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Direitos
“Que nenhum trabalhador morra por defender direitos”, diz esposa de Antônio Tavares
Agricultor foi assassinado pela PM em 2000. Caso está na Corte Interamericana dos Direitos Humanos
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Ana Carolina Caldas, com informações da Terra de Direitos
Audiência realizada no final de junho pela Corte Interamericana dos Direitos Humanos, CIDH, tratou da acusação ao estado brasileiro pelo assassinato do trabalhador rural Antonio Tavares e as lesões sofridas por 185 integrantes do MST em repressão da Polícia Militar do Paraná contra marcha pela reforma agrária em 2 de maio de 2000, na Rodovia BR-227, em Campo Largo (PR). Uma testemunha que foi ferida e a esposa do agricultor morto foram ouvidas, além de representantes das organizações que defendem as vítimas e representantes do estado.
Desde 2014, Terra de Direitos, Comissão Pastoral da Terra, Justiça Global, MST e Rede Nacional de Advogados e Advogadas Populares (Renap) e o estado brasileiro iniciaram tratativas para buscar solução para o caso, todas frustradas. Como as possibilidades no sistema de justiça brasileiro acabaram, o caso foi levado à CIDH.
Maria Sebastiana, viúva de Antônio Tavares, ao ser inquirida na au-
Reforma Agrária
A advogada e militante do MST Joseane Kroslauz falou em nome do movimento dizendo que, além da reparação à família de Tavares e a outros militantes feridos, espera-se também reparação histórica com a efetivação da Reforma Agrária. Ao nal da audiência, foi concedido prazo até 29 de julho para que as partes apresentem alegações nais por escrito, contendo também informações e detalhes que venham a ser solicitados pela corte.
Reprodução | Internet
diência, reafirmou que ainda aguarda justiça. “É muito difícil, são 22 anos lutando por justiça, e agora ter que sair do meu país para reivindicar algo que é direito. Espero que nenhum trabalhador morra por defender direitos. Nenhuma outra família passe o que a gente passa até hoje”, disse na audiência.
Sem ajuda do estado Ao ser questionada sobre o apoio desde a morte do marido, Sebastiana afirmou: “Nunca tivemos ajuda desde o início. O corpo foi trasladado com a ajuda do deputado Dr. Rosinha, e depois sobre as investigações, eu só ficava sabendo pelos advogados do movimento. A gente teve um recurso que veio de uma ação movida na Justiça, e tivemos um salário mínimo para dividir por três filhos até os seus 25 anos. Agora, já não tem mais”, disse. Sebastiana também contou que as vidas dos seus filhos foram impactadas. “Foi muito difícil, não tem como descrever. Todos ficaram doentes, uns tiveram que parar de estudar para ajudar em casa, outra teve depressão”, relatou.
Wellington Lenon
Ato no local onde Antônio Tavares foi morto, em que existe monumento para lembrar o assassinato pela PM
A vida da agricultora Loreci Lisboa também foi impactada pela ação da PM. Como testemunha, relatou as agressões que sofreu no dia. “A primeira coisa que senti foi uma coronhada na cabeça, e tenho até hoje um buraco. Depois, tomei três tiros. Já estava deitada no chão, eles mandavam o cachorro morder e chamavam a gente de vagabunda”, disse. Loreci chegou a car meses sem poder andar, com uma lha pequena e contando com a ajuda da mãe para lhe dar banho, entre outras atividades. Ela, no dia, testemunhou a morte de Antônio Tavares. “Quando chegou certo momento, um policial estava com a arma na mão, e socando todo mundo. Quando a gente viu, saiu aquele tiro e logo depois o senhor Antônio Tavares caiu. A polícia continuou batendo mesmo com ele no chão”, nalizou.
IMPUNES
Apesar das provas de autoria do disparo, o policial Joel de Lima foi absolvido na Justiça Militar. Após denúncia do Ministério Público, foi dado início a uma ação penal. No entanto, o Tribunal de Justiça pôs m ao processo sob o fundamento de que o caso já havia sido arquivado pela Justiça Militar. A Procuradoria de Justiça não recorreu. Com isso, tanto o assassinato como a agressão a 185 pessoas permanecem impunes.
Representantes do estado que participaram da audiência não negaram que o tiro e os ataques vieram por parte da polícia, porém afirmaram que toda ajuda necessária já foi prestada à família. No entanto, as organizações representantes das vítimas pedem que a Corte Interamericana condene o estado brasileiro.
Preço do combustível cai pouco, mas ainda pesa no bolso de motoristas
Giorgia Prates
Queda é por conta da isenção de impostos, mas insuficiente se Petrobrás mantiver política de preços
Gabriel Carriconde impulsionar uma agenda econômica de retirada de
Nilton Cavalcanti, 54, impostos federais vem presmotorista de aplica- sionando os governadores tivo há mais de dois anos, dos estados para que zerem resolveu, na época que as a alíquota do Imposto de empresas de transporte in- Circulação de Mercadorias e dividual de passageiros es- Serviços (ICMS) sobre o vatavam chegando a Curitiba lor final do combustível. entrar no ramo que parecia Com o corte do governo promissor para comple- federal sobre os tributos namentar a renda, com liber- cionais, postos de gasolina dade e flexibilidade de ho- vêm reduzindo os valores rário. Contudo, com a piora na bomba, com uma variada crise econômica, e o au- ção média saindo de 7,60 o mento do preço dos com- litro para 6,83 reais, em albustíveis, o que era para ser guns postos da cidade. Cauma opção acabou virando valcanti vê alguma luz no uma das poucas garantias fim do túnel com a redução, de renda. E um problema mas ainda é pessimista em por conta do alto preço da relação ao longo prazo. “É gasolina. “Cheguei a tirar claro que ajuda, mas como um bom dinheiro com o tá tudo muito caro, o efeito aplicativo em outros tem- acaba sendo menor do que pos, hoje com o valor da poderia”, diz. gasolina e a inflação tá fi- Rosi Milani, 57 anos, cando difícil”, analisa. Com também motorista de aplio valor da gasolina ficando cativo cita que a queda de acima de 7 reais, por conta preços foi um alívio, mas da dolarização dos preços pontua que ainda está lonpromovida pela Petrobras, ge do ideal. “Esse preço do a realidade do motorista é combustível ajudou, eu chea de milhões de brasileiros. guei a fazer 260 quilômetros
Tentando, contudo, evi- com 100 reais, sendo que tar novos aumentos em ano antes fazia 180 quilômetros eleitoral, mas sem desagra- com 100 reais, mas o ideal dar ao “mercado”, o governo era fazer 300 quilômetros, Bolsonaro vem buscando porque nossos gastos não se limitam ao combustível, mas já ajudou”, diz.
Medida de curto prazo
Para o economista do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese-PR), Sandro Silva, a medida pode ser benéfica no curto prazo, mas sem que a Petrobras altere sua política de preços, nacionalizando os custos, os efeitos para a frente podem ser piores. “Essas medidas não resolvem o principal problema, que vincula o preço do mercado interno ao internacional. Essa redução de impostos federais e a limitação do ICMS acabam não resolvendo, porque o país continua à mercê do cenário internacional, ela ameniza em certo ponto, o ideal era o governo abandonar a atual política de preços’’, analisa.
Para Silva, a lógica do governo Bolsonaro é privatizar o setor de energia, com a entrega de refinarias. Sobre a questão tributária, o economista alerta que o debate deve ser mais profundo. “Retirar o ICMS do combustível tem representação significativa para estados no financiamento da saúde e educação por exemplo. É claro que a carga tributária é elevada, mas não é a partir de uma canetada sem planejamento que vai resolver. Precisamos de um debate sobre a carga tributária, reduzindo sobre o consumo e aumentando sobre a renda, acabando com esse sistema regressivo, em uma discussão mais ampla’’, analisa.
17 bilhões No Paraná, a Assembleia Legislativa cancelou o tradicional recesso de julho, transferindo para setembro, para que a casa vote a Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2023, e o corte do valor do ICMS no valor do combustível no Paraná. Para o deputado estadual Requião Filho (PT), a medida pode significar perda de recursos. “O Paraná concede de forma sigilosa R$ 17 bilhões em renúncia fiscal, e, agora, diante da nova Lei Federal que trata dos ICMS sobre os combustíveis, o Estado perderá mais de 6 bilhões em seu orçamento”, afirma.
Atualmente a alíquota de ICMS sobre a gasolina é de 29%. De acordo com o governador Ratinho Jr, o estado tende a seguir o governo Bolsonaro. “Nós vamos acompanhar a lei federal. A procuradoria, junto com a Secretaria da Fazenda, está fazendo agora todo o estudo jurídico, porque possivelmente a gente vai ter que apresentar uma lei na Assembleia Legislativa autorizando seguir a lei federal, mas isso já está apaziguado”, disse durante coletiva de imprensa.
Giorgia Prates
BOMBA ELEITORAL
A queda de impostos federais sobre combustíveis e a redução do ICMS são verdadeiras bombas eleitorais. No caso do ICMS, além da queda atual, Bolsonaro defende que a cobrança do imposto seja suspensa até o nal do ano exclusivamente sobre combustíveis e gás de 1º de julho a 31 de dezembro – período que coincide com a campanha à reeleição. Só essa medida custaria cerca de R$ 30 bilhões. Essa proposta do governo já foi classi cada como “mambembe”, improvisada e desesperada por economistas e integrantes de movimentos populares. Segundo fontes ouvidas pelo Brasil de Fato, ela não garante a redução do combustível, já que não lida com a causa dos aumentos no Brasil: a política de preços praticada pela Petrobras. Sem contar que tira dinheiro da saúde e educação de estados e municípios para abastecer a tentativa de reeleição.
“A saída para acabar com a fome é a reforma agrária e a agroecologia”, diz Stédile
Com Lula eleito, ele deve investir em agricultura saudável e na reindustrialização
Ana Carolina Caldas za, ela é concentrada nas mãos de poucos.
Para o economista e dirigen- Então, diante desse momente nacional do Movimento to histórico, emerge com mais Sem Terra (MST) João Pedro força que a grande saída para Stédile, a continuidade do ca- resolver o problema da fome é pitalismo e os crimes do agro- a reforma agrária e a agroeconegócio são ameaças para a logia. Sistemas estes que produgarantia do nosso futuro. Em zem alimentos saudáveis para entrevista ao Brasil de Fato todo o povo brasileiro. Paraná, ele destacou que, Lula sendo eleito, precisa focar no Sabemos que o agronegócombate à desigualdade social cio tem aliança com o govere à fome, partindo dos modos no Bolsonaro, além de finande produção saudáveis, fazendo ciar candidaturas para o Cona reforma agrária e investindo gresso Nacional. Como se conna agroecologia. Ele foi um dos trapor a esse movimento? Fepalestrantes da 9ª Jornada da lizmente, é possível dizer que a Agroecologia, que aconteceu burguesia brasileira está dividiem junho em Curitiba. Confira da: uma parte com Bolsonaro, a entrevista: outra parte queria a tal da terceira via e, outra parte significativa, Brasil de Fato - Quais as princi- está com Lula. Estou citando ispais consequências do agrone- so porque a burguesia brasileira gócio para o Brasil atual? também é a que controla o agronegócio. E eu espero que mais João Pedro Stédile - A crise ca- fazendeiros que estejam iludipitalista e os crimes que o agro- dos com o agronegócio se deem negócio está cometendo contra conta de que só produzir coma natureza, com o uso intensi- Arquivo MST vo de agrotóxicos que envenenam a terra, os alimentos, contaminam as águas, infelizmente, têm sido a prova que nos ajuda a conscientizar a sociedade de que esse modelo de produção agrícola baseado na grande propriedade e na produção das commodities é o responsável pela volta da fome, da falta de emprego e pela desigualdade social do nosso país. Porque ainda que eles produzam riquemodities para o exterior e depender da importação de agrotóxicos é uma furada! O futuro é agroecológico e eles, os representantes do agronegócio, terão que readequar a sua agricultura, terão que defender a natureza porque vai faltar água... Espero que eles tenham consciência de futuro e apoiem também Lula, para que a gente construa um grande projeto nacional.
Quais são os principais passos que um governo progressista deve tomar para mudar o modelo econômico vigente ho-
je? O que o Lula eleito deve fazer em janeiro de 2023 é seguir os dois mantras que ele mesmo diz que pensa todos os dias: combater a desigualdade social e resolver o problema da fome. Depois, é só abrir a porta para um novo caminho construído de forma coletiva a um novo projeto de país. De um lado, fazer a reindustrialização da nossa economia porque só fabricando os bens necessários para o povo é que vamos atender a suas necessidades, como gerar empregos, por exemplo. E, na agricultura, priorizar os investimentos para a produção de alimentos saudáveis que será mediante uma agricultura sadia e a transição que o agronegócio terá que fazer. Temos tudo para dar certo, porque o Brasil tem um grande território e biodiversidade e muita gente querendo trabalhar.