Paraná | p. 7
Ataque à agricultura familiar
Governo manda mais de 100 policiais e ameaça moradores
PARANÁ
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Ilha do Mel urgente
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Paraná | p. 6
Estado extingue por decreto programa Paraná Agroecológico
Ano 4
Edição 168
28 de maio a 3 de junho de 2020
distribuição gratuita
www.brasildefatopr.com.br
Sem casa na pandemia Famílias ocupam área por um direito básico
Wellington Lenon | MST-PR
Brasil | p. 5 Giorgia Prates
SOLIDARIEDADE ORGANIZADA Com apoio mútuo, movimentos sociais e sindicatos fortalecem organização Brasil | Pgs. 3, 4 e 5
Opinião | p. 2
Editorial Bolsonaro briga, e as pessoas morrem
Cultura | p. 8
Falta o Senado Deputados aprovam socorro a trabalhadores da cultura
Paraná | p. 7
Volta sem condições UTFPR decide ter aula a distância
Brasil de Fato PR 2 Opinião
Brasil de Fato PR
Paraná, 28 de maio a 3 de junho de 2020
Enquanto Bolsonaro ataca as instituições, a população está morrendo EDITORIAL
E
ntramos num período aterrorizante da História do país. As mortes causadas por covid-19 passam a marca de 800 pessoas por dia e assistimos ao aprofundamento da crise institucional causada pelo núcleo do governo Bolsonaro. Em Brasília, uma série de episódios mostra o que o governo deseja para o país. O ministro
Heleno ameaça outros poderes. Bolsonaro pressiona a Procuradoria Geral da República. Há uma disputa neste momento entre o grupo autoritário de Bolsonaro no governo e os setores conservadores tradicionais (Globo, STF, Congresso, poder judiciário, entre outros). Moro tenta contra-atacar o governo, mas mostra-se
uma figura decadente com denúncias e entrevistas sem força. Nesta semana, Roberto Barroso, ao assumir o TSE, responde em tom democrático que “é preciso armar o povo de educação e ciência”. Bolsonaro, por sua vez, segue sua propaganda abertamente fascista no Twitter e, no Rio de Janeiro, a Polícia Federal é usada
como arma política, deflagrando ação contra o governador. Enquanto os setores militares, da direita tradicional e do judiciário expressam suas brigas, as pessoas continuam morrendo. Só a organização popular e democrática pode superar estas disputas entre os setores mais conservadores da nossa sociedade.
Dia 28 de maio: a redução da mortalidade materna ainda é um desafio OPINIÃO
Alaerte Leandro Martins,
Integrante da Rede de Mulheres Negras, enfermeira, especialista em obstetrícia, doutora em saúde pública pela USP
A
mortalidade materna e seu respectivo coeficiente é indicador da qualidade de vida e revela a qualidade da assistência à saúde prestada a uma população. A falta da mulher e mãe no lar causa a desestruturação da família, senão até de uma população, como citado pela OPS/OMS (1993): “Uma morte materna afeta diretamente a um número grande de membros da
família e da comunidade que depende dela.” Reconhecendo a magnitude desse problema, no IV Encontro Internacional Mulher e Saúde, em 1984, em Amsterdam, Holanda, foi definido o 28 de maio como Dia Internacional de Luta/Ações pela Saúde da Mulher. No Brasil, o Ministério da Saúde referendou o dia 28 de maio como Dia Nacional de Combate à Mortalidade Materna, para demonstrar a necessidade de realizar ações amplas para reduzir o grave problema. O conhecimento desse indicador
é indispensável para o planejamento e gerência das ações de saúde, em qualquer instância, sendo obtido por meio da análise das declarações de óbito e, se possível, de investigações da causa básica do óbito das mulheres em idade fértil. Os resultados do estudo desse coeficiente são de alta abrangência, fornecendo dados específicos da assistência pré-natal, ao parto e ao puerpério, sem deixar de lado questões como a gravidez indesejada, aborto e tantos outros itens. Embora seja evidente que as
oportunidades de vida e os riscos de morte sejam diferentes para as pessoas, grupos sociais e raciais, não é tão simples expressar numericamente essas variações. O Ministério da Saúde divulgou que, de 1990 a 2017, a mortalidade materna sofreu uma redução de 55%, mas o índice voltou a crescer, passando de 62,1 em 2013 para 64,5 óbitos maternos a cada 100 mil nascidos vivos, em 2017. O Paraná possuía a taxa de 31,7 por 100 mil nascidos vivos. Infelizmente, o número absoluto de óbitos volta a subir em 2018.
EXPEDIENTE Brasil de Fato PR | Desde fevereiro de 2016
SEMANA
O jornal Brasil de Fato circula em todo o país com edições regionais em Minas Gerais, Rio de Janeiro, Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul e Paraná. Esta é a edição 168 do Brasil de Fato Paraná, que circula sempre às quintas-feiras. Queremos contribuir no debate de ideias e na análise dos fatos do ponto de vista da necessidade de mudanças sociais. EDIÇÃO Frédi Vasconcelos e Pedro Carrano REPORTAGEM Ana Carolina Caldas e Lia Bianchini COLABORARAM NESTA EDIÇÃO Alaerte Leandro Martins, Helena Cantão e Venâncio de Oliveira ARTICULISTAS Fernanda Haag, Cesar Caldas, Marcio Mittelbach e Roger Pereira REVISÃO Lea Okseanberg, Maurini Souza e Priscila Murr ADMINISTRAÇÃO Bernadete Ferreira e Denilson Pasin DISTRIBUIÇÃO Clara Lume FOTOGRAFIA Giorgia Prates e Gibran Mendes DIAGRAMAÇÃO Vanda Moraes CONSELHO OPERATIVO Daniel Mittelbach, Fernando Marcelino, Gustavo Erwin Kuss, Luiz Fernando Rodrigues, Naiara Bittencourt, Roberto Baggio e Robson Sebastian REDES SOCIAIS www.facebook. com/bdfpr CONTATO pautabdfpr@gmail.com
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Paraná, 28 de maio a 3 de junho de 2020
Geral | 3
FRASE DA SEMANA
Paraná e Curitiba “controlam” casos de Covid-19, mas tem subnotificação e poucos testes Nesta semana, shoppings e academias reabriram em Curitiba e por todo Paraná. O processo de exposição social ao coronavírus foi autorizado pelo governo do Estado com uma normativa que estabeleceu regras para o funcionamento desses estabelecimentos comerciais. Entre os motivos para a flexibilização está o “controle” sobre os casos de contaminação e mortes. Levantamento do DIEESE aponta que o índice é muito menor do que a média nacional. Por outro lado, o Estado e capital têm subnotificação e não fazem testes em massa. O Paraná possui uma Taxa de Incidência por 100 mil habitantes de 27,1, com 3.099 casos registrados, bem abaixo da nacional que é de 157,5, com 330.890 casos registrados, já Curitiba tem uma taxa de 38,8, com um total de 751 casos, portanto, acima da estadual. Com relação à mortalidade para cada 100 mil habitantes, o Brasil apresenta uma taxa de 10,0, o Paraná 1,3 e Curitiba 1,9. Em audiência pública na Câmara Municipal, a equipe da secretária de Saúde, Márcia Huçulak, descartou testes em massa. A finalidade deve ser “cortar a cadeia de disseminação da doença”, testando pessoas que tiveram contato com casos suspeitos.
“Vamos deixar os imbecis mugirem sozinhos”
Agricultores doam 50 toneladas Agricultores assentados e acampados ligados ao MST, posseiros e faxinalenses do centro-sul do Paraná se uniram para a doação de 50 toneladas de alimentos para moradores da periferia de Guarapuava e Pinhão, no sábado (30). A ação é em solidariedade às famílias urbanas que já enfrentam a falta de comida na pandemia. A atividade vem sendo organizada há pelo menos duas semanas.
Disse o jornalista José Trajano, em sua conta no Twitter, sobre a decisão de veículos de comunicação de pararem de cobrir Bolsonaro na saída do Palácio da Alvorada, situação em que jornalistas estão sendo ameaçados por apoiadores do presidente, sem que a segurança faça nada.
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Feijão e pinhão
NOTAS BDF
Por Frédi Vasconcelos
A verdade das fake news Operação da Polícia Federal cumpriu 29 mandados de busca e apreensão no inquérito das “fake news” contra ministros do Supremo Tribunal Federal. Entre os investigados estão o empresário Luciano Hang (da Havan), deputados da base bolsonarista e profissionais de internet.
Dinheiro da Havan Sobre Luciano Hang, a suspeita é que ele e outros três investigados tenham financiado o esquema de distribuição de fake news. Hang e o empresário Edgard Corona, da academia Smart Fit, o político e blogueiro Winston Rodrigues Lima e o humorista e palestrante Reynaldo Bianchi Junior tiveram seus sigilos bancários quebrados.
Deputado paranaense na roda Entre os deputados federais bolsonaristas, as investigações chegaram ao paranaense Filipe Barros (PSL). Também estão sendo investigados Bia Kicis (PSL-DF), Carla Zambelli (PSL-SP), Daniel Lúcio da Silveira (PSL-RJ), Junio do Amaral (PSL-MG), Luiz Phillipe Orleans e Bragança (PSL-SP), além dos deputados estaduais Douglas Garcia (PSL-SP) e Gil Diniz (PSL-SP).
Só rindo Entre os investigados estão também o ex-deputado Roberto Jefferson, famoso pelo escândalo do Mensalão e que vem negociando apoio a Bolsonaro. Além do dono do site Terça Livre, Allan dos Santos. O que motivou o humorista José Simão a escrever em seu Twitter: “CPI Fakenews! Vão prender a Estátua da Liberdade do Véio da Havan! O Roberto Jefferson queria fuzilar e vai ser fuzilado! E diz que Terça Livre é Quarta Preso!” Evaristo Sa | AFP
As doações vão do feijão e arroz até o pinhão e a erva-mate, típicos da cultura do Sul do Brasil. Também serão doados quirera, fubá, farinha de milho, batata-doce, mandioca, moranga, abóbora, derivados de leite, hortaliças, batata, limão, laranja, banana, sabão caseiro. O MST de todo o Brasil já doou mais de 1.200 toneladas de alimentos. No Paraná, 28 acampamentos e 36 assentamentos doaram cerca de 100 toneladas de comida. Também foram produzidas 2.200 marmitas agroecológicas e 400 máscaras de tecido.
Pós em Agroecologia
Faltou o chefe Outro que escreveu sobre a operação no Twitter foi o ex-candidato à Presidência, Guilherme Boulos. Para ele, “A operação policial de hoje contra a milícia das Fake News é importante. Mas faltou bater na porta do chefe da quadrilha: Carlos Bolsonaro.”
A Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS) – Campus Laranjeiras do Sul está com processo seletivo aberto para pós-graduação em Agroecologia e Desenvolvimento Rural Sustentável. Podem se inscrever graduados em qualquer curso de nível superior. As inscrições vão até 8 de junho de 2020. E existem 20 vagas.
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Paraná, 28 de maio a 3 de junho de 2020
Solidariedade dos sindicatos fortalece relação com movimento popular e social Ações de apoio mútuo envolvem sindicatos, movimento indígena e agricultura familiar Pedro Carrano
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indicatos e centrais sindicais aprofundam ações de solidariedade no período de combate ao Covid-19. As iniciativas se dão no marco de urgência das condições de vida do povo e, como resultado, podem fortalecer a articulação das lutas trabalhistas e lutas populares, ao lado do movimento indígena, de bairro, quilombola etc. São várias iniciativas. Entre outras, o Sindicato dos Educadores da Educação básica, Técnica e Tecnológica do Estado do Paraná (Sindiedutec) organiza ações de solidariedade em Pontal do Paraná, ao lado da área de ocupação Figueiras. Já a APP-Sindicato, durante o período de 27 de abril a 1º de maio, arrecadou alimentos, produtos de limpeza, higiene, fraldas descartáveis, roupas e agasalhos. O Sindicato de Correios do Paraná (Sintcom) auxilia na campanha de arrecadação para levar agasalhos e cobertores aos índios da aldeia Pindoty, que vivem na Ilha da Cotinga a 20 minutos de barco de Paranaguá, no litoral. O Sindicato incentiva também a solidariedade ao lado do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Vera Fama, diretora da Central Única dos Trabalhadores (CUT), elenca a necessidade de ações preservando a integridade dos trabalhadores, como as que têm sido feitas pelo Sindicato dos Bancários. “Os próprios sindicatos passaram a distribuir máscaras para os trabalhadores, eles foram bastante contundentes, fazendo visitas e distribuindo máscaras e álcool gel”, afirma, apontando também ações da Central no Sudoeste e no Oeste do Paraná. A ação de solidariedade se diferencia das ações impulsionadas por grandes empresas, a chamada So-
lidariedade S.A.? Como fazer para que essas ações fortaleçam a organização popular e sindical? Vera acredita que esses trabalhos deixam um saldo organizativo. “Há uma reflexão grande de fortalecer nossas ações de forma conjunta, porque somos interdependentes, as organizações e os sindicatos urbanos, precisamos de nossas atuações em nossas bases, para somar e nos completar”, avalia. Identidade de classe Lucas Barbosa Pelissari, militante do núcleo sindical de base litoral do Sindiedutec, no IFPR Campus Paranaguá, afirma que a parceria com a área de ocupação Figueiras coloca em evidência a necessidade de articulação entre o “setor formalizado de servidores públicos e setores informais da classe trabalhadora, que não têm uma organização por cate-
goria, alguns deles do pequeno comércio, mas a articulação desses setores diversos a partir da defesa da vida”, afirma. A ação de arrecadação dos alimentos também está vinculada a uma pauta de enfrentamento contra o programa estabelecido no governo federal. Pelissari destaca que, na prática, a preocupação dos sindicatos e o apoio mútuo externalizam a falta de prioridade no orçamento para a população. No caso do seu sindicato, denuncia também a tentativa de desmonte das universidades. “Dando continuidade a essas ações que têm potencial de denunciar um pouco os limites da política do Ministério da Economia. Conseguimos discutir isso numa linha de mão dupla. Contribuímos para a luta de moradia, e denunciamos um projeto de privatização”, adverte. Divulgação
Doe agasalhos e cobertores Sede do Sintcom, em Curitiba. Rua Eng. Rebouças, 1595. Das 8h às 12h e das 13h15 às 17h. Até sexta-feira, 29 de maio.
ORGANIZAÇÃO
Ações de Solidariedade e organização popular se fortalecem Pedro Carrano As ações de solidariedade e organização popular se fortalecem na região sul de Curitiba, no chamado “Bolsão Formosa”, área de ocupação que reúne comunidades que lutam por escritura e regularização fundiária, entre outros problemas, há trinta anos. Com o uso de máscaras, prevenção e distanciamento, houve reunião de dois representantes de quatro associações de moradores, ao lado de militantes do Movimento das Trabalhadoras e Trabalhadores por Direitos (MTD), Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e Levante Popular da Juventude. O encontro contou com a participação das associações de moradores Ferrovila, Formosa, Vila Leão, Uberlândia, além do Clube de Mães da Ferrovila. Mais entidades podem vir a se somar neste processo que busca aprofundar a organização nos bairros Fazendinha e Novo Mundo, apontando para uma “União de Moradores”.
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Paraná, 28 de maio a 3 de junho de 2020 Giorgia Prates
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Campanha Periferia Viva faz da solidariedade um meio para organização popular Campanha tem abrangência nacional e conta com coletivos e movimentos populares Lia Bianchini
Ocupação em Campo Magro alerta para crise de moradia no estado Movimento de moradia ocupa imóvel da prefeitura de Curitiba administrado pelo governo do estado Lia Bianchini
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erca de 100 pessoas do Movimento Popular por Moradia (MPM) ocuparam imóvel em Campo Magro, na segunda (25). Sem função social desde 2009, o imóvel pertence à Prefeitura de Curitiba, mas foi cedido ao governo do Estado, há cerca de dois anos. A intenção do MPM com a ocupação é chamar a atenção do governo para a crise de moradia que se agravou com a chegada da pandemia. Na ocupação existem pessoas que perderam seu local de moradia recentemente, por ter ficado desempregada ou por não ter renda para bancar o aluguel. “O que nós queremos é um teto, mais nada. Nós não queremos briga com a polícia. A gente só quer um teto, assim como todo mundo. É o nosso direito. Nós estamos brigando pelo nosso direito, mais nada”, diz uma senhora que participa da ocupação. Na terça (26), a PM esteve na ocupação. Não houve confronto ou violência. Ocupantes relatam que a PM voltou na quarta (27), dificultando a
entrada de pessoas na ocupação. A assessoria de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do Paraná (Alep) acompanha o caso e está fazendo a interlocução entre ocupantes, governo do Estado e as prefeituras de Curitiba e Campo Magro. Por envolver três instâncias, a avaliação da assessoria da Alep é de que a situação se torna mais complexa e há a necessidade de que o estado proponha um plano para enfrentar a crise de moradia. O estado ainda não se posicionou sobre a situação. A prefeitura de Campo Magro também não. A prefeitura de Curitiba demonstrou preocupação, por ser proprietária do imóvel, e deve ir ao local para saber quantas pessoas da ocupação já têm cadastro na Cohab e quais são as especificidades de cada ocupante. A assessoria de Direitos Humanos da Alep trabalha para marcar reunião com todos os envolvidos. A indicação é que a ocupação será mantida até, pelo menos, a reunião e os ocupantes serem ouvidos pelo poder público e serem apresentadas propostas para realocação das pessoas.
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través da solidariedade, semear a organização popular. Esse é um dos objetivos da campanha Periferia Viva, que faz doações às populações mais impactadas economicamente pelo coronavírus. A campanha tem abrangência nacional e é composta por vários coletivos e movimentos populares, dentre eles o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), Movimento de Trabalhadoras e Trabalhadores por Direitos (MTD), a Consulta Popular e o Levante Popular da Juventude. Dirigente nacional do MTD e do Periferia Viva, Eliane Martins conta que a ideia de uma rede de apoio aos mais vulneráveis vinha de antes da pandemia, uma vez que o país já vivia cenário de aumento da desigualdade social. Com a chegada do coronavírus, o apoio e a conscientização da população se fizeram urgentes. “A solidariedade precisa trazer uma dimensão ativa, em que as pessoas precisam encontrar o seu lugar como sujeitos. Nosso trabalho não é só entregar alimentos. Temos que trazer essa dimensão da necessária
participação coletiva das pessoas. Temos de enfrentar, no meio dessa crise, um governo que está nos condenando a uma situação de genocídio”, diz. Muitos dos alimentos doados pela campanha vêm de acampamentos e assentamentos do MST. Integrante do MST-PR, Mirele Gonçalves avalia que esse é um momento de união entre campo e cidade. “Ressignificar a solidariedade de classe tem sido isso pra nós: chegar na periferia com essa alimentação que vem da classe trabalhadora que luta por outra forma de produzir, outra forma de viver e pensar a vida na sociedade, em comunidade, pensar outro campo, com gente e escola, não um campo com monocultura”, afirma. Assim como outras campanhas de solidariedade, a Periferia Viva tem sofrido com a diminuição de doações. Com a chegada do frio no estado, a situação pode piorar. Além de alimentos, há a necessidade de cobertores e agasalhos. “Para enfrentarmos a barbárie, precisamos de muita solidariedade, muita força e trabalho coletivo”, afirma Eliane. Giorgia Prates
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“Todas as famílias querem moradia digna para nossas crianças”, diz moradora da Ilha do Mel
FÔLEGO
Pedido do deputado Tadeu Veneri adia votação de PL
Relato mostra absurdo de ação de “fiscalização” com mais de 100 policiais durante a pandemia Ana Carolina Caldas
“F
oi um absurdo isso acontecer em plena pandemia, chegar mais de 100 policiais. A comunidade toda ficou revoltada. Nós passamos anos e anos largados com no máximo dois policiais na Ilha. Nem na Operação Verão vem esse tanto de polícia aqui,” relata Manuela Ribeiro, moradora da Ilha do Mel desde que nasceu. Ela fala sobre a ação policial que aconteceu na manhã da quinta, 21, para, segundo a polícia, cumprir mandado de fiscalização ambiental por conta de denúncia do Ministério Público de Paranaguá. A ação ocorreu em área ocupada por comunidades tradicionais da região, com a alegação de crime ambiental. Porém, no local há autorização para moradia. Os advogados que defendem as famílias denunciam que a ação foi desproporcional e contraria, inclusive, recomendações de não haver aglomeração em virtude da pandemia. Flávia Rossito, advogada que defen-
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de as famílias, explica que a ação está criminalizando as comunidades. “Esses moradores reivindicam direito à moradia, direito ao território no lugar que sempre viveram. O que está acontecendo é que o estado está desconsiderando o decreto judicial 244/2020 que suspende as reintegrações de posse durante a pandemia”, explica. Para ela, “a saída encontrada pelo estado foi entrar na ilha imputando crimes ambientais para legitimar ação policial.” Filha da Dona Maria Ivete Ribeiro e do já falecido Murici Gostinho, um conhecido pescador da região, Manuela mora na casa da mãe com mais nove pessoas. Por ainda não terem regularização da moradia, a casa está em condições precárias, pois não podem fazer reformas. No dia que foram surpreendidos pela ação policial, o sentimento foi de tristeza porque, segundo ela, “sempre moramos na Ilha do Mel e fomos tratados como bandidos”. “Meu sentimentos são movidos hoje pelo bem-estar do meu
filho. Aliás, todas as famílias querem isso, uma moradia digna para as nossas crianças”, diz Manuela. Desde 2007, as 35 famílias que ocupam a área já demarcada pelo Instituto Ambiental do Paraná (IAP) para assentamento dos nativos da Ilha do Mel pedem realocação. A maior parte das famílias ocupa casas em mais de 15 pessoas e cerca de 90% com crianças pequenas. Manuela disse que gostaria de fazer apenas uma pergunta ao promotor que ordenou a ação: “Por que a agilidade na ordem para nos retirar dos lotes sem sequer vir saber qual a nossa situação”? A ação, no entanto, pode ser já consequência do interesse do estado em transformar a Ilha do Mel em região de especial interesse ambiental e turístico do Paraná. No dia 27 de abril, o governador Ratinho Jr (PSD) enviou à Assembleia Legislativa o Projeto de Lei 262/2020 com essa proposta. Dentre as alterações, o PL quer adequar a reintegração de posse ao estado, e não mais ao IAP. Mas o projeto ainda não foi votado. PUBLICIDADE
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RESPOSTA DO IAP Em resposta ao Brasil de Fato Paraná, a assessoria de comunicação do Instituto Ambiental do Paraná disse que “no dia 9 de maio (sábado) foi constatado pelos técnicos do Instituto Água e Terra e pelo Batalhão da Polícia Militar Ambiental crimes ambientais em andamento com a destruição de vegetação em lotes remanescentes na Ilha do Mel. Fato esse de conhecimento do Ministério Público do Paraná que, em contato direto com a Polícia Militar, solicitou providências no sentido de coibir o andamento dos crimes ambientais na ilha e das invasões.”
O deputado estadual Tadeu Veneri (PT) apresentou requerimento para a retirada por dez sessões do projeto que altera as regras de ocupação do solo e zoneamento ambiental na Ilha do Mel. O pedido de Veneri foi negado por 39 votos a 13 pelos apoiadores de Ratinho Jr., mas o deputado apresentou pedido de vistas e a votação foi suspensa, mas pode ocorrer a qualquer momento. Veneri justificou que o debate do projeto deveria ser mais amplo, o que é impossível durante esse período de pandemia. Um dos itens não especificados no projeto, por exemplo, é qual o impacto financeiro da medida. “Neste aspecto, o projeto é inconstitucional”, diz o deputado. PUBLICIDADE
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Governo do estado ataca agricultura familiar por decreto Medida de março extingue Conselho de Desenvolvimento Rural e Programa Paraná Agroecológico Lia Bianchini
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em grande alarde, o governador Ratinho Júnior (PSD) assinou, em 4 de março, decreto que revoga 699 decretos estaduais publicados entre 1989 e 2018 e que atinge algumas estruturas importantes. No documento, foram extintos, por exemplo, o Conselho Estadual de Desenvolvimento Rural e Agricultura Familiar (Cedraf) e o Programa Paraná Agroecológico. Assim, a medida atinge diretamente os produtores da agricultura familiar e as políticas voltadas ao incentivo a um modo de produção mais sustentável e de respeito ao meio ambiente. Membro da Rede Nacional de Advogadas e Advogados Populares (Renap), Naiara Bittencourt explica que o Cedraf é onde “se consegue monitorar e propor política pública, trazer o panorama de como está a realidade dos agriculto-
res no Estado. [Com a extinção] perderia esse espaço importante de monitoramento e diálogo da sociedade civil com o governo”, explica. Ao ser procurado, o secretário de Estado da Agricultura, Norberto Ortigara, afirmou que “não existe a extinção informada. Ocorreu, apenas,
a equivocada inclusão de dois decretos numa listagem de revogação de atos legais do PR”. A assessoria de imprensa da Secretaria de Agricultura e do Abastecimento (Seab) informou que o Cedraf será recriado no novo regulamento da Seab, “a ser publicado em breve”, e que Divulgação
o Programa Paraná Agroecológico tem sua instância de gestão vinculada ao Cedraf. Naiara comenta que a medida informada pela Seab “tem menos força que o decreto” editado pelo governo do estado e que será necessário novo decreto restabelecendo os programas. “No status jurídico atual, não existe mais o Cedraf nem o Paraná Agroecológico”, explica. Na segunda (25), a Renap enviou ofício à Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do Estado do Paraná e ao Conselho Permanente dos Direitos Humanos do Estado do Paraná listando todos os programas e políticas importantes extintos com o decreto 4.168, pedindo a “averiguação sobre a relevância dos decretos” e ressaltando “a importância do diálogo com a sociedade civil em defesa da democracia e efetivação dos direitos humanos no estado do Paraná”.
Com estudantes e professores contrários, UTFPR decide iniciar aulas online Lia Bianchini
O
Conselho Universitário da Universidade Tecnológica Federal do Paraná (Couni-UTFPR) aprovou a
“volta às aulas” online no sábado, 16. Por não se adequarem exatamente aos métodos da educação à distância (EaD), estão sendo chamados de “atividade didátiReprodução
ca não presencial” (ADNP). Parte do corpo docente da universidade e a maioria das estudantes foram contrários à decisão, principalmente pela forma apressada como foi tomada. “Estão tentando dar um caráter emergencial para sua implantação”, diz Silvana Heidemann Rocha, professora da UTFPR, membro do Couni da UTFPR e da direção regional do Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (Andes-SN). Na análise de Rocha, a implementação apressada das atividades online não leva em consideração parcela dos alunos que
não tem possibilidade de fazer o acesso remoto. Para ela, o papel da universidade pública é prezar pelo direito universal à educação de qualidade. “A grande preocupação que cabe a um conselho universitário é quanto à função social da educação e como salvaguardar o direito constitucional, o direito social à educação, que é um direito para todos”, afirma. Em pesquisa com estudantes, 42% disseram não ter condições de acessar aulas a distância e 31% disseram ter dificuldade de acesso a equipamentos que possibilitem o acompanhamento das ativi-
dades remotas. Estudante de Letras e presidente do Diretório Central dos Estudantes (DCE) do campus Curitiba, Julia Silveira conta que o DCE e centros acadêmicos (CA) de diversos cursos são contrários às atividades online. “Antes de qualquer coisa, a gente se importa com o lado humano, mas também vê a questão da qualidade do ensino. O EaD tem uma metodologia, uma série de regras que devem ser seguidas para garantir qualidade. Quando se descaracteriza muito, você tira a qualidade e sucateia muito a educação”, diz.
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Lei da emergência cultural é aprovada na Câmara, artistas continuam mobilizados Projeto destina verba que já existe em fundo da cultura. Falta aprovar no Senado Ana Carolina Caldas
O
projeto da chamada lei de emergência cultural foi aprovado na terça, 26, na Câmara Federal, de forma quase unânime. A proposta prevê que sejam destinados R$ 3,6 bilhões do orçamento do Fundo Nacional de Cultura (FNC) a estados, municípios e Distrito federal para garantir subsídios mensais para manutenção de espaços culturais, editais, chamadas públicas e prêmios. O próximo passo é a votação no Senado. Segundo a atriz e diretora teatral paranaense Nena Inoue, a mobilização continua. “Diante da votação quase unânime, acredito que a cultura pega o melhor de cada um, independente de ideologia. As falas dos deputados na votação reconheceram a importância dos trabalhadores da cultura. Isso
foi muito emocionante. Deu forças para seguir e fazer o mesmo trabalho de conscientização com os senadores.” Já para Eddie Mansan, ator, produtor cultural e presidente do Conselho Municipal de Política Cultural de Londrina, o dia foi histórico e se deve muito à mobilização dos artistas. “Num período relativamente curto, neste momento de isolamento, conseguimos avançar em frentes de diálogo e conscientização com gestores, parlamentares e sociedade civil.” O texto final da proposta anexa cinco projetos apresentados por diversos parlamentares, com relatoria da deputada federal Jandira Feghali (PCdoB-RJ). Jandira deu o nome de Lei de Emergência Cultural Aldir Blanc, em homenagem ao compositor que morreu vitimado pelo Covid-19.
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A atriz Nena Inoue é uma das defensoras da lei de apoio à cultura
DICAS MASTIGADAS Escondidinho de tudo-que-tem-na-geladeira Por Helena Cantão
A cada semana, publicamos receitas com produtos agroecológicos da rede colaborativa Produtos da Terra, da Sinergia Alimentos Saudáveis e da Rede Mandala. Parte dos ingredientes pode ser encontrada no site produtosdaterrapr. com.br
Por Venâncio de Oliveira
A floresta dos devaneios Ela adentrava em meio à neblina dourada, porém perigosa. Ali buscava a floresta das trevas. Sorria e seguia o impulso de tesão que a fizera chegar até aqui. Mesmo que a escuridão medrasse os tolos. Ali encontrara no estalar de línguas, o lugar de seu passado e vira a si mesma em meio aos jogos e brincadeiras. O ritmo alucinado do prazer inundara seu mundo. Eram jogos selvagens? Mas o selvagem tem algo de sacro? Ela viu a si mesma e teve medo da grandiosidade de seus próprios mortos. Seus olhos brilharam com a cegueira da lua. Ali vivera tanta beleza. Fora desafiada e cega-
da pela navalha de seu orgulho. Quantas vezes ela fizera boas jogadas. Era destaque entre meninos. Depois deu seu primeiro beijo na menina que amara. Lembra quando você apresentou teu primeiro show de rap. Logo seu primeiro filme. Resplandecente coloriu o bairro com possibilidades de alegria. Ela era toda uma navalha e a árvore caía em meio à imensidão. O fogo parecia trazer outra vez as trevas da tradição, mas iluminava tanto que o precipício invocava o tesouro da grandiosidade do que ela ainda poderia ser. Ali o morcego bateu asas e ela sentira como a vaidade podia ser bela e grotesca.
Ingredientes Banha de porco ou óleo para refogar Sal a gosto Queijo mussarela e queijo provolone Campo Vivo ralados e misturados a gosto Purê 5 inhames orgânicos descascados 5 batatas inglesas orgânicas descascadas Igo rN 1 cebola orgânica az ári pequena picada o 1 colher de sopa de nata Terra Viva Recheio 1 cebola orgânica pequena picada 3 dentes de alho orgânico descascados e picados Pimenta do reino a gosto 1 xícara de chá de salame picado 1 chuchu orgânico descascado e picado ½ abobrinha orgânica picada 5 folhas de escarola orgânica 1 tomate orgânico grande bem maduro Cebolinha orgânica picada a gosto
Como Fazer Coloque os inhames e as batatas para cozinhar em água salgada até ficarem a ponto de desmanchar. Refogue a cebola, o alho e a pimenta do reino na banha de porco. Quando estiverem quase dourados, agregue o salame e continue refogando. Agregue a abobrinha e o chuchu, diminua o fogo no mínimo e tampe. Corte as folhas de escarola em tiras fininhas e agregue à mistura, tampe novamente. Corte o tomate em pedaços pequenos e agregue à mistura. Caso tenha soltado muita água, aumente um pouco o fogo e deixe até secar. Desligue o fogo e acrescente a cebolinha. Retire as batatas e os inhames do cozimento e os amasse bem. Em outra panela, doure a cebola em banha no fogo baixo, acrescente as batatas e inhames já amassados, misture e incorpore a nata. Em um recipiente refratário médio, espalhe o purê sobre toda a superfície. Coloque o recheio sobre a cama de purê e cubra com outra camada de purê. Coloque os queijos ralados por cima e leve ao forno para gratinar.