhões de pessoas dependam da produção de café para sobreviver e que 100 milhões dependam do setor cafeeiro de modo geral. Brasil, Vietnã e Colômbia juntos são responsáveis por cerca de 60% da produção mundial. Segundo o Centro de Comércio Internacional, 14 países obtêm
mais que 10% das suas divisas com a exportação do café. Em países como Burundi, Etiópia e Uganda, o café exportado traz mais que 50% das divisas e tem um valor estratégico para o desenvolvimento. Para o coordenador da Coalizão do Café da Holanda, Sjoerd Panhuysen, a produção brasileira afeta a vida dos agricultores familiares de outros países como Etiópia e Nicarágua, onde o café é produzido em pequenas propriedades.
Brasil é maior produtor mundial
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- 42 milhões de sacas na safra 2006/2007 (Abic, 2007) - 32 milhões de sacas na safra 2007/2008 (estimativa Conab, 2007)
Segundo maior consumidor mundial - 16,3 milhões de sacas em 2006 (Abic, 2007)
Números - 370 mil propriedades rurais, grande parte delas de agricultura familiar (Pedini, 2005) - 8,4 milhões de empregos, diretos e indiretos - 10 indústrias de café solúvel - 75 cooperativas - 170 exportadores - 1.170 empresas de torrefação e moagem e 2400 marcas do produto Fonte: Abic, 2006
CAFÉ ORGÂNICO DA AGRICULTURA FAMILIAR
Jairo Augusto Raiz, secretário de agricultura do município de Iracema de Oeste no Paraná, coordena a APOMOP – Associação dos Produtores Orgânicos do Médio Oeste do Paraná e acredita que falta mais volume de produção para conseguir mais venda: “O nosso café é de alta qualidade e puro, mas competimos com grandes redes que comercializam o café tradicional com muita mistura. Assim conseguem vender café com menos qualidade e a preços mais baixos que o nosso”, diz. “O nosso café, além de ser orgânico, tem alta qualidade, mas, custa mais caro, temos que vender a
R$ 10,00 o quilo para pagar os custos. Com o nosso volume ainda não é suficiente, temos dificuldades de vender e não podemos estocar por muito tempo. O agricultor familiar precisa vender para sobreviver, é o seu ganha-pão do dia-a-dia”. Outra questão importante, diz ele: como se trata de café especial, eles precisam de boa divulgação e marketing para acessar os consumidores especiais com mais renda. A alternativa do café orgânico introduz a possibilidade de exportar o café com maior valor agregado e, conseqüentemente, maior remuneração para o agricultor. PrimeiroPLANO . ano 2 . no6 . junho 2007
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- A Organização Internacional do Café (OIC) calcula uma produção mundial do ano-safra 2007/ 2008 em torno de 112 milhões de sacas, para um consumo estimado em 120 milhões de sacas em 2007.
- Uma pesquisa da Abic indica que o mercado brasileiro representa 14% da demanda mundial, e mais de 50% do consumo interno de todos os 57 países produtores de café, um volume estimado pela OIC em 31 milhões de sacas/ano.
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- O consumo mundial, segundo a OIC, cresce apenas 1,5% ao ano, na média. No Brasil, o consumo interno evoluiu 19,2% desde 2003, crescendo de 13,7 milhões de sacas para as atuais 16,33 milhões.
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Mer equilib A estabilização dos preços e a expansão do consumo, associados à negociação de um novo acordo internacional do café, levam Nathan Herszkowicz , diretor executivo da Associação Brasileira da Indústria de Café (Abic), a apontar um futuro promissor: “Tanto o cenário internacional quanto o brasileiro apontam para uma situação de equilíbrio entre produção e consumo, o que significa elevação sustentada das cotações”. Ao mesmo tempo, a Abic enxerga algumas ameaças para o desempenho do setor e para o consumo em 2007. São as incertezas quanto à disponibilidade da matéria-prima, uma vez que os estoques estão em nível baixo. A safra prevista representa um déficit potencial de seis a oito milhões de sacas. Com a exportação brasileira tendo atingido 27 milhões de sacas em 2006, parece que a disponibilidade do grão não será suficiente para a demanda conjunta com a do consumo interno. O câmbio do dólar desfavorável para a exportação não afetou tanto o café como o esperado. O Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior anunciou um acompanhamento detalhado de 20 a 30 setores este ano, incluindo o café, cuja exportação superou as expectativas no ano passado.
RESPONSABILIDADE SOCIAL No Brasil a concentração do setor torrefador continua. Em 2006, as cinco maiores empresas torrefadoras participaram com 37% do mercado de torrado/moído. Já as 100 maiores empresas ampliaram sua participação de 59,66 para 62,6%. Podemos falar num mercado global do café, agora não mais dominado pelos países, mas sim pelas empresas transnacionais que passaram a concentrar os lucros e definir o funcionamento do varejo. Além das grandes empresas, os principais mercados consumidores dos EUA, Europa e Japão passam a determinar as condições da comercialização e rentabilidade ao longo da cadeia de valor. No contexto pós-crise, o coordenador do Projeto Café Sustentável no Espírito Santo e consultor da GTZ (Cooperação Técnica Alemã), Hans Christian Schmidt, destaca que há uma crescente preocupação sobre o desenvolvimento sustentável da cafeicultura, que procura conciliar os aspectos econômico, social e ambiental. O comércio internacional vem sendo afetado por exigências que visam qualidade e uniformidade de produtos, ou cuidados com o meio ambiente. As mudanças na DIVULGAÇÃO ABIC
Produção e consumo
cado rado cadeia de valor são profundas e a agricultura familiar, que produz a maior parte do café no Brasil, está numa encruzilhada. O mercado ficou mais competitivo e exige novos padrões de produção e comercialização. Essa situação tem levado a transformações no mercado de café nos últimos anos. Promoveu-se uma maior diversificação de produtos. Surgiram nichos de mercado que se baseiam em padrões ambientais, sociais, de qualidade e origem e algumas vezes combinações destes. Na maioria das vezes o aumento de custo de produção em função de adequações no sistema de produção, técnica de colheita e pós-colheita, investimento em equipamentos e infraestrutura, certificação e marketing são compensados por preços superiores, que oscilam entre 50% e 100%. Cabe
CONSELHO DELIBERATIVO DA POLÍTICA CAFEEIRA Uma boa política econômica governamental pode ser a melhor política social. Entretanto, o crescimento do setor do café não significa automaticamente a distribuição de renda para os segmentos mais fragilizados da cadeia produtiva. O CDPC - Conselho Deliberativo da Política Cafeeira - pode ser um espaço privilegiado para a construção de políticas específicas voltadas aos segmentos mais necessitados em direção à sustentabilidade da cafeicultura. No Conselho todas as questões são debatidas e procura-se obter consensos. As sugestões e propostas são levadas para tomada de decisão por parte do Conselho. “As decisões do CDPC buscam a geração de renda, melhorar os preços e a rentabilidade do setor para aquele produtor lá na ponta, os agricultores familiares, tenham uma boa remuneração”, destaca o diretor do Departamento do Café do Ministério da Agricultura, Lucas Tadeu Ferreira. Ele estima que, por meio do Funcafé (Fundo de Defesa da Economia Cafeeira), neste ano serão destinados R$ 2,1 bilhões para o financiamento da colheita, estocagem, comercialização, marketing, pesquisa e levantamento da safra e estoques.
ressaltar, porém, que se trata de volumes reduzidos. O segmento de cafés especiais representa atualmente cerca de 12% do mercado internacional, sendo que 5% referentes aos cafés com certificação sócio-ambiental. DESAFIOS E OPORTUNIDADES
inglesa que atua no Brasil há mais de 30 anos - se constituiu uma Aliança Nacional do Café sob o lema “Comércio com Justiça”, para fazer frente à crise no setor. A Aliança é uma plataforma de mobilização que reúne entidades sociais para defender os interesses dos agricultores familiares e assalariados rurais. Reúne participan-
1 3 4 2 Impulsionada pela Oxfam - ong
PROGRAMAS DE CERTIFICAÇÃO
- Comércio Justo (Fairtrade): direcionado ao sistema de comercialização, assegura aos produtores um preço mínimo acrescido de um prêmio que deve ser utilizado para investimento em projetos comunitários. Exclusivamente para grupos de produtores familiares e inclui também alguns critérios de preservação ambiental. OS PRINCIPAIS PROGRAMAS DE CERTIFICAÇÃO DO CAFÉ :
- Utz Kapeh: compreende práticas agrícolas para a produção de café e para o bem-estar dos trabalhadores, incluindo o acesso à saúde e à educação. Ressalta mais a produção responsável do que a agricultura sustentável.
- Rainforest Alliance: envolve preservação ambiental, bem-estar dos trabalhadores e interesses das comunidades locais. Não proíbe o uso de produtos químicos, mas exige manejo integrado de pragas, manutenção da cobertura arbórea e restauração da vegetação nativa. - Orgânico: adota os critérios e normas da IFOAM - International Federation of Organic Agriculture Movements para nortear o sistema de produção, exigindo a eliminação do uso de fertilizantes e agrotóxicos, visando à conservação e a melhoria da estrutura e fertilidade do solo e o equilíbrio do agroecossistema. PrimeiroPLANO . ano 2 . no6 . junho 2007
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Na era da tecnologia da informação, o problema não é mais falta de informação, mas sim o excesso. A questão é como não se “afogar” na enxurrada de informações que temos acesso ou recebemos todos os dias ou minutos. Quem tem que tomar decisões rápidas e com qualidade necessita de uma seleção rigorosa sobre que informação é importante ou prioritária. No caso do café já se pode contar com mais uma instituição que vai facilitar a vida de pessoas que lidam com o tema. Foi criado recentemente o Centro de Inteligência do Café (CIC), hoje com sede em Belo Horizonte. O CIC é um órgão técnico que objetiva processar o grande volume de informações existente sobre café e produzir novos conhecimentos para a tomada de decisões estratégicas por parte de indivíduos, empresas, associações e governos. ”É uma agência de informação, investigação, banco de dados e geração de estudos”, afirma o superintendente do CIC, Aguinaldo José de Lima. “Realiza trabalhos sob a demanda de todos os setores do Agronegócio Café - Produção, Indústria, Comércio, Serviços, através de suas entidades representativas”. A estrutura do CIC envolve os diversos segmentos envolvidos na cadeia do café: governos, institutos de pesquisa, representação das empresas e produtores.
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tes das federações dos trabalhadores na agricultura nos estados de São Paulo, Minas Gerais, Bahia, Espírito Santo, Rondônia e Paraná, além da Contag (Confederação dos Trabalhadores na Agricultura), Oxfam e Instituto Observatório Social. Uma das estratégias da Aliança é participar dos debates que acontecem nas esferas governamentais. No Ministério da Agricultura, o grupo acompanha o Conselho Deliberativo da Política do Café (CDPC), órgão colegiado responsável por aprovar políticas para o setor cafeeiro. O grupo participou em diversos eventos internacionais, especialmente a Conferência Mundial do Café, que ocorreu em Salvador em dezembro de 2005, e dos debates sobre o Código Comum para a Comunidade Cafeeira (4C). O objetivo desse grupo é estabelecer princípios sobre relações de trabalho na produção, sobre meio ambiente, qualidade e outros temas. O grupo também participa da GLACC – Aliança Global sobre o Café e Commodities, que engloba produtores de café, sindicatos e organizações de consumidores. De acordo com o diretor de Políticas Agrícolas da Contag, Antoninho Rovaris, a dificuldade de acesso a informações sobre tecnologias de produção, beneficiamento, mercados e a falta de empreendimentos coletivos que reúnam a produção constituem as principais barreiras para que a agricultura familiar acesse diretamente os mercados e amplie sua renda. Segundo o diretor da Contag que cuida especificamente dos assalariados rurais, Antônio Lucas, a primeira condição para uma boa relação se inicia com um contrato de trabalho que especifique claramente o período, as condições de trabalho e a forma de pagamento pelos serviços prestados, observando rigorosamente o que determina a lei, para preservar os direitos trabalhistas: “Os sindicatos de trabalhadores rurais podem orientar a elaboração deste contrato, bem como monitorar o seu cumprimento”, pros-
segue. “Estas negociações são facilitadas quando ocorrem de forma coletiva, gerando os Acordos ou Contratos Coletivos. QUALIDADE E CERTIFICAÇÃO Melhorar a qualidade e produzir de maneira sustentável são duas formas de melhorar a renda do cafeicultor brasileiro. A certificação da produção é uma forma de o produtor mostrar ao mercado a sua competência. Para o coordenador nacional de Certificação do Imaflora (Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola), Eduardo Trevisan Gonçalves, a certificação pode ser uma alternativa a mais para o cafeicultor familiar aumentar sua renda, já que o café pode ser vendido com um preço acima da cotação de mercado: “É importante lembrar também que, com a certificação, o produtor tende a ficar mais eficiente em sua atividade, reduzindo custos, acidentes e controlando melhor a sua produção”. DIVULGAÇÃO CONTAG
CENTRO DE INTELIGÊNCIA DO CAFÉ
CÓDIGO Duas iniciativas atuais em termos de certificação são o Código Comum para a Comunidade Cafeeira (4C), de caráter mundial, e a Produção Integrada de Café (PIC), promovida pela Embrapa, porém restrita ao Brasil. A PIC são diretrizes técnicas com a finalidade de garantir sustentabilidade econômica, social e ambiental à produção do café. Sua aplicação favorece a rastreabilidade de toda a cadeia e o desenvolvimento de uma certificação nacional, com princípios que atendam às exigências internacionais e de fácil acesso a pequenos e médios produtores organizados. O 4C é uma iniciativa dos importadores, exportadores, indústria, alianças de negociantes, organizações não-governamentais - ongs -
sociais e ambientais e produtores de café para desenvolver um código global de conduta objetivando a sustentabilidade social, ambiental e econômica da produção, pós-colheita e comercialização da maior parte do café verde. Para o diretor executivo da ABIC, Nathan Herszkowicz, será muito importante no futuro do setor: “O 4C pretende ampliar substancialmente a produção de cafés sustentáveis de modo a atender à crescente demanda destes produtos nos mercados mundiais, ao mesmo tempo em que colabora para a melhoria das condições de vida e de trabalho dos cafeicultores”. O 4C deve passar a vigorar a partir de outubro próximo e é um programa mundial aberto a todos os participantes da cadeia produtiva, desde os cafeicultores até os comerciantes de café, os exportadores, os industriais da torrefação e do café solúvel, até os varejistas. Conforme Sjoerd Panhuysen, da Coalizão do Café da Holanda, nos últimos anos a parcela de cafés certifi-
Na recente crise do café, a partir de 2000, cafeicultores, sobretudo os pequenos, não tinham capacidade de manter as suas lavouras e pagavam para vender os seus grãos. No Brasil, a crise só não se agravou mais porque o contexto interno foi favorável e houve um conjunto de políticas públicas governamentais: condições macroeconômicas positivas, elevação da renda e consumo interno, mais financiamento à agricultura, tanto para os agricultores familiares como para o agronegócio. Também foram realizadas diversas iniciativas governamentais e privadas voltadas à promoção e apoio à cafeicultura. Embora tenha havido progressos em termos sociais, ainda existe um grande contingente de trabalhadores assalariados rurais, homens, mulheres, ado-
cados (Fairtrade, Eko, Rainforest Alliance, Utz Certified, Starbucks) cresceu bastante rápido na Europa e nos Estados Unidos. A qualidade e rastreabilidade do produto certificado chamaram o interesse de grandes torrefadoras e o setor de varejo. Porém, ele observa que a produção de café sustentável certificado excede a demanda com mais ou menos 20%: “Na prática, muito café das cooperativas e plantações é duplamente ou triplamente certificado, a fim de facilitar a venda para mercados diferentes. No momento a certificação não tem como oferecer uma solução imediata para os problemas dos cafeicultores de pequena escala e assalariados: não há demanda suficiente”. Embora as empresas tradicionais estejam se envolvendo, há pou-
IMPORTÂNCIA SOCIAL NO BRASIL lescentes que ganham o sustento nas lavouras de café em condições precárias e desumanas. A maioria não possui registro em carteira de trabalho, as condições de transporte e alojamento são precárias, a aplicação de produtos químicos tóxicos é feita sem qualquer proteção. O conceito de sustentabilidade implica no equilíbrio econômico, social e ambiental. Aqui
cas indicações de que entendam de café certificado como uma coisa além de um nicho específico nos seus portfólios de marcas. A parcela de café certificado vendida pelas cinco principais multinacionais (Kraft, Sara Lee, Nestlé, Procter&Gamble, Tchibo) é muito marginal: entre 0,2% e 2% dos seus cafés são comprados de uma fonte certificada. A Coalizão do Café faz campanha na Europa para que as empresas torrefadoras levem a responsabilidade social a sério, aderindo a um código de conduta decente e comprando café certificado. “Embora os pequenos e grandes produtores brasileiros tenham muitas necessidades, não podemos esquecer que a política do café em nível internacional afeta muito mais os pequenos produtores de outros países”, alerta Sjoerd. www.contag.org.br www.abic.com.br www.cicbr.org.br www.cncafe.com.br www.oxfam.org.uk www.embrapa.gov.br/cafe www.coffeecoalition.org www.iac.sp.gov.br
há uma questão complexa no café: a formalização da mão-de-obra, a garantia dos direitos trabalhistas e sociais traz novos custos. A questão é: quem paga essa conta? O presidente do Conselho Nacional do Café afirma que, entre dezembro de 2005 a dezembro de 2006, “a mãode-obra ficou 440% mais cara, causando grande impacto no custo de produção”. A garantia dos direitos fundamentais no trabalho com a formalização é essencial para a democracia e para a credibilidade do café sustentável, portanto, a elevação dos custos deve ser compartilhada com os segmentos mais fortes, especialmente as indústrias e o comércio varejista. Na ponta fica a pergunta: os consumidores topariam pagar mais pelo café sabendo que está sendo produzido com condições trabalhistas decentes?
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Odilon Faccio e Sara Caprario
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PARA TER A PRODUÇÃO DE ETANOL COM BASES SUSTENTÁVEIS, O BRASIL PRECISA FAZER O DEVER DE CASA: ZONEAMENTO AGRÍCOLA, EMPREGO DECENTE, PROTEÇÃO SOCIAL E AMBIENTAL, INVESTIMENTOS EM PESQUISA E NOVAS TECNOLOGIAS, FINANCIAMENTOS DOS BANCOS PÚBLICOS COM CRITÉRIOS DE SUSTENTABILIDADE E, PRINCIPALMENTE, NEGOCIAÇÃO COM OS PRINCIPAIS ATORES ENVOLVIDOS.
Brasil como líder sustentável? PrimeiroPLANO PrimeiroPLANO..ano ano22..nnoo66..junho junho2007 2007
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O
velho conhecido álcool brasileiro, produzido há mais de 30 anos a partir da cana-de-açúcar, ganhou nome internacional e transformou-se em etanol. Com ares de solução limpa para abastecer os veículos no mundo inteiro, o produto é um biocombustível que pode ser produzido em grande escala. No Brasil a euforia com o tema levanta debates sobre vários aspectos em relação à produção, industrialização, pesquisa, tecnologia e condições sócio-ambientais. As ações de marketing das visitas do presidente norte-americano, George Bush, ao Brasil e do presidente brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva, para lá geram visibilidade, mas espera-se resultados. Alguns efeitos são imediatos, como a entrada de capital estrangeiro por aqui e incentivo para pesquisas. Mas será preciso muito mais avanços para garantir uma produção baseada em fortes pilares de responsabilidade socioambiental e, assim, permitir que se faça jus ao conceito de tecnologia limpa dado ao etanol. O protocolo de cooperação técnica entre Brasil e Estados Unidos para criar um mercado internacional do etanol pode dar certo ou não. Para o presidente da Única (União da Indústria Canavieira de São Paulo), Eduardo Carvalho, é importante que sejam derrubadas tarifas na importação do álcool brasileiro e haja aumento da demanda no mundo inteiro. O constante aumento dos preços do barril de petróleo, um combustível não renovável e provocador do efeito estufa, faz com que inúmeros países busquem alternativas energéticas renováveis. E essa procura pelo etanol está construindo um suporte político para que diversos governos adotem normas para mistura com a gasolina. Existem grandes oportunida-
des de negócios e de geração de empregos pelo fato de ser uma fonte de energia renovável, mas ao mesmo tempo convive com riscos ambientais e sociais. A pergunta chave é quem vai liderar e como o Brasil vai participar dessa corrida que está mobilizando países e imensos recursos em investimentos? O Brasil está sendo desafiado a ser líder global, não somente no futuro commodity etanol, mas na venda de tecnologia, logística e usinas. Só que para ser líder é preciso ter um plano estratégico, garantindo produção, comércio e distribuição dos ganhos com parâmetros sustentáveis e sobretudo resolver as demandas sociais. Para Marcos Jank, presidente do Instituto de Estudos do Comércio e Negociações Internacionais (Icone), é cedo ainda para se falar em liderança brasileira do mercado mundial de etanol porque não existe uma demanda global, e a oferta ainda está concentrada no Brasil e nos Estados Unidos. “O impacto dos combustíveis de origem agrícola no mercado global de energia ainda é irrelevante. Juntos, eles não chegam a 1% da produção de combustíveis fósseis, em termos de equivalente energético”, diz ele, no entanto, por outro lado, “é fundamental que os novos mercados para biocombustíveis em geral, e o etanol em especial, funcionem dentro do regime de livre comércio que preside o mercado de petróleo e seus derivados. É esse o regime que assegura maiores benefícios aos consumidores, a menor volatilidade de preços, fluxos crescentes de comércio e maior segurança de suprimentos pela ampliação da diversidade de fontes produtoras”.
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NÚMEROS DA PRODUÇÃO Brasil é o maior produtor e exportador de açúcar do mundo e o maior produtor de etanol de cana do mundo.
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grandes áreas de monocultura, provocando efeitos nocivos à biodiversidade e ao meio ambiente. Além disso, consome alta quantidade de água, é intensiva no uso de fertilizantes à base de petróleo e requer altas quantidades de agro-químicos, fatores esses que devem ser considerados. Essas questões exigiriam iniciativas governamentais no sentido de coordenar planos de zoneamento agrícola será decisivo para implantar sistema integrados que minimizassem a expansão da monocultura e, deste modo, evitar que expansão da cana afete o meio ambiente e a ocupação de áreas destinadas aos alimentos. Hoje são cerca de sete milhões de hectares ocupados com cana-deaçúcar, 50% para etanol e 50% para açúcar. Jank destaca que se os Estados Unidos resolvessem importar 132 bilhões de litros de etanol e isso consumiria 20 milhões de hectares, o que dá três vezes a área atual de cana, mas apenas 7% da área total agricultável do País. “Atualmente, a cana está entrando nas áreas de milho, soja e pastagem. Acredito que ainda há muito espaço para aumentar a produtividade das áreas de grãos e pastagens, o que fará com que se possa produzir mais alimentos em cima da mesma área atual”, diz o presidente do Ícone. Outro fator importante na produ-
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AVANÇOS INTERNOS Para acompanhar todas estas mudanças no mercado e garantir dividendos, o Brasil precisa correr para melhorar a logística interna e garantir competitividade aos produtores locais. Existem alguns gargalos para que a produção ganhe força para atender aumento de demanda interna – a venda de carros flex aumentou 13% de 2004 para 2005 – e exporte em níveis competitivos. Já foi anunciada a construção de um “alcoolduto” que interligue os estados de Minas Gerais, Goiás e São Paulo, onde estão concentradas grande parte das usinas, com o Porto de Santos. A Petrobrás assinou um contrato com a japonesa Mitsui, uma trading mundial, para instalar 40 usinas de produção de álcool até 2012. Mas ainda há vários aspectos que precisam avançar, como as próprias relações de trabalho (veja matéria página 22) e a sustentabilidade da produção. A cultura e a produção da cana tem fatores positivos e negativos. Além de ser um insumo para a produção do combustível renovável que traz efeitos positivos para combater o aquecimento global, é fonte de energia elétrica, seqüestra gás carbônico (CO2), contribuindo para minimizar o efeito estufa. Ao mesmo tempo, o modelo produtivo extensivo, cria
ção da cana é o uso do bagaço para a produção de energia elétrica. No Estado de São Paulo, o setor gera para consumo próprio entre 1.200 a 1.500 megawatts(MW). O potencial de geração de energia da agroindústria canavieira é estimado em 12 mil MW, sendo que a potência instalada no Brasil é de 70 mil MW. O setor já produz 4% da energia elétrica produzida no Brasil. Manoel dos Santos, presidente da Contag, maior entidade da América Latina que representa cerca de 20 milhões de agricultores familiares e assalariados rurais, acredita no efeito positivo econômico, mas acha que é preciso haver melhor comprometimento das partes envolvidas para melhorar as condições de trabalho. “Falta comprometimento ético, moral e econômico dos usineiros com a classe trabalhadora. Temos perspectivas de melhoras, e pedimos mais fiscalizações além de exigir do governo federal uma política pública específica para os assalariados rurais”. Ele afirma que a mecanização cresce sem es-
- Área plantada – 6,2 milhões de hectares: 50% para açúcar e 50% para etanol. - Na safra 2005/2006 foram colhidos 431 milhões de toneladas de cana, resultando em 15 bilhões de litros de etanol e 26 milhões de toneladas de açúcar. - Para a safra de 2006/2007, a Conab estima uma produção de 475 milhões de toneladas de cana o que representa um crescimento de 10,30% em relação à safra passada. - Os EUA (milho) e Brasil (cana) controlam 70% do etanol no mundo. - Em 2006, o setor movimentou cerca de US$ 8,3 bilhões que representa 1,6% do PIB brasileiro. - O setor gera 3,6 milhões de empregos diretos e indiretos. O Brasil tem a maior indústria e matéria-prima do mundo. - Atualmente o Brasil tem 300 usinas e mais 150 novos projetos ou em implantação.
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MILHO Nos EUA o Etanol de milho custa cerca de US$ 0,30/litro e o de cana é US$ 0,22/litro, estimulando o governo a subsidiar os seus produtores.
tabelecer critérios para reabilitação dos assalariados rurais para o setor. Alimentos - O jornal inglês The Guardian publicou matéria que sugere que a possibilidade da expansão da produção do etanol no Brasil deva agravar o desmatamento na Amazônia. Especialistas avaliam que é pouco provável que isso ocorrar porque a produção de cana-de-açúcar requer solo e clima adequado que não há nessa região. Por incrível que pareça, quem deve provocar, indiretamente, mais expansão da agricultura e do desmatamento na Amazônia é o uso do milho americano para o etanol e as barreiras tarifárias ao ingresso do etanol brasileiro no mercado dos Estados Unidos. O uso intensivo do milho para produção de etanol provoca a falta do produto, eleva seus preços no mercado internacional. No Brasil, estimula a expansão da soja e milho servindo de pressão sobre novas áreas agrícolas, em particular para o Cerrado e para a Amazônia. Mas os impactos diretos sobre os preços dos alimentos no Brasil não pode ser medido ainda. Mais uma vez entra em discussão a necessidade de planejar a política interna. A questão é polêmica a ponto do presidente da Venezuela, Hugo Chaves, criticar afirmando que a produção de cana vai tirar alimentos dos pobres para abastecer os carros dos ricos. O Presidente Luis Inácio Lula
CANA
Etanol americano baseado no milho produz 3.900 litros por hectare Etanol de cana-de -açúcar produz 6.500 litros por hectare.
da Silva, na ida à Cúpula Energética Sul-Americana, na Venezuela, afirmou que é possível combinar produção de etanol sem comprometer a produção de alimentos, basta usar a terra com racionalidade. Para o presidente da Única, o grande problema não é a produção de alimentos é a falta de demanda. “Vivemos a revolução da produção de alimentos, com fertilizantes, sementes resultantes de pesquisas”, disse Eduardo Carvalho em entrevista ao programa Manhattan Connection, no canal pago GNT. Especialistas afirmam que haveria cerca de 22 milhões de hectares disponíveis para cana. Cultivando esses 22 milhões de hectares com cana é possível produzir 120 bilhões de litros de etanol por ano, sem considerar possíveis aumentos de produtividade, mecanização e introdução de novas tecnologias. Utilizando essa área com novas tecnologias de produção e extração do álcool é possível ampliar para 200 bilhões de litros por ano nos próximos 10 anos. Para o engenheiro agrônomo Celso Marcatto, da ActionAid, “ao se considerar a tendência atual, a expansão da cana-de-açúcar seguirá o padrão vigente de ocupação de mais áreas no cerrado e na região antes coberta pela Mata Atlântica” (leia mais na seção Agenda Global, pags 56 e 57).
ETANOL NO MUNDO Os EUA e Europa já estabelecem metas claras de redução de gasolina. O Japão já desenvolve parceria com a Petrobrás para atingir metas de misturar álcool na sua gasolina. Uma revolução mundial energética começou. EUA e Brasil dominam 70% da produção do etanol no mundo. A meta dos EUA de reduzir em 20% o consumo de gasolina por combustíveis renováveis, até 2017, é um sinal claro em favor dos biocombustíveis. Estima-se que a demanda americana de etanol seja de 133 bilhões de litros até 2017, sendo que o etanol de milho conseguiria apenas produzir 15 bilhões de litros por ano. A decisão americana tem motivos políticos e também para enfrentar o aquecimento global. Cada 1% de redução de gasolina significa uma demanda de oito bilhões de litros de etanol. Em 2006, o Brasil exportou para os Estados Unidos 1,5 bilhões de litros de etanol. Isto representa 50% do exportado. O volume aumentou seis vezes em um ano, considerando que no ano 2003, as exportações de álcool do Brasil não passavam de 650 milhões de litros.
PESQUISAS Os americanos estão investindo pesado em outras fontes de etanol. A mais recente inovação chama-se hidrólise de celulose que pode transformar grande parte da biomassa em matéria-prima para o etanol. Em tese, lixo urbano, resíduos agrícolas, capim e restos de madeira vão virar etanol. No Brasil, através dessa tecnologia pode-se usar também o bagaço da cana para produção do etanol, trazendo um enorme efeito positivo sobre a produtividade e sobre o meio ambiente. O aumento da produtividade é um elemento chave para reduzir a expansão de novas áreas agrícolas. Porém, enquanto aqui no Brasil tem apenas uma empresa investindo no potencial da hidrólise de celulose, nos Estados Unidos estão envolvidas mais de 30 empresas.
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PERSPECTIVAS Nos próximos seis anos, os investimentos na indústria brasileira de cana-de-açúcar serão de US$ 14,6 bilhões, sendo US$ 12,2 bilhões em novas usinas e US$ 2,4 bilhões em 335 usinas existentes, que estão sendo modernizadas e ampliadas. Em 2012, teremos 412 usinas. Os dados são do Ícone, e o presidente do Instituto diz que oitenta e um por cento das novas unidades estão sendo construídas por empreendedores tradicionais do setor. Sem dúvida, o boom do etanol no Brasil está atraindo o capital estrangeiro. Se o petróleo ultrapassar US$ 60 o barril, aumentarão as oportunidades de comércio e investimentos na área de agroenergia. E, como se sabe, o Brasil e outros países tropicais detêm vantagens comparativas nos biocombustíveis em função de custo, produtividade e balanço energético. Disputar a liderança global do etanol e, ao mesmo tempo, fazer o dever de casa – produzir com sustentabilidade, são tarefas gigantescas para que todos ganhem. A experiência da Soja Responsável, uma mesa de negociação envolvendo os diversos segmentos da cadeia de valor, pode ajudar a que o país, de modo inteligente e inovador, consiga reunir to-
das as partes envolvidas na produção e comercialização da cana, e caminhe para um modo de produção sustentável. O presidente da Contag acredita que é possível este espaço de negociação se todos os envolvidos estiverem dispostos a buscar alternativas que diminuam os riscos de impacto ambiental e melhoria das condições dos trabalhadores. Não adianta repetir erros do passado, sermos líder, mas pagando um alto preço social. Para o professor Francisco Alves, da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) o aumento da produtividade exige muito mais de cada trabalhador. A média de colheita por trabalhador na década de 80 era de seis toneladas por dia, e passou para 10 ou 12 toneladas por dia. Pesquisa do Centro de Referência do Trabalhador afirma que para cada 10 toneladas colhidas é preciso andar nove quilômetros a pé no canavial e dar cerca de 73 mil golpes de facão.
Estudos indicam que depois de 12 anos de trabalho o homem ou a mulher fica fisicamente impossibilitado de cortar cana ou mesmo realizar outra atividade profissional. Segundo Alves, 20 trabalhadores morreram nas duas últimas safras por excesso de trabalho. “O setor tem um enorme passivo ambiental e trabalhista. Mesmo em São Paulo, onde há avanços, nem todos os empregadores respeitam as condições ideais”.
EMPRESAS ESTRANGEIRAS O promissor mercado nacional e internacional do etanol está ampliando o interesse de investidores externos pela cadeia produtiva da cana-de-açúcar no Brasil. Um outro grupo, que reúne investidores internacionais e brasileiros, formaram o fundo de investimento Brasil Energy, com perspectiva de investimento de US$ 2 bilhões no país e com a principal missão de identificar oportunidades no etanol. A participação do investimento estrangeiro alcança 7% e pelas projeções da Unica o setor ainda está longe de poder ser considerado uma atividade com grande participação do capital externo. O percentual de participação deve chegar próximo de 10% na safra 2012/2013. O ingresso de mais investimento depende de vários fatores, entre eles, se o mercado global vai se desenvolver, de regras jurídicas claras para os investimentos, se a economia brasileira vai continuar estável e se o setor continuará inovador. Líderes de empresas globais já estiveram no Brasil analisando possibilidades de investir. Em 2006, a vice-presidenta da gigante americana GE (General Eletric), Lorraine Bolsinger, visitou o Brasil para avaliar a oportunidade de negócios na cadeia produtiva do etanol, no caso, o desenvolvimento de equipamentos para as usinas. Em 2006, também visitaram regiões produtoras de cana os diretores da Google, maior site de busca da Internet. O Grupo Cosan, da França, presente principalmente na região centro-sul do Brasil e a segunda companhia em produção de açúcar e a maior sucroalcooleira do país, anuncia investimentos de R$ 2 bilhões em novas unidades.
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D IVULGAÇÃO JP ESSOA
“Para que o Brasil aumente a produção é preciso haver mais demanda internacional, porque o consumo interno é menor do que a produção. E isso deve ocorrer logo, porque o etanol já está virando uma commodity”. JOSÉ PESSOA DE QUEIROZ BISNETO
BUSCA DE SUSTENTABILIDADE Um dos maiores grupos sucroalcooleiros do país, as Empresas JP estão avançando rapidamente para garantir sustentabilidade na produção e garantir relações responsáveis no crescimento. O grupo começou a se formar em 1987, com a usina João de Deus, em Alagoas. Hoje são oito unidades produtivas e dois escritórios administrativos, sendo um em São Paulo (capital) e outro em São José do Rio Preto, agregando cerca de 10 mil funcionários. Nessa diversidade, uma das principais metas é conquistar uniformidade empresarial de pensamento e ação entre as unidades. Para isso, iniciou-se a implantação, a partir de 2002, da idéia de corporação. E, desde 2004, o Projeto Bússola está implementando um novo modelo de gestão na organização, a gestão por processos. O foco, com a idéia de corporação, é num método de gestão empresarial por meio do qual os objetivos estratégicos são estabelecidos e monitorados com a definição de indicadores de performance. Essa metodologia garante que os recursos humanos, financeiros e operacionais estejam sendo direcionados de forma a criar valor para a empresa. O presidente da empresa José Pessoa de Queiroz Bisneto, engenheiro mecânico e administrador de empresas, é conselheiro do Instituto Ethos de Responsabilidade Social, sócio da Fundação Abrinq (Empresa Amiga da Criança) e conselheiro da Junior Achievement, ONG que fomenta o protagonismo juvenil, além de ser dirigente de vários sindicatos patronais do setor. Ele recebeu a Revista Primeiro Plano para uma entrevista. Quais as mudanças podem ser esperadas a partir desta visibilidade que o etanol ganha mundialmente? O Brasil já produz álcool há 30 anos, mas desde então o que o país fazia era pouco divulgado ou possuía pouco respaldo internacional. Há alguns anos o Brasil vem ganhando mais respeito nas discussões internacionais e a produção de etanol como a alternativa de biocombustível em grande escala colocou o país como importante interlocutor no assunto. Isso por que a cana-de-açucar é mais eficiente do que o milho norte-americano? Com certeza. A cana produz mais álcool em menos espaço e ambientalmente é melhor do que o milho. O que falta para ser de fato commodity? A única coisa que falta é a precificação em bolsa, ou seja, o
etanol poder ser negociado em qualquer bolsa internacional como ocorre com o açúcar, café e soja. Essa etapa é o único detalhe que está faltando e isso vai dar mais transparência tanto para o produtor investir quanto para o comprador em ter mais segurança na garantia de estoque e controle do preço. Há preocupação de substituição de área de produção de alimentos para plantar cana, isso pode ocorrer? Eu não acredito que haverá problema com isso, afinal mesmo que dobre a produção de cana, a ocupação será de cerca de 13 milhões de hectares, enquanto ainda há 90 milhões de hectares a serem ocupados com agricultura e pecuária, somando-se aos cerca de 260 milhões hoje utilizados. As Empresas JP estão expandindo? Estamos sempre aprimorando a
produção e industrialização. Uma de nossas principais preocupações é desenvolver onde já estamos e crescer junto com a região que sediam nossas unidades. Como fazer isso? Investimos projetos de responsabilidade social em diversas unidades, é uma tradição familiar. Temos projetos como o Criança Feliz e o Aprendiz do Futuro que contribuem para o bem estar das famílias. Outro destaque é que erradicamos o analfabetismo nas unidades. E as questões trabalhistas? As questões de relações de trabalho estão avançando em vários estados, como no Mato Grosso do Sul. Em São Paulo, onde está concentrada 60% da produção de cana, os trabalhadores conquistaram importantes direitos e garantias. Aqui existem ações que permitem acesso à educação da maioria dos funcionários, sejam os da produção ou das usinas.
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responsabilidade social
O novo jeito de fazer negócios
Fundos de pensão adotam critérios sociais Gerente da Fundação Petrobras de Seguridade Social (Petros) destaca os princípios
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PRINCÍPIOS RESPONSÁVEIS
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bilhões de reais é o total estimado de recursos financeiros do sistema de fundos de pensão do Brasil. Sendo que 162,9 bilhões são dos três maiores fundos Petros, Funcef e Previ.
O Pnuma-Fi (Iniciativa Financeira do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente) e o Pacto Global, dois órgãos ligados à ONU (Organizações das Nações Unidas), implementaram os Princípios para o Investimento Responsável. O documento consiste em um conjunto de seis critérios de responsabilidade social e ambiental que os investidores devem adotar e exigir das empresas nas quais aplicam recursos. Esta iniciativa iniciou em 2005 com o grupo dos 20 maiores investidores do mundo, que reúnem cerca de US$ 4 trilhões de recursos.
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Os 14 maiores fundos de pensão do Brasil aderiram formalmente aos Princípios para o Investimento Responsável, um documento onde se comprometem a levar em conta questões sociais, ambientais e de gestão corporativa em suas decisões de investimento. Cabe a cada um deles definir como e em que casos serão aplicados os critérios de responsabilidade social. E numa parceria entre a Associação Brasileira de Entidades Fechadas de Previdência Complementar (ABRAPP) e o Instituto Ethos foi elaborado e publicado os “Princípios Básicos de Responsabilidade Social sob a Ótica dos Fundos de Pensão”. O documento aprovado possui 11 pontos (veja quadro), pelos quais se recomendava investimentos em empresas que adotem tais práticas. Esses princípios passaram por um processo de audiência pública. Como aprofundamento, no ano passado os fundos de pensão brasileiros apoiaram a elaboração do primeiro relatório brasileiro em conformidade com os procedimentos seguidos mundialmente pelo Carbon Disclosure Project (CDP). Segundo Alcinei Rodrigues, gerente executivo de Planejamento e coordenador da Comitê de Responsabilidade Social da Petros, os fundos de pensão possuem vo-
cação natural para investir no longo prazo. “Horizontes dilatados de tempo estão na própria natureza de planos previdenciários comprometidos a pagar aposentadorias e pensões após décadas de acumulação de reservas. Este fato ajuda a entender a preocupação em investir em negócios que tenham raízes profundas e confiáveis, sejam balizados pela ética e transparência e pautados pela melhor governança e respeito ao meio ambiente”, afirma o coordenador. Estes princípios de Investimento Socialmente Responsável fazem parte da Política de Investimento da Petros desde 2003, sendo que inicialmente foi adotada a estratégia de se investir preferencialmente em empresas e empreendimento com preceitos mínimos de Responsabilidade Social em sua gestão. “De forma gradual e irreversível os critérios para avaliação estão sendo aperfeiçoados e ampliados. A política atual define que até 2008 a Petros não investirá em empresas e empreendimentos que não cumpram critérios mínimos de boas práticas de responsabilidade social”, diz Alcinei. Estes princípios fazem parte da seleção da maior parte dos investimentos da Petros, o que não inclui a sele-
ção de títulos públicos. A carteira de renda variável e de investimentos imobiliários utilizam estes preceitos em grande extensão. Na carteira de renda fixa e nos fundos multimercados, de gestão terceirizada, a extensão de utilização dos critérios na decisão de investimento é moderada. Os critérios utilizados pela Petros incorporam os três temas listados pela
ONU. A dimensão social e de governança corporativa são utilizadas em maior extensão que a dimensão ambiental. Segundo Alcinei a metodologia utilizada para avaliação das empresas e empreendimento é explicitada na Política de Investimentos, sendo que os critérios são específicos em função da modalidade do investimento.
PRINCÍPIOS BÀSICOS DE RESPONSABILIDADE SOCIAL GOVERNANÇA CORPORATIVA Para empresas de capital aberto listadas na Bolsa de Valores, dar prioridade àquelas que estão no Novo Mercado ou no Nível I ou no Nível 2. Para empresas de capital aberto não listadas na Bolsa, sociedades de propósito específico ou empresas limitadas, verificar as que possuem critérios equivalentes aos do Novo Mercado, Nível l ou Nível 2. BALANÇO SOCIAL - Verificar se a empresa publica ou não Balanço Social. Caso publique, analisar a relevância, clareza e, se possível, a veracidade das informações. Caso a empresa não publique balanço social, estabelecer como meta para o próximo ano sua publicação. A existência de Balanço Social deve valorizar a análise da empresa. INCLUSÃO SOCIAL - Verificar, através do Balanço Social ou de informação da empresa, se há políticas claras de não discriminação e políticas afirmativas com relação a mulheres, negros e portadores de deficiência. Políticas desse tipo valorizam a empresa. MÃO-DE-OBRA - Apesar do uso de mão-de-obra infantil e do trabalho compulsório serem proibidos por lei, solicitar à empresa declaração de não utilização desse tipo de mão-de-obra em suas operações diretas e declaração de que exigiu o mesmo comportamento de todos seus fornecedores. Caso a empresa seja certificada pela SA 8000, a solicitação não é necessária e valoriza a empresa. No caso de mão-de-obra infantil, se a empresa tiver o selo “Empresa Amiga da Criança”, da Fundação Abrinq, não é necessária outra declaração. MÃO-DE-OBRA TERCEIRIZADA - Avaliar se, nos contratos de terceirização, a empresa propicia condições de igualdade de tratamento (salários, benefícios etc.) entre seus funcionários e os terceirizados. Caso haja muita diferença de tratamento entre eles, a empresa deve ser orientada a buscar condi-
ções de igualdade de tratamento. Empresas que já têm essa prática devem ser valorizadas. MEIO AMBIENTE - É importante averiguar autuações ambientais sofridas pela empresa. Isso pode trazer riscos para o negócio. Verificar, através de informações fornecidas pela empresa, situação dos programas de prevenção de poluição, tratamento de resíduos, minimização de uso de recursos naturais e programas de reciclagem. Empresas com preocupação ambiental devem ser valorizadas. GERAÇÃO DE RENDA - Avaliar se a empresa tem programas de desenvolvimento de pequenos fornecedores ou se emprega profissionais das localidades onde estão instaladas suas operações. Avaliar se há programas outros que objetivem gerar trabalho e renda para comunidades. PROJETOS SOCIAIS - A empresa que apresenta um programa consistente de investimentos sociais deve ser valorizada. Isso pode ser verificado através da análise do Balanço Social, quando houver. ÉTICA E TRANSPARÊNCIA - A empresa possui código de ética estruturado e disseminado pela organização? A empresa, caso faça doações para campanhas políticas, apresenta os valores doados e quem são os beneficiários? APRESENTAÇÃO DA POLÍTICA DE INVESTIMENTOS - Pela Resolução CMN 3121, regulamento anexo, art. 6° e 7°, todo Fundo de Pensão deve apresentar, anualmente, sua política de investimentos à secretaria de Previdência Complementar e, uma vez que princípios de responsabilidade social constem dessas políticas, eles devem ser explicitamente indicados. CRITÉRIOS TRADICIONAIS - Aplicar os critérios já tradicionalmente utilizados pelos comitês de investimentos dos fundos para definição das empresas a investir.
FUNDOS QUE ADOTARAM OS PRINCÍPIOS SOCIAIS DA ONU Banesprev BrtPrev Centrus Ceres Celpos Desban Economus Faelba Fasern Funcef Fundação 14 Infraprev Petros Valia Fonte: Documento do Instituto Ethos e Abrapp - www.abrapp.org.br
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ENSAIO ACERVO MINISTÉRIO
DA
CULTURA
MILA PETRILLO
CULTURA INDÍGENA AS FOTOS DESTE ENSAIO FOTOGRÁFICO FORAM CEDIDAS PELO MINISTÉRIO DA CULTURA (MINC), QUE NO ÚLTIMO DIA 19 DE ABRIL LANÇOU A SEGUNDA EDIÇÃO DO PRÊMIO CULTURAS INDÍGENAS COM INVESTIMENTO DE R$3,5 MILHÕES PATROCINADOS PELA PETROBRAS. O PRÊMIO VAI ESCOLHER 100 PROJETOS E REALIZAR 62 OFICINAS DE DIVULGAÇÃO PELO BRASIL.
ENSAIO
FOTOS: MILA PETRILLO
INCLUIR
Novas Tecnologias Sociais
Tecnologias Sociais aproximam Brasil e Índia
*Michelle Lopes
NO PARLAMENTO
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A Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática da Câmara dos Deputados realizou uma audiência pública sobre “Tecnologias Sociais como estratégia de desenvolvimento”. Uma iniciativa do deputado federal Guilherme Menezes (PT/ BA) com o apoio da Rede de Tecnologia Social (RTS). Para os participantes este foi um importante passo para ampliar a visibilidade do assunto. A continuidade vai se dar com o monitoramento e participação ativa da RTS nas atividades no grupo de trabalho criado dentro da Comissão Parlamentar.
bilhões. É o número de habitantes, considerando as populações do Brasil, China e Índia. A quantidade é bastante expressiva, considerandose que apenas três países reúnem quase um terço da população total do Planeta: 6,6 bilhões. Fonte: www.wikipedia.org
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A realidade atual das Tecnologias Sociais no Brasil está fortemente ligada às discussões e ações realizadas na Índia dos séculos 19 e 20. De acordo com os pesquisadores Flávio Cruvinel e Renato Dagnino, o pensamento dos reformadores daquela sociedade estava voltado para a reabilitação e o desenvolvimento das tecnologias tradicionais, praticadas em suas aldeias, como estratégia de luta contra o domínio britânico. Entre 1924 e 1927, Gandhi dedicou-se a construir programas, visando à popularização da fiação manual realizada em uma roca de fiar reconhecida como o primeiro equipamento tecnologicamente apropriado. Iniciativas como essa despertaram a consciência política de milhões de habitantes das vilas daquele país sobre a necessidade da auto-determina-
“O CONCEITO DE DESENVOLVIMENTO DE GHANDI INCLUÍA UMA POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA EXPLÍCITA, QUE ERA ESSENCIAL PARA SUA IMPLEMENTAÇÃO. (...) SEU OBJETIVO FINAL ERA A TRANSFORMAÇÃO DA SOCIEDADE HINDU, ATRAVÉS DE UM PROCESSO DE CRESCIMENTO ORGÂNICO, FEITO A PARTIR DE DENTRO, E NÃO ATRAVÉS DE UMA IMPOSIÇÃO EXTERNA”. AMÍLCAR HERRERA, PESQUISADOR LATINO-AMERICANO
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2,6
Anil Gupta, presidente-fundador da Honey Bee
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ção do povo e da renovação da indústria nativa hindu. Este cenário é o berço do que veio a se chamar no Ocidente de “tecnologia apropriada”, na década de 1970. Com novas reflexões, questionamentos e contribuições ao longo dos anos, chegou-se às Tecnologias Sociais que partem de um entendimento de que a tecnologia é uma construção social, que não é neutra, e que está sempre a serviço de um modelo de desenvolvimento que se busca estabelecer. Atualmente, Brasil e Índia têm sido pioneiros no incentivo do desenvolvimento e no uso de tecnologia para a emancipação social. De acordo com o Estudo Comparativo dos Sistemas Nacionais de Inovação no Brics, “as possibilidades de crescimento da economia mundial para as próximas décadas residem principalmente em países menos desenvolvidos. O grupo denominado Brics – composto por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul – possui tal potencial”. Na opinião da secretária executiva da Rede de Tecnologia Social (RTS), Larissa Barros, há diversas oportunidades de conexões entre as inovações sociais da Índia e do Brasil: “As iniciativas indianas caracterizam-se pelo reconhecimento do saber popular e sua relação com a inovação. Eles valorizam muito o processo de olhar, identificar e reconhecer. Essa pode ser a grande contribuição para o nosso país”. Tal possibilidade pôde ser constatada durante um Workshop internacional sobre Tecnologias Sociais. O encontro aconteceu dias 4 e 5 de maio, na PUC/RJ, com a participação do PhD indiano, professor Anil Gupta. O evento foi realizado pela Associação Nacional de Entidades Promotoras de Empreendimentos Inovadores (Anprotec), pelo Instituto Gênesis da PUC-Rio e pelas organizações internacionais Honey Bee e Sristi, com o apoio da RTS e da Petrobras. Durante o Workshop, houve muita troca de informações e experiências. Também foi discutido o fortalecimento de parcerias entre o Bra-
Workshop internacional sobre Tecnologias Sociais : troca de informações
sil, a Índia e a China para o compartilhamento de inovações e de Tecnologias Sociais. Na ocasião, Anil Gupta apresentou produtos criados por indianos e indianas. Chamaram a atenção invenções como uma bicicleta adaptada para ser uma máquina de lavar roupa, mecanismos para subir em árvores, motocicleta para portadores de necessidades especiais, sistema de aquecimento de casas e até um dispositivo instalado em celulares para controlar aparelhos eletrônicos, como fornos de microondas. Questionado sobre as convergências entre as inovações indianas e as Tecnologias Sociais brasileiras, Gupta afirmou que são muito importantes e desejáveis. Mas também lembrou que há diferenças na concepção das iniciativas: “No Brasil, há formas de moldar as soluções para as necessidades da comunidade. O que fazemos, na Índia, é um pouco diferente. Buscamos o conhecimento que as pessoas desenvolvem, sem nenhuma ajuda externa. Em seguida, levamos ao laboratório para que esse desenvolva melhor a idéia. O ponto inicial são as pessoas”. Para o diretor do Instituto Gênesis da PUC/RJ e da Anprotec, José Alberto Aranha, é preciso justamente agregar as visões indianas e brasileiras para que históricos desafios sejam superados: “Temos um sistema complexo. Para resolver os problemas sociais, precisamos de muitas ferramentas. Esses mecanismos podem ser solidários, como
as Tecnologias Sociais – incluindo os processos, e o que o professor Gupta divulga como inovações ligadas ao indivíduo”. E complementa: “Precisamos utilizar todas essas possibilidades visando a diminuição da desigualdade social. O que queremos, na realidade, é que as pessoas excluídas possam ter direitos também”. O analista de projetos da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), Rodrigo Fonseca, explica que o Workshop era uma ação prevista no projeto Cooperação Internacional Brasil-Índia, desenvolvido pelas instituições organizadoras do evento: "O objetivo é fortalecer a capacidade dos dois países – e posteriormente de outros - em identificar, documentar, gerar adição do valor, desenvolvimento de negócios através de Tecnologia Social e do conhecimento tradicional para a difusão comercial e não comercial". Fonseca diz ainda que “esta é uma abordagem baseada no uso do conhecimento para redução da pobreza através das inovações tecnológicas realizadas por populações tradicionais, organizações não-governamentais ou inventores isolados”.
Outras Informações: •Anprotec – www.anprotec.org.br •Honey Bee Network – www.honeybee.org •Instituto Gênesis – www.genesis.puc-rio.br •Rede de Tecnologia Social - www.rts.org.br
*Colaboração: Cláudia Mohn PrimeiroPLANO . ano 2 . no6 . junho 2007
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INCLUIR Durante o Workshop Brasil – Índia de Tecnologia Social: Conhecimento, Aprendizado e Práticas, realizado dias 4 e 5 de maio, no Rio de Janeiro, o professor indiano Anil Gupta concedeu uma entrevista exclusiva à RTS. Na ocasião, o presidente-fundador da Honey Bee e coordenador da Sristi fez reflexões sobre as possibilidades de parcerias entre Brasil, Índia e China, no mapeamento e difusão de inovações e Tecnologias Sociais.
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RTS - O Workshop é uma etapa de um projeto de cooperação internacional. Como tudo começou? Gupta - Em 1995, nós começamos a discutir os assuntos dentro da Rede Honey Bee e Srist. De 2000 a 2002, nós desenvolvemos várias ferramentas e o centro de processamento de conhecimento. O propósito era compartilhar informações, entre pessoas, comunidades e países, por meio de um banco multimídia. A idéia era que uma comunidade que viesse lutando por causa de algum problema fosse beneficiada pela solução de outra comunidade. Tecnologias de informação, como a Internet e o computador, poderiam fazer com que fosse possível para as pessoas aprenderem a resolver problemas em sua própria língua, por meio dessa rede de informações. Além disso, fizemos um registro internacional para inovações de conhecimentos. RTS – Como foram iniciados os diálogos entre a Rede Honey Bee e o Brasil? Gupta – Fui convidado para fazer uma apresentação na Conferência Internacional de Tecno-
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Parcerias entre os países
logias Sociais, realizada no Brasil, em 2003, quando foi concebida a RTS. Eu participei dos debates, compartilhei as experiências da Honey Bee e assim iniciamos os diálogos. O atual projeto de cooperação internacional, que conta com a participação da Honey Bee, busca envolver Índia, China e Brasil. Nosso primeiro objetivo é incentivar a busca de inovações em outros países, como a China e o Brasil. Dentre as atividades realizadas em meu país, tentamos verificar como são desenvolvidos projetos nas comunidades. Uma voluntária envolveu seus alunos. Durante as férias, eles fizeram visitas de campo, a fim de buscar inovações. Uma vez descobertos, começaram a ser registrados. No Brasil, nós esperamos que essa lógica ocorra nas universidades e em outras instituições. Queremos mobilizar nossas parcerias para buscar pessoas criativas, bem como detentores de conhecimento. RTS - O senhor percebe quais conexões entre o que é desenvolvido no âmbito da RTS e o que é desenvolvido pela Honey Bee? Gupta - Em primeiro lugar, são técnicas muito importantes e desejáveis. Mas, no caso do Brasil,
há formas de moldar as soluções para as necessidades da comunidade. O que fazemos, na Índia, é um pouco diferente. Buscamos o conhecimento que as pessoas desenvolvem, sem nenhuma ajuda externa. Em seguida, levamos ao laboratório para que esse desenvolva melhor a idéia. O ponto inicial da Honey Bee são as pessoas. Há muitas oportunidades para nós que podemos articular nossos conhecimentos. Mas, para pessoas de cidades pequenas e de periferias, não há essa possibilidade. Daí a importância desse espaço que estamos criando por meio da Honey Bee e parceiros do Brasil e da China. Tal articulação está ligada à ciência e tecnologia, finanças, marketing e design. A expectativa é que sejam gerados empregos e apareçam oportunidades baseadas nesse conhecimento. Outro ponto importante é que selecionamos as melhores práticas e as juntamos, criando novos produtos. Investimos nesses produtos e levamos ao mercado. Qual mercado? O mercado mais popular, de um grupo para o outro. Depois, o mercado vertical, da base para o mercado global. Essa é uma outra abordagem utilizada para melhorar a habilidade dos indivíduos e dos grupos.
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A
publicidade é um meio para divulgar um produto, um serviço ou uma idéia, mas aos poucos foi ganhando fortes poderes de influência sobre a sociedade ao difundir sutilmente valores que devemos seguir, a estética ideal e crenças a respeito do mundo. Foram os consumidores que deram este poder à mídia publicitária e hoje a propaganda reflete os desejos das pessoas. E ao influenciar as atitudes por parte da sociedade, cada vez mais agências se preocupam não apenas em criar peças éticas, como já prevê o Conselho Nacional de AutoRegulamentação Publicitária (Conar), mas em estar em sintonia com preocupações ambientais, questões de gênero, raça, de direitos e valores humanos. A sócia-presidente do Grupo Full Jazz de Comunicação, Christina Carvalho Pinto, em artigo publicado no site da empresa, diz que se a comunicação exerce tanto poder, então “a propaganda pode contribuir para destruir ou reconstruir
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LITTLE GIRLS: uma garota odeia suas sardas. A outra se acha feia. Enquanto uma deseja ser loira, a outra se acha gorda. Esse é o mote da campanha de Dove que estreou em março deste ano. O filme mostra as preocupações precoces de meninas com relação à própria beleza e imagem
CAMPANHA PELA REAL BELEZA: a valorização da mulher que foge dos padrões da moda atual é a marca da campanha da Unilever
a auto-estima das pessoas e sua capacidade de empreender e ser feliz. Ela pode se transformar em legítima alavanca de indivíduos e sociedades, respeitando suas culturas e seus valores e encorajandoos na direção da auto-sustentabilidade”. Esse pensamento é compartilhado por uma leva de publicitários e anunciantes que em alguns casos buscam apenas novas abordagens, mas em outros quer mesmo transparecer as preocupações da empresa com questões relacionadas à responsabilidade social ou ao desenvolvimento sustentável para atender o público consumidor cada vez mais exigente. O trabalho da marca Dove envolvendo uma abordagem diferenciada com relação à beleza começou, no Brasil, em 1992, com campanhas que traziam depoimentos de mulheres reais. A intenção foi se transformando em linha mestra dos comerciais da marca, culminando com a Campanha pela Real Beleza. Foi realizada, em 2004, uma pesquisa global, em 10 países (Estados Unidos, Canadá, México, Bra-
UMA FAMÍLIA NA TELA DA TELEVISÃO PARECE MAIS FELIZ QUE A MINHA. SERÁ QUE TODOS OS COMERCIAIS APRESENTAM MODELOS DISTANTES DA REALIDADE?
PROPAGANDA RESPONSÁVEL sil, Reino Unido, Itália, Alemanha, Japão, China e Arábia Saudita), com 3.200 mulheres de 18 a 64 anos. O resultado mostrava como as mulheres estavam insatisfeitas com a própria beleza e com os padrões estabelecidos pela mídia. O resultado é surpreendente: apenas 2% delas, por exemplo, se consideravam belas. A doutora Susie Orbach, da London School of Economics/ Sociology Department, uma das acadêmicas envolvidas na pesquisa de Dove, afirma que os resultados são realmente alarmantes. “A relação entre a satisfação física da mulher e sua auto-estima é evidente. Os efeitos de um ideal de beleza estreito na sociedade feminina, principalmente nas garotas, são dramáticos. É importante que, como parte da sociedade, ajudemos essas adolescentes a superar os efeitos negativos dos estereótipos de beleza, fazendo com que adotem uma visão mais ampla do que é ser bonita”, diz ela. Segundo a doutora Nancy Etcoff, da Universidade de Harvard e também colaboradora do estudo, a pesquisa demonstra a for-
ça que o diálogo entre mães e filhas possui para impactar positivamente a auto-estima das garotas. “Por meio do estudo, sabemos que as mulheres anseiam por ideais de beleza mais amplos, inclusive para suas filhas. Percebemos isso quando perguntamos sobre seus desejos para as futuras gerações”, conclui a doutora. Ao ter estes resultados, diversas campanhas da marca trazem mulheres que representam a diversidade de formas, tamanhos e idades, com o objetivo de despertar a discussão sobre o tema. Em 2005, Dove foi mais a fundo para desvendar o início do problema e realizou uma segunda pesquisa e para identificar com ainda mais precisão as questões sobre beleza, principalmente com relação ao desenvolvimento da auto-estima, a pesquisa ouviu também meninas e adolescentes entre 15 e 17 anos de idade. E mais, ouviu ainda mães que mostraram como a beleza está inserida na relação mãe e filha. Assim foi criada a nova campanha, onde os comerciais apresentam cada menina com um questio-
namento. Produzido pela agência Ogilvy & Mather no Canadá, o filme foi exibido também na Europa e nos EUA, e este ano no Brasil.
NOVOS IDEAIS A publicitária Christina Carvalho Pinto diz que se “as marcas pulsam como seres vivos e são espelhos de gente, elas podem, através da propaganda, assumir um papel belíssimo neste novo milênio: trazer cada um de nós de volta para nós mesmos”. Verificamos de forma tímida a inserção de alguns valores de responsabilidade social e ética nas propagandas, evitando o uso de estereótipos, a inclusão de informações úteis para a vida do consumidor como o uso moderado de bebidas, muitas vezes apenas obedecendo a legislação. Pode-se dizer que o conceito de propaganda socialmente responsável ainda tem se limitado ao dever de dizer sempre a verdade, mas nota-se vários movimentos e discussões sobre o papel que cabe à propaganda e à empresa em geral como participante da comunidade. PrimeiroPLANO . ano 2 . no6 . junho 2007
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Planeta em debate SEMINÁRIO DE RESPONSABILIDADE SOCIAL E SUSTENTABILIDADE LEVANTA ASSUNTOS COMO MUDANÇAS CLIMÁTICAS E OS IMPACTOS GERADOS POR CADA SETOR DA SOCIEDADE
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omo as mudanças climáticas afetam a produção agrícola e os próprios hábitos da sociedade foi o primeiro assunto apresentado no 2o Seminário de Responsabilidade Social e Sustentabilidade promovido pelo Instituto Primeiro Plano em parceria com entidades do movimento Diálogos pela Responsabilidade (veja quadro) e com o patrocínio da Celesc Distribuidora. Ocorrido no auditório do BRDE, em Florianópolis, o evento reuniu mais de cem pessoas em torno dos temas de responsabilidade social. O pesquisador da Epagri (Empresa de Pesquisas Agropecuárias de Santa Catarina), Maurici Monteiro, fez um resumo de como alguns fenôme-
Na sua fala ele abordou ainda os tipos de tecnologias que podem contribuir para a mitigação destas mudanças, como uso de energia eólica, solar e de biomassa a partir de resíduos. A regressão dos efeitos prejudiciais devem levar em conta uma imediata mudança dos hábitos das atividades humanas, assim como preservação das florestas ainda existentes pela importância do efeito estabilizador que as mesmas oferecem ao meio ambiente. Em seguida o diretor executivo do Instituto Ethos, Paulo Itacarambi, falou do que cada um pode fazer para diminuir os impactos provocados pelas nossas ações. Empresas, organizações e a sociedade como um todo podem mudar os hábitos ou se adap-
50 DIÁLOGOS PELA RESPONSABILIDADE INTEGRANTES: Besc BRDE Celesc Cesusc CIEE Crescer Fundação Casan Fundação Maurício Sirotsky Sobrinho Instituto Primeiro Plano Senac Social Sesi/SC Unimed Grande Florianópolis
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MAURICI MONTEIRO Pesquisador da Epagri
Depois das apresentações, público participou do debate
nos climáticos têm revelado as agressões ao meio ambiente. “O aumento de temperatura em determinadas épocas, a transição do período de chuvas e a chegada de furacões mais próximos da costa são algumas das mudanças que servem de alerta”, comentou Maurici.
tar à nova realidade com menos recursos. Mas Paulo destaca que num estudo do governo inglês revela-se que as adaptações teriam um custo maior do que se mudássemos agora o modo de utilização dos recursos naturais e os hábitos de consumo. “Todas essas questões de dese-
“Quando falamos de responsabilidade social estamos falando de como uma empresa impacta na sociedade com suas atividades. Os efeitos desta atuação podem ou não ser mais responsáveis. Então, assumir e administrar o impacto da sua atividade é responsabilidade social. Temos impacto social, econômico e ambiental. Até há pouco tempo, talvez, não se falasse tanto nisso, hoje é imprescindível estarmos cientes da situação”
PAULO ITACARAMBI Diretor do Instituto Ethos
quilíbrio ambiental devem ser avaliadas em conjunto com o desequilíbrio social. A integridade nas relações é o que baseia as ações de responsabilidade social, ou seja, responsabilidade consigo mesmo e com o futuro”, conplementa Itacarambi. O gerente geral da Fundação Vale do Rio Doce, Sérgio Leite Dias, falou que as atitudes e valores devem ser revistos. Na companhia, foram adotados critérios do GRI (Global Reporting Initiative) para gerir as formas de
(da esq.para dir.) Odilon Faccio, Maurici Monteiro, Paulo Itacarambi e Sérgio Leite Dias
diminuir os impactos sociais e ambientais, realizando sempre uma análise de toda a cadeia de valor. Isso quer dizer preocupação com fornecedores, público interno e consumidores. Sérgio ressaltou que é essencial internalizar os valores na empresa, permitindo que todos se sintam envolvidos com a mudança. DEBATE PROVOCA OUTROS TEMAS Durante o tempo de debate entre os presentes, outras questões importantes foram levantadas, como o consumo consciente, a concessão de créditos ambientais pelos bancos e o envolvimento dos trabalhadores nas decisões a respeito de responsabilidade social. Miguel Minguillo, da Fundação Maurício Sirotski Sobrinho, levantou uma proposta de mobilização mais ampla em torno do tema responsabilidade, algo como o compromisso Todos pela Educação e Paulo Itacarambi respondeu que o Instituto Ethos tem alguns movimentos neste sentido, mas que muitos avanços ainda podem ser feitos para alcançar mais visibilidade entre todos os setores
(empresas, governos, sociedade). O supervisor institucional do Observatório Social, Amarildo Dudu Bolito, destacou que é preciso que os trabalhadores também tenham comprometimento com o que ocorre na gestão da empresa e com a responsabilidade social não deveria ser diferente. Sérgio Leite disse que na Vale do Rio Doce isso é um desafio muito grande, mas há trabalho forte no desenvolvimento de competências na área e na inclusão do assunto em vários projetos e ações com os funcionários. O engenheiro da Celesc, César Bresola, levantou um assunto mais voltado à realidade de Santa Catarina. Como aproveitar os pequenos produtores para que eles colaborem com o freio das mudanças climáticas, sendo que muitos não conseguem nem administrar o dia-a-dia do campo. Maurici Monteiro disse que o plantio de árvores é algo que está sendo difundido e que o incentivo da atividade rural é um caminho longo, mas que passos importantes estão sendo dados, como o programa de reflorestamento e recuperação de áreas degradadas.
“O planeta tem uma determinada capacidade, até no número de pessoas, e em vários aspectos há um esgotamento. Se continuarmos as atividades sem pensar nisso estaremos logo destruindo nosso próprio espaço. No processo de responsabilidade empresarial é fundamental que não se espere pelo outro”
SÉRGIO LEITE DIAS Gerente geral da Fundação Vale do Rio Doce
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AMBIENTE
Cuidando da vida
Celulose Irani: energia de biomassa
ONDE ESTÃO AS ABELHAS?
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Um sumiço misterioso das populações de abelhas preocupa os apicultores alemães, enquanto ocorre um fenômeno semelhante nos Estados Unidos, onde as abelhas estão morrendo. O problema pode ter várias causas, uma delas o ácaro Varroa, oriundo da Ásia, e outra a prática disseminada na agricultura de borrifar as flores silvestres com herbicidas e promover a monocultura. Nos EUA ninguém sabe o que está causando a morte das abelhas, mas especialistas acreditam que o uso em grande escala de plantas geneticamente modificadas poderia ser um fator. Especialistas da Universidade de Cornell, no interior de NY, estimaram o valor que as abelhas geram -polinizando plantas que alimentam animais- em mais de US$ 14 bilhões. O fenômento é recente, continua sendo estudado.
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milhões de hectares é a soma da área das Unidades de Conservação no Estado do Amazonas. O governador Eduardo Braga assinou decreto em abril para criar política estadual de combate ao aquecimento global com compromisso de desmatamento zero. O governo também sugeriu a compensação das emissões de carbono da possível Copa do Mundo em 2014 com preservação da floresta.
news.independent.co.uk www.spiegel.de
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No setor de celulose, a companhia catarinense Irani é a primeira empresa brasileira a desenvolver um projeto sustentável de energia que produz créditos de carbono. Com o primeiro projeto de co-geração de energia elétrica em Vargem Bonita, sede da empresa, a Celulose Irani deixou de emitir 179 mil toneladas de metano e recebeu pela venda desses créditos cerca de R$ 3 milhões. O Projeto Irani de Geração de Eletricidade de Biomassa, de “metano evitado” da empresa, que teve um custo de 23 milhões, utiliza resíduos florestais como matéria-prima para a produção de energia. Elas geram este valor da venda dos créditos no primeiro período de um ano e cinco meses da sua criação. “É a grande oportunidade de associar
desenvolvimento econômico às questões ambientais. E sempre que for possível reduzir a emissão é eficiência”, avalia o Diretor Administrativo e Financeiro e de Relações com Investidores, Odivan Carlos Cargnin. Estas ações vêm ao encontro do Protocolo de Kioto, que define índices de redução de emissão de gases que poluem o meio ambiente e provocam o efeito estufa. Nos países em desenvolvimento, com sua indústria estabelecida e tradicional, gerando lucros e a maior parte das emissões, a redução é mais cara e lenta. Aos países em desenvolvimento cabe diminuir as emissões a partir de fontes limpas de energia. Com isso, surge uma nova possibilidade econômica e sustentável, que em relação aos países industrializados sofre críticas, mas que nos países em de-
Números da Irani - TECNOLOGIA LIMPA - A Irani garante que 100% da energia que produz vem de fontes limpas. Do total da energia consumida pela empresa, 81% são geração própria e todo esse percentual vem de projetos de biomassa, de três Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCHs) próprias e de três termelétricas. - EMPREGOS E UNIDADES – Com cerca de 1700 funcionários e 479 contratações no último ano, a empresa tem cinco unidades em Santa Catarina, no Rio Grande do Sul e em São Paulo. Atua também no mercado internacional em mais de 15 países como Estados Unidos, Alemanha, Holanda, França, Reino Unido, África do Sul, Arábia Saudita, Malásia e nos vizinhos Venezuela, Peru e Paraguai. - FATURAMENTO - No ano de 2006, a empresa de celulose teve um faturamento de R$ 373 milhões, com ênfase para a produção de papel e embalagens e venda prioritária para o mercado interno.
Os créditos de carbono são certificados de acordo com as regras do Protocolo de Kyoto, que prevê mecanismos para auxiliar na redução das emissões de gases do efeito estufa. Um destes é o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL), o único que integra os países em desenvolvimento ao mercado de carbono. O Protocolo obrigou os países industrializados e responsáveis por 80% da poluição mundial a diminuírem suas emissões de gases formadores do efeito estufa, como o dióxido de carbono, enxofre e metano em 5,2%, entre os anos de 2008 e 2012. Os projetos são desenvolvidos, precisam ser registrados pelos governos e aprovados pela ONU. A principal crítica é que por esse mecanismo os países ricos comprariam o direito de poluir, investindo em projetos que são postos em prática apenas nos países em desenvolvimento. Os que defendem a venda de crédito avaliam que a o importante é reduzir a emissão.
Como funciona a emissão de créditos Os países em desenvolvimento têm a oportunidade de cada vez mais realizar projetos sustentáveis e aos mesmo tempo aumentar a sua lucratividade. “Para a Irani, além do impacto positivo na imagem da empresa, há a certeza de uma receita adicional e a garantia que de que estamos gerando energia limpa”, garante Odivan Cargnin. Entre as atividades mais indicadas da produção de créditos estão a substituição de óleo diesel ou carvão mineral em caldeiras por biomassa ou biodiesel, a substituição do óleo diesel de geradores por biodiesel, reflorestamento, captação do gás metano de aterros sanitários ou fazendas de suínos e a substituição total ou parcial do
óleo diesel pelo biodiesel em caminhões, ônibus, tratores, locomotivas, barcos e outras atividades previstas no MDL. As empresas compram em bolsa ou diretamente das empresas empreendedoras as toneladas de carbono seqüestradas ou não emitidas através de um bônus chamado Certificado de Redução de Emissões (CER). Cada tonelada de carbono está cotada em cerca de 15 euros. Cada crédito de carbono equivale a uma tonelada de dióxido de carbono equivalente, observando o potencial de poluição de seis gases causadores do efeito estufa. O CO2 equivalente é o resultado da multiplicação das toneladas emitidas do Gás de Efeito Estufa pelo seu potencial de aquecimento global. O potencial de aquecimento global do CO2 foi estipulado como 1. O potencial de aquecimento global do gás metano é 21 vezes maior do que o do CO2. Portanto, uma tonelada de metano reduzida corresponde a 21 créditos de carbono.
* CO2 - Dióxido de Carbono = 1 POTENCIAL DE
* CH4 - Metano = 21
AQUECIMENTO
* N2O - Oxido Nitroso = 310
GLOBAL DOS GASES DE EFEITO ESTUFA: senvolvimento pode incentivar projetos que respeitem o meio ambiente, gerem menos emissões de gases estufa e mais lucro: o crédito de carbono. Os créditos de carbono do primeiro projeto da Irani foram vendidos à Shell no final de 2006, mas o projeto começou a ser pensado em 2003, quando o crédito de carbono ainda não era muito falado no Brasil. O diretor da empresa conta que o interesse pelo assunto surgiu após a contratação de um funcionário com experiência no setor na Europa, onde o assunto já vinha sendo discutido. Depois das primeiras conversas e das primeiras sondagens, foi chamada a assessoria Ecosecurities,
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* HFC - Hidrofluorcarbono = 140 ~ 11700 * PFC - Perfluorcarbono = 6500 ~ 9200 * SF6 - Hexofluor Sufuroso = 23900
que realiza parcerias entre as empresas interessadas em projetos ecologicamente sustentáveis, para realizar a produção, a compra e a venda de créditos. Desde então, o mercado de créditos de carbono só tem crescido no Brasil e no mundo. Há previsões de que em 2007 o mercado de crédito carbono tenha um potencial, em todo o mundo, de 30 bilhões de euros e de que o Brasil possa responder por 20% desse total, com um potencial de ganho extra de cerca de 6 bilhões de euros. A previsão é de uma pesquisa conduzida pelo consultor Antonio Carlos Porto Araújo, da Trevisan Escola de Negócios, publicada pelo site Carbono Brasil.
Depois dos efeitos positivos do primeiro projeto de venda de créditos, em relação à imagem, à eficiência energética e à lucratividade, a empresa já pensa em novos oportunidades, inclusive utilizando recursos produzidos pelo crédito. O próximo projeto, que deve entrar em funcionamento em dois ou três meses, é de tratamento de efluentes. O projeto está em execução e em tramitação para que receba a autorização de MDL. “O ineditismo, se trouxe alguma demora na primeira execução, trouxe também o benefício de ser a primeira a demonstrar a busca por associar economia, desenvolvimento e meio ambiente”, conclui o diretor. PrimeiroPLANO . ano 2 . no6 . junho 2007
CONSUMO CONSCIENTE
Escolhas felizes
Escala de cores ENERGIA SOLAR VIRA LEI
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A cidade de São Paulo pode aprovar uma lei que obriga todas as novas construções com mais de três banheiros a instalar geradores de energia solar. O projeto se estende a novos hotéis, clubes esportivos, hospitais, escolas, parte da indústria e todos os imóveis com piscina. Os painéis solares devem suprir pelo menos 40% da necessidade de energia para aquecimento de água Os chuveiros elétricos respondem por 8% da demanda de eletricidade no país, chegando a 18% no horário de pico.
25 reais é o valor do vale-investimento criado pelo Itaú. Durante este ano, todos os participantes das reuniões da Associação dos Analistas e Profissionais de Investimento do Mercado de Capitais (Apimec) receberão um “vale-investimento” para ser aplicado em algum projeto da Bolsa de Valores Sociais (BVS), braço de Responsabilidade Social da Bovespa.
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Um novo movimento na Internet defende o uso da cor preta como cor de fundo das telas. Para exibir o branco, os monitores gastam cerca de 74 watts, enquanto uma tela preta consome 59 watts. Para apresentar o branco, é preciso usar todas as cores e para apresentar o preto, é quase como ficar apagado. As medições foram feitas pela Rising Phoenix Design, empresa líder do movimento BlackBack Web Theory (Teoria do Preto de Volta à Web). Baseado nessa escala foi criado o padrão chamado Emergy-C, um conjunto reunindo as cinco cores que gastam menos energia, mais o branco que deve ser usado para as letras. Um exemplo da aparência de um site baseado na Emergy-C, pode ser encontrado no EcoIron um blog voltado para o assunto ambiental na informática.
CORES MAIS ECONÔMICAS
www.ecoiron.blogspot.com
Hambúrguer selecionado A rede norteamericana Burger King, segunda maior cadeia de fastfood do mundo, vai passar a selecionar os fornecedores com base no tratamento que dispensam aos animais. Terão preferência os pecuaristas que não criam os porcos enjaulados ou em caixas que os impedem de se movimentar. O mesmo critério será adotado em relação aos fornecedores de ovos, assim como os
criadores de frango para abate devem usar métodos, preferencialmente, menos agressivos do que os habituais choques elétricos. A compra de produtos de animais criados sem confinamento exagerado trará custos extras à rede de fast-food, mas a empresa garante que não os repassará aos consumidores. A aplicação dessa política se restringe aos Estados Unidos e ao Canadá.
Campanha Cuide sua vez, patrocinou toda a produção do vídeo. A peça já recebeu várias premiações, entre elas o Leão de Ouro no Festival de Cannes e uma premiação especial concedida pela ONU (Organização das Nações Unidas), durante o Festival de Nova York.
O Movimento CUIDE é uma campanha de comunicação do Instituto Akatu apoiada por diversas empresas, que tem o slogan “Consuma sem consumir o mundo em que você vive”. A campanha foi criada para disseminar temas relacionados ao Consumo Consciente, por meio de peças de comunicação a serem veiculadas em TV, rádio, internet, outdoor, jornal e revista. Um dos filmes, “Favela”, foi inspirado em uma peça publicitária criada pela agência Leo Burnett. A Nestlé, por
PASSEIO DE ÔNIBUS Uma parceria entre o Instituto Akatu e a Bus TV vai divulgar o consumo consciente nos ônibus da cidade de São Paulo. A empresa, especializada em implantação de mo-
nitores de TV com programação própria dentro dos ônibus urbanos, está transmitindo os filmes Favela, Etiqueta, Terra e Palavras, da campanha Cuide, durante os intervalos da programação. Segundo a BusTV, as mensagens atingem uma média diária de 100 mil pessoas. A programação da Bus TV tem uma hora e fica no ar, em looping, 24 horas por dia, com dicas, notícias e serviços de utilidade pública. Os monitores estão presentes em 12 linhas e 140 ônibus que circulam na capital paulista.
PEQUENAS DECISÕES
GRANDES ATITUDES Toda pessoa ao passar pelo planeta deixa uma assinatura, a marca de sua passagem. Cabe a cada um decidir que tipo de rastro quer deixar. Não estamos falando sobre atitudes grandiosas ou descobertas espetaculares. Falamos aqui da vida cotidiana, das pequenas ações, das decisões que podemos tomar e que certamente farão diferença no impacto que causamos no meio ambiente. Nesta seção estaremos trazendo dicas úteis para o dia-a-dia, com a palavra de especialistas consultados pela Primeiro Plano. A escolha dos eletrodomésticos que compramos ou a maneira que adotamos para cozinhar podem fazer parte da nossa contribuição. Aqui a Revista Primeiro Plano faz uma avaliação de algumas opções:
DEL
M ATEUS
FORNO A LENHA Bom para assar pizzas, ruim para o meio ambiente. A lenha, seja no processo de extração ou na queima, é um combustível agressivo ao meio. A combustão da madeira gera poluentes e contribui para o processo de aquecimento global.
BIANCO
PEACHKNEE
FORNO A GÁS Por apresentar um processo de combustão mais limpo é uma opção melhor que a madeira. Amplamente difundido, apresenta vantagens sob os pontos de vista da distribuição e custo relativamente barato.
www.eletrobras.com/elb/procel/main.asp
FORNO ELÉTRICO O consumo mensal de um forno pequeno, com potencia de 800 V, sendo utilizado uma hora por dia, é de 16 Kvh, práticamente igual ao consumo de uma TV 29" e equivalente a 25% do consumo mensal de um chuveiro elétrico. Considerando os custos, segurança e impacto ambiental, é uma boa opção. www.cemig.com.br/dicas/dicas_economia.asp
www.energiabrasil.com.br
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AGENDA GLOBAL
Por um mundo melhor
Terra para todos: alimentos e biocombustíveis
Celso Marcatto*
Aumento de demanda pelo etanol e biodiesel abre discussão sobre a produção e distribuição
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M ATEW H OGG
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Com 850 milhões hectares, o Brasil tem uma grande fração do território em condições de sustentar economicamente a produção agrícola, mantendo ainda grandes áreas de florestas com diferentes biomas. As áreas de cultivo agrícola totalizam hoje 60 milhões hectares (apenas 7% do território, sendo cerca de 21 milhões de hectares cultivados com soja e 12 milhões de hectares com milho). A cana-de-açúcar ocupa cerca de 6,5 milhões de hectares. As áreas de "pastagens" correspondem a cerca de 227 milhões de hectares e áreas de florestas (incluindo a produção comercial de madeira) totalizam 464 milhões de hectares.
A crescente preocupação mundial com o esgotamento das reservas de petróleo, somada às questões relacionadas ao aquecimento global, tende a ampliar a demanda internacional e nacional por biocombustíveis. Para atendê-la, as produções de etanol e de biodiesel deverão crescer significativamente. Fala-se em dobrar ou triplicar a produção nacional de etanol. O governo brasileiro propõe a incorporação de 5% de biodiesel no diesel convencional até 2010. Isso certamente vai gerar aumento na produção de cana-de-açúcar e soja, matérias-prima do etanol e do biodiesel, respectivamente. Um relatório da Organização para Agricultura e Alimentação das Nações Unidas – FAO, divulgado no último dia 26 de abril, afirma que o desenvolvimento do etanol e do biodiesel não afeta a produção de alimentos e que a fome não se deve à baixa produção de alimentos. Ainda assim, o problema da fome é real. Afeta mais de 850 milhões de pessoas no mundo e está determinado pela W INNI GIRL
NÚMEROS DA TERRA
milhões de hectares aptos à expansão da agricultura de espécies de ciclo anual. Esta é uma estimativa da Embrapa, que prevê também uma liberação potencial de área equivalente a 20 milhões de hectares proveniente da elevação do nível tecnológico na pecuária.
concentração dos meios de produção e de renda, a má distribuição e dificuldade de acesso aos alimentos. Ou seja, a questão não é se há comida suficiente, mas como esses alimentos são produzidos, como se dá o acesso a eles e quem se beneficia da produção. O Brasil possui hoje mais de 22 milhões de hectares ocupados por soja, três milhões ocupados com eucalipto e seis milhões destinados à produção de cana-de-açúcar, dos quais três milhões envolvidos na produção de álcool. A quase totalidade desta produção está concentrada em monoculturas, controladas por grandes fazendeiros e empresas. A se considerar a tendência atual, a expansão da cana-de-açúcar seguirá o padrão vigente de ocupação de mais áreas no cerrado e na região antes coberta pela Mata Atlântica. A soja, por sua vez, deve acelerar seu padrão de crescimento expandindo-se para o cerrado e, principalmente, para a região Amazônica. É evidente que essa violenta expansão na produção de biDENN
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IMAGEM
J.R.R IPPER/BRASIL
Seis milhões de hectares são destinados à produção de cana-de-açúcar, dos quais três milhões envolvidos na produção de álcool
MAURICEDB
ocombustíveis não deverá acontecer sem impactos sociais e ambientais, também violentos. Dentre os mais prováveis, pode-se ressaltar a ampliação dos conflitos pela posse e uso da terra, o desmatamento e queimadas de grandes áreas, a superexploração da mão-de-obra nas lavouras canavieiras, com efeitos na ampliação da desigualdade e da pobreza no país. Outro impacto importante está relacionado à possível redução das áreas livres para a produção de alimentos. Os primeiros afetados seriam pequenos arrendatários, meeiros e parceiros que utilizam áreas de terras de grandes fazendeiros na produção de alimentos para consumo próprio. Está claro, então, que para poder qualificar biocombustíveis como energia realmente limpa, precisa-se
estabelecer um novo padrão de produção do álcool e da soja, baseado em critérios ambientais e, sobretudo, sociais, muito bem definidos. Neste sentido, caberia aos organismos de Estado regular fortemente setores de produção, transporte e comercialização de biocombustível, como forma de evitar que a expansão das monoculturas – principalmente de soja e cana-de-açúcar – venha a competir com áreas disponíveis para a produção de alimentos, pondo em risco a segurança e a soberania alimentar do país. Os biocombustíveis podem ser uma oportunidade econômica para o Brasil, desde que sejam fortalecidos os mecanismos de regulação e controle, definindo claramente áreas onde é possível expandir, como expandir e quais serão as medidas mitigadoras a serem implementadas, tendo por base o Zoneamento Ecológico e Econômico. Deve-se desenvolver “modelos alternativos” de produção de biocombustíveis que não sejam centrados na monocultura, mas sim na produção consorciada, nos sistemas agroflorestais e na agroecologia. É preciso envolver a agricultura familiar na produção sustentável de
biocombustíveis, como uma alternativa de geração de trabalho e renda e, principalmente, garantir a proteção da agricultura familiar, das comunidades tradicionais, quilombolas, ribeirinhas e indígenas contra a expansão insustentável do agronegócio produtor de biocombustíveis. Especificamente no que refere à produção de etanol, produto controlado pelas empresas do agronegócio brasileiro, caberia também maior fiscalização por parte do Estado no sentido de impedir a já histórica superexploração da mão-deobra nas lavouras, principalmente no processo de corte da cana. Se, como afirma o setor dos agrocombustíveis, o álcool brasileiro tem o preço bastante competitivo em nível internacional, com custo muito menor que o dos EUA, que produzem etanol a partir do milho, seria razoável esperar que o setor gerasse empregos de melhor qualidade. Não é possível aceitar que a manutenção dos preços do álcool em níveis competitivos seja obtida à custa da exploração dos trabalhadores rurais e da ampliação da desigualdade e da pobreza no Brasil. *coordenador de Segurança Alimentar da ActionAid no Brasil
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AENTREVISTA
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A Companhia Vale do Rio Doce (CVRD), uma das maiores empresas de mineração e metais do mundo, está presente em 14 estados brasileiros e em cinco continentes. Líder na produção e exportação de minério de ferro e pelotas, a Vale é uma importante produtora global de concentrado de cobre, bauxita, alumina, alumínio, potássio, caulim, manganês e ferroligas, e prepara-se para iniciar a produção de níquel. É também a maior operadora brasileira de serviços logísticos, operando mais de 9 mil quilômetros de malha ferroviária e 10 terminais portuários próprios, além de importante produtora de energia elétrica para consumo próprio. Em 2007 a empresa manteve um desempenho de crescimento decorrente da expansão da capacidade produtiva da Companhia e maior diversificação de seu portfólio de ativos, o que, segundo a empresa, tem permitido ampliar sua exposição aos efeitos do ciclo econômico entre outros benefícios. Nesta entrevista, a diretorasuperintendente da Fundação Vale do Rio Doce, Olinta Cardoso, conta como a empresa contribui para o desenvolvimento integrado econômico, ambiental e social dos territórios onde a Companhia Vale do Rio Doce atua. Esta é a missão da Fundação, criada com o intuito de fortalecer o capital social das comunidades e respeitar as identidades culturais locais.
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DIVULGAÇÃO FVRD
Vale do Rio Doce: empresa global
ENTREVISTAE As ações da Vale geram efeitos econômicos, sociais e ambientais. De que forma a empresa concilia os seus negócios com a sustentabilidade do planeta? O conceito de sustentabilidade permeia todo o negócio da empresa, trata-se de uma questão estratégica. Não é possível sustentar uma empresa de recursos naturais no longo prazo sem uma constante preocupação com a preservação do meio ambiente, o desenvolvimento sustentado das comunidades com as quais nos relacionamos e a disseminação de valores e práticas entre os nossos empregados que reflitam esse comprometimento. Nos empenhamos para que a nossa trajetória de crescimento promova o desenvolvimento econômico e social, gerando emprego, renda e melhoria na qualidade de vida das populações com as quais interagimos de forma permanente. É importante para a companhia que as comunidades desenvolvam suas competências para que caminhem com as suas próprias pernas. Por isso, só para citar alguns exemplos, buscamos fomentar o desenvolvimento, estimulando o emprego da mão-de-obra local, ajudando a promover a economia da região com o desenvolvimento de pequenos e médios fornecedores locais etc. Ao ser global a Vale lida com diferentes culturas nas Américas, Europa, África e Ásia. Até onde é possível ter uma política de RSE global e quando é necessário adaptar-se a situação local? Tem um
bom exemplo? Adotamos uma gestão baseada em práticas de responsabilidade social, pautando nossas ações em relacionamentos ancorados no respeito a cada um dos públicos com os quais interagimos em diversos lugares. Um exemplo real é a nossa chegada em Moçambique, onde tivemos e temos que entender a cultura local, considerando a sacralização da natureza, os índices relacionados à saúde e as formas de tratamento utilizadas, entre outros aspectos. Desde a etapa de pesquisa, os geólogos precisam participar de ritos para chegar até os locais, entender e respeitar as práticas, valores e costumes. Nossos investimentos locais estão alinhados com as propostas do governo moçambicano para combate à Aids, por exemplo, e buscam fortalecer a educação para prevenção. A suspensão de fornecimento aos guseiros que atuam fora da legislação depois de denúncias de trabalho escravo na produção de carvão vegetal mostrou que a Vale se preocupa não somente com RSE dos seus fornecedores, mas também dos seus clientes. Nas negociações com a China, além dos preços, prazo e qualidade, há outros assuntos tratados, como exemplo, efeitos sobre o meio ambiente, direitos humanos? É importante que entendamos os papéis de cada um dos atores nesta questão. No nosso caso, fornecemos produtos para clientes que possuem licenças de operação
concedidas pelos órgãos competentes. Nossos contratos possuem cláusulas voltadas para as questões trabalhistas e ambientais. Estamos fortemente empenhados na solução desta questão, mas não podemos ignorar a dificuldade, uma vez que uma suspensão unilateral, por parte da Vale, de um contrato juridicamente estabelecido pode ser entendida como uma violação do contrato e questionada judicialmente. Nossa relação com os clientes chineses busca promover o compartilhamento de boas práticas ambientais e sociais. Os principais negócios da Vale contribuem fortemente para o desenvolvimento do Brasil. Como a Vale alia competitividade e conservação de recursos naturais? Ser sustentável é um diferencial de competitividade. As empresas mais competitivas no mundo incluem os princípios de sustentabilidade em seu planejamento estratégico. Portanto, o compromisso com a proteção ao meio ambiente e a gestão dos impactos sociais e ambientais provocados pela atividade mineradora fazem parte do nosso dia-a-dia e da nossa cultura. A Reserva Natural da Vale do Rio Doce em Linhares, no Espírito Santo, é um exemplo de investimento da Vale na preservação, conservação e resgate da biodiversidade. São cerca de 22 mil hectares de Mata Atlântica, preservadas pela Vale, que abrigam o maior viveiro de mudas da América Latina. A Reserva tem capacidade
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DIVULGAÇÃO RTS
AENTREVISTA
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RAIO X RECEITA BRUTA US$ 7,680 bilhões no primeiro trimestre de 2007, uma elevação de 63,4% em relação ao primeiro trimestre de 2006
FUNCIONÁRIOS 127 mil – diretos e terceirizados
No Brasil A Vale possui atualmente operações em 14 estados brasileiros: Pará, Maranhão, Tocantins, Sergipe, Bahia, Minas Gerais, Espírito Santo, Rio de Janeiro, São Paulo, Goiás, Mato Grosso do Sul, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Amazonas.
No mundo No exterior, a Vale está presente em 16 países: África do Sul, Angola, Argentina, Austrália, Chile, China, EUA, França, Gabão, Índia, Japão, Moçambique, Mongólia, Noruega, Peru e Suíça.
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de produção de 45 milhões de mudas por ano, que servem para ajudar na recuperação de florestas e áreas degradadas. Graças a esse trabalho, foi feito o replantio nas encostas das matas do Convento da Penha e dos morros da cidade de Vitória (ES). Estamos participando da restauração ecossistêmica na Ilha Grande, no Rio de Janeiro, e estamos fornecendo mudas para plantio em diversos municípios na Bahia e Minas Gerais. Quais são as principais linhas de ação e projetos que a Fundação Vale do Rio Doce desenvolve? Onde a Vale está fazendo a diferença, ou seja, quais as principais transformações que esses projetos estão provocando? A missão da Fundação Vale do Rio Doce é contribuir para o desenvolvimento integrado econômico, ambiental e social dos territórios onde a companhia está presente, fortalecendo o capital social das comunidades e respeitando as identidades culturais locais. Atuar dessa forma só é possível conhecendo a realidade de cada localidade. Por isso, a Fundação desenvolve, em parceria com empresas especializadas e outras áreas da Vale, diagnósticos sócio-territoriais, que orientam a nossa atuação. Os principais eixos de atuação da Fundação Vale são educação, economia local e cultura. Um dos programas que tem trazido excelentes resultados e ajudado a transformar a realidade local é o Escola que Vale,
ENTREVISTAE cujo principal objetivo é melhorar a qualidade de aprendizagem dos alunos de 1a a 4a série da rede pública a partir da qualificação e formação continuada de professores. Desde 1999, quando o programa foi criado com o Centro de Educação e Documentação para Ação Comunitária (Cedac), 74 mil pessoas entre diretores, professores e alunos foram beneficiadas em 23 municípios. Em muitos casos, o desempenho da escola supera o da escola da capital, por exemplo. Recentemente o Ministério Público Federal (MPF) e a Fundação Nacional do Índio (Funai) entraram com uma ação civil contra a Vale pelos impactos do programa Carajás (PA). O que aconteceu e como a Vale está lidando com essa questão? Para buscar uma solução definitiva no relacionamento com a comunidade indígena Xicrin, formamos uma comissão de negociação com a participação da Vale, Funai e do Ministério Público. Esta comissão tem como objetivo estabelecer um novo modelo de relacionamento entre os Xicrins e a Vale, baseado em projetos estruturantes que levem a autosustentação da comunidade indígena e que preservem as suas raízes. Empresas e governos de 20 países se juntaram numa iniciativa que procura garantir que os investimentos da indústria extrativa em países ricos de minerais sejam utilizados de forma transparente e com critérios de boa governança (Extractive Industries Transparency Initiative (EITI)) .
Ainda não há um participante do Brasil. A Vale pretende aderir a essa iniciativa e como se estabelece em paises com governos instáveis, principalmente na África? Somos uma empresa privada com atuação em 13 Estados e mais de 30 países. Portanto, temos experiência em lidar com situações diversas, lideradas por diferentes ideologias partidárias e sempre atuamos estritamente dentro da legislação dos países onde atuamos. Aderimos ao pacto nacional de combate à corrupção, lançado pelo Instituto Ethos, e somos membros do International Council on Mining & Metals (ICMM), entidade internacional que busca fortalecer a prática de diferentes temas de responsabilidade social, incluindo tomada de decisões corporativas, de governança, direitos humanos, meio ambiente etc. A Vale tem cerca de 127 mil empregados diretos, entre próprios e terceiros. Nos contratos se segue à risca normas de co-responsabilidade trabalhista, isto quer dizer, alguns direitos conquistados pelos funcionários diretos da Vale são estendidos aos terceirizados? Realmente cumprimos à risca a legislação trabalhista vigente em cada país e exigimos seu cumprimento pelas empresas contratadas. Benefícios oferecidos pela Vale por liberalidade ou resultado de negociações sindicais não são automaticamente estendidos a terceiros, pois isto depende das condições de mercado de trabalho específicos e os sindicatos envolvidos nem sempre são os mesmos. Não obstante,
são condições para a manutenção dos contratos o cumprimento da legislação trabalhista, a garantia da saúde e segurança dos empregados terceiros, bem como o compromisso com o meio ambiente e a responsabilidade social da empresa prestadora de serviços. Para lidar com as 16 mil empresas fornecedoras e prestadoras de serviços, a Vale criou uma norma de conduta. Qual o conteúdo, como é verificada e os seus resultados são divulgados? O que a Vale faz se um fornecedor não cumpre as normas? Nossa norma de conduta estabelece um padrão de relacionamento com fornecedores, baseado na transparência, na justiça e na ética. Todos os fornecedores devem compartilhar dos mesmos princípios éticos e de busca de melhoria continua da qualidade ao longo da relação com a Vale. Entre as normas, destacamos que a escolha dos fornecedores é baseada em critérios profissionais, técnicos, comerciais e estratégicos, mantendo-se sempre de acordo com os interesses e necessidades da empresa e garantindo a melhor relação entre o fornecedor e a Vale. Todos são tratados sem preferência, durante todas as etapas de um processo de contratação, e têm o mesmo nível de acesso às informações, independente do tempo de relacionamento com a Vale. Consideramos antiético e inaceitável o desenvolvimento de relações com fornecedores, visando vantagens pessoais.
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SOLUÇÕES
Bons produtos do bem
CAMISETAS COM FIBRA DE BAMBU A Eckzem, marca especializada em jeanswear de Goiânia, aposta em uma linha de camisetas ecologicamente corretas para essa estação. A marca lançou uma linha de camisetas confeccionadas com fibra produzida a partir da polpa de bambu, feita através de um processo natural que não leva química. A empresa promete que o resultado é um produto macio, com toque agradável e com cores mais intensas. O tecido oferece proteção natural contra os raios UV e apresenta, ainda, grande poder de absorção de umidade com alta capacidade de transpiração. Preço Médio Sugerido: R$ 80,00 www.eckzem.com.br
ALIMENTOS COM SELO PARA CO2 SACOLAS BIODEGRADÁVEIS
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Enquanto uma sacola plástica tradicional leva centenas de anos para se decompor, as novas sacolas plásticas oxibiodegradáveis desaparecem em no máximo 18 meses, mesmo que sejam jogadas na natureza. Segundo a Fundação Verde (ONG ambientalista), as novas sacolas são menos agressivas ao ambiente e gastam menos para se decompor porque são mais sensíveis à ação da luz solar, à umidade, à temperatura, além de poderem ser digeridas por microorganismos. A população do planeta aumentou o consumo de sacolas plásticas de forma acelerada (20 vezes mais que há 50 anos), em função dos hábitos de consumo e do baixo custo do material. A população mundial utiliza plásticos desde a década de 1930 e não chega a 5% o total desse plástico que foi incinerado. No Brasil, 1 bilhão de sacos plásticos são distribuídos por mês nos supermercados. www.funverde.org.br
Além de mostrar o conteúdo de gordura, sal, açúcar e outras composições, agora empresas e varejistas de alimentos britânicos planejam adicionar rótulos mostrando a quantidade (em gramas) de emissões de dióxido de carbono (CO2) associadas com a produção e transporte dos alimentos e outras mercadorias. Os primeiros desses rótulos apareceram em abril nos pacotes de salgadinhos Walkers. A rede de farmácias britânica Boots colocará os rótulos de carbono em alguns de seus xampus de marca própria a partir de julho. Esses rótulos foram criados em conjunto com a consultoria ambiental Carbon Trust, financiada pelo governo britânico. A rede varejista Tesco, a maior do Reino Unido, também anunciou planos para aplicar os rótulos de carbono em sua linha de produtos e outras empresas planejam fazer o mesmo. www.carbon-label.co.uk
GRAMPEADOR SEM GRAMPO O site www.wrapables.com está vendendo uma grampeador que não usa grampos. É isso mesmo. Mas como grampear folhas sem grampos? Por enquanto, a solução só vale para grampear até cinco folhas, mas é eficiente. O grampeador perfura as folhas e utiliza o próprio papel para atar o maço. Além de acabar o risco do uso de grampo, há um aspecto ecoló-
gico no novo grampeador. Mesmo sendo feito de plástico, a importância está na economia de aço. De acordo com o Friends of the Earth Scotland (organização escocesa Amigos da Terra), se no Reino Unido cada um dos 10 milhões de trabalhadores de escritórios usasse um grampo a menos por dia, seriam economizadas 120 toneladas de aço por ano.
Sites: www.foe-scotland.org.uk www.the-gadgeteer.com/review/wrapables_staple_free_stapler
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monitor
Por dentro dos números
Poder de compra
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EVOLUÇÃO
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Os dados levantados pelo Dieese, entre 2003 e 2006, revelam que o aumento do salário mínimo totalizou 75%. No primeiro ano (2003), o reajuste foi de 20%, para uma inflação acumulada de 18,5%. No segundo, a elevação foi de 8%, enquanto o INPC acumulou 7%. Em 2006, para uma inflação de 3%, o reajuste ficou em 16,6%, o que corresponde a um aumento real de 13%. Considerando o INPC até março, e o valor do Mínimo de R$ 380,00, o ganho real acumulado no período é 32,1%.
por cento foi o ganho real do Salário Mínimo no primeiro mandato do Governo Lula, segundo estudo do Dieese (Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos)
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Salário Mínimo tem sido uma das bandeiras do Governo Federal para promover a recuperação do poder de compra do trabalhador. Mais de 43 milhões de pessoas têm seu rendimento referenciado no Salário Mínimo. Com o aumento acumulado em 32,10% entre 2003 e 2006, o incremento na economia, segundo o Dieese, é de R$ 16,8 bilhões, enquanto a arrecadação tributária cresce em conseqüência R$ 4,1 bilhões. Para garantir uma continuidade desta valorização e uma crescente recuperação do poder de compra, as Centrais Sindicais se reuniram na Campanha de Valorização do Salário Mínimo, cujos resultados em 2007 foi a criação de uma política anual de reajuste, baseada na inflação e no Produto Interno Bruto (PIB). A partir do ano que vem
EVOLUÇÃO DA POLÍTICA DE SALÁRIO MÍNIMO RECUPERA GRADATIVAMENTE O PODER DE COMPRA DO TRABALHADOR até 2011, o Salário Mínimo será reajustado com base na inflação do período e mais a variação do PIB de dois anos antes. Para 2008, o Mínimo será corrigido pela inflação e aumentado pelo PIB de 2006. O valor do Salário Mínimo hoje já aumentou o poder de compra do trabalhador e o reflexo é na aquisição da cesta básica. Com o valor do Mí-
nimo em R$ 380,00, é possível comprar o equivalente a 2,05 cestas básicas. Esta é a maior relação na série das médias anuais desde 1971. Considerando-se o levantamento feito pelo Sistema de Acompanhamento de Salários (SAS) do Dieese, que reuniu 429 pisos salariais estabelecidos ao longo de 2006, 143 pisos (33% do total) foram corrigidos para valores equivalentes ao novo Salário Mínimo, uma vez que se encontravam em um patamar inferior a R$ 380,00. O aumento do poder aquisitivo do Mínimo também mexe na própria montagem da cesta básica de bens, que procura refletir o que as pessoas consomem normalmente. Em uma nota técnica, o Dieese avalia que a atualização dessa cesta deve, de um lado, incorporar novos bens que passam a fazer parte desse orçamento e, de outro, descartar bens que caíram em desuso. Os alimentos constituem o item de maior peso no orçamento das famílias de baixa renda. A habitação é outro item que não apenas onera o trabalhador
como é um item da lista de bens ao qual a população de baixa renda ainda tem pouco acesso. O IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) estima que o déficit habitacional no Brasil chegue a sete milhões de moradias. Desse total, 83% se concentram nas famílias com renda média mensal de até três Salários Mínimos. O aumento do poder de compra do trabalhador pode se dar, segundo a instituição, através do aumento real do Salário Mínimo, da redução de preço dos produtos e de políticas de governo de incentivo à aquisição de bens como a casa própria. Os estudos do Dieese e as campanhas das Centrais Sindicais indicam que uma política de recuperação do poder aquisitivo do Salário Mínimo (SM) deve contemplar reajustes acima da inflação e mantidos de forma regular. Os aumentos reais devolvem ao Salário Mínimo o ‘status’ de retribuição capaz de possibilitar a manutenção do trabalhador e de sua família, conforme preceito constitucional brasileiro.
ADEMIR FIGUEIREDO, Coordenador de desenvolvimento e estudos do Dieese Há uma política de recuperação do salário mínimo? Nos últimos três anos as Centrais Sindicais brasileiras desenvolveram uma campanha de valorização do salário mínimo. Como resultado das negociações com o Ministério do Trabalho, o salário mínimo teve e seu valor corrigido pela inflação de cada ano, e teve seu valor real acrescido 28,6% entre 2005 e 2007. Na negociação deste ano, foi definida uma política de recuperação do salário mínimo, que vigorará até 2010, fixando-se sua correção com base na inflação e o aumento real com base no crescimento do PIB. Com está política garante-se a recuperação do valor do salário mínimo com base no crescimento da economia. Adicionalmente, a data base de correção do salário mínimo retroagirá em um mês, a cada ano, até ser fixada no mês de janeiro, representado também um resultado positivo sobre o seu valor. Quais as perspectivas para que o salário mínimo acompanhe os preços dos produtos? A correção pela inflação, conforme estabelecido pela política, é uma garantia de recomposição do seu valor na data base. O cenário de estabilidade dos preços, por sua vez, é positivo na manutenção do seu valor real. Projetando este cenário nos próximos anos e garantido o seu aumento real pelo PIB, seu poder de compra tendera a aumentar. Já neste momento, verifica-se que seu poder de compra em relação à cesta básica do DIEESE, em São Paulo, é de duas cestas básicas mensalmente, recuperando uma situação observada há 20 anos. Qual a importância social do salário mínimo? O salário mínimo é referência para cerca de 44 milhões de brasileiros. Dentre os que ganham o salário mínimo, são 16 milhões de aposentados, 13 milhões de empregados, nove milhões de trabalhadores por conta própria, cinco milhões de trabalhadores domésticos. Essa dimensão quantitativa, por si só, já mostra a sua importância social. Também do ponto de vista econômico, ele representa uma grande massa de recursos que atua na dinamização dos setores produtivos, e mais importante, do mercado interno.
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meu mundo
maite proenca V
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“Meu pai foi a primeira pessoa que conheci a construir uma casa
“Sem neuras, ninguém percebe, apenas vou fazendo minha parte silenciosamente”
que funcionava com energia solar. Toda a água quente e eletricidade da casa da nossa família era gerada desta maneira. Funcionava perfeitamente” “Na minha adolescência morei na Europa. Na Alemanha o partido ecológico já era uma realidade de relevância política. Na França, onde vivi mais tempo, as preocupações com a sustentabilidade do planeta também era assunto que se discutia entre gente séria.” “Na adolescência eu era alguém que buscava uma forma alternativa de vida. Estudei nutri-
ção de maneira autodidática durante seis anos. Fui macrobiótica e depois vegetariana, sempre sabendo exatamente o que estava fazendo. Experimentei vários tipos de alimentação baseados em meus estudos e até hoje me alimento de forma bastante saudável. Não é um sofrimento, é uma alegria, porque a essas alturas sei orientar pra que a minha comida saia deliciosa e cheia de paladares com os quais a culinária comum nem sonha” “Em tudo tento ser econômica. Tomo banhos curtos. A água de minha casa é filtrada, e no meu sítio que temos na serra (RJ) ela vem de um poço artesiano. Não esbanjo eletricidade, reutilizo papéis e reciclo tudo que me passa pelas mãos” “Acho importante comprar produtos certificados, do tipo orgânicos ou de matéria-prima certificada”
“Numa esfera particular até repasso estes conceitos. Mas não sou doutrinária porque gente chata não convence ninguém. As pessoas se convencem pelo que percebem que funciona melhor na vida dos outros do que na delas. Ou seja, o exemplo fala mais alto que o discurso” Inauguramos esta seção para mostrar como as pessoas, quer sejam engajadas profissionalmente com o desenvolvimento sustentável ou não, contribuem com o mesmo no dia-a-dia com escolhas, hábitos ou atividades rotineiras. Acreditamos que os pequenos detalhes podem gerar grandes resultados em benefício do futuro do planeta. Coloque você também a responsabilidade sócioambiental e a sustentabilidade em Primeiro Plano.
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Atriz, escritora e apresentadora, Maitê Proença, 48 anos, entusiasma-se com os novos desafios. Em 2004 lançou um livro de crônicas e escreve numa revista semanal sobre suas experiências e pontos de vista. Atualmente em cartaz com a peça “Achadas e Perdidas", baseada em suas crônicas, ela também integra a roda de discussões do Saia Justa, no canal a cabo GNT. Mãe de Maria, de 15 anos, Maitê abriu um espaço na agenda para contar a Primeiro Plano como lida com o tema sustentabilidade no dia-a-dia. Perguntada se prefere consumir produtos de empresas que sabidamente não tenham problemas trabalhistas, ela foi bem sincera e disse que não pensa nisso, mas talvez comece a se preocupar com o assunto a partir de agora.
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