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LONDON EDITION AUGUST 14 – 27
ISSN 2055-4826
‘ABUTRES’
Como a dívida argentina afeta a economia do Brasil? >> Páginas 4 e 5
LATUFF
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LEANDRO DE BRITO
ISOLADOS JOI
FREEN U S ! W T R I AE E K L
PRIMEIRO CONTATO COM TRIBO INDÍGENA ATÉ ENTÃO DESCONHECIDA INSTIGA A IMAGINAÇÃO DO MUNDO. BRASIL OBSERVER REPORTA A SITUAÇÃO PERIGOSA ENFRENTADA POR ESSAS COMUNIDADES E QUESTIONA SE É AINDA POSSÍVEL SALVÁ-LAS
>> Páginas 10 e 11
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EM FOCO Notícias que foram destaques na quinzena
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BRASILIANCE Brasil avalia riscos da crise argentina
LONDON EDITION 06
BRASIL NO UK Livro sobre o país do futebol é lançado em Londres
EDITORA - CHEFE
PERFIL
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Ana Toledo ana@brasilobserver.co.uk
Marco Antonio Rocha
EDITORES
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CAPA Índios isolados são descobertos no Brasil
Luciana Genro e Pastor Everaldo: opostos que não se atraem
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CONECTANDO
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ELEIÇÕES 2014
Um relato direto da FLIP
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BRASIL OBSERVER GUIDE Carnaval de Notting Hill e muito mais...
Guilherme Reis guilherme@brasilobserver.co.uk Kate Rintoul kate@brasilobserver.co.uk
RELAÇÕES PÚBLICAS Roberta Schwambach roberta@brasilobserver.co.uk
COLABORADORES Alec Herron, Antonio Veiga, Bianca Dalla, Gabriela Lobianco, Marielle Machado, Michael Landon, Nathália Braga, Ricardo Somera, Rômulo Seitenfus, Rosa Bittencourt, Shaun Cumming, Wagner de Alcântara Aragão
PROJETO GRÁFICO
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E D I T O R I A L
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16|17 CAPA DO GUIA 18 NINETEEN EIGHT-FOUR 19 GOING OUT 22 NEW CANVAS OVER OLD 23 TRAVEL 24 MUSIC TO WEAR
wake up colab digala@wakeupcolab.com.br
DIAGRAMAÇÃO Jean Peixe ultrapeixe@gmail.com
DISTRIBUIÇÃO Emblem Group LTD mpbb@btinternet.com
IMPRESSÃO Iliffe Print Cambridge iliffeprint.co.uk
EM TERRA DE ÍNDIOS E CANDIDATOS
ASSESSORIA CONTÁBIL
Por Ana Toledo – ana@brasilobserver.co.uk
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Imaginar que em pleno ano de 2014 ainda existem tribos indígenas no mundo que não tiveram contato com a “civilização” não é tarefa fácil. No entanto, após a divulgação de um vídeo gravado no Estado do Acre que mostrou o primeiro contato com uma comunidade isolada, a imaginação foi além e gerou questionamentos sobre a situação de perigo que essas tribos enfrentam e se ainda é possível salvá-las. Confira nas páginas 10 e 11 a reportagem de Alec Heron. A poucos dias da largada das campanhas eleitorais na TV e no rádio, com a veiculação obrigatória do Programa Eleitoral Gratuito, o processo eleitoral no Brasil não é nada animador, apresentando um debate raso que aparentemente não vai aprofundar questões estruturais necessárias para uma mudança relevante do país, como por exemplo a reforma política. Apesar de deixar a mercê pontos que levaram brasileiros e brasileiras de todos os cantos do país às ruas em junho de 2013, enfim, a disputa pela presidência está rolando. Como havia escrito no último editorial, o Brasil Observer
preparou um especial Eleições 2014. Na edição passada, apresentamos o sistema político do Brasil, explicando o funcionamento e formação do Congresso Nacional. Agora, você poderá conferir os perfis de cinco dos 11 candidatos à Presidência da República. A escolha da ordem foi definida de acordo com o desempenho de cada um nas pesquisas. O pontapé inicial é dado com Pastor Everaldo (PSC) e Luciana Genro (PSOL). Com a matéria “Opostos que não se atraem”, publicada nas páginas 12 e 13, você vai entender o porquê da afirmação e ficar por dentro dos principais pontos debatidos pelos candidatos. E, como você já deve saber, agosto é o mês do carnaval londrino. As ruas do bairro de Notting Hill são tomadas por sons e ritmos de diferentes lugares do mundo. Para saber como esta festa começou, confira as páginas 16 e 17 do Brasil Observer Guide. Seguimos em contato!
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EM FOCO RIO 2016 CELEBRA MARCO DE 2 ANOS PARA OS JOGOS RIO2016/DIVULGAÇÃO
Começou no dia 5 de agosto a contagem regressiva de dois anos para os Jogos Olímpicos do Rio 2016, com cerimônia comemorativa no Sambódromo Marquês de Sapucaí, na capital carioca, e coletiva de imprensa das autoridades locais, entre elas o prefeito Eduardo Paes. Dois dias antes, um domingo, a Regata Internacional de Vela, na Marina da Glória, deu a largada para uma série de 45 eventos-teste que vão acontecer nos locais de competição até maio de 2016. Também foi lançada a identidade visual do evento. Em 28 de agosto, serão abertas as inscrições para o Programa de Voluntários Rio 2016 e, até o fim do ano, será revelado o plano de compra de ingressos, assim como os mascotes dos Jogos Olímpicos e Paralímpicos. Em relação a execução das obras, as instalações em construção começam a tomar forma. No Parque Olímpico da Barra, as etapas de fundações chegam ao fim e já é possível ver os primeiros pilares das estruturas. Mas, de acordo com a Matriz de Responsabilidade da Olimpíada, atualizada pela Autoridade Pública Olímpica, menos de 30% das obras estava pronta, em obras ou em licitação em julho. Até o momento, o custo estimado dos Jogos é de R$ 3,7 bilhões. Após emitir duros recados a respeito dos atrasos, o Comitê Olímpico Internacional se posiciona agora de maneira mais amena. O diretor executivo para os Jogos do COI, Gilbert Felli, escalado em abril para atuar como uma espécie de interventor depois de seguidas reclamações, procurou demonstrar tranquilidade. “Estou confiante que vai dar tudo certo, tudo ficará pronto”, afirmou Felli, que classificou as cobranças anteriores como “um momento de trauma”. O prefeito do Rio, por sua vez, disse que prefere que a cidade não seja comparada a Londres, sede da Olimpíada de 2012, porque a cidade sul-americana está montando infraestruturas que a europeia já tinha, e sim com Barcelona, sede de 1992, já que, como ocorreu na cidade espanhola, os Jogos provocarão uma transformação urbana radical no Rio. “Estamos gastando cinco vezes mais com legado do que com equipamentos olímpicos”, garantiu Eduardo Paes. Os Jogos do Rio 2016, aliás, não são aguardados com expectativa apenas pelos brasileiros, mas também pelo Reino Unido, que já é o principal parceiro do Brasil para a realização do evento. Com o sucesso das Olimpíadas de Londres, em 2012, e dos Commonwealth Games em Glasgow, em 2014, o Reino Unido se confirma como referência global na organização de grandes eventos esportivos e de legado para as cidades-sede. Em Londres, a meta de quatro anos estabelecida para o impulso de negócios foi batida na metade do tempo, chegando atualmente à marca de £14,2 bilhões. A parceria do Reino Unido para as Olimpíadas do Rio já é uma realidade. Até o momento, 45 empresas britânicas fecharam 65 contratos relacionados à Copa do Mundo e Rio 2016 em um valor acumulado superior a £150 milhões. Entre os casos de sucesso estão empresas
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REINO UNIDO INVESTE EM PESQUISA CIENTÍFICA NO BRASIL O fundo de apoio à pesquisa em ciência e inovação do governo britânico, Fundo Newton (Newton Fund), abriu chamada pública direcionada a promover parcerias entre países emergentes. Propostas poderão ser enviadas até o dia 17 de outubro. Objetivo do projeto é desenvolver pesquisas conjuntas que estabeleçam colaborações sustentáveis entre o Reino Unido e pesquisadores brasileiros. O Fundo aceitará propostas que contemplem as áreas de: Saúde; Transformações urbanas; Alimento, energia, água e meio ambiente; Resiliência da biodiversidade e dos ecossistemas; Desenvolvimento econômico e bem-estar social. Entretanto, propostas em outras áreas serão consideradas, desde que sejam objetos de forte colaboração entre o Reino Unido e o Brasil e atendam aos critérios associados com a Assistência Oficial ao Desenvolvimento. Os benefícios serão avaliados conforme cada proposta e podem chegar a 100 mil libras. Lançado no Brasil pelo Ministro das Finanças britânico George Osbourne em abril de 2014, o Fundo Newton de fomento à pesquisa e inovação em países emergentes vai investir £9 milhões por ano no Brasil durante três anos. Os projetos contemplados terão contrapartida de financiamento pelo governo brasileiro.
PROGRAMA INCENTIVA INTERNACIONALIZAÇÃO CULTURAL
Ato comemorativo no Sambódromo do Rio
que criaram os centros de mídia nas 12 cidades-sede, forneceram 200 mil cadeiras para cinco estádios brasileiros, prestaram consultoria em planejamento de transportes para nove cidades-sede e forneceram suprimentos de TI para as 12 cidades. Na questão esportiva, o Comitê Olímpico do Brasil ressaltou que está dando as melhores condições possíveis para um sucesso não só na organização, como no desempenho do Time Brasil. A meta do COB é conquistar mais 13 medalhas do que nas últimas Olimpíadas e chegar a 30 no total. Número esse que, segundo estimativas, colocaria o Brasil no top 10 da competição em número de medalhas.
A ministra da Cultura, Marta Suplicy, lançou dois editais públicos do programa Conexão Cultura Brasil voltados para internacionalização cultural do país. A meta é ampliar a presença de artistas e empreendedores brasileiros no mundo em atividades de formação (cursos e estágios), em instituições culturais renomadas internacionalmente e eventos de cultura e negócios. Um dos editais, o Conexão Cultura Brasil Intercâmbios, abre a oportunidade para cerca 400 pessoas fazerem cursos no Brasil e no exterior no período entre novembro de 2014 e março de 2015 em áreas como música, artes cênicas, cinema, animação, games, programação de softwares, literatura, TV, rádio, mercado editorial, moda, design, arquitetura, publicidade, gastronomia, entre outras. O programa é uma parceria inédita entre o Ministério da Cultura e os Ministérios da Educação e das Relações Exteriores. Para participar, o interessado deve entrar em contato com a instituição de ensino e ser pré-aprovado por ela. As instituições que já manifestaram interesse em receber os brasileiros são o Instituto Europeu de Design, a Federculture da Itália, a Universidade de Bolonha, o British Council, a Royal Shakespeare Company, o Barbican Centre, o SouthBank Centre, o The Globe Theatre, a BBC Scottish Symphony, o Science Museum e o Festival de Edimburgo. O segundo edital, Conexão Cultura Negócios, conta com o orçamento de R$ 400 mil e objetiva levar delegações de até 60 empreendedores para participar de três eventos culturais de relevância internacional: o Festival de Música Womex 2014, em Santiago de Compostela, na Espanha; o Festival Internacional de Artes Cênicas Santiago a Mil, no Chile; e a Feira de Arte Contemporânea ARCO Madrid.
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BRASILIANCE
A SANHA DOS ‘ABUTRES’ E OS RISCOS PARA O BRASIL Impasse entre Argentina e fundos internacionais que se recusam a chegar a um acordo sobre a dívida com o país causa apreensão para a economia brasileira, mas, por enquanto, maiores danos são descartados Por Wagner de Alcântara Aragão REPRODUÇÃO
As autoridades e os empresários do Brasil estão acompanhando pari passo o desenrolar do imbróglio envolvendo a Argentina e os chamados “fundos abutres”. Embora representantes do governo brasileiro tenham procurado transmitir tranquilidade, avaliando publicamente que o impasse não deve trazer consequências graves para a economia nacional, há a preocupação de que, sem uma solução, o litígio prejudique o comércio exterior entre os dois países, além de trazer instabilidade ainda maior ao mercado financeiro. Esse risco foi apontado pela própria presidenta do Brasil, Dilma Rousseff, durante a 46ª Cúpula do Mercosul, realizada dia 29 de julho em Caracas, Venezuela. Na ocasião, a mandatária – assim como os chefes de Estado dos demais países do bloco – reiterou apoio e solidariedade ao governo argentino. “O problema que atinge hoje a Argentina é uma ameaça não só a um país irmão; atinge a todo o sistema financeiro internacional. Não podemos aceitar que a ação de alguns poucos especuladores coloquem em risco a estabilidade e o bem-estar de países inteiros”, declarou Dilma Rousseff na ocasião. Os “fundos abutres” são constituídos por grupos de credores da dívida pública argentina que não aceitaram as condições estabelecidas nas negociações pelo governo daquele país para o pagamento da mesma. Esse grupo representa 7% dos credores. A história tem origem em 2001, quando no auge da crise econômico-financeira enfrentada à época pela Argentina, o governo optou pelo calote da dívida frente ao sistema financeiro. Entre 2005 e 2010, o governo propôs a renegociação dessa dívida. O plano de reestruturação previa o pagamento dos débitos de forma parcelada, com descontos que variavam entre 60% e 65% sobre o valor inicial. O plano foi aceito por 93% dos credo-
Campanhas contra os ‘fundos abutres’ ocorrem desde o início do ano passado; na foto, protesto em NY
res. Os 7% restantes englobavam grupos internacionais que tinham adquirido, a preços ínfimos, os títulos da dívida pública no auge da crise, com o intuito de lucrarem posteriormente – daí o apelido de “fundos abutres”. Um grupo de 1% dos “fundos abutres” contestou, na Justiça dos Estados Unidos, as regras fixadas pelo governo da Argentina. A justiça norte-americana deu ganho de causa aos credores e o governo argentino tinha até 31 de julho para efetuar o pagamento. O país optou por não pagar – não
por não ter recursos (o montante é relativamente baixo: US$ 1,3 bilhão), mas para evitar que se abrisse um precedente que colocasse em xeque a negociação anteriormente conduzida. O governo argentino recorreu à Corte Internacional de Justiça de Haia, na Holanda, onde ingressou com uma queixa contra os Estados Unidos, apontando que a decisão da justiça estadunidense viola a soberania da Argentina, ao mesmo tempo em que procurou entendimento com a Justiça norte-americana para um acordo. Até o fechamento desta edição, a Ar-
gentina mantinha poucas expectativas de chegar a um acordo com o judiciário norte-americano, conforme as palavras do chefe de gabinete da Presidência, Jorge Capitanich. Pouco antes de uma audiência com o juiz norte-americano Thomas Griesa, em 8 de agosto, o chefe de gabinete considerava que as chances de reversão da sentença eram nulas. “As expectativas são negativas porque o juiz Griesa tem manifestado parcialidade e claramente responde aos interesses dos fundos abutres”, afirmou Capitanich, segundo a Agência Brasil.
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Falta força econômica e vontade política para se livrar das amarras Confira abaixo, na íntegra, entrevista com Pedro Henrique Evangelista Duarte, doutorando em Economia e professor da Universidade Federal de Goiás, sobre a situação da Argentina.
O imbróglio entre a Argentina e os “fundos abutres” pode ter reflexo no Brasil? Que tipo de impacto seria se houvesse?
Dilma Rousseff reiterou apoio e solidariedade ao governo argentino durante reunião do Mercosul
RELAÇÕES COMERCIAIS No Brasil, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, tem descartado sequelas imediatas à economia brasileira. “A crise argentina terá impacto nulo e sem consequências diretas [no Brasil]. Também não afetará o mercado internacional”, declarou à imprensa. Já o presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Luciano Coutinho, desconsiderou a possibilidade de impactos negativos nas operações do banco no país vizinho. Avaliação semelhante foi feita pelo doutorando em Economia Pedro Henrique Evangelista Duarte, professor da Universidade Federal de Goiás, em entrevista ao Brasil Observer (leia na íntegra ao lado). O analista disse que, “pelo menos no médio prazo”, o Brasil pode estar imune aos reflexos do impasse entre Argentina e os fundos. De fato, explicou o professor, a crise atual pode fazer lembrar turbulências semelhantes às da segunda metade de década de 1990, “quando as crises na Ásia e no México levaram a um esgotamento do padrão de financiamento para países periféricos, atingindo os países latino-americanos, dentre eles o Brasil”. No entanto, continuou Duarte, há diferenças entre o cenário atual e o de mais de uma década atrás. “O Brasil tem, hoje, uma posição relativamente confortável no mercado financeiro internacional, alcançada graças a alguns resultados do segundo mandato do governo Lula que, tirando proveito do cenário externo favorável, ampliou as exportações e atingiu níveis elevados de acúmulo de reservas internacionais”, observou. “São reservas”, acrescentou o professor, “suficientes para o pagamento da dívida externa brasileira, ainda que não signifique que ela tenha sido paga”. “Além disso, o bom momento da economia brasileira ser-
viu para o incremento dos investimentos externos no Brasil. Ainda que a situação hoje seja distinta e não tão favorável, não acredito em impactos imediatos”, argumentou o economista. Em que pesem as análises acalentadoras, entre representantes do comércio exterior há receio de que a instabilidade gerada pelo litígio vivenciado pelo país vizinho prejudique as relações comerciais entre Brasil e Argentina. O fluxo comercial entre os dois países baixou de US$ 524 milhões somados entre janeiro e maio do ano passado para US$ 385 milhões alcançados em idêntico período deste ano. Só as exportações de produtos brasileiros para a Argentina diminuíram quase 20% no primeiro semestre deste ano, em relação a 2013. A turbulência causa incertezas, o que impacta na concretização de negócios. É o que avalia o presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil, José Augusto de Castro. “Empresas terão dificuldade em receber por eventuais exportações [para a Argentina]. Vão exigir que as vendas sejam feitas a partir de pagamentos antecipados”, disse à Agência Brasil. “A Argentina é o principal destino dos manufaturados [brasileiros]. Um total de 50% [desses produtos] vai para a América do Sul, principalmente a Argentina”. O embate entre Argentina e os fundos é duro, mas o professor da UFG demonstra otimismo quanto a um desfecho favorável ao país vizinho – o que traria a estabilidade necessária para a continuidade dos negócios entre argentinos e brasileiros. “Acredito que os próximos capítulos dessa história devem apontar para um possível acordo entre os fundos abutres e o governo argentino, a renegociação é o caminho mais certo, e deve ser acertada num curto prazo”, assinalou Pedro Henrique Evangelista Duarte.
O ponto fulcral desse imbróglio é que parte fundamental dos detentores dos títulos [da dívida pública argentina] aceitou a proposta de negociação feita pelo governo. A renegociação propunha que o país, para evitar uma sangria de suas contas públicas, pagaria apenas parte da dívida pública em cash, e a outra parte em um bônus de longo prazo. Tal proposta teve a adesão, até 2010, de 93% dos credores. Os demais 7% são exatamente os que compõem os fundos abutres, que agora cobram do governo argentino o pagamento de US$ 1,3 bilhão em cash. Apesar de apontar para uma crise diplomática argentina, uma vez que há o envolvimento da Corte de Nova York, da Câmera de Apelações norte-americana e da Corte de Haia, acredito que não há, pelo menos não no médio prazo, a possibilidade de que essa questão tenha algum reflexo no Brasil. Aqui se pode remeter aos eventos ocorridos no cenário internacional na segunda metade da década de 1990, quando as crises na Ásia e no México levaram a um esgotamento do padrão de financiamento para países periféricos, atingindo os países latino-americanos, dentre eles o Brasil. Mas tratava-se de um contexto externo distinto do que temos hoje. Mas, por outro lado, não se devem ignorar os desdobramentos da crise de 2008. O cenário internacional ainda é de instabilidade, então há que se tomar cuidado com uma possível reversão de expectativas, especialmente reversões do mercado. A Argentina recebeu o respaldo dos países do Mercosul na mais recente cúpula do bloco. Essa decisão eleva os países do grupo a uma posição de maior soberania política e econômica? Creio que a posição do Mercosul em relação a questão não é uma surpresa. Provavelmente, a posição seria distinta caso a proposta da Argentina fosse de dar o calote nessas dívidas, mas não é isso que vem sendo feito. Ao contrário, os esforços do governo argentino caminham para uma tentativa de negociação que não promova uma possível sangria das contas públicas do país. É claro que se poderia argumentar contra essa tentativa de governo argentino, uma vez que os instrumentos do mercado financeiro são conhecidos por aqueles que dele participam. É preciso estar preparado para o jogo, especialmente em relação a suas regras, se há disposição em jogá-lo.
Por outro lado, sabe-se também da perversidade de tais instrumentos, tais como o que vem sendo feito pelos fundos abutres, que adquiriram títulos em baixa no mercado e agora tentam recuperá-los num momento mais favorável. É uma discussão similar a que é feita pelos partidos de esquerda no Brasil a respeito da necessidade de se realizar uma auditoria da dívida pública, dado que o aporte já pago em juros é superior ao principal da dívida. O que temos no caso argentino não é uma tentativa de calote, mas sim uma tentativa de renegociação dentro das regras do jogo. Pode-se até dizer que há certa posição de maior soberania dos países latino-americanos ao assumir o apoio à Argentina, mas com pouco impacto do ponto de vista do cenário internacional e, no mesmo sentido, do ponto de vista econômico. Não podemos nos esquecer das amarras de dependência que os países centrais ainda mantêm com os países periféricos - especialmente os latino-americanos. Por exemplo, toda essa questão envolvendo a Argentina poderia ser utilizada como ponto de partida para uma discussão sobre a regulação do mercado financeiro em nível regional. No entanto, isso não é feito por conta dos prováveis impactos que isso repercutiria do ponto de vista internacional - e não apenas do ponto de vista financeiro, mas também do ponto de vista comercial e, especialmente, do ponto de vista diplomático. Verdade é que os países latino-americanos não possuem força econômica, nem vontade política, para promover um possível rompimento com a lógica dos mercados internacionais. Isso nem sempre porque não querem, mas porque a estrutura de dependência econômica, política e social historicamente construída os impede de caminhar nesse sentido. O que é possível vislumbrar de desfecho para essa história? Duas perspectivas se abrem: ou os fundos aceitam entrar no acordo, como parte dos credores já fez, ou a Argentina pode caminhar para o calote. Não vejo muita disposição do governo argentino em promover um novo calote, uma vez que já se sabe - no caso deles, por experiência própria - dos reflexos. Se houvesse tal disposição, não seriam investidos tantos esforços no sentido de renegociar, tal como tem sido feito. E, se o mercado enxerga tal posição do governo argentino, então dificilmente se verá pressões internacionais no sentido de outra resolução. Assim sendo, creio que a renegociação é o caminho mais certo e deve ser acertada num curto prazo.
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BRASIL NO UK
‘NADA VAI MUDAR SOB O COMANDO DA CBF’, DIZ EDITOR DE LIVRO SOBRE O PAÍS DO FUTEBOL
Como foi feita a seleção de artigos do livro? O livro selecionou os artigos com base em um corte histórico, antropológico e sociológico. Procuramos apresentar um apanhado da produção científica nacional sobre a temática futebolística, acumulada nas últimas décadas, em diferentes departamentos de pós-graduação e em distintas regiões do país. Foram incluídos autores que podemos chamar de “brasilianistas”, ou seja, dois estadunidenses e um francês que se debruçaram sobre a história do futebol brasileiro. Com fins didáticos próprios a uma coletânea voltada para um público leitor estrangeiro, seguimos o critério cronológico, procurando explorar os temas candentes de cada época, o que faz com que o livro siga momentos
importantes da história político-econômica nacional.
DIVULGAÇÃO
Editado por Paulo Fontes e Bernardo Buarque de Hollanda, o livro The Country of Football: Politics, Popular Culture and The Beautiful Game in Brazil será lançado no Reino Unido dia 19 de agosto, em evento organizado pelo Brazil Institute do King’s College London. Reunindo diversos artigos que abordam o tema do futebol com base em um corte histórico, o livro tem a proposta de discutir como o esporte modelou o Brasil e como o país mudou o futebol mundial. Em entrevista ao Brasil Observer, Bernardo Buarque de Hollanda, professor adjunto da Escola Superior de Ciências Sociais e pesquisador do CPDOC, da Fundação Getúlio Vargas, falou sobre a seleção dos artigos que compõem o livro, discorreu sobre transformação do futebol em “identidade nacional” e se mostrou cético sobre a reformulação política do esporte no país após a maior derrota da Seleção Brasileira na história das Copas do Mundo.
O futebol foi capaz de solidificar a identidade nacional do brasileiro por seus próprios méritos ou mais pela falta de outros eventos históricos que tenham unido à nação? O futebol foi soldado à chamada “identidade nacional” – o termo é problemático para uma definição singular, unívoca – graças a uma articulação engenhosa entretecida pelos meios de comunicação de massas. Jornal, rádio e televisão superpuseram-se historicamente na construção do sentimento nacional associado ao futebol. Mediadores eficazes, jornalistas, radialistas e apresentadores de TV souberam catalisar as emoções futebolísticas em torno da Seleção Brasileira. No Brasil, o que chama a atenção nessa solidificação é a centralidade do futebol em detrimento de outros esportes. Isto se compararmos a países como os Estados Unidos e a França, com tradição poliesportiva e multiatlética. A ideia de um vácuo – futebol ocupa o lugar dos símbolos cívicos políticos-oficiais – é sedutora e foi o gancho interpretativo de ensaístas fecundos como Gilberto Freyre e Roberto DaMatta, mas como historiador eu seria mais cauteloso em afirmações genéricas e categóricas como essa. Se o futebol passou a representar a identidade nacional, depois dos 7 a 1 podemos dizer que a nação passa por certa crise existencial? O Brasil ainda é o país do futebol? De fato, a inesperada goleada alemã nas semifinais foi um acontecimento traumático, até certo ponto comparável à derrota
Melo, de quem, aliás, não mais se ouviu falar no Brasil. Quanto à chancela “país do futebol”, já há algum tempo os pesquisadores vêm desconstruindo essa ideia, com a demonstração de sua construção histórica – a Copa de 1938, mais precisamente, quando a imprensa francesa cria uma versão de arte naif ao futebol mestiço da Seleção – e com a apresentação de dados concretos – baixa média de público nos estádios brasileiros, baixo número de vendagem de periódicos esportivos locais, baixos índices de audiência nos campeonatos locais, etc. – que depõem contra o imaginário que o status “país do futebol” faz supor. Como você avalia a necessidade de reformulação do futebol brasileiro? É possível ser otimista quanto aos seus rumos?
Lançamento da editora Hurst: http://goo.gl/wPHfne
de 1950, em razão da disputa ter ocorrido no país. Mas a crise existencial costuma ocorrer sempre que o Brasil é eliminado: a busca por um culpado, por um bode expiatório é algo costumeiro no país a cada quadriênio em que o país participa do torneio da FIFA. Há a oscilação entre o “somos os melhores” e o “somos os piores”. Lembremos das eliminações em 1974 e 1978, quando se evocou a crítica de um time retranqueiro e “militarizado” que havia perdido suas supostas características primordiais, a qualidade individual e a ofensividade. Ou mesmo a recente eliminação na Copa da África do Sul, quando se execrou o jogador Felipe
Após a acachapante derrota para a Alemanha era de se presumir que alguma mudança estrutural ocorreria. O Ministro do Esporte se pronunciou, reivindicando a necessidade de algum tipo de ingerência por parte do Estado, em sua relação com a CBF, entidade privada, mas com um sentido público no país. A presidenta da República fez menção ao êxodo de nossos “pés-de-obra” – apenas um jogador do time brasileiro principal atuava no país, enquanto sete alemães, entre os titulares, atuavam em um só time, o Bayern de Munique – para a Europa. Jornalistas esportivos apontaram a necessidade de revisão de todos os princípios de formação dos atletas nos clubes. Os dirigentes esportivos fizeram ouvidos moucos a todos esses comentários e recontrataram Dunga como treinador, sinal de que nada vai mudar na política futebolística sob o comando dos que estão à testa da CBF.
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PERFIL
Marco Antonio Rocha Um sobrevivente da ditadura Entrevista e Foto: Rômulo Seitenfus
Durante a ditadura militar no Brasil, seu codinome foi José; na vida real, Marco. Jornalista, ex-comunista e pessoa de sorte, foi salvo pelo dono do jornal em que atua desde aquela época, O Estado de S. Paulo, e, graças ao homem que fora conversar com o general, Marco Antonio Rocha sobreviveu à ditadura. Ele estava na fazenda de seu sogro, em Guaratinguetá, interior de São Paulo, quando ouviu pelo rádio – com o comunicado oficial do 2º Exército – que o amigo e colega jornalista Vladimir Herzog havia se “suicidado” no dia anterior, nas dependências do DOI-CODI na capital paulista. As rádios informavam ainda que as autoridades buscavam outros comunistas num bilhete que Vlado tentara rasgar; uma lista na qual constava seu nome, dentre vários outros colegas.
Marco telefonou para a redação do jornal e se aconselhou com Ruy Mesquita, que lhe sugeriu se dirigir diretamente ao seu encontro. Nesta entrevista exclusiva, o editorialista do jornal O Estado de S. Paulo, Marco Antonio Rocha, conta os fatos que se passaram na sombria história de sua vida, e de brasileiros torturados e assassinados pelo regime militar. Em passagem de férias por Londres, acompanhado da esposa - a também jornalista Ana Trigo – ele relembra os momentos difíceis da repressão, fala sobre a morte do colega e amigo Vladimir Herzog, reflete sobre os recentes protestos ocorridos no Brasil e no mundo, e explica a contrastante transição entre a fase de comunista atuante, na época da ditadura, e o ofício de hoje, ao escrever para um jornal conservador.
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O senhor é um sobrevivente da ditadura militar... Sou um precursor e sobrevivente da ditadura. O governo de João Goulart foi derrubado em 1964 pelos militares, que tinham dois objetivos declarados: acabar com o comunismo no Brasil e extirpar a corrupção. Eu era comunista, então de certa maneira o regime surgiu contra mim, contra pessoas como eu. Eu era do partido comunista, como jornalista.
Os fotógrafos eram de lá de dentro do Exército, e por isso essa manipulação do corte das imagens. Mas pela altura do Vlado dá para ver que ele fora colocado de forma simulada. E o interessante é que o Vladimir não era comunista. Todos nós éramos, mas o Vlado não; e a grande ironia do destino é que quem fora assassinado não era comunista. Ele era chefe de reportagem do jornal da TV Cultura de São Paulo e fora acusado de fazer reportagens comunistas e propagar o comunismo através do trabalho dele na mídia.
O senhor chegou a usar codinomes? Depois de 1964, sim. Quando o partido comunista foi realmente perseguido, passei a ser chamado de José. Mas isso era uma grande bobagem, porque os perseguidores não procuravam pelos codinomes, se dirigiam diretamente aos nomes e às pessoas. Uma coisa do tempo da Revolução Russa, não tinha mais sentido para a época. Quando Vladimir Herzog foi assassinado, seus colegas jornalistas Paulo Markum, Anthony de Cristo, Duque Estrada e Rodolfo Konder eram todos companheiros de profissão e militância. Eles foram torturados, menos o senhor. Como ocorreu essa passagem?
Eu era comunista, então de certa maneira o regime surgiu contra mim, contra pessoas como eu.
O Ruy foi da maior importância porque o jornal dele, O Estado de São Paulo, tinha apoiado o Golpe de 1964. O jornal rompeu com os militares, mas se manteve numa posição. Sofreu censura por anos e o Ruy Mesquita, como diretor e proprietário do jornal, foi comigo ao quartel quando fui preso. Recebi ordens de me apresentar e ele foi me dar cobertura, juntamente com o Presidente do Sindicato dos Jornalistas na época, Audálio Dantas, e minha esposa na época, Olinda. Chegando lá o Ruy me apresentou para o General Ferreira Marques e disse: ‘Olha general, esse é o meu funcionário que vocês estão procurando. Então eu lhe digo que a partir desse momento o meu jornal considera o senhor pessoalmente responsável pelo que acontecer com ele’. O general falou: ‘O senhor está falando com se fôssemos selvagens’. E o Ruy virou para ele: ‘Eu estou falando com base no que aconteceu sábado passado ao Vladimir Herzog’. Aí eu fiquei uma semana respondendo ao interrogatório. Me pediram para escrever todo um histórico com questionamentos sobre a minha militância no partido, mas não me aconteceu absolutamente nada, graças ao Dr. Ruy. Esse caso do Vladimir Herzog ainda causa espanto em relação ao fato de o terem colocado na forca para simular um suicídio. As imagens não mostram os pés que, segundo testemunhas, encostavam no chão. Seria o fotógrafo conivente ao crime, já que não revela o corpo inteiro?
E quanto aos seus companheiros, o que aconteceu exatamente? O Paulo Markum, por exemplo, a mulher dele foi torturada na frente dele, e depois de uma semana o deixaram sair da prisão para assistir ao batizado do filho. Para você ter uma ideia do clima, era um pavor, um terror, medo físico e psicológico. Antes de me apresentar, na segunda-feira, dormi na casa do Dr. Ruy, no quarto do filho dele que estava viajando, estava aqui na Europa. O senhor chegou a ser acusado e considerado subversivo? Sim, fui acusado e considerado subversivo porque posteriormente houve um processo na justiça militar que rolou durante dois anos. Ao chegar ao julgamento, fui acusado de pertencer ao Partido Comunista, desenvolver atividades subversivas e ameaças ao regime governamental estabelecido e à Pátria, pela Lei de Segurança Nacional da época. Lá está estipulada a pena de morte para os subversivos que fossem condenados. A única vez na história do Brasil em que a pena de morte fora estabelecida em lei. E não contra o bandido da rua, mas contra os elementos políticos contrários ao regime que pensassem de forma diferente ao sistema. Mas não ocorreu nenhuma pena de morte registrada legalmente. Todas as torturas e os assassinatos aconteciam ilegalmente nas instalações que o Exército providenciava, por criminosos que faziam parte do regime ditatorial, como o caso do DOI-CODI em São Paulo, que se instalou em uma antiga delegacia de polícia. Não se tratava de militares no exercício do seu poder legítimo. Tratava-se de criminosos, militares que agiam ilegalmente. Os protestos que recentemente tomaram o Brasil foram excelentes para a reflexão e até para a prestação de contas dos governantes para com a população. Mas, ainda assim, parece não haver uma ideologia como antigamente, quando existia a esquerda e a direita, o escuro e o claro; agora parece estar tudo muito cinza. O senhor concorda que há falta de uma ideologia?
Concordo. Somente identificamos nos protestos atuais uma insatisfação popular generalizada com o sistema de governo, com o regime, com o distanciamento entre os políticos e o povo, mas não há uma linha clara que queira consertar isso, adotando um regime comunista, salazarista, fascista, monárquico. Não há uma linha ideológica justificando essa insatisfação popular. Mas o que acontece é uma coisa arriscada: um grupo militar qualquer que esteja acompanhando os acontecimentos e pensando que isso tudo é desordem, a palavra de ordem acaba sendo ‘vamos acabar com essa desordem’. Isso unifica as cabeças de militares, juízes, advogados que podem formar um núcleo ditatorial e propor novamente um regime de ditadura ao país. Isso me preocupa um pouco, apesar de achar difícil que aconteça uma nova ditadura, porque a cena internacional visibiliza os problemas sociais. O que está acontecendo no mundo árabe, por exemplo, contra os ditadores, torna o clima internacional benéfico para uma via democrática favorável. Hoje temos um surto de movimentos políticos, nenhum dos quais têm uma ideologia definida, sendo assim difícil fazermos uma análise. Hoje, como editorialista do Estadão, o senhor não escreve editoriais comunistas, e sim conservadores. Como é para o senhor essa mudança? Eu não acredito que não mantenha em seu íntimo uma visão esquerdista... Eu continuo tendo isso em certa medida. Mas percebi, ou melhor, reconheci os grandes erros nas lutas de esquerda não somente no Brasil, mas no mundo inteiro, nos últimos 50 anos de jornalismo [Marco Antonio Rocha possui 58 anos de jornalismo]. Durante esse período como jornalista, tive de reconhecer os muitos erros cometidos pela esquerda, e o fato concreto de que a esquerda não conseguiu produzir um regime que resolvesse os problemas cotidianos da economia popular. O lado positivo que a esquerda trouxe foi fazer recuar o capitalismo. Deixando sem oposição, sem resistência, realmente é um regime que implanta a crueldade social. Com o fim dos partidos comunistas, com o fim da resistência organizada ao capitalismo, provocou um renascimento dos abusos capitalistas que estão aparecendo agora. O fato disso não existir mais de forma organizada está trazendo uma resistência de forma desorganizada. Ou seja, esses protestos e surtos que ocorreram também no mundo árabe são formas desorganizadas e violentas de resistência ou de combate aos abusos do capitalismo. O ideal seriam formas organizadas de lutas de combate. Uma vez que essas formas deixaram de existir, qualquer outra fórmula torna-se útil.
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CAPA
DESCOBERTOS E EM PERIGO Contato com primeiro grupo de índios isolados encontrado no Brasil desde 1996 revela que os problemas dos países latino-americanos na proteção de suas populações nativas continuam os mesmos, mas é possível salvá-las? Por Alec Heron
Fugidos de um massacre, cruzando uma fronteira que eles não sabem que existe e perseguidos por uma espécie que eles não entendem, sete membros de uma comunidade indígena isolada buscam proteção contra a violência que deixaram para trás, instigando a imaginação e a preocupação do mundo: a vida na Floresta Amazônica continua altamente perigosa para sua população nativa desde a colonização. Pesquisadores fizeram contato com esse pequeno grupo de uma comunidade até então não catalogada no Estado do Acre, no norte do Brasil. De acordo com os relatos colhidos, os cinco homens e as duas mulheres, com idades entre 12 e 21 anos, fazem parte de uma tribo que recentemente cruzou a fronteira do Peru para Brasil fugindo de ataques violentos de madeireiros e narcotraficantes da região. Mais de 70 grupos indígenas não contatados vivem na região amazônica do Brasil, de acordo com a Fundação Nacional do Índio - FUNAI (leia mais ao lado). Muitos deles estão perdendo seus territórios para madeireiros ilegais e traficantes de drogas que aproveitam rotas na floresta para transportar suas mercadorias. A extração ilegal de madeira há tempos é um problema na região amazônica, assim como a exploração de óleo e gás, que agora chega a áreas cada vez mais remotas, principalmente em território peruano. A crescente atividade de narcotraficantes na fronteira entre Peru e Brasil também pressiona as tribos indígenas isoladas, uma vez que o Peru ultrapassou a Colômbia como o maior produtor mundial de folha de coca, ingrediente primário para a produção de cocaína e crack, e que o Brasil esteja em segundo lugar no ranking de maiores mercados de droga, depois dos Estados Unidos. Postos de segurança no local foram fechados após ameaças de traficantes em 2011, sendo reabertos apenas em junho após iniciativa dos próprios índios. A última vez que uma tribo isolada foi descoberta no Brasil aconteceu em 1996, quando a FUNAI estabeleceu contato com a comunidade Korubo no Estado
do Amazonas. Na ocasião, o problema era o mesmo: os índios estavam em risco por conta da violência de madeireiros e narcotraficantes. Em 2011, um grupo de índios isolados do Acre foi filmado por uma equipe da BBC que trabalhava em parceria com a FUNAI na intenção de mostrar ao mundo que comunidades isoladas e necessitadas realmente existem na região.
ENCONTRO PERIGOSO Dois vídeos do mais recente encontro, ocorrido no Alto Rio Envira, foram gravados pela Frente de Proteção Etnoambiental da FUNAI e publicados pelo jornalista Altino Machado. Nas gravações, o grupo indígena é visto gesticulando a ação de armas de fogo para explicar a violência da qual eles estão tentando enfrentar com arcos e flechas. Em 29 de junho, os dois grupos se encontraram e trocaram presentes antes que três jovens homens nus começassem a pegar para si itens do acampamento onde os pesquisadores estavam alojados desde o dia 13 daquele mês, colocando-se em risco de contaminação por vírus que seus sistemas imunológicos não são capazes de combater. O grupo isolado retornou ao local no dia seguinte, 30 de junho, já apresentando sintomas de gripe. Em 4 de julho, voltaram novamente e foram medicados antes de deixar o acampamento da FUNAI. Todos os sete membros do grupo, no dia 6, foram encaminhados até a base médica, onde ficaram em tratamento até 11 de julho, quando retornaram para a floresta densa para se juntar ao resto da tribo. Alice Bayer, da Survival International – ONG baseada em Londres que trabalha na proteção de comunidades indígenas ao redor do mundo –, disse que os riscos para essas tribos isoladas são imensos. “O outro contato mais recente que ficamos sabendo aconteceu no Paraguai, com a tribo Totobiegosode, em 2004. Muito pouco depois, dois membros da comunida-
ALTINO MACHADO/TERRA
de morreram contaminados por doenças”, Bayer afirmou. “É muito assustador pensar que um grupo isolado pode voltar para sua comunidade que não tem imunidade contra doenças que vem de fora. Eles ainda podem estar carregando alguns vírus que não sabemos. Uma epidemia seria devastadora”, concluiu.
POLÍTICA DE ABORDAGEM Desde 1986, a FUNAI tem uma política de não fazer contato com comunidades isoladas, respeitando o direito de autodeterminação e trabalhando para proteger as tribos e seus territórios sem intervir na maneira de vida ou colocar em risco a saúde dos índios. De acordo
com a FUNAI, o contato só é feito se a comunidade assim desejar. O ex-membro da FUNAI Sydney Possuelo sabe como isso funciona por experiência própria – como sertanista nas décadas de 1970 e 1980, fez contato com muitas tribos isoladas da Amazônia, e lutou para mudar a política de abordagem após constatar as consequências devastadoras causadas pelo contato com essas populações. “Eles entram em contato com você e começam a morrer como moscas. Tudo, tudo, tudo joga contra eles. Tornam-se totalmente subordinado a nós, porque nós quebramos sua educação, sua saúde, seus meios de trabalho, seu sistema mítico. Eles se tornam párias. Por quanto tempo? Bem, alguns deles têm sido excluídos por 500 anos. Nomeie-me uma única tribo nos últimos 500 anos que se tornou melhor após o contato. Não há”, disse à Scientific American.
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Contato com os sete membros de tribo indígena isolada aconteceu no Estado do Acre, em vermelho no mapa
Por conta da repercussão nacional e internacional, o governo brasileiro aprovou um projeto que prevê a aplicação de R$ 5 milhões nos próximos cinco anos para apoio e proteção aos índios isolados no Estado do Acre. O projeto consiste na reestruturação da Frente de Proteção Etnoambiental (FPE) Envira, com a revitalização de suas bases de proteção etnoambiental Xinane e Douro e a criação de duas novas bases no Alto Muru e Mamoadate, com objetivo de assegurar a proteção dos povos denominados ‘isolados’. Consiste ainda na realização de ações educativas e de sensibilização das comunidades do entorno, visando garantir a proteção e os direitos desses povos que, por vontade própria, decidiram permanecer em isolamento.
SEM MEDO DO MUNDO
O grupo de sete índios encontrados (dois na foto) faz parte de uma comunidade maior que chegou ao Brasil pelo Peru
Quando cooptadas pela sociedade moderna, muitas tribos perdem sua característica nômade. Comunidades indígenas têm algumas das maiores taxas mundiais de suicídio. Como resultado da perda de terras, da exploração desmedida dos recursos naturais e da diferença cultural e de comportamento, enfrentam preconceitos, conflitos e problemas psicológicos. “Eles não estão inseridos em nossos padrões econômicos, vivem em outro mundo, outro tempo. Por isso nossos projetos econômicos não servem para eles”, argumentou Possuelo. A implementação dessa política não-intervencionista não pode ser assegurada em todos os países da América do Sul por onde se estende a Floresta Amazônica, de acordo com Alice Bayer, da Survival International, que vê falhas em outros país sul-americanos. “No Brasil, a FUNAI tem um time dedicado a trabalhar com índios não
contatados, o que não acontece no Peru ou no Paraguai. No Peru, nesse caso, temos visto pouquíssima ação do governo. Eles se comprometeram a proteger a região de onde esses índios vieram, mas não de maneira muito eficiente. Falta proteção às comunidades indígenas isoladas do Peru. A situação é pior que no Brasil”, afirmou. No momento, porém, a melhor opção pode ser uma mudança que possibilite um maior contato. É a opinião de um dos membros da FUNAI que estavam no recente encontro, José Carlos Meirelles. “São todos jovens e a impressão é que querem chegar a alguém que não mate eles. Estão pedindo a nossa obrigação funcional. Esse pessoal está pedindo à FUNAI o que o estado brasileiro tem dever de fazer. Eles nem precisariam estar pedindo, pois é obrigação nossa”, afirmou Meirelles ao jornalista Altino Machado.
“Se vocês nos maltratarem, nós vamos botar feitiço em vocês”, disse um dos três jovens indígenas do grupo isolado abordado pelos pesquisadores da FUNAI, bloqueando fisicamente a entrada do acampamento da comunidade Ashaninka, um ‘grupo contatado’ – assim chamado por estar em contato com pessoas de fora da tribo. Aparentemente agitados pelo fato de um pesquisador estar com uma arma em mãos para mantê-los longe do acampamento e de uma possível exposição a doenças, o grupo isolado pediu que os deixassem sozinhos com os membros do grupo Ashaninka. Falando idioma da família linguística Pano, encontrado em comunidades indígenas no oeste do Brasil, Peru, Bolívia e Paraguai, um dos meninos explicou os perigos que enfrentam na floresta e por que eles decidiram entrar em contato com os Ashaninka em busca de ajuda. “Estamos aqui porque outros povos costumam matar a gente na floresta. Os outros não se dão bem com a gente. As pessoas falam bem de vocês. Por isso que nós estamos aqui. O meu pai está lá, mas eu estou aqui. Nós somos acostumados a brigar com outros povos. Vocês podem matar um de nós, mas vocês também vão morrer. Como é a vida lá? Como é a vida de vocês? Não estamos com raiva”. No mês em que se comemora o Dia Internacional dos Povos Indígenas (9 de agosto), o caso se tornou emblemático e coloca o Brasil e a América Latina em uma situação de prova. Afinal, depois de séculos de genocídio cometido pelas ‘sociedades modernas’ contra as populações indígenas latino-americanas, a lição foi finalmente aprendida? Ou, pelo contrário, a história vai simplesmente se repetir?
QUEM SÃO E ONDE VIVEM OS ÍNDIOS BRASILEIROS? De acordo com a FUNAI, existem mais de 70 grupos de índios isolados na Amazônia brasileira. Existem ainda várias outras tribos isoladas na fronteira com o Peru. O Brasil tem mais comunidades isoladas do que qualquer outro país, com a parte ocidental da Amazônia brasileira tendo a maior concentração do mundo. Indígenas isolados são as pessoas mais vulneráveis do planeta. Muitas de suas terras, das quais dependem para sobreviver, estão sendo invadidas e o contato com estranhos pode ser fatal, pois eles têm muito pouca imunidade a doenças externas. Não é incomum mais de 50% da população de um grupo morrer após contato. De 1500 a 1970 o número de pessoas indígenas no Brasil diminuiu drasticamente. Muitas comunidades se tornaram extintas, com índios mortos por doenças ou escravizados e assassinados pelos colonizadores de Espanha e Portugal. O desaparecimento dos povos indígenas foi por muito tempo visto como inevitável. O quadro, porem, começou a mudar nas últimas décadas do século 20. O número de brasileiros que se consideram como indígena cresceu 150% na década de 1990. A taxa de crescimento foi quase seis vezes maior do que a população em geral. Em 2010, eram 817,963 os que se consideravam índios no país (200 milhões de habitantes), dos quais 502.783 vivem em áreas rurais e 315.180 nas cidades. Existem 305 etnias indígenas registradas no Brasil – sendo que as maiores são as etnias Ticuna, Guarani e Caiagangue –, além de 274 línguas indígenas, incluindo as seguintes: Apalaí, Kaingáng e Tucano. A maior concentração de povos indígenas no Brasil está nos Estados do Norte, como Acre, Amazonas e Roraima, onde, em 2010, viviam 305.873 índios. Segunda maior concentração são os 208.691 que vivem nos Estados do Nordeste (Alagoas, Pernambuco, Ceará, etc.), seguidos por 130.494 no Centro-Oeste (Mato Grosso, Goiás, etc.), 97.960 no Sudeste (Rio de Janeiro, São Paulo, etc.) e o menor número nos estados do Sul, que reúnem de 74.945 índios. Comunidades não contatadas, porém, estão conscientes da existência de pessoas de fora, incluindo as comunidades isoladas vizinhas. Muitas vezes existe alguma forma de interação. Por exemplo, às vezes, os povos não contatados se aproximam de aldeamentos para tomar potes, panelas e facões. O grupo encontrado em 29 de junho no Acre estava na posse de uma arma roubada de um madeireiro ou narcotraficante acampado em outra parte da floresta tropical.
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ELEIÇÕES 2014
OPOSTOS Na primeira reportagem da série que vai apresentar os cinco candidatos presidenciais mais bem posicionados nas pesquisas de intenção de voto para a eleição de outubro, o Brasil Observer começa pelos quarto e quinto colocados, respectivamente Pastor Everaldo e Luciano Genro, que nada têm em comum em suas agendas e propostas de governo
De um lado, um pastor evangélico líder da igreja Assembleia de Deus cujo objetivo da candidatura, pelo Partido Social Cristão (PSC), é defender os princípios e a valorização da família, abertamente contra a descriminalização do aborto e a união civil de pessoas do mesmo sexo, e defensor da redução da maioridade penal para 16 anos. Do outro, uma ex-militante estudantil que chegou ao Congresso Nacional pelo Partido dos Trabalhadores (PT), de onde foi expulsa um ano depois para fundar o Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) – de oposição de esquerda –, cuja proposta política é baseada na auditoria cidadã da dívida pública e uma ampla reforma do sistema tributário, incluída a taxação de grandes fortunas, além descriminalização da maconha, a legalização do aborto e a garantia dos direitos LGBT. Everaldo Dias Pereira e Luciana Krebs Genro, conhecidos apenas por Pastor Everaldo e Luciana Genro, praticamente nada têm em comum, a não ser a chance remota de alcançar, ao menos, a marca de dois dígitos na disputa pela Presidência da República, dia 5 de outubro. Segundo aponta a última pesquisa de intenção de voto do Ibope, divulgada dia 7 de agosto, Everaldo e Luciana foram lembrados, respectivamente, por 3% e 1% dos entrevistados, muito atrás dos três primeiros colocados desse mesmo levantamento: Dilma Rousseff tem 38%, Aécio Neves tem 23% e Eduardo Campos tem 9%. De qualquer maneira, os dois candidatos devem aproveitar a maior exposição durante a campanha para impor alguma de suas bandeiras no debate entre os favoritos. Em 2010, por exemplo, a legalização do aborto foi bastante discutida, ainda que não da melhor maneira possível, ou seja, pela perspectiva da saúde da mulher. Na ocasião, buscando a preferência dos eleitores evangélicos, a equipe do candidato José Serra (PSDB) acusou Dilma Rousseff (PT) de ter realizado um aborto na juventude, o que foi prontamente desmentindo. Dilma escapou da armadilha e venceu a eleição, mas não avançou no debate por cautela, para não desagradar uma parcela do eleitorado que vem crescendo bastante nos últimos anos. Os evangélicos das mais variadas denominações somam 42,3 milhões de fiéis, ou 22,2% da população, massa de eleitores cobiçadíssima. Trata-se da religião que mais cresce no Brasil, à custa de um lento, mas constante, declínio católico. Os seguidores da Igreja de Roma passaram de 73,6%, em 2000, para 64,6%, em 2010, segundo as estatísticas do IBGE. Se mantida a tendência, os protestantes poderão representar um terço dos brasileiros na próxima década. Prova da importância dada pelas campanhas presidenciais à comunidade evangélica foi a pre-
QUE NÃO SE ATRAEM sença de diversos políticos, inclusive Dilma, na cerimônia de inauguração do maior templo religioso do país, construído pelo bispo Edir Macedo, líder da Igreja Universal do Reino de Deus, no início do mês de agosto em São Paulo. A principal aposta dos evangélicos, porém, continua no Poder Legislativo. Nunca tantos pastores foram candidatos como nestas eleições. O número subiu de 193, em 2010, para 270 neste pleito, um aumento de 40%. Como termo de comparação, somente 16 padres católicos são candidatos em todo o país. A bancada evangélica projeta um crescimento de 30%, podendo chegar a 95 deputados federais e senadores. Atualmente, ela conta com 73 congressistas, de acordo com o Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar. Nesse cenário, cabe a Luciana Genro puxar o debate para uma ótica mais à esquerda. Desde a chegada do PT ao poder, e a consequente centralização do partido em nome da governabilidade adquirida no Congresso graças a alianças com outrora rivais políticos, o PSOL têm como principal objetivo resgatar as bandeiras históricas daquele partido que muitos de seus membros também ajudaram a fundar na década de 1980. Uma delas, por exemplo, é por uma lei de mídia democrática que acabe com o monopólio midiático hoje visto no país. Com dez anos de estrada, o PSOL ganhou fôlego desde as manifestações de junho do ano passado graças a uma militância barulhenta. Não é possível observar, porém, uma verdadeira unidade partidária. Algumas das principais lideranças do partido não compareceram ao lançamento da candidatura de Luciana Genro, como os deputados federais Jean Wyllys, Ivan Valente e Chico Alencar. O único senador do partido, Randolfe Rodrigues, também não compareceu – era ele, afinal, o escolhido inicial para o pleito, mas acabou desistindo nove dias antes da convenção alegando necessidade de dedicar-se à política no Amapá, por temer o retorno ao poder do grupo político ligado ao ex-presidente José Sarney. Além disso, o PSOL não conseguiu fechar acordos com nenhum outro partido de esquerda. O PSTU e o PCB optaram pelo voo-solo. Pastor Everaldo e Luciana Genro, portanto, estão localizados em extremos opostos do espectro político-ideológico brasileiro. No meio deles estão os candidatos da ordem, ou seja, aqueles que lideram as intenções de votos e cujas diferenças programáticas são menores e mais difíceis de serem notadas. Resta saber qual dos “nanicos” – Luciana ou Everaldo – será capaz de influenciar mais o debate, ou observar qual fatia do eleitorado Dilma, Aécio e Campos estão mais dispostos a buscar para que cheguem ao posto máximo do Executivo.
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PASTOR EVERALDO
RITO
O DE B LEANDR
Everaldo Dias Pereira, 58, é casado com a cantora gospel Ester Batista e tem três filhos. Carioca, Everaldo nasceu no bairro pobre de Acari, na zona norte no Rio de Janeiro, filho de um pai pastor e de uma mãe missionária. Ele trabalhou como camelô, servente de pedreiro e office boy em uma corretora de seguros. Formou-se em ciências atuariais pela Faculdade de Economia e Finanças do Estado do Rio de Janeiro e abriu a sua própria corretora.
evangélicos. Por indicação da então vice-governadora Benedita da Silva (PT), que frequentou a Assembleia de Deus e a Igreja Presbiteriana, pastor Everaldo chegou a condição de subsecretário do Governo na gestão de Anthony Garotinho. Lá, cuidou do Cheque Cidadão, um programa de distribuição de renda.
Em 2002, foi um dos coordenadores da campanha à Presidência de Garotinho. Everaldo é pastor da Assembleia de Deus – do Começou a se envolver com política nas pri- Ministério Madureira, um dos ramos da meiras eleições diretas para governador do igreja pentecostal. Estado, em 1982, quando atuou como cabo eleitoral de Leonel Brizola (PDT), que venceu Salvo uma tentativa fracassada como sua disputa. Em 1989, apoiou Lula no segundo plente de senador na chapa de Jorge Picciani turno e, segundo ele, organizou o último ato (PMDB-RJ), em 2010, nunca disputou um do então candidato na Baixada Fluminense. cargo eletivo. Ocupa a posição de vice-presidente nacional do PSC, partido ao qual Seu ingresso definitivo na vida política se filiou em 2003. Um de seus filhos, Filipe de se deu em 1999 com a ajuda de outros Almeida Pereira, é deputado federal pela sigla.
LUCIANA GENRO A professora e advogada Luciana Krebs Genro concorre pela primeira vez à Presidência. Filha do governador gaúcho e ex-ministro de Lula, Tarso Genro (PT), e de Sandra Krebs Genro, Luciana nasceu em 1971 em Santa Maria (RS). Devido ao parentesco, foi impedida pela Justiça de participar do processo eleitoral em 2012. Ela também é neta de Adelmo Simas Genro, membro do antigo PTB e cassado pela ditadura quando era vice-prefeito de Santa Maria (RS).
reforma da previdência proposta pelo então presidente Lula. Com os ex-correligionários, Luciana ajudou a fundar o PSOL, que teve registro concedido em 2005. No ano seguinte, foi reeleita deputada federal pelo Rio Grande do Sul. Durante sua passagem pela Câmara, Luciana conseguiu aprovar na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara projeto que regulamenta impostos sobre as grandes fortunas. A Constituição de 1988 criou esse imposto, mas, por não haver uma regulamentação, ele nunca foi cobrado. Ela também integrou a Comissão Parlamentar de Inquérito do Apagão Aéreo da Câmara.
Em 1974, após o retorno do pai do exílio, Luciana foi morar em Porto Alegre (RS). Aos 14 anos, começou sua trajetória política no movimento estudantil. Depois, entrou na Convergência Socialista, grupo interno do PT. Nesse período, conheceu Em 2008, Luciana concorreu à Prefeitura Roberto Robaina com que teve seu filho, de Porto Alegre e terminou o pleito em Fernando Marcel Genro Robaina, em 1988. quarto lugar. Dois anos depois, disputou cargo para deputada federal do Rio GranAos 23 anos, Luciana foi eleita deputada de do Sul, mas não conseguiu se reeleestadual pelo Rio Grande do Sul, sendo ger, mesmo conquistando a oitava maior reeleita para o cargo quatro anos depois. votação no Estado. Em 1997, Luciana se casou com o jornaFormada em direito na Unisinos (Universilista Sérgio Bueno. dade do Vale do Rio dos Sinos) em 2011, LuEm 2002, foi eleita deputada federal pelo ciana atua nas áreas de direito previdenciáPT. No ano seguinte, foi expulsa da sigla ao rio e direito penal. No mesmo ano, passou a lado de outros petistas, como a então se- integrar a Comissão de Direitos Humanos da nadora Heloísa Helena. Todos se opunham à OAB do Rio Grande do Sul.
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CONECTANDO
A FESTA DOS INSIGNIFICANTES Com livro recém-publicado, André Bonsanto Dias conta sua experiência de “autor de primeira viagem em busca do leitor transeunte” durante a 12ª edição da Festa Literária Internacional de Paraty (Flip), encerrada no início de agosto GUSTAVO SANTOS SILVA
Por André Bonsanto Dias
A Flip é uma festa. Está no nome e está nas ruas. A cidade de Paraty é tomada nos julhos da literatura. Democratizante, a última edição pretendia se desanuviar pelos telões com transmissão gratuita. As mesas da tenda dos autores seriam, pela primeira vez, transmitidas a todos aqueles que tivessem um tempinho disposto a um lugar ao sol. Mas, para além das mesas disputadíssimas, povoadas por uma amálgama de leitores tietes e marinheiros de primeira viagem, há uma festa que segue seu caminho próprio. Bagunçada e irreverente, te encanta e faz tropeçar como as pedras do centro histórico. É a festa dos autores invisíveis, dos vendedores de haicai, poetas do acaso e hare krishnas. Há duas Flips que se fundem e confundem. E esta foi a Flip de um homem que, pela primeira vez, também se via como autor. Com um livro recém-publicado, me sentia como um daqueles peregrinos na busca do leitor modelo. Sim, era na rua que se fazia a festa da literatura, pois na travessa só sorria quem pagava. Explico: a rua que me refiro margeava as mesas oficiais do evento, na qual autores desconhecidos da maioria discutiam culinária, depressão e jornalismo. A rua das casas das editoras, onde o cappuccino três corações acalentava mais que as memórias de um velho escritor chileno, amigo de Neruda. Nessas ruas observava os autores invisíveis, insignificantes e
cheios de sentido, querendo ser sentidos. Uma luta diária que se faz a cada Flip, pela busca do reconhecimento, pelos segundos de atenção do leitor transeunte. Pelas ruas, guardo meu livro em um Julio Cortázar, que foi transformado em sacola bonitinha, comprada na travessa. Avisto Paulo Cavalcante, paraibano de 54 anos. Já é sua décima Flip como autor. Se vende como figura típica para vender seus livros. E vende bem. Figura conhecida, cativa. Faz parar sem se mexer. Desta vez veio de moto, de Campina Grande. Parou em 72 cidades entregando seus livros às escolas públicas. Professor de história, fala francês para gringo ver e arranha o inglês. “Meu sonho é Frankurt ou a FlipSide”, dizer ao sonhar com festas de outras ruas do outro lado do mar. Com 19 anos, Lisandra Almeida é debutante. Pela primeira vez nas ruas da Flip, tenta angariar leitores juvenis com seu romance de suspense, escrito quando tinha apenas 13. No primeiro dia, ainda não havia vendido um exemplar. Eu também não. Ela ao menos ganha a vida. Faz-se autora, aparece, cria seu mundo. Nem você que me lê sabe sobre o que escrevi. É a insignificância. Mas a insignificância é a essência da existência, parafraseando Milan Kundera, que não publica um romance desde quando a Flip não era festa e nem nome. É uma batalha para ganhar vida nesta festa. Os hare krishnas deixam todos ariscos, sem fé nas palavras que brotam das
ruas. Mas é pela batalha que Emerson Alcalde aparece. Poeta paulista com livro publicado, flipeiro e autor desde 2011, ele diz que, se abordar as pessoas como os krishnas, vende tudo. Mas poesia não se vende; se conquista. Traz sua guerrilha poética à festa dos autores pomposos, o “Slam da Guilhermina”. É o off da off Flip, mais uma alternativa de espaço que integra a significância daqueles que muito querem dizer. Se a Flip fosse um filme de Luis Buñuel, a história se daria ao reverso. Mesmo (não) querendo, eles jamais entrariam na travessa, o sepulcro mnemônico que seleciona aqueles que devem ser vistos e comprados. Quem está de fora fica na rua e vive a sua festa. Sei que são esses - e deixo por um instante me sentir um deles -, os “insignificantes”, que deixam esta cidade muito mais pulsante. Decido entrar na casa erguida pelo jornal Folha de S. Paulo. Uma das mais abarrotadas. Inquietas. Meu livro, uma análise sobre o mesmo jornal na época da ditadura militar no Brasil, se mantém na bolsa, já corajoso e aquecido pela lucidez cortaziana. Abarrotado. Inquieto. Reviro as folhas de uma publicação sobre a história da imprensa paulista, meio que para dissimular. Procuro um espaço e deposito meu exemplar na estante. Que sorriso insignificante e sacana abre este autorzinho. Algum leitor ele terá, nem que seja pela implicância. Saio e vou pedir meu cappuccino com sabor de dever cumprido.
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O livro recém-publicado de André Bonsanto Dias chama-se O Presente da Memória. Para mais informações: http://goo.gl/btAFKq
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Em outubro, acontece a segunda edição da versão inglesa da Flip, chamada FlipSide. Para mais informações: www.flipsidefestival.co.uk
COMO PARTICIPAR? Conectando é um projeto desenvolvido pelo Brasil Observer que visa colocar em prática o conceito de comunicação ‘glocal’, ou seja, uma história local pode se tornar global, ser ouvida e lida em diferentes partes do mundo. Mande sua história para nós! Saiba como participar entrando em contato pelo conectando@brasilobserver.co.uk
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Brasil Observer
GUIDE ZARINA HOLMES
NOTTING HILL CARNIVAL
THE OTHER STORY
There are many conflicting tales of how Notting Hill’s summer street festival began. But a new book by Ishmahil Blagrove Jr reveals that the greatest debt is owed to one remarkable woman. >> Read on pages 16 and 17
Há muitas versões conflitantes sobre como começou o festival de rua de Notting Hill. Mas um novo livro de Ishmahil Blagrove Jr revela que o maior crédito se deve a uma notável mulher. >> Leia nas páginas 16 e 17
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THE REAL ORIGINS OF CARNIVAL By Ishmahil Blagrove Jr
The story of the Notting Hill Carnival began on the backstreets of North Kensington in a community scarred by poverty and racial tension. Those living in the area had to endure overcrowding inside dilapidated accommodation with no bathrooms, hot water and, as late as the sixties, no electricity. Two World Wars within thirty years had left the UK with a desperate labour shortage and so the Empire turned towards its colonies for help and invited mass immigration to Britain. West Indians arrived in droves, joining the working-class Britons, Jews, Irish, Greeks and Spaniards who were already living in the cramped tenements of Notting Hill. By the late 1950s, Notting Hill and Brixton had the most concentrated population of West Indians in the country. Militant factions of working-class whites were quickly joined the bandwagon of the fascist Oswald Mosley, whose “Keep Britain White” slogan exploited their fears and the anti-immigration tendencies of the time. West Indians were accused of taking their jobs, their homes, their women, and of playing loud music until the early hours. The Notting Hill Race Riots of 1958, and the racist murder of Antiguan carpenter Kelso Cochrane the following year, brought the tensions to a climax. These events became the catalyst through which activists mobilised in an effort to bridge cultural gaps. The British Communist Party led protest marches throughout the area. Meanwhile, Claudia Jones, a Brixton-based Trinidadian political activist and editor of the first black weekly newspaper in Britain, the West Indian Gazette, presented the idea of holding a Caribbean carnival to build unity by showcasing Caribbean culture. Jones was a talented and determined woman who fought tirelessly for the human rights of oppressed peoples around the world. A resident in the US since emigrating with her parents from Trinidad, aged nine, she was jailed four times for her activism and membership of the Communist Party, and eventually expelled from America in 1955. The British colonial governor to Trinidad refused her re-entry to the country of her birth, fearing that her presence on the island “may prove troublesome”, so she was deported to Britain, where she wasted no time in immersing herself in the politics of the day. Jones’s Caribbean Carnival took place on 30 January, 1959, at St Pancras Town Hall and was televised by the BBC. It was held indoors because it had been planned to coincide with the Trinidadian celebration traditionally held between January and March, but the English weather proved too cold for the event to be hosted outdoors. Jones is often credited with having brought the celebration of Caribbean carnival culture
to Britain. However credit is also due to many others, among them the Trinidadian husband-and-wife team of Pearl and Edric Connor, who were the booking agents for the artists and organised many of the events. The West Indian Gazette organised other indoor Caribbean Carnival cabarets that were performed at various London venues, including Seymour Hall, Porchester Hall and the Lyceum Ballroom, and continued until 1964, when Jones died prematurely from heart disease at the age of 49. While Jones’ events proved popular among West Indians, they were in essence indoor cabarets and that did not have direct influence on the first Notting Hill Festival of 1966, out of which the Notting Hill Carnival eventually grew. That festival was the brainchild of social worker Rhaune Laslett, in collaboration with the London Free School, a community action adult education project co-founded by Laslett with photographer and political activist John “Hoppy” Hopkins and a group of collaborators. Laslett, born in London’s East End to a Native American mother and Russian father, became a notable figure in the Notting Hill community that had adopted a proactive role in healing the racial tensions from the late Fifties. Laslett set up an adventure playground for children called Shanty Town and established a voluntary neighbourhood service that provided free 24-hour legal advice to immigrants, local residents and the homeless. Laslett consulted her trusted neighbour and respected figure in the community, Guyanese activist Andre Shervington, about how to get the West Indian community to participate in the festival. She also consulted others and was advised to invite a well-known Trinidadian musician named Russell Henderson whose Sunday afternoon jazz gig on Old Brompton Road was popular among West Indians. Henderson, who had also played for Claudia Jones at St Pancras Town Hall in 1959, readily accepted Laslett’s invitation to perform at the first Notting Hill street festival. It was the attendance of his band that changed the course of what might otherwise have become a traditional English pageant, albeit with a multicultural theme. Laslett’s first Carnival featured a cornucopia of participants, all local residents but hailing from many places: India, Ghana, Czechoslovakia, Ukraine, Cyprus and elsewhere. Performers included Nigerian musician Ginger Johnson and his Afro-Cuban band, Agnes O’Connell and a white New Orleans-style marching band. Horse-drawn carts were borrowed from traders in Portobello Road to make floats and there was even an inter-pub darts match. When Henderson’s group arrived and began playing “pan”, West Indians, upon hearing the familiar sounds from home,
flooded the streets. In line with the Trinidad carnival tradition of “making a rounds”, the group led a procession that wove up Portobello Road towards Notting Hill Gate and back again, gathering new revellers along the way. Henderson had inadvertently put a Caribbean hallmark on the festival and word quickly spread to the other West Indian communities in England about what had taken place. In successive years, although the carnival was still diverse and eclectic and ran as a week-long Notting Hill Festival, it became progressively more West Indian, and specifically Trinidadian, in flavour. Steel bands such as the Blue Notes led by Pedro Burgess, Les Flambeaux, Bay 57 and Melody Makers came out on the road. Trinidadian costume-maker Ashton Charles began creating traditional “fancy sailor” costumes for children. More and more steel-pan players, performers and West Indians joined in, and the street celebration came to eclipse events at a variety of indoor venues. The festival also began to take on more militant connotations in response to the pressures that black people and the counter-culture scene were experiencing at the hands of the police. The Black Power movement had spread across the Atlantic and gripped the imagination of the masses. It became increasingly uncomfortable to have a woman identified as white sitting at the helm of what was by now seen as a distinctly black Caribbean cultural affair. Rhaune Laslett’s authority was challenged, and her influence and control over the event gradually diminished. She retired from organising the festival in 1970 due to ill health. She left, dismayed that the festival she had conceived had adopted a confrontational tone that had sidelined her contributions. Over the years, the dominant Caribbean hallmark and a pervasive ignorance about the carnival’s early history has led to many erroneous and conflicting accounts as to who originally “founded” the event. And the contributions of Laslett and the London Free School have become cursory footnotes, thus perpetuating the belief that the Notting Hill Carnival is of uniquely black-Caribbean origin.
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T his is an edited extract from Carnival — A Photographic and Testimonial History of the Notting Hill Carnival, by Ishmahil Blagrove Jr, £25 (ricenpeas.com). This year’s Notting Hill Carnival runs August 24-25 (thenottinghillcarnival.com)
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ORIGENS DE UM CARNAVAL Por Ishmahil Blagrove Jr
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E ste é um trecho editado do livro Carnival — A Photographic and Testimonial History of the Notting Hill Carnival, por Ishmahil Blagrove Jr, £25 (ricenpeas.com). O carnaval deste ano ocorre dias 24 e 25 de agosto (thenottinghillcarnival.com)
A história do Carnaval de Notting Hill começa nas ruas de North Kensington, em uma comunidade assustada pela pobreza e por tensões raciais. A região sofria com superlotação aguda e alojamentos em ruínas – sem banheiros, sem água quente e, até o começo dos anos 1960, sem eletricidade. A desesperadora escassez de mão de obra no final da Segunda Guerra Mundial fez com que viessem para o Reino Unido milhares de imigrantes. Caribenhos chegaram aos montes, juntando-se às fileiras de operários britânicos, judeus, irlandeses, gregos e espanhóis nos cortiços apertados do bairro de Notting Hill. No final da década de 1950, Notting Hill e Brixton tinham a mais concentrada população de caribenhos do país. Facções militantes de brancos da classe trabalhadora eram facilmente atraídas para o movimento fascista de Oswald Mosley, cujo slogan “Mantenha a Grã-Bretanha Branca” explorava seus medos e as tendências antiimigração da época, acusando os caribenhos de tomar seus empregos, casas, mulheres e de tocar música até tarde. A chamada Notting Hill Race Riots, revolta que aconteceu em 1958, e o assassinato racista do carpinteiro caribenho Kelso Cochrane no ano seguinte afloraram ainda mais os ânimos. Esses eventos foram o estopim que levaram ativistas a se mobilizarem em torno da construção de pontes culturais que preenchessem as lacunas existentes e acalmasse as tensões. O Partido Comunista Britânico liderou marchas pela região. Enquanto isso, Claudia Jones, ativista nascida em Trinidade e Tobago, mas baseada em Brixton, que era editora do primeiro jornal semanal de cultura negra do Reino Unido, o West Indian Gazette, apresentou a ideia de realizar um carnaval caribenho para construir uma unidade entre as pessoas pela cultura. Jones foi uma mulher talentosa e determinada que lutou incansavelmente pelos direitos humanos ao redor do mundo. Nos Estados Unidos, para onde emigrou com a família quando tinha nove anos, foi presa quatro vezes por conta de seu ativismo e militância junto com o Partido Comunista, até ser deportada em 1955.
O governo da colônia britânica de Trinidade recusou sua entrada no país, então ela acabou sendo enviada para o Reino Unido, onde não demorou muito para se inserir novamente no movimento político. O carnaval caribenho organizado por Jones aconteceu dia 30 de janeiro de 1959, no St Pancras Town Hall, e foi televisionado pela BBC. A festa foi feita em lugar fechado porque tinha sido planejada para coincidir com a celebração da comunidade de Trinidade que tradicionalmente é realizada entre janeiro e março, mas as temperaturas estavam muito frias para um evento nas ruas. Para Jones é normalmente dado o crédito de ter trazido a cultura de celebração do carnaval caribenho para o Reino Unido. Tal feito, porém, também se deve a outras pessoas, como o casal de Trinidade Pearl e Edric Connor, que eram agentes dos artistas e organizaram muitos eventos. O jornal West Indian Gazette realizou outros carnavais caribenhos em locais fechados até o ano de 1964, quando Jones morreu prematuramente por doenças no coração aos 49 anos. A brochura oficial do carnaval de 1959 faz nitidamente uma referência à revolta de Notting Hill do ano anterior, revelando o caráter social de Jones. Mas, ainda que os eventos de Jones fossem bastante populares entre os caribenhos, eram essencialmente realizados em lugares fechados e não teve influência direta no Notting Hill Festival de 1966, de onde cresceu o Notting Hill Carnival. Aquele festival foi idealizado pela assistente social Rhaune Laslett, em colaboração com a London Free School, um projeto de educação de ação comunitária para adulto fundado por Laslett com o fotógrafo e ativista político John “Hoppy” Hopkins e um grupo de colaboradores. Laslett, nascida no East End em uma família cuja mãe era estadunidense e o pai russo, era uma figura notável na comunidade de Notting Hill, tendo adotado uma prática proativa na solução das tensões da região no final dos anos 1950. Ela criou uma área de lazer para criança chamada Shanty Town e estabeleceu um serviço de voluntariado que prestava 24 horas por dia de consultoria legal para imigrantes, residentes locais e pessoas sem habitação. Laslett consultou seu amigo e ativista respeitado na região, Andre Shervington, sobre como atrair os caribenhos para o festival. Ela também consultou outras figuras de respeito na área e foi aconselhada a convidar um bem conhecido músico de Trinidade, chamado Russel Henderson, que realizava shows semanais bem populares entre os caribenhos em um pub na Old Brompton Road. Henderson, que já havia tocado no car-
naval organizado por Claudia Jones em 1959, rapidamente aceitou o convite para se apresentar no festival de rua de Notting Hill. Foi a presença dele e de sua banda que mudou o curso do festival que de outra maneira teria provavelmente se tornado uma tradicional festividade inglesa, mesmo multicultural. A primeira edição desse novo carnaval reuniu diversos participantes, todos residentes locais, mas de várias origens diferentes: Índia, Gana, Tchecoslováquia, Ucrânia e muitos outros lugares. Entres as apresentações artísticas estava a do nigeriano Ginger Johnson e sua banda afro-cubana. Carroças puxadas por cavalos foram emprestadas de comerciantes de Portobello Road para fazer carros alegóricos. Quando o grupo de Henderson chegou, os caribenhos tomaram as ruas. Alinhada com a tradição de “fazer rodas”, a banda liderou a procissão que caminhou pela Portobello Road até o Notting Hill Gate, atraindo cada vez mais simpatizantes. Henderson acabou, assim, colocando uma marca caribenha no festival, o que logo se espalhou entre todas as outras comunidades caribenhas da Inglaterra. Nos anos seguintes, embora o festival ainda fosse eclético e multicultural, passou a ser progressivamente mais caribenho. Bandas como Blue Notes, Les Flambeaux, Bay 57 e Melody Makers saíram às ruas. Ashton Charles começou a criar trajes tradicionais para crianças. Mais e mais artistas caribenhos se juntaram, e a celebração na rua eclipsou outros eventos em uma variedade de locais fechados. O festival também começou a tomar conotações mais políticas em reflexo às pressões sofridas pelo movimento negro e da contracultura nas mãos da polícia. O movimento Black Power tinha atravessado o Atlântico e fomentou o imaginário das massas. Passou a haver então certo desconforto em relação ao fato de uma mulher branca liderar um festival majoritariamente negro de cultura caribenha. A autoridade de Rhaune Laslett foi desafiada, e sua influência e controle sobre o evento, diminuídos. Ela se retirou da organização em 1970, revoltada com o fato de o festival que ela criou ter tomado uma aura de combate, afastando os contribuidores tradicionais. Ao longo dos anos, a marca dominante do Caribe no festival e a ignorância generalizada sobre a história antiga do carnaval têm levado a muitas contas erradas e conflitantes a respeito de quem originalmente “fundou” o evento. As contribuições de Laslett e da London Free School tornaram-se notas de rodapé superficiais, perpetuando, assim, a crença de que o Notting Hill Carnival é de origem exclusivamente negro-caribenha.
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NINETEEN EIGHT-FOUR DIVULGATION
HERE COME THE BRITS By Ricardo Somera
People who live in the UK or the U.S. may find it strange that artists like Woodkid and Chet Faker sell-out tickets in a few hours in Brazil. For me, sometimes it’s also hard to believe, because Brazil has 200 million people that do like crowding stadiums and arenas across the country, but for national rhythms concerts like samba, axé and sertanejo. When it comes to international artists, rare are those who can attract more than 10,000 people, and among them are pop bands like One Direction, or music dinosaurs, including Madonna and Paul McCartney. But, like never before in the history of this country, fans of British pop music will have four great attractions to sing and jump in loud and clear: Arctic Monkeys, Biffy Clyro, Metronomy and Spiritualized arrive on Brazilian ground in the second half of this year.
ARTIC MONKEYS In his third visit to Brazil, Alex Turner and company arrive in Rio and São Paulo in November, with the status of a super band. In their last show in the country in 2012, the group was headlining the Lollapalooza festival and entertained more than 60,000 people at Jockey Club de São Paulo. This time, releasing the album AM with the opening of the Swedish Hives, they promise to make the show of the year.
BIFFY CLYRO, METRONOMY AND SPIRUTUALIZED Yes, I’ve put everyone in the same group. I still surprise myself when bands like Spirutualized come to play in Brazil. Biffy Clyro, Metronomy and Spirutualized are pop in the UK, but in Brazil are seen as underground like Jungle or Milky Chance: they do not have any song on TV, or the radio, and are not among the most listened to bands on Spotify by Brazilians. Yet, here you will find hundreds of fans of each of these bands that buy expensive tickets (a festival with Metronomy, Beirut, Mixhell and Lumineers can cost up to R$ 1,100 – around £280). It’s great that if before we were in parties listening to a cover of Gorillaz, now we have to decide between Chet Faker and Bonobo, who will play for the first time in Sao Paulo, but in different places. PS: Franz Ferdinand is out of the list because they always play here and I already consider them a Brazilian band of British rock.
Artic Monkeys will play in Brazil in November
LÁ VÊM OS BRITÂNICOS By Ricardo Somera
Quem mora no Reino Unido ou nos Estados Unidos pode até achar estranho que artistas como Woodkid e Chet Faker esgotam ingressos em poucas horas no Brasil. Para mim, às vezes, também é difícil acreditar, pois somos 200 milhões de pessoas lotando estádios e arenas por todo o país, mas em shows de ritmos nacionais como o samba, axé e sertanejo. Quando se trata de artistas internacionais, são raros os que conseguem levar mais de 10 mil pessoas às apresentações, e entre eles estão bandas pop, como One Direction, e dinossauros da música, como Madonna e Paul MacCartney. Mas, como nunca antes na história deste país, os fãs da música pop britânica vão ter quatro ótimas atrações para cantar e pular em alto e bom som: Arctic Monkeys, Biffy Clyro, Metronomy e Spirutualized desembarcam em terras tupiniquins no segundo semestre deste ano.
ARTIC MONKEYS Em sua terceira visita ao Brasil, Alex Turner e Cia. chegam ao Rio e São Paulo, em novembro, com status de super banda. Em seu último show no país, em 2012, o grupo foi headliner de festival Lollapalooza e levou mais de 60 mil pessoas ao Jockey Clube de São Paulo. Dessa vez, lançando o álbum AM e com a abertura do Hives, prometem fazer o show do ano e se consagrar entre os festeiros em geral.
BIFFY CLYRO, METRONOMY E SPIRUTUALIZED Sim, coloquei todos no mesmo grupo. Eu ainda me surpreendo quando bandas como Spirutualized vem tocar no Brasil. Biffy Clyro, Metronomy e Spirutualized são pops
no Reino Unido, mas no Brasil são tão undergrounds como Jungle ou Milky Chance: não tocam em nenhuma novela, ou nas rádios, e nem estão entre as bandas mais escutadas pelos brasileiros no Spotify. Mesmo assim, aqui você encontra centenas de fãs de cada uma dessas bandas que esgotam ingressos caríssimos (um festival com Metronomy, Beirut, Lumineers e Mixhell podem custar até R$ 1.100) e animam produtores de outros Estados a cogitarem shows desses grupos fora do eixo Rio-São Paulo. Lindo é pensar que, se antes íamos numa festinha escutar um cover de Gorillaz, hoje temos que decidir entre Chet Faker e Bonobo, pois vão tocar pela primeira vez em Sampa, mas em lugares diferentes. PS: Franz Ferdinand está fora da lista porque aparecem por aqui sempre e já os considero uma banda brasileira de rock britânico.
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GOING OUT DIVULGATION
Brazil is the destination of the moment and Small Wonder – The Short Story Festival is delighted to be hosting some of its writers. Tatiana Salem Levy (photo) was selected as one of Granta’s Best of Young Brazilian Novelists. Her debut novel, A chave de case, won the São Paolo Prize for Literature and is due for publication in the UK next year. João Gilberto Noll is one of Brazil’s most distinguished and popular authors. He has written nineteen books and won more than ten literary awards. Lucy Greaves won the 2013 Harvill Secker Young Translator’s Prize. Readings and discussion chaired by Susie Nicklin.
RIO BRIO 27 September Where Charleston, East Sussex Tickets £10 www.charleston.org.uk
Where 6 Somerleyton Road, Brixton | Tickets Free
Where The Forge | Tickets £8
Where Rose Lipman Building | Tickets Free
>> http://goo.gl/o8uHJI
>> www.clubedochoro.co.uk
>> www.casafestival.org.uk
BRASSSIL SUNSET SCREENING
CLUBE DO CHORO UK
CASA NIGHT OF IDEAS
16 and 30 August
30 August
13 September
At sunset on August Saturdays 16 and 30, Brixton Come Together, Infinitta Productions and ElevenCulture join forces to present FREE cinema screenings. Outdoor screenings will take with addition of a bar + performances + DJs and, of course, popcorn. On 16/8: The Clown (photo), by Selton Mello - astonishing fable about a clown who can make everyone laughs but is in a search for his own happiness. On 30/8: Madame Satã, by Karim Ainuz - a portrait of Joao Francisco dos Santos, a flamboyant, fiercely proud drag queen with a hair-trigger temper.
Clube do Choro UK hosts one of the most revered cavaquinho players in Brazil, Henrique Cazes. Born in Rio de Janeiro, Henrique Cazes has been playing professionally since 1976. He started to play the guitar when he was six years old and gradually went on to play cavaquinho, mandolin, tenor guitar, banjo, twelve-string caipira guitar and lately electric guitar, all self taught! He is well known for his Beatles’n’Choro adaptations.
Inspired by the Institut Francais’ brilliant La Nuit de la Philosophie / My Night with Philosophers, Casa Latin America Theatre Festival is excited to announce the very first all night celebration of Latin American culture in the heart of East London. From 6pm to 6am there will be an amazing line up of talks and debates on politics, literature, drugs, sex, art, architecture and more alongside movie and documentary screenings, traditional board-games, playreadings, live music and genre-busting DJs.
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TASTE OF BRAZIL IN LONDON Floripa will be celebrating flavours from different regions of Brazil over the next five months. Here we look at the first destination on this foodie trip - Minas Gerais State If you do a quick search on Brazilian food, will see that feijoada is almost always elected as the country’s traditional dish. But while some might think of this meat and bean stew as the national dish, in reality Brazil’s culinary culture is far more diverse. Brazil’s continental scale, 14 states plus the Federal District, makes it impossible to say just one dish represents all its regions. So with the idea of showcasing this variety, Floripa bar and restaurant in the heart of Shoreditch, is hosting a series of events: Taste of Brazil that will take diners on a culinary adventure through the different regions of Brazil over the rest of the year. Of course when selecting the dishes to include, they knew they would come into some criticism and suggestions so to start with a well-known foodie region, Floripa’s first event celebrates the food of Minas Gerais. This state’s cooking that combines flavour, history, simplicity and tradition. In addition to the unique characteristics and well known dishes, Minas was also home to Floripa chef Marcelo Barra, who no doubt had some say to start the journey there. Decorated floor to ceiling with references from different regions of Brazil, the venue provides the perfect setting for total immersion in the country’s culture and no better way of starting the evening than with a traditional caipirinha with lime to start. To whet the appetite Floripa will be serving, a portion of Pao de Queijo (cheese bread), traditionally made in Minas Gerais, which is region known for it’s rich agricultural traditions and great produce. For the main course diners can enjoy Feijão Tropeiro, with a choice of beef or pork. For those unaware, the name of this dish has direct reference to Brazil’s colonial period, when the transportation of various goods was done by troops on horseback and the men who rode were called “tropeiro”. Until the mid-20th century, they travelled far distances across the country. This dish of beans mixed with cassava flour, pork rind, sausage, eggs, garlic, onion and seasoning became a staple dish of those men and is so delicious that it’s country flavours are still enjoyed today. In the traditional Minas style, the dish is served in a clay pot that gives it a distinctive and appetising flavour. To top off the experience, a sweet, Pudim de Queijo (cheese pudding) is irresistible, both in flavour and texture. As well as being delicious, it simply melts in your mouth! The portions can be split and Floripa are also offering a special set menu with a starter, main course, dessert and a caipirinha for just £20. To see what other culinary adventures lie ahead (and if your home state made the cut), see the box for the full program of Taste of Brazil, which will showcase delicacies from different regions until December.
FLORIPA – TASTE OF BRAZIL
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SABOR DO BRASIL EM LONDRES Floripa traz, à capital britânica, sabores de diferentes regiões do Brasil; pontapé inicial é com a deliciosa cozinha mineira
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Minas Gerais (4-31 August) São Paulo (2-16 September) Goiás (17-28 September) Bahia (30 Sept-12 Oct) Espírito Santo (14 to 26 October) Sergipe (28 Oct-9 Nov) Santa Catarina (11-23 November)
Floripa Restaurant 91-93 Great Eastern St | London, EC2A 3HZ
Se fizer uma rápida pesquisa sobre comida brasileira, vai constatar que a feijoada é eleita pela maioria o prato tradicional do Brasil. Podemos dizer que a feijoada é um prato nacional, mas não oficial. O Brasil tem 14 Estados mais o Distrito Federal, então como seria um prato representando todas as regiões? Foi com a ideia de mostrar a diversidade do país através da culinária que o Floripa Restaurante, em Old Street, lançou o Taste of Brazil, que até o final do ano vai colocar no cardápio pratos de diferentes regiões brasileiras. Para começar com uma impressão que não deixe suspeita, o Floripa elegeu Minas Gerais. Uma cozinha que agrega sabor, história, simplicidade e tradição. Além das características peculiares que justificam o pontapé inicial, nada mais justo que começar por Minas quando se tem na cozinha um Cheff de lá, o mineiro Marcelo Barra. O ambiente ornamentado com referências de diferentes regiões do Brasil, agregado ao atendimento especial, deixa sua noite agradável e nada melhor do que uma caipirinha tradicional com limão para começar. Depois, para variar, uma caipirinha de frutas vermelhas. Para entrar no clima, uma porção de pão de queijo, tradicional da região de Minas Gerais, abre o apetite para então deliciar o prato principal: o Feijão Tropeiro, com a opção de bife ou bife de porco. Para quem não sabe, o nome do prato tem referência direta com a história do período colonial, quando o transporte das mais diversas mercadorias era feito por tropas a cavalo e os homens que guiavam eram chamados de tropeiros. Até meados do século 20, eles atravessavam o Estado conduzindo gado. O feijão misturado à farinha de mandioca, torresmo, linguiça, ovos, alho, cebola e tempero tornou-se um prato básico do cardápio daqueles homens. A escolha é certeira. Com um tempero tipicamente mineiro, o prato é servido na panela de barro que deixa a comida deliciosa e a conserva quente por mais tempo, além de deixar o sabor bem mais apetitoso. Para encerrar, se você curte um doce poderoso, o pudim de queijo é irresistível, tanto no sabor, quanto na textura. E quer saber? Prepare-se pra repetir a dose, porque além de delicioso, derrete na boca! A porção da refeição pode ser dividida por duas pessoas e ainda conta com uma oferta especial: entrada, prato principal, sobremesa e uma caipirinha por £20. Confira no BOX a programação do Taste of Brazil, que traz delícias de diferentes regiões até o mês de dezembro.
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Baratos do Riberio’s reading club
THE BEST BOOKSHOPS IN RIO AND LONDON Given that another instalment of FLIP, the annual celebration of Brazilian literature, just drew to a close and excitement grows for the English version, now seems a good time to look a little at the literary institutions I’ve encountered in Rio and also share some favourites in my hometown.
ded the fossil like curved staircase and away from the glaring sunshine and hubbub of the city I felt like I was perhaps taking a step closer to understanding the real Rio. This is a wonderful place for book lovers where you can get lost in the sometimes precarious stacks of the written word and where the staff are welcoming, even to an English girl with very rudimentary Portuguese!
RIO
LONDON
Prior to spending a long time in Brazil and having read about the foundations of the FLIP festival as a means of promoting a love of the written word within the country the discovery of many wonderful bookshops in Rio has been one of the best surprises on my current trip. Baratos do Ribeiro - I first visited this unassuming used bookshop in Copacabana seven years ago on my first trip to Brazil and it is without a doubt the place that cemented my love of the county and my pledge to return. Back then a friend and I spent so long talking about and listening to Brazilian music with the owner, Mauricio Gouveia that he forgot to close the shop and it was one of the best evenings of the trip and a recent visit showed thankfully that nothing had changed. The store is committed to sharing ideas, sounds, images and conversations with the fellow bibliophiles and musos who visit and make it a special place. Livraria Berinjela - This is a very recent discovery made in downtown Rio when I had in fact been visiting the better known Livraria Leonardo da Vinci that shares the intriguing basement space of the majestic edifício Marques do Herval. As I descen-
While skyrocketing rents have made London’s high streets become increasingly homogenous and with more and more Brits happy to turn a blind eye to the aggressive capitalism of Amazon, the city’s literary life is a shadow of its former glory. While lots of booksellers and shops have been lost over the last thirty years, thankfully a few are still around and are wonderful places to visit. Bookmongers - This is a magical used bookshop in the heart of Brixton that has seen the area around it change a lot over the last 20 years, while thankfully staying true to it’s roots. With a great collection of fiction and a very knowledgeable shop owner, Patrick Kelly this is a great place to discover new authors. You can meet Kelly and found out more about the shop in this lovely video: http://vimeo.com/47170288. Daunt Books - I wanted to include at least one non-used bookshop that was still a truly special place and Daunt Books is definitely that. The original shop on Marylebone High Street is a beautiful Edwardian space with three levels, lovely balustrades and a stunning skylight that feels a little like a church of books rather than a shop.
By Kate Rintoul
AS MELHORES LIVRARIAS DO RIO E DE LONDRES Já que chegou ao fim mais uma edição da FLIP, a celebração anual da literatura brasileira, e cresce a expectativa para a versão inglesa da festa, a FlipSide, me parece um momento oportuno para escrever sobre algumas livrarias que encontrei aqui no Rio e compartilhar minhas opções favoritas em minha cidade natal.
que compartilha o espaço do porão do majestoso Edifício Marques do Herval. Enquanto eu descia as escadas me sentia como se estivesse talvez mais perto de compreender o verdadeiro Rio. É um lugar maravilhoso para os amantes dos livros, onde você pode se perder nas estantes por vezes precárias, e onde os funcionários são acolhedores até mesmo para uma inglesa com português rudimentar.
RIO
LONDRES
O fato de eu estar no Brasil há alguns meses me levou a ler bastante sobre os fundamentos da FLIP, que se destaca como um meio de promover o amor pela palavra escrita pelo país, por isso a descoberta de muitas livrarias maravilhosas no Rio de Janeiro tem sido uma das melhores surpresas da minha viagem até agora. Baratos do Ribeiro - Visitei pela primeira vez esta modesta livraria em Copacabana há sete anos em minha primeira viagem ao Brasil e é sem dúvida o lugar que cimentou o meu amor pela cidade e minha promessa de voltar. Naquela época, um amigo e eu passamos muito tempo falando e ouvindo música brasileira com o proprietário, Mauricio Gouveia, que até se esqueceu de fechar a loja. Foi uma das melhores noites da viagem e uma visita recente mostrou, felizmente, que nada havia mudado. A loja se compromete a trocar ideias, sons, imagens e conversas com os companheiros que visitam o local. Livraria Berinjela – Esta é uma descoberta muito recente feita no centro do Rio, quando eu visitava a mais conhecida Livraria Leonardo da Vinci,
Com os aluguéis exorbitantes que fizeram as high streets de Londres tornarem-se cada vez mais homogêneas – e com mais e mais britânicos felizes em fechar os olhos para o capitalismo agressivo da Amazon –, a vida literária da cidade é uma sombra de sua antiga glória. Mas, mesmo que muitas livrarias tenham sido fechadas ao longo dos últimos trinta anos, felizmente algumas ainda estão por aí. Bookmongers – Esta é uma livraria mágica no coração de Brixton que tem visto a área ao seu redor mudar muito ao longo dos últimos 20 anos, enquanto que felizmente se mantém fiel às suas raízes. Com uma grande coleção de ficção, é um ótimo lugar para descobrir novos autores. Você pode conhecer o dono, Patrick Kelly, e descobrir mais sobre a loja neste lindo video: http:// vimeo.com/47170288. Daunt Book – A loja original na Marylebone High Street é um belo espaço da era Eduardina com três níveis, lindas balaustradas e uma claraboia impressionante que você se sente um pouco como se estivesse em uma igreja de livros, em vez de uma loja.
Por Kate Rintoul
TRAVEL
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A LIFE ON THE HIGH SEAS By Luanda Esteche
Since childhood I have been passionate about the sea. Like many, I dreamed of exploring the great oceans by ship and travelling the world for work and leisure. When it came to studying for my under and postgraduate degrees it made sense to choose tourism in the hope of making these dreams a reality. Time passed and one day I met a boy who had worked on cruise ships. He shared several tips and countless stories with me. I was fascinated and thought, “I want to do that!” So I found a recruitment agency that specialised in hiring ship crew. After completing a compulsory course focussed on health and safety on board, I
was called to do an interview. So I found myself being interviewed by and then working for Pullmantur Cruises, a Spanish company that belongs to one of the largest organisations in the sector, Royal Caribean. I had many doubts before boarding as I had heard some horror storie. Some people had warned be about working 14-16 hours a day, sea sickness, cramped living spaces and so on. So when I boarded for the first time, I was prepared for the worst, but in fact, the experience was very smooth. The work was no harder than what I had been used to and the food was not that bad. The hardest part of life on board was the longing for family and homesickness.
Although I found ways of overcoming this and I can now say that after four years working on cruise ships and having visited 35 countries visited, I have realised my dreams, made new friends and created my own countless stories to tell. The ships became a home, one that could take me to places I had never imagined. The experience has given me the strength to overcome any kind of problem, the best of friends and taught me to live. There’s a sort of saying among crew members that those who survives on board can survive anything life throws their way. Of the places I visited, I have three favourites: Greece, Malta and Curacao. Greece is lovely, I’ve been to Santorini, Mykonos, Rhodes, Katacolon, Athens
and Patmos Island. They are all wonderful places with unique pasts. Mykonos and Santorini have lovely white houses and beautiful beaches. Wonderful Malta, whose capital is Valletta, is an archipelago located in the Mediterranean composed of seven islands, of which only three are inhabited. Valletta has beautiful, a mix of stones and modernism, with blue sea and its own natural energy. Curacao is a small country that could really be classed as a city. Despite being a small country, it does not lack in quantity of attractive locations. I have a very special affection for Curacao as it was the first place I visited outside go Brazil and it is home to beautiful beaches that are great for clear water diving.
UMA VIDA EM ALTO MAR Por Luanda Esteche
Desde pequena sempre fui apaixonada pelo mar. Como muitos, sonhava em viajar pelo mundo conciliando trabalho e lazer; no meu caso, de navio. Por isso, fiz graduação e pós-graduação em turismo. O tempo passou e um dia conheci um menino que tinha trabalhado em cruzeiros. Ele me deu várias dicas, me contou várias histórias. Fiquei fascinada e pensei: “eu também quero isso pra mim!”. Busquei então uma agência de recrutamento de tripulantes para navio. Fiz um curso obrigatório para todos os tripulantes, chamado STCW, que visa predominantemente segurança a bordo. Pela agência, fui chamada para fazer uma entrevista.
Realizei a entrevista para a Pullmantur Cruises, uma companhia espanhola que hoje pertence a uma das maiores do ramo, a Royal Caribean. Tive muitas dúvidas ao embarcar, já que ouvia muitas pessoas falando mal da vida a bordo. Falavam que se trabalhava de 14 a 16 horas diárias, que se passava fome, que os chefes pareciam carrascos. Paguei para ver: foi o melhor que poderia ter feito. Quando embarquei pela primeira vez, fui preparada para guerra, para enfrentar o pior. Mas, na verdade, não foi nada daquilo, foi muito suave. O trabalho não era nada mais daquilo que já não estava acostumada, a comida nem era tão ruim assim. O mais difícil da vida a bordo é a
saudades da família, a saudades de casa. Há quatro anos trabalho em cruzeiros, contabilizando 35 países visitados, sonhos concretizados, amigos conquistados e inúmeras histórias para contar. A casa de lata, forma como chamamos os navios, me levou a lugares onde jamais imaginei estar, me fez viver coisas que jamais imaginei. Deu-me força para superar qualquer tipo de problema, me deu os melhores amigos, me ensinou a viver. Quem sobrevive a bordo, sobrevive a qualquer coisa. É abrir mão das certezas da vida na terra para viver nas incertezas das ondas do mar. Dos lugares que visitei, tenho três preferidos: Grécia, Malta e Curaçao. A Grécia é encantadora, já estive em Santorini,
Mykonos, Rodhes, Atenas... São todas cidades maravilhosas. Mykonos e Santorini são aquelas com casinhas brancas e praias belíssimas. Malta, maravilhosa Malta. Malta, cuja capital é Valleta, é um arquipélago localizado no Mediterrâneo composto por sete ilhas, das quais apenas três são habitadas. Valleta é linda, um misto de pedras e modernismo, com mar azul e dona de uma energia singular. Curaçao é um país tão pequeno que poderia ser uma cidade, cuja capital é Willemstad. Apesar de ser um país pequeno, não deixa a desejar na quantidade de atrativos. Tenho um carinho muito especial por esse lugar, pois foi o primeiro lugar fora do Brasil que estive.
DIVULGATION
Mykonos (1), Malta (2) and Curacao (3)
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MUSIC TO WEAR
By Marielle Machado and Bia Brunow
As we said in our first column for the Brasil Observer, one of the main reasons we created this space is to make the conversations we have in our day to day life public. Even though we’ve been living far away from each other for years, we still have a huge affinity regarding fashion and yet our styles have managed to stay completely different. With all these experiences, we ended up exchanging and sharing ideas. We always inspire each other in our own way. So from time to time we decided to challenge ourselves and try out different looks with the same piece of clothing. It’s an experiment and exchange of ideas that we publish the results of here and on our blog (www.musicaparavestir.co.uk). Besides living
in completely different countries and climates, several other factors influence us while choosing what to wear, which makes us see the same piece of clothing in a unique and distinctive way. The item we chose this time is a nude trench coat with fake leather sleeves, to protect from the cold in the UK, and from the annoying drizzle in Brazil. The cool thing about this type of coat is that it is the most versatile item you can have. The fabric is not that thick, so it’s ideal for the Brazilian winter and the late British summer. And honestly, it goes brilliantly with almost any outfit. To prove that, we tried not to style around the trench coat itself, but to focus more on the clothes we wanted to wear that day, then we just put the coat on top. We think it worked, don’t you?
INTERCÂMBIO DE IDEIAS Por Marielle Machado and Bia Brunow
time is a nude trench coat with fake leather sleeves, to pComo explicamos em nossa coluna de estreia aqui no Brasil Observer, um dos principais objetivos do Music to Wear é justamente publicar questões relativas a conversas – importantes ou não – que costumamos ter no dia a dia. Nesse tempo todo morando longe uma da outra, adquirimos afinidade enorme em relação à moda, mas conseguimos nos manter completamente diferentes em termo de estilo. Nesse amontoado de experiências, acabamos trocando, ou melhor, compartilhando peças em comum. E, cada uma a sua maneira, arrumamos um jeito de inspirar a outra com ideias legais. Resolvemos, então, nos desafiar mais uma vez e publicar aqui e no nosso blog (www.musicaparavestir.com.br), de tempos em tempos, algumas produções e combinações que partem de pe-
ças em comum que nós temos – e assim fazer o nosso intercâmbio de ideias. E é mesmo um intercâmbio. Além de morar em países e climas completamente diferentes, vários outros fatores influenciam a gente na hora de escolher o que vestir, fazendo com que vejamos as coisas – no caso uma peça de roupa – de modo único e distinto. A peça da vez é um casaco trench, na cor nude e com as mangas de couro – para se proteger um pouco do frio do Reino Unido, e para a chuvinha chata do Brasil. O legal dessa peça é sua versatilidade. O tecido não é muito grosso, ideal para o inverno brasileiro e o verão europeu. E, honestamente, vai bem com praticamente qualquer roupa. A prova disso é que para fazer essas fotos, tentamos não considerar tanto a peça em si, e sim a roupa que queríamos usar no dia. Depois é só jogar o trench por cima. Funciona bem, não acha?
PERSONAL ARCHIVE
IDEA EXCHANGE
(Photo 1) Bia combined two different printed dresses with the coat. The first one is in leopard print and has the same colour palette of the trench. The second one is a very colourful embroidered dress, which contrasts with the coat’s neutral colours.
(Photo 2) Marielle came up with two very different looks. The first one mixed prints with black jeans, a striped top and leopard shoes. For the second look, the pink metallic skirt is the piece that gets all the attention, even under the coat.
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JS
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