Araucárias em risco
Giorgia Prates
Porém | 3
Cultura | 8
Grito de Resistência
Ausência de políticas de preservação agrava redução da espécie
Manu Cappu aposta no Hip Hop e em suas raízes africanas
Isabella Lanave
PARANÁ
Ano 4
Edição 172
25 de junho a 1º de julho de 2020 Wellington Lenon
distribuição gratuita
www.brasildefatopr.com.br
Desprezo à vida Erros de Prefeitura de Curitiba e governo do Paraná, desrespeito aos funcionários da Saúde, tentativa de implementar políticas nos conselhos a toque de caixa e idas e vindas na flexibilização fazem do estado um caso preocupante de aumento da Covid-19. Brasil | 4 e 5 Giorgia Prates
Solidariedade faz diferença MST chega a 232 toneladas de alimentos doadas no Paraná. No final de semana recente, foi a vez de 3 mil famílias na periferia de Londrina, que receberam sacolas com 14 quilos de produtos colhidos nas hortas dos camponeses. Direitos Humanos | 7
Cidades | 4
Brasil | p.| 62 Editorial
Direitos | 6
Despejo marcado
Mais um escândalo
Saúde indígena
Greca ameaça família de oito pessoas em área no parque Cambuí
Governo de Bolsonaro torna-se a cada dia mais insustentável
Aldeia tem explosão de casos de Covid em São Miguel do Iguaçu
Brasil de Fato PR 2 Opinião
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Paraná, 25 de junho a 1º de julho de 2020
Mais um escândalo do governo Bolsonaro EDITORIAL
B
baia. Bolsonaro, por sua vez, foi ao funeral olsonaro afunda o país e a si mesmo. de um paraquedista no RJ para se escorar Na Educação, o ex-ministro Weintraub nas Forças Armadas. (investigado pelo STF) fugiu rumo aos EUA, Cada vez mais desgastado, deixando um rastro de escânesses escândalos não serão dalos: investimentos que fa- A prisão de os últimos, enquanto o “prevorecem empresas e aplicativos ligados ao governo, como Queiroz, em uma sidente” estiver preocupado em salvar os filhos da prisão e o caso da plataforma IPTV, propriedade de a si mesmo do impeachment, responsável pelas aulas on-liWassef, foi a desprezando os 50 mil mortos ne no Paraná, que também gerencia a TV Bolsonaro, expon- cereja do bolo da por Covid-19. É preciso tirá-lo dali! do estudantes e professores a crise política De agora em diante, cada conteúdos governistas, além ação de unidade da esquerda, de contratos no valor de R$ 41 de apoio às lutas dos trabalhadores, caso da milhões, fechados com a empresa da ex-esgreve dos entregadores de aplicativo, no dia posa de Wassef, advogado dos Bolsonaro. 1º de julho, contribuem para o desgaste do A prisão de Queiroz, em uma propriedapoder bolsonarista. Mais denúncias podem de de Wassef, foi a cereja do bolo da crise estourar. Quem foi o mandante do assassipolítica. Não há explicação para o que o minato da vereadora Marielle Franco? liciano e ex-assessor de Flávio fazia em Ati-
SEMANA
Produzir alimentos saudáveis para o povo brasileiro OPINIÃO
Ceres Hadich,
mestre em Agroecologia e Agricultura Sustentável, agricultora e assentada no norte do Paraná, integrante da Direção Nacional do MST
O
segundo eixo do Plano Emergencial de Reforma Agrária, lançado pelo MST no dia 5 de junho, nos traz ao encontro de umas das mais nobres missões da Reforma Agrária Popular: produzir alimentos saudáveis. Ao fazer a luta pela reforma agrária, reivindicando que sua função social seja cumprida, e ao libertar a terra do latifúndio, da exploração e das relações de opressão, novas formas de produzir e reproduzir a vida começam a existir. Assim, a Agroecologia, como bandeira e como prática concreta, se enraíza cada dia mais na dinâmica e no trabalho das famílias camponesas que vivem nos territórios de reforma agrária. Para que e para quem produzir alimentos saudáveis? Produzir para comer! Parte do nosso objetivo na luta pela terra é melhorar a vida das famílias camponesas, e, portanto, produzir comida sem veneno, com diversidade, com fartura e
qualidade é central. Produzir para praticar solidariedade é um valor e uma prática de vida para o MST. É necessário produzir comida para poder compartilhar com aqueles e aquelas que não têm. Nossa gratidão pela conquista da terra também se expressa na medida em que compartilhamos com quem precisa de parte de nossa produção, fruto de nosso trabalho. Especialmente em tempos de pandemia e aprofundamento da crise, o Movimento Sem Terra vem sendo contundente em ações concretas e permanentes de solidariedade, com as populações mais vulneráveis, estejam elas no campo ou na cidade. No Paraná, foram mais de 232 toneladas de alimentos doadas desde o início da pandemia. Finalmente, produzir para gerar renda, pela produção agrícola, a cooperação e a agroindustrialização. Com essas medidas, é possível estimular o desenvolvimento das áreas de reforma agrária. Também são medidas para estimular a segurança e a soberania alimentar do povo brasileiro, direitos fundamentais para a construção de uma nação livre e saudável.
EXPEDIENTE O jornal Brasil de Fato circula em todo o país com edições regionais em Minas Gerais, Rio de Janeiro, Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul e Paraná. Esta é a edição 172 do Brasil de Fato Paraná, que circula sempre às quintas-feiras. Queremos contribuir no debate de ideias e na análise dos fatos do ponto de vista da necessidade de mudanças sociais.
Brasil de Fato PR | Desde fevereiro de 2016 EDIÇÃO Frédi Vasconcelos e Pedro Carrano REPORTAGEM Ana Carolina Caldas e Lia Bianchini COLABORARAM NESTA EDIÇÃO Ana Keil, Ceres Hadich, Fernan Silva, Isabella Lanave, Isadora Stentzler e Venâncio de Oliveira ARTICULISTAS Fernanda Haag, Cesar Caldas, Marcio Mittelbach e Roger Pereira REVISÃO Lea Okseanberg, Maurini Souza e Priscila Murr ADMINISTRAÇÃO Bernadete Ferreira e Denilson Pasin DISTRIBUIÇÃO Clara Lume FOTOGRAFIA Giorgia Prates, Wellington Lenon e Gibran Mendes DIAGRAMAÇÃO Vanda Moraes CONSELHO OPERATIVO Daniel Mittelbach, Fernando Marcelino, Gustavo Erwin Kuss, Luiz Fernando Rodrigues, Naiara Bittencourt, Roberto Baggio e Robson Sebastian REDES SOCIAIS www.facebook.com/bdfpr CONTATO pautabdfpr@gmail.com
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Paraná, 25 de junho a 1º de julho de 2020
Geral | 3
FRASE DA SEMANA
“Esse governo está alinhado a um projeto de destruição do Brasil”
Araucárias podem ser extintas em 50 anos Velocidade do desmatamento conta com a colaboração do governo do Paraná e federal A Araucária, símbolo do Paraná, pode entrar em extinção em 2070. Daqui a 50 anos. Segundo um estudo da Universidade de Reading, no Reino Unido em parceria com a UFPR, em 2009 as áreas remanescentes não passavam de 12%. Em dez anos, caiu para 6,5%, sendo que 98% dessas áreas restantes não são protegidas. Pior, depois de décadas de exploração irresponsável e ausência de fiscalização, resta menos de 1% de floresta com araucária em bom estado de conservação. A extinção pode ser acelerada por iniciativas atuais do poder público. Governo do Paraná e federal têm atuado para enfraquecer ainda mais a fiscalização e a proteção ambiental. O tal “passar a boiada” do ministro Ricardo Salles. Por aqui, um projeto de lei busca autorizar o corte de araucárias. Já uma empresa do setor elétrico recebeu autorização para desmatar em 24 municípios paranaenses. O progresso que destrói. Para Ogiem Guimarães, diretor-executivo do Observatório de Justiça e Conservação, no 24 de junho, data que marca o Dia da Araucária “o desmonte ambiental promovido pelo governo federal se espalhou pelo governo paranaense”.
Disse em entrevista ao programa “Roda Viva” o jurista e filósofo Silvio Almeida. Para ele, a negação do racismo, principalmente no momento histórico em que vivemos, é um “reforço de posições racistas.” Divulgação
Reprodução
NOTAS BDF
Por Frédi Vasconcelos
Um ministro que foge O governo Bolsonaro teve que reeditar a data de demissão do ex-ministro da Educação no Diário Oficial. Na sua pressa para fugir da Justiça, Abraham Weintraub viajou para os Estados Unidos, com passaporte diplomático, enquanto ainda era ministro. A data foi alterada de sábado, 20, para sexta, 19, para esconder a irregularidade. Quem não perdoou a pressa foi o presidente da Câmara, Rodrigo Maia: “Ele estava fugindo de alguém?”, questionou.
Ninguém quer ele lá Mas o ex-ministro terá dificuldade para ocupar cargo no Banco Mundial, para onde Bolsonaro pretende mandá-lo. A Associação de funcionários do banco mandou carta à direção da instituição lembrando algumas pérolas do ex-ministro, como “um tuíte de acusação racial que zomba do sotaque chinês, culpando a China pelo novo coronavírus e acusando-os de “dominação mundial”, levando o Supremo Tribunal Federal a abrir uma investigação sobre acusações de racismo (crime no Brasil). Weintraub sugeriu que os juízes da Suprema Corte fossem presos.”
CoronaFeder na vaga? Um dos cotados para assumir a vaga do ministro fujão é o atual secretário de Educação de Ratinho Júnior, Renato Feder. Ele é conhecido por defender interesses das empresas privadas na educação e foi apelidado pela APP Sindicato, dos professores da rede pública de Paraná, de CoronaFeder, por ser “um vírus letal para a educação”, segundo a entidade.
Faz-de-conta Um dos efeitos do CoronaFeder, para os professores, é o ensino a distância para educação básica. Ele “quer chegar às casas dos estudantes, privando-os de qualquer contato com o professor e promovendo um verdadeiro faz-de-conta da educação. Repassa recursos públicos à iniciativa privada e obriga professores a acompanhar virtualmente turmas com excesso de alunos e sem horário definido de trabalho”, denuncia a APP. Divulgação | MEC
COLUNA DA
JUVENTUDE
Juventude que luta por vida No primeiro domingo de junho, as ruas, até então ocupadas por bolsonaristas, passam por uma reviravolta e são tomadas por jovens ativistas, militantes e torcidas organizadas. Com pautas antirracistas e antifascistas, denunciamos a violência policial, desaprovamos o governo e mostramos que, embora arriscado, sair às ruas foi um acerto. De forma organizada os jovens expressaram a preocupação e o entendimento das contradições da realidade e gritaram que não aguentam mais o show de horrores da política genocida brasileira. No Brasil, a polícia mata cinco vezes mais que a dos EUA, sendo a maioria jovens negros. Esta força autoritária foi demonstrada nos cercos feitos pela PM em atos de diversas cidades. Precisamos lembrar que aqui o negro não ficou livre com a canetada da princesa Isabel (lei Áurea). O que essa História nos conta é que, sem falar sobre racismo, seguiremos distantes de uma democracia social e reféns do sistema. E o que essa juventude nos conta é que estamos em busca de um Projeto Popular, que nos considere vidas importantes. Anna Keil, Anna Keil é militante do Levante Popular da Juventude e secretáriageral da União Paranaense dos Estudantes (UPE) Fernan Silva, militante do Levante Popular da Juventude e estudante de Ciências Sociais
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Paraná, 25 de junho a 1º de julho de 2020
A família Camargo está ameaçada de despejo Prefeitura notifica família de oito pessoas que ocupa há trinta anos área de preservação permanente Pedro Carrano
U
ma casa de dois andares e construção ampla fica na Rua Paulo Roberto Rego Barros Biscaia, número 14, numa esquina nos fundos do Parque Cambuí, no bairro Fazendinha, local onde praticamente não circula ninguém, ao contrário da entrada do parque. Ali, a família de oito pessoas de Joanin Camargo e Lenira Santos Camargo, ao lado das filhas Joana e Amanda, que vivem naquele espaço há trinta anos, receberam notificação de despejo forçado em pleno período de pandemia da Covid-19. O prazo é de sessenta dias para a saída, a contar da notificação. Exis-
te, com isso, ameaça de uso de força policial. “Nesse período é muito difícil a gente tomar qualquer resolução ou atitude”, afirma Amanda Camargo, mãe de uma criança. Ao total, são dois menores de idade na casa. A dificuldade da situação se deve ao fato de a área ser de preservação permanente (APP). Embora a primeira decisão do Tribunal de Justiça, de 2016, reconheceu a estadia da família no local, além de atentar para o risco da retirada das pessoas. Porém, a decisão final, de 2019, não reconhece o direito da família nem mesmo à indenização. “Como há duas decisões contraditórias, caberia recurso ao Superior
Tribunal de Justiça (STJ), até porque no primeiro acórdão o desembargador fala da questão social”, afirma Ivan Carlos Pinheiro, integrante da União de Moradores, que organiza associações do Fazendinha e Novo Mundo. Conto do absurdo A realidade pode se assemelhar a uma daquelas ficções próprias de um conto do absurdo. Moradores locais datam ali de 1979, em terreno inicialmente cedido pela prefeitura para a venda. Anos depois, a Cohab teria reivindicado o terreno para realocação. Entretanto a família não concordou com o local precário para onde a companhia planejava levá-los. No
bairro, tal ameaça recai apenas sobre a família Camargo. “Nós reconhecemos que o terreno não é nosso, não sabíamos que era da prefeitura, temos dois filhos, somos trabalhadores autônomos nestes tempos de crise, o problema é não termos qualquer indenização por parte da Prefeitura”, lamenta Joana. Pela localização do imóvel, verificada pela reportagem do Brasil de Fato Paraná, a Prefeitura dificilmente usurá aquele espaço para outra finalidade. Logo ao lado, há canchas de futebol e esportes no mesmo espaço. Não há outras famílias na mesma condição e nem ameaça de que a ocupação do solo se amplie.
Pedro Carrano
VISÃO DA PREFEITURA Procurada pela reportagem do Brasil de Fato Paraná, a assessoria de imprensa da Prefeitura forneceu o seguinte posicionamento: “A ação reivindicatória que buscou a desocupação da área do município data de 2015. Foi julgada no ano passado, com ganho de causa à Prefeitura, o que se repetiu após recurso julgado novamente em fevereiro deste ano. Pela decisão, assim que notificada, a família tem 60 (sessenta) dias para fazer a desocupação. Cabe ressaltar que trata-se de uma área de preservação ambiental, que não pode ser habitada, o que acarreta em riscos não somente para o meio ambiente, mas também para quem faça a ocupação irregular. A Cohab informa que prestou assistência a outras 34 famílias que ocupavam o local. Parte foi realocada para o Moradias Arapoti e parte para o Moradias Corbélia. Outras optaram por locação social. A família em questão, não aceitou atendimento”, afirma a gestão.
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Paraná, 25 de junho a 1º de julho de 2020
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Postura contraditória de Greca leva população a não respeitar isolamento social
Giorgia Prates
Parlamentares analisam cenário crítico de combate à pandemia em Curitiba
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Órgão discute medidas contra a pandemia, mas não aplica em seu funcionamento Ana Carolina Caldas
S
Ana Carolina Caldas
s paranaenses chegaram a aderir em março, início da pandemia, ao isolamento social. No mesmo mês, o governo do Paraná editou decreto com medidas e restrições, como o fechamento de shoppings, igrejas, escolas e academias. Dois meses depois, mesmo com a curva de contágio crescendo, a Prefeitura de Curitiba deu início à flexibilização das regras, com mensagens contraditórias que levaram a população a deixar o isolamento. De março a maio, o índice de isolamento social em Curitiba caiu de 67% para 37%, segundo a empresa In Loco, que considera a geolocalização de celular para medir o respeito às medidas de prevenção. Em maio, academias, shoppings, bares e igrejas foram autorizados a voltar a funcionar em Curitiba. Segundo dados da In Loco, nesse período, o índice de isolamento social foi o pior de todos, de 28%. De um lado, a autorização para reabertura das atividades e, de outro, gestores culpando a população pelo aumento de contaminados. O secretário estadual de Saúde do Paraná, Beto Pretto, chegou a dizer à imprensa que o aumento do número de casos nos últimos meses (maio e junho) se deu, entre vários motivos, pelo maior número de pessoas nas ruas após as compras do Dia das Mães. A secre-
Conselho Estadual de Saúde é pressionado a fazer reuniões virtuais
tária municipal da Saúde de Curitiba, Márcia Huçulak, chegou a dar broncas em redes sociais nos curitibanos que estavam aglomerados nas ruas. Para a vereadora Professora Josete (PT) e o deputado estadual Goura (PDT), não se pode culpar a população. No debate promovido pelo Brasil de Fato, no programa BDF11h30, analisaram o cenário da pandemia. Para Goura, “difícil ficar culpabilizando a população se o poder público manda informações contraditórias. Assim, cada um vai fazer o que acha que é de direito diante dessa má condução.” Para ele, o momento é de uma gravíssima crise sanitária no mundo e, no Brasil, isso se agrava com a questão social já fragilizada. “Em todos os níveis de governo temos pouca preocupação com a questão social que se agrava. Junto a
isso, há essa grave crise política, com o presidente da República desdenhando do potencial de danos da pandemia. O que temos em nível federal temos aqui também, com a população à deriva.” Já para Josete, há uma fragilidade na condução da política de combate ao coronavírus. “Curitiba começou bem. De início houve uma adesão da sociedade ao isolamento social. Mas, logo depois, porque a gestão tem se deixado levar pela pressão dos setores econômicos, ficou esse abre e fecha do comércio e outros setores, incentivando as pessoas a voltarem a uma normalidade que não existe.” Para a vereadora, não há, por parte da Prefeitura, planejamento a médio e longo prazo. “Acho que não fizeram, por exemplo, um desenho de um cenário como este em que estamos chegando à lotação das UTIs.”
egundo relatos de integrantes do Conselho Estadual da Saúde do Paraná, as reuniões realizadas, desde o início da pandemia do coronavírus, foram com a cobrança de presença obrigatória. Somente após pressão de conselheiros representantes da sociedade civil e sindicatos, em junho foi convocada a primeira reunião virtual. Os conselheiros questionam por que um órgão da saúde não implementa medidas de prevenção ao coronavírus em suas reuniões. Grande parte de empresas, por exemplo, adotou o homem office para evitar aglomeração. “Na última reunião no mês passado (maio), os conselheiros foram chamados a estarem presentes. Deram a opção para quem não podia acompanhar de usar um aplicativo de celular. Isso foi feito sem orientação prévia e muitos não tinham acesso ao aplicativo”, relata uma conselheira. Segundo ela, os integrantes do Conselho temem faltar porque podem ser depostos do cargo. “Que não conseguiu acessar o aplicativo foi à reunião para não ter faltas. Eu fui e presenciei aglomeração, não cumprimento de distanciamento e muitos representantes do governo sem máscara”, conta. Após pressão de conselheiros, foi marcada a primeira reunião virtual para a terça, 23 de junho. “A grande questão é que o Estado não pensou nos conselheiros. Pensou apenas que precisava ter quórum para aprovar suas questões. É contraditório discutir prevenção em nossas reuniões se a prática é outra”, diz a conselheira.
de Fato PR 6Brasil Direitos Humanos
Aldeia tem explosão de casos de Covid-19 no Paraná Dos 35 casos na aldeia, 20 são de trabalhadores do frigorífico Lar Cooperativa Agroindustrial Divulgação
Isadora Stentzler
E
m menos de uma semana, a Terra Indígena Tekoha Ocoy, no município de São Miguel do Iguaçu, Oeste do Paraná, passou de quatro para 35 casos positivos de Covid-19. Com a explosão do número de infectados, a aldeia foi interditada e o Ministério Público do Trabalho (MPT) e o Ministério Público Federal (MPF) recomendaram à empresa Lar Cooperativa Agroindustrial que afastasse os trabalhadores indígenas – já que 20 dos 35 casos positivos são de trabalhadores que se infectaram nas unidades. De acordo com o cacique Celso Japoty Alves, a empresa ainda não se manifestou. As recomendações do MPT e MPF são para as unidades de Matelândia e Medianeira, também do Oeste do Paraná, onde trabalham cerca de 45 indígenas da aldeia. No documento, assinado na sexta-feira, 19, os procuradores Fabrício Gonçalves de Oliveira e Indira Bolsoni Pinheiro solicitam que os PUBLICIDADE
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Paraná, 25 de junho a 1º de julho de 2020
Secretaria de Saúde do Paraná não cumpre medidas de prevenção Ana Carolina Caldas
funcionários indígenas sejam afastados imediatamente, sem ônus ao salário. A Lar Cooperativa Agroindustrial também não deve realizar qualquer rescisão de contrato, de acordo com a recomendação. Caso os trabalhadores sejam demitidos, a empresa pode responder por “ato discriminatório”. A recomendação foi feita após uma reunião por videoconferência entre Ministério Público do Estado do Paraná (MPPR), MPF, MPT, entidades de órgãos federais, estaduais e
municipais mais o cacique da Terra Indígena, e considera o risco dos indígenas diante da escalada de casos após as contaminações na empresa. Segundo o último boletim epidemiológico, de terça-feira, dia 23, a Terra Indígena Tekoha Ocoy tinha 35 casos confirmados da doença, 18 casos suspeitos (aguardando resultado), 15 casos suspeitos (aguardando coleta), 24 descartados e um profissional afastado. Segundo o cacique, não há indígena em estado grave.
Trabalhadores do grupo de risco trabalhando, aglomerações nos locais, refeitórios com pouco espaço, servidores fazendo refeições em frente ao computador e até mães tendo que levar seus filhos para o trabalho. Estas são algumas das denúncias que têm chegado até o Sindicato dos Trabalhadores da Saúde do Paraná (SindSaúde-PR) e que foram apresentadas em reunião para o secretário de Saúde estadual, Beto Pretto. “Tudo isso porque a Sesa insiste em descumprir as orientações da Organização Mundial da Saúde e nega às servidoras e aos servidores o teletrabalho. Recusa-se a admitir soluções para mudança de jornada diária de trabalho, como redução e alternância de dias presenciais com teletrabalho. Será que a Sesa entende que os demais setores da sociedade é que devem se adaptar a estas mudanças e que as mesmas não se aplicam aos setores da própria Secretaria, que podem, e devem, se adaptar às exigências e às normas de segurança?”, questiona Olga Estefânia, presidente do SindSaúde. Em entrevista para o Brasil de Fato Para-
ná, servidora de uma unidade administrativa da saúde (que não quis se identificar) relata que teve seu pedido indeferido para cumprir teletrabalho, já que não tem com quem deixar seu filho de 4 anos. “Eu cheguei então a levar ele junto para o trabalho, mas me barraram”, conta a servidora. Só após a irmã ficar desempregada e um acordo com a chefia imediata é que conseguiu organizar sua jornada de trabalho alternando dias presenciais. O SindSaúde, em nota, destaca ainda que um dos assessores diretos do secretário teve teste positivo para o coronavírus, levando a gestão a realizar a desinfecção do prédio central. Mais um agravante para servidores que têm filhos, bem como os do grupo de risco. O SindSaúde já acionou o Ministério Público para que a SESA cumpra com a sua parte na proteção à saúde nesta pandemia e mude de atitude na gestão do trabalho, que ainda acumula atitudes de assédio moral nos locais onde deveria reinar a solidariedade e o reconhecimento do valor que têm as profissionais e os profissionais que estão na linha de frente do combate à pandemia.
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Paraná, 25 de junho a 1º de julho de 2020
Direitos Humanos | 7
Justiça manda Prefeitura de Curitiba garantir direitos básicos para população de rua Ação foi ajuizada pela Defensoria Pública do Paraná, cobrando acesso a água e banheiro Divulgação | DPE
Lia Bianchini
“A
população de rua está abandonada em Curitiba. São pessoas sem nenhum acesso às políticas, ao básico”. A fala é de Leonildo Monteiro, membro da coordenação do Movimento Nacional da População de Rua (MNPR). Desde o início da pandemia de coronavírus, o movimento tem pressionado o poder público para que sejam tomadas medidas efetivas de garantia de direitos básicos a quem está em situação de rua. “Os banheiros tinham que estar abertos, livres mesmo, os restaurantes populares deveriam estar abertos para a população ter direito à alimenta-
ção adequada, ampliação de vagas de acolhimento, respeitando as normativas da Organização Mundial da Saúde, OMS, e também o direito de ir e vir. Tem muita gente que mora embaixo de viaduto, marquise e precisaria de um lugar pra tomar banho, fazer sua alimentação, lavar sua roupa e voltar para seu espaço”, explica Leonildo, elencando todas as medidas que deveriam ser tomadas pela Prefeitura de Curitiba. A realidade, no entanto, é que pouco mais de três meses após o início da pandemia, nenhuma dessas ações foi efetivada. Tanto é que no início de maio, a Defensoria Pública do Paraná ajuizou Ação Civil Pú-
blica (ACP) contra a Prefeitura pedindo a garantia de direitos básicos a essa população. No último dia 18, a Justiça deu parecer favorável a
parte dos pedidos da ação. Foram determinadas a instalação de pontos de água potável e liberação imediata de acesso aos banheiros públicos sem cobrança na
região do Mercado Municipal. Nas outras praças do Centro, foram determinados o acesso aos banheiros e a instalação de pontos de água assim que cessar o risco de alerta vigente no Município. Ficou determinado ainda o imediato aparelhamento de profissionais que realizam a busca ativa das pessoas em situação de rua com “estoque” de equipamentos individuais de segurança (máscara e álcool em gel), para distribuí-los a essa população. “Esperamos que [a Prefeitura] respeite a Justiça e dê o acesso ao básico dos básicos para [a população em situação de rua] se manter viva”, completa Leonildo. Fotos: Wellington Lenon
Solidariedade precisa ter conteúdo e prática pedagógica, diz dirigente do MST Lia Bianchini
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o último sábado (20), o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) chegou à marca de 232 toneladas de alimentos saudáveis doados apenas no Paraná. As ações têm acontecido semanalmente, desde o início da pandemia de coronavírus, e são parte de uma campanha de solidariedade que o movimento está fazendo em todo o Brasil para ajudar a popula-
ção urbana que sente os impactos econômicos da pandemia. Diego Moreira, da direção estadual do MST, conta que a produção de alimentos para o autossustento sempre foi uma política do movimento às famílias assentadas e acampadas. Com a chegada da pandemia, a instrução foi “colocar o pé no acelerador” da produção de alimentos para exercitar a solidariedade. “E doar aquilo que nós temos, não aquilo que está sobrando”, conta.
A doação de sábado foi para famílias da periferia de Londrina, região Norte do Estado. Cada sacola distribuída tinha cerca de 14 quilos de de produtos frescos, colhidos nas roças e hortas dos camponeses, ou produzidos por eles. No total, foram mais de 44 toneladas de alimentos para cerca de 3 mil famílias. Na avaliação de Diego, as ações de solidariedade são também uma forma de trabalho de base, para co-
nhecer a realidade do povo brasileiro e propor caminhos para superar as crises que o país enfrenta. “A população está totalmente desassistida. Nós precisamos estar em contato com essa realidade porque a partir disso a gente consegue propor perspectiva. E a ação de solidariedade tem esse objetivo. Nós trabalhamos a solidariedade com conteúdo e também como ação prática pedagógica”, explica o dirigente.
Brasil de Fato PR 8 | Cultura
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Paraná, 25 de junho a 1º de julho de 2020 Isabella Lanave
Gibran Mendes
Por Venâncio de Oliveira
Olhos verdes venenosos
“O rap é preto”, canta Mano Cappu em G.R.I.T.O, seu novo single A faixa, com participação de Lua D’Avila, é uma reflexão sobre o racismo estrutural Isabella Lanave Com inspirações no afro rap, G.R.I.T.O é uma denúncia da escravização ocorrida no Brasil e como ela se beneficia até hoje de corpos racializados. Assinado por Mano Cappu e Lua D’Avila, a parceria (feat) é cantada a partir de vivências de um homem negro e uma mulher negra numa sociedade marcada pela violência racial. Para os artistas, o lançamento também surge como uma provocação aos brancos para olharem seu próprio racismo. O single fará parte de UFA, primeiro álbum de Mano Cappu, com previsão de lançamento para 2021. Mano Cappu é rapper desde os 15 anos. Nasceu e cresceu na periferia de Curitiba (PR), usando o Hip-Hop como válvula de escape em meio à violência. Cappu ocupa a música e o cinema para contar as próprias histórias. “A história dos povos africanos escravizados no Brasil é resumida a relatos sobre navio negreiro, casa grande
e senzala. Até hoje, nós buscamos nos escombros nossas memórias e nossos ancestrais”, comenta. Sobre Mano Cappu Rodrigo Pinheiro, conhecido como Mano Cappu, nasceu em Curitiba, em 1987. Ingressou no movimento do hip-hop no final da década de 1990, aos 15 anos. Desde então, desenvolve trabalhos musicais como rapper. Cappu cresceu na Cidade Industrial de Curitiba (CIC). Para o rapper, que até hoje vive na comunidade onde nasceu, a cultura hip-hop é a válvula de escape em meio à violência. Porém, para quem é negro e periférico no Brasil, a justiça é inexistente. Em 2011, Rodrigo foi preso por um crime que não cometeu. Seis anos após a prisão, foi absolvido. Em dezembro de 2014, lançou a Mixtape “Mano Cappu – Não Pare Agora”, uma reflexão sobre a vivência como um ex-detento. Em 2016, se envolveu pela primeira vez com o cinema, na série de TV Nóis Por Nóis (confira a íntegra desse texto no site).
A fúria de C tomou conta do nosso universo. Talvez tivesse a ver com auto rejeição. Ele era absolutamente amado, mas ninguém sabia demonstrá-lo e ele se sentia odiado. Mas era alegre mesmo assim. Era espalhafatoso e expunha-nos constantemente a perigos. Principalmente L, seu amante que se sentia encurralado. Naquela vez ele tinha ido longe demais. Os seus olhos verdes venenosos sempre nos conduziam ao caos. Um tipo de manipulador ingênuo que manipulava a si e aos demais, porém sem nenhum cálculo, apenas rumo ao pe-
nhasco. Ah maldito espontâneo e cruelmente belo! C havia empurrado L ao seu limite. O frágil desmilinguido era uma arma assustadiça. Sua face tosca esgoelava na janela do carro apenas desespero e violência. Ah... Naquela noite não teríamos medo de nada e nossa gangue iria até nossa raiz mais profunda. Em um epíteto trágico iríamos em busca da cidade de ouro. A beleza da ambição não teria a mínima vantagem frente aos nossos sonhos de fazer da juventude a noção de hedonismo absoluto.
DICAS MASTIGADAS
Sopa de couve com fubá A cada semana, publicamos receitas com produtos agroecológicos da rede colaborativa Produtos da Terra, da Sinergia Alimentos Saudáveis e da Rede Mandala. Parte dos ingredientes pode ser encontrada no site produtosdaterrapr.com.br
Divulgação
Ingredientes 1 colher de sopa de manteiga; 1/2 cebola orgânica; 1 dente de alho orgânico; 1 litro de caldo de legumes; 3 colheres de sopa de fubá; 4 ou 5 folhas de couve orgânica picada em tirinhas. Modo de preparo Coloque a manteiga em uma panela, junte a cebola picadinha e o alho e refogue até dourar. Acrescente o fubá e doure, mexendo sempre com a colher de pau. Despeje o caldo na panela e quando levantar fervura acrescente o fubá restante, diluído em um pouco d’água. Cozinhe 10 minutos. Adicione a couve picadinha, ferva mais 10 minutos e sirva bem quente.