Brasil Observer #30

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B R A S I L O B S E R V E R LONDON EDITION

WWW.BRASILOBSERVER.CO.UK

ISSN 2055-4826

AUGUST/2015

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brasilobserver.co.uk | August 2015

SUMÁRIO 4 5 6 8 10 12 14 16 20 23 26 28 30

EDITORIAL Qual é o problema do Brasil?

LONDON EDITION

EM FOCO Embaixadores defendem o BRICS em artigo conjunto É uma publicação mensal da ANAGU UK UN LIMITED fundada por:

COLUNISTA CONVIDADO S. Costa, B. Fritz e M. Sproll sobre a desigualdade no Brasil COLUNISTA CONVIDADO Anthony Pereira sobre as consequências da Operação Lava Jato

ANA TOLEDO Diretora de Operações ana@brasilobserver.co.uk

PERFIL O olhar de Maria Luiza Abbott sobre a imagem do Brasil no exterior

GUILHERME REIS Diretor de Redação guilherme@brasilobserver.co.uk

BRASIL GLOBAL Como o governo Dilma Rousseff caiu na armadilha da austeridade CONEXÃO BR-UK Rio 2016: A um ano dos jogos, as metas do Brasil e da Grã-Bretanha

ROBERTA SCHWAMBACH Diretora Financeira roberta@brasilobserver.co.uk

BRASILIANCE Uma investigação sobre a formação da Polícia Militar brasileira

EDITOR EM INGLÊS Shaun Cumming shaun@investwrite.co.uk

CONECTANDO A história de resistência das mulheres atingidas por barragens

DESIGN E DIAGRAMAÇÃO Jean Peixe peixe@brasilobserver.co.uk

GUIA Estreia no Reino Unido o filme brasileiro The Second Mother DICAS CULTURAIS Marcelo D2 desembarca em Londres para show no Brixton Festival latino-americano de teatro se prepara para nova edição Clube do livro mergulha em Canaã, de Graça Aranha

COLABORADORES Ana Beatriz Freccia Rosa, Aquiles Rique Reis, Franko Figueiredo, Gabriela Lobianco, Nadia Kerecuk, Ricardo Somera, Wagner de Alcântara Aragão

COLUNISTAS Franko Figueiredo em ‘Estimulando uma nova geração’ Aquiles Rique Reis em ‘Velhos amigos musicais’ Ricardo Somera em ‘Novas vozes do Brasil’

IMPRESSÃO St Clements press (1988 ) Ltd, Stratford, London mohammed.faqir@stclementspress.com 10.000 cópias

VIAGEM Florianópolis, o paraíso do sul do Brasil

DISTRIBUIÇÃO Emblem Group Ltd. ARTE DA CAPA

Onesto

alexhornest.com Onesto (Alex Hornest) é escultor, pintor e artista multimídia. Conhecido por seus personagens irônicos, procura através de sua obra “discutir a relação entre as cidades e seus habitantes”, observado momentos da vida cotidiana e desenhando aonde quer que esteja. Um dos mais consistentes performistas da street art brasileira, já teve seu trabalho vendido em galerias de Nova York e São Paulo, e participou em Londres do LATA Street Culture Festival.

PARA ANUNCIAR comercial@brasilobserver.co.uk 020 3015 5043 PARA ASSINAR contato@brasiloberver.co.uk PARA SUGERIR PAUTA E COLABORAR editor@brasilobserver.co.uk ONLINE brasilobserver.co.uk issuu.com/brasilobserver facebook.com/brasilobserver twitter.com/brasilobserver


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brasilobserver.co.uk | August 2015 E D I T O R I A L

QUAL É O PROBLEMA DO BRASIL?

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Um observador estrangeiro desavisado que pretenda entender o que se passa no Brasil hoje através da mídia brasileira tradicional muito provavelmente entrará em parafuso. De acordo com a narrativa dominante, o país atravessa uma tripla crise: econômica, política e moral. A cada dia, ao sabor de informações cuidadosamente selecionadas e lapidadas, umas dessas três opções ganha destaque, em uma roleta russa apontada para nada menos que o futuro do país. Tentemos ao menos entender, portanto, de onde vem tamanho desarranjo. No âmbito econômico, novo estudo do Centro para Pesquisa Econômica e Política (CEPR, em inglês) é bastante elucidativo. Conclui, com razão, o que governistas e opositores minimamente devem concordar: a desaceleração econômica do Brasil, mais do que resultado de fatores externos, embora estes tenham sim certa influência, é fruto de escolhas políticas feitas pelo próprio governo (leia páginas 12 e 13). Escolhas que hoje ameaçam as conquistas dos últimos anos na redução da pobreza, no aumento da renda e em certa diminuição da desigualdade (leia páginas 6 e 7). A pesquisa “Demanda agregada e a desaceleração do crescimento econômico brasileiro de 2011 a 2014”, feita pelo Pesquisador Sênior Associado do CEPR Franklin Serrano e o economista Ricardo Summa, analisa em detalhes a desaceleração da economia brasileira nos anos 20112014, na qual o crescimento econômico foi em média 2,1% ao ano, comparado com os 4,4% no período 2004-2010. Os autores argumentam que a desaceleração foi resultado do acentuado declínio da demanda doméstica liderada pela política do governo e não por uma queda nas exportações ou por qualquer mudança externa. A economia brasileira tinha espaço para crescer depois de 2010, mas o governo escolheu reduzir a demanda agregada através de mudanças nas políticas monetária, fiscal e macroprudencial. A saber: 1) O Banco Central começou um ciclo de aumento de juros após fevereiro de 2010 que durou até agosto de 2011, elevando a taxa Selic de 7,5% a 13,5%. Esse aumento e medidas macroprudenciais reduziram o crescimento do crédito, o que ajudou a terminar com o boom no consumo; 2) No final de 2010 o governo promoveu, através de uma acentuada redução no crescimento do gasto público, um forte ajuste fiscal para aumentar o superávit primário e alcançar a meta de 3,1% do PIB em 2011; 3) Em 2011 o investimento público, tanto do governo federal quanto das empresas públicas, caiu dramaticamente, diminuindo 17,9% e 7,8% em termos reais, respectivamente. As políticas contracionárias do governo levaram a um nítido declínio no investimento privado, assim o investimento total (público e privado) caiu dramaticamente. Nas palavras de Mark Weisbrot, Co-Diretor do CEPR: “O esforço para convencer o setor privado a liderar o crescimento, com corte de investimento público e outras medidas que reduzem a demanda agregada, não funcionou no Brasil”. Há, porém, outra questão fundamental que praticamente inexiste nas análises produzidas pela mídia tradicional: o sistema da dívida. O ajuste fiscal hora em curso no país tem por objetivo garantir um superávit primário capaz de pagar os juros da dívida pública. Tal dívida é

instrumento comum usado por governos para custear investimentos ou aumentar recursos. Para isso, o Tesouro Nacional emite títulos da dívida pública e o Banco Central os vende em leilão. Ocorre que a taxa básica de juros, a Selic, é usada, entre outras coisas, para remunerar aplicações feitas nesses títulos. De dezembro de 2014 a junho de 2015, essa taxa subiu de 11,75% para 13,75% ao ano. Sobre uma dívida pública de 2,451 trilhões de reais, esse aumento representa um pagamento extra de juros de 49 bilhões de reais. Como entender, então, que o governo federal faça um ajuste fiscal que corta o orçamento em quase 80 bilhões de reais e, ao mesmo tempo, eleva os gastos públicos com o aumento da Selic? O dinheiro destinado ao pagamento do serviço da dívida é o mesmo que falta para investir no país. E isso é essencialmente uma escolha política. Estivesse o governo comprometido com a superação desse entrave, condicionaria o necessário ajuste fiscal a uma auditoria da dívida pública, prevista na Constituição, para desmascarar possíveis fraudes nos títulos que estão em poder de bancos e grandes empresas, assim como a prática de juros sobre juros, que é ilegal. Qualquer menção a essa possibilidade, porém, é taxada de “calote” pelos agentes do mercado financeiro e pela narrativa dominante.

INDIGNAÇÃO SELETIVA Na esteira da recessão econômica, as tais crises política e moral. Quando a presidente Dilma Rousseff, recém-reeleita para o quarto mandato seguido do PT no governo federal, optou por fazer aquilo que combatera durante a campanha, perdeu seu capital político. A reprovação ao seu governo, obviamente, não parte apenas daqueles que não votaram nela. A insatisfação é geral e os motivos, distintos. No Congresso, um PMDB hostil passou a comandar a pauta e a dificultar a aprovação das medidas do ajuste fiscal, além de aprovar outras que elevam os gastos públicos, com apoio da oposição – que defendia o ajuste antes da eleição, mas que passou a jogar de olho no enfraquecimento do governo Dilma, sem muito se preocupar com os destinos do país. Afinal, se o governo não é coerente, como esperar que a oposição, coerente seja? Se até quadros do PT votaram contra o ajuste de Dilma, para que a oposição precisa estar unida? Ironias à parte, qualquer projeto de Brasil, se é que em algum dia houve um, está hoje sob a sombra dos interesses particulares dos donos do poder. E, como cereja do bolo, a crise moral representada pelo caso de corrupção do momento, sob a investigação da Operação Lava Jato (leia na página 8). Prova máxima de que o PT, uma vez no poder, se portou como os demais, os desmandos na Petrobras mostram não apenas um projeto obscuro de poder petista, como muitos querem crer, mas o modus operandi da oligarquia política e econômica no Brasil. E aqui entra a evidente indignação seletiva, a enxergar o demônio apenas aonde convém aos próprios olhos. Enganam-se aqueles que acreditam no impeachment como solução para a crise. Este jornal não se furta a criticar os caminhos escolhidos pelo governo, mas espera que, para o bem da democracia e da estabilidade institucional, o mandato de Dilma Rousseff se complete.


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EM FOCO MARCELO CAMARGO/ AGÊNCIA BRASIL

NAÇÕES DO BRICS OFERECEM PARCERIA ECONÔMICA GENUÍNA, AFIRMAM EMBAIXADORES

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Os países que formam o BRICS têm por objetivo reforçar o espaço global na busca de paz, segurança, estabilidade, desenvolvimento e cooperação, que são “questões de interesse internacional comum”, escreveram seus embaixadores para o Reino Unido em um artigo publicado pelo jornal Daily Telegraph na segunda-feira 3 de agosto. O artigo, intitulado “BRICS nations offer the world a taste of genuine economic partnership”, traz uma análise da sétima cúpula do grupo, realizada em julho na cidade de Ufa, na Rússia. O embaixador brasileiro Roberto Jaguaribe, o embaixador chinês Liu Xiaoming, o alto comissário indiano Ranjan Mathai, o embaixador russo Alexander Yakovenko e alto comissário sul-africano Obed Mlaba são os autores. Saudando a cúpula de Ufa como “importante marco” para o grupo, o artigo destaca “os dois grandes projetos econômicos” do BRICS, acordados na cúpula anterior em Fortaleza, no Brasil. São eles o Novo Banco de Desenvolvimento e o Arranjo Contingente de Reservas, que se concretizaram após um ano de discussões entre os governos. “Entre outras coisas”, diz o artigo, “o novo banco terá o papel de financiar projetos de infraestrutura nos países em desenvolvimento, assim como financiar projetos de desenvolvimento sustentável”. Para os autores, a cooperação que vem sendo praticada pelo BRICS “demonstrou a necessidade de

coordenação entre novos centros econômicos emergentes em um mundo em constante mudança”. Apontando o G20 como “principal fórum internacional sobre cooperação econômica e financeira”, o artigo revela também a preocupação das nações do BRICS em relação “a falta de atuação quanto à reforma das instituições de Bretton Woods, apesar das decisões feitas há cinco atrás sobre a adaptação destas instituições”. “Dada a experiência da Europa, da África, da América Latina e de outras regiões, temos reforçado a nossa cooperação”, diz o artigo. “O que inclui os âmbitos econômico, financeiro e de inovação, ciência e tecnologia, políticas fiscais e sociais, estatísticas, agricultura, saúde, gerenciamento de emergências, educação e cultura”, completa. Em relação às especulações de que o BRICS tem interesse de criar mecanismos que se contraponham às instituições financeiras criadas pelos países desenvolvidos, como o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional, o artigo ressalta que “o fórum não se destina a criar uma posição contrária a nenhuma das partes, mas apoia uma cooperação de ganhos mútuos, com atuações conjuntas”. E continua: “Nossa cooperação é baseada nos princípios das Nações Unidas, incluindo a igualdade de soberania. Nenhum dos países impõe suas vontades e os processos de decisão são feitos por consenso. É por este

motivo que acreditamos que a nossa parceria, que representa 43% da população mundial e cerca de 30% do PIB mundial, proporciona um modelo sustentável de cooperação”. O artigo menciona ainda a importância em abordar novos desafios à segurança, como terrorismo, tráfico de drogas, novas doenças contagiosas e mudanças climáticas. “São questões transnacionais e só podem ser tratadas, efetivamente, através de genuínos esforços tanto em âmbito global quanto regional. Além da cooperação intrabloco, nós estamos abertos ao engajamento com outros parceiros em questões de interesse mútuo”, conclui o artigo. Apesar do otimismo dos embaixadores no artigo publicado, observadores internacionais avaliam que, apesar do avanço do Novo Banco de Desenvolvimento, o BRICS passa por um momento de fragilidade. Rússia e Brasil devem ter recessão este ano. A China está desaquecendo e a economia sul-africana deve crescer cerca de 2%. Dos cinco países do grupo, o único que ainda empolga investidores é a Índia, com um crescimento esperado de quase 8% para 2015. De qualquer forma, mesmo em um ciclo econômico desfavorável, há hoje menos dúvida sobre a solidez do grupo e a determinação dos países do BRICS em construir um mundo multipolar que ofereça aos países emergentes opções mais acessíveis de desenvolvimento.

SÃO PAULO VIRA LONDRES POR UM DIA EM HOMENAGEM A EMPRESAS BRASILEIRAS A Missão Diplomática Britânica no Brasil recriou, no dia 11 de agosto, a capital britânica no evento “Brasileiras Globais”. A comemoração aconteceu com a participação de empresas brasileiras com negócios no Reino Unido, sendo que 18 delas foram homenageadas pelo Embaixador Britânico no Brasil, Alex Ellis. As homenageadas são empresas que se internacionalizaram ou expandiram seus negócios pré-existentes no Reino Unido em 2014. Foram elas: Grendene, BTG Pactual, Intelipark, Code Hub, Alcor, Santosocial, Bacco, Toys Talk, ISPM, Banco Votorantim, Bliive, Banco Bradesco, BR101 Sports, Up Trade, Marfrig, G4 Americas, DirijaJa! e Grupo Tristão.

CHAMADA ABERTA PARA CONFERÊNCIA SOBRE RELAÇÕES ENTRE BRASIL E REINO UNIDO O Instituto de Estudos Latino -Americanos da Universidade de Londres está com chamada aberta para contribuições à conferência “Britain and Brazil: Political, Economic, Social, Cultural and Intellectual Relations, 1808 to the present”, que acontecerá nos dias 10 e 11 de março de 2016. Será a segunda edição do evento, que teve sua estreia em maio de 2014. Entre os temas em potencial estão “Britain and the independence of Brazil”, “Britain and the abolition of the slave trade and slavery in Brazil”, “British communities in Brazil”, e “Brazilians in the UK”. O deadline para o envio da proposta é dia 15 de setembro. Mais informações no link http://goo.gl/YRenUm.


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COLUNISTA CONVIDADO

DILMA 2.0: O

O Brasil parece ter experimentado um “momento de igualdade” (Therborn 2015) durante a última década. A desigualdade de renda, de acordo com o índice Gini, foi reduzida de 0.60 para 0.53 entre 2000 e 2012. Houve também mudanças em outras dimensões, como em relação às desigualdades de gênero e raça, por exemplo. Por um lado, o Brasil está seguindo a tendência de quase todos os países da América Latina. Por outro, sua desigualdade permanece bastante alta em uma perspectiva comparada; a média do coeficiente Gini dos países da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) é de 0.31 (dado do Banco Mundial de 2012). O ponto de partida desta análise é o conceito de “entangled inequalities”, ou “desigualdades entrelaçadas”, na tradução literal. Este conceito foca tanto na multidimensionalidade das desigualdades – socioeconômicas, ecológicas, e de poder – quanto em suas características históricas e transnacionais, ou seja, as interdependências entre determinantes internos e externos e entre estruturas do passado e do presente (www.desigualdades.net; ver Braig, Costa, e Göbel 2015). Diante desse amplo conceito, perguntamos neste breve artigo: Quais foram as forças motrizes desse momento de igualdade? Testemunhamos apenas um parêntese ou uma guinada histórica no Brasil, país este que uma vez foi apelidado de “Belindia” por conta da coexistência entre diversificação industrial e desigualdade enraizada desde os tempos coloniais e escravagistas? De que forma o esperado baixo crescimento econômico durante o segundo mandato da presidente Dilma Rousseff afeta as desigualdades sociais?

ASCENSÃO E QUEDA

Este artigo foi publicado originalmente pela LASA Forum, uma publicação da Latin American Studies Association. Para conferir as referências bibliográficas, acesse http://goo.gl/4RpjMh g

As políticas redistributivas colocadas em prática pelo governo liderado pelo PT durante a última década e seus efeitos estão associados a um complexo arranjo de fatores internacionais e domésticos. Em escala internacional, apesar de significativas flutuações, o preço das commodities permaneceu elevado durante a maior parte do tempo, permitindo a expansão das atividades de mineração e agricultura para exportação no país. O fluxo de capital estrangeiro foi abundante, mesmo que de forma insustentável e voltado para o curto prazo. Tanto as condições do comércio quanto os fluxos financeiros resultaram em uma elevação da taxa de câmbio do dólar de 40% em termos reais entre 2004 e 2012. Em escala doméstica, dentro da lógica do chamado “tripé macroeconômico”, desde o primeiro governo Lula a prioridade foi o controle inflacionário por meio de uma política de altas taxas flutuantes de juros e superávits primários. As condições favoráveis para o comércio de commodities brasileiras, como soja e minério de ferro, resultaram em crescimento econômico robusto, apesar da austera política fiscal e monetária. Aqui, a revalorização da moeda deu uma mãozinha para manter os preços domésticos sob controle. Essa política rigorosa veio acompanhada de políticas industriais ativas, como um programa de investimento público e crédito generoso, combinado com políticas sociais de amplo alcance.

A ortodoxia econômica então deu lugar a uma abordagem mais desenvolvimentista, que permitiu um afrouxamento das políticas ortodoxas diante de uma conjuntura de forte crescimento, superávits comerciais e baixa inflação. Com início gradual desde 2006, mas especialmente durante e logo depois da chamada crise financeira mundial, o Brasil ganhou reputação internacional por combinar política fiscal anticíclica, controles de fluxo de capital para atenuar a tendência de alta da moeda e expansão dos programas sociais. O crescimento econômico, porém, não resultou em ganhos de produtividade nem em aumento do conteúdo tecnológico dos produtos feitos no Brasil. Ao contrário: o consumo estimulou a importação maciça de bens – graças ao alto valor do real diante do dólar – e o crescimento exponencial do setor de serviços doméstico. A balança comercial reflete drasticamente esse processo de desindustrialização, agravado pelo avanço do consumo interno e pela taxa de câmbio supervalorizada. Mesmo assim, em 2006, o Brasil não só alcançou um superávit comercial líquido, mas cerca de dois terços desse superávit era composto de bens de consumo intermediários ou finais. Em 2013, o país teve um déficit comercial líquido de bens manufaturados e semimanufaturados de 60 bilhões de dólares, espelhado por um excedente de exportação concentrado quase que exclusivamente em commodities (IEDI 2014). Como mostra a experiência histórica e os primeiros meses de 2015 demonstram mais uma vez, o preço das commodities não permanece alto para sempre. Também em escala doméstica, a nomeação do novo Ministro da Fazenda, Joaquim Levy, e de outros atores econômicos sabidamente ligados ao mercado financeiro diminuiu a expectativa por políticas econômicas heterodoxas e crescimento econômico renovado.

MERCADO DE TRABALHO Há um amplo consenso de que as forças dinâmicas por trás do recente declínio da desigualdade de renda no Brasil desde 2000 derivam das condições econômicas favoráveis e seus efeitos positivos no mercado de trabalho, no atendimento escolar e nas políticas sociais (UNDP 2013; Lustig, Pessino, e Scott 2013). Um olhar mais atento às atuais tendências do mercado de trabalho e das políticas sociais, porém, revela o desenvolvimento de contradições que ameaçam a sustentabilidade dos recentes efeitos da redistribuição. À primeira vista, uma significativa mudança pode ser constatada em comparação à dramática deterioração do mercado de trabalho nos anos 1990. Não menos que 20 milhões de empregos foram criados desde 2003 (Ministério da Fazenda 2014) e vale a pena mencionar: muitos desses no mercado formal. Tal fato implica em mudanças sociais reais, uma vez que principalmente jovens e recém-formados se beneficiam de leis trabalhistas e assistência social. As tentativas de ampliar a inclusão foram reforçadas por medidas dos governos Lula e Dilma focadas na formalização através de programas para pequenas e micro empresas e para trabalhadores domésticos, assim como maior rigor na fiscalização por parte do Ministério do Trabalho.


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DE CRESCIMENTO ECONÔMICO COM DISTRIBUIÇÃO À ESTAGNAÇÃO E CRESCENTE DESIGUALDADE? Por Sérgio Costa, Barbara Fritz, and Martina Sproll | Free University of Berlin

Ainda assim, há controvérsias em relação à qualidade, qualificação e sustentabilidade do novo mercado de trabalho formal. Que tipos de trabalho foram criados para qual tipo de trabalhadores, e quais são as dinâmicas contraditórias fundamentais no mercado de trabalho? (Ver o debate em Sproll e Wehr 2014). Também aqui vínculos complexos com processos transnacionais têm de ser considerados. Em primeiro lugar, na esteira de um flexível e financeirizado regime capitalista de acumulação, uma compreensiva reestruturação do trabalho e dos processos de produção, assim como a desregulamentação e flexibilização das relações trabalhistas, pode ser notada globalmente, e também no Brasil. O grau de flexibilização do mercado de trabalho brasileiro é extremamente alto, como foi revelado, por exemplo, por uma taxa de rotatividade de 43.1% em 2012 (contra 41.8% em 2002); a maioria dos empregos teve duração de menos de um ano (45% duraram menos de seis meses), o que demonstra insegurança e instabilidade dos novos postos de trabalho criados (Druck 2014). Por essa razão, há uma situação contraditória de simultânea formalização e precarização que debilita tradicionais esquemas de proteção social ligados à duração do vínculo empregatício. A terceirização pode definitivamente ser considerada um dos principais motivadores da precarização, uma vez que se torna uma estratégia generalizada em todos os setores econômicos, incluindo o setor público e as empresas estatais. Isso indica uma grande transição do próprio aparato do Estado. Trabalhos terceirizados correspondiam, em 2011, a 25.5% dos empregos formais no Brasil (CUT 2011). Normalmente, o trabalho terceirizado é mais precário em termos de salário, tempo da jornada, condições, taxa de rotatividade e risco de saúde. Há várias formas de terceirização: entre outras mudanças, o número de trabalhadores por conta própria tem crescido substancialmente. Tais formas de precarização também indicam claramente a deterioração da capacidade organizacional dos sindicatos. Ao mesmo tempo, uma considerável inclusão de novos segmentos da sociedade ao mercado de trabalho formal pode ser notada, especialmente entre jovens, negros e mulheres, que antes estavam limitados ao setor informal. As mudanças recentes no mercado de trabalho consequentemente levam a novas segmentações de acordo com classe, raça e gênero.

POLÍTICAS SOCIAIS E REFORMA TRIBUTÁRIA Desde 2003, o governo federal tem colocado em prática uma série de políticas sociais para a população de baixa renda e também para grupos específicos, como afrodescendentes, mulheres e “povos tradicionais”, entre outros. Os resultados sociais correspondentes são positivos: entre 2002 e 2013, a taxa de pobreza (incluindo extrema pobreza) caiu de 48.4% para 21.1% da população brasileira. No mesmo período, os gastos com políticas sociais aumentaram de 12.7% para 16.8% do PIB. Programas de transferência de renda para famílias pobres exerceram um papel proeminente nessa fase. Enquanto um programa anterior beneficiou cerca de 3.6 milhões de famílias em 2002, o programa Bolsa Família estava transferindo, em 2013, um benefício médio de R$ 142 para 14.1 milhões de

famílias (CEPAL 2014 e Bielschowsky 2014). Entre os beneficiários nominais do Bolsa Família, 93% são mulheres e 73% são pessoas de cor. Apesar de sua importância crucial na redução da pobreza, o Bolsa Família e outros programas de transferência de renda têm efeito insignificante na redução da desigualdade de renda: esses programas podem explicar apenas uma pequena fração da redução no coeficiente Gini (Medeiros e Souza 2013; Lavinas 2013). Entre as políticas focais colocadas em prática desde 2003, a lei de cotas aprovada em 2012 é provavelmente a medida mais abrangente. De acordo com a lei, 50% de todas as vagas em instituições federais de ensino superior são reservadas para estudantes oriundos de escolas públicas na proporção da participação da população negra e indígena que vive na respectiva região. Uma vez que cerca de 1,1 milhão dos 7,3 milhões de alunos de graduação matriculados em 2013 no Brasil estudavam em instituições federais (INEP 2014), e negros e indígenas representam 51% e 0,5% da população brasileira, respectivamente, o programa de cotas federais, se totalmente implementado no país, vai distribuir aproximadamente 280 mil vagas de estudo de acordo com critérios raciais e étnicos. Nos últimos anos, as desigualdades de rendimento entre homens e mulheres e em uma magnitude menor entre negros e brancos diminuíram. Em 2002, o rendimento médio das mulheres estava em 49,9% da média masculina, aumentando para 58,4% em 2012; a renda afrodescendente média, em 2002, correspondia a 47,2% da média dos brancos, aumentando para 54,6% em 2012 (IPEA 2013). Esta redução da distância socioeconômica entre homens e mulheres, bem como entre negros e brancos, não pode ser explicada, pelo menos não exclusivamente, por políticas de gênero e raça. Na medida em que essas políticas fomentem a articulação política de de negros e mulheres, elas contêm relevância crucial para mitigar assimetrias de poder em longo prazo. Não obstante, as medidas têm atingido até agora apenas uma pequena parcela das populações negra e feminina no Brasil, produzindo dessa maneira efeitos socioeconômicos mínimos a nível agregado. Muito mais relevante aqui é o salário mínimo nacional. Por lei, os reajustes anuais são iguais à soma da inflação nos últimos 12 meses mais a taxa de crescimento econômico de dois anos antes. Esta política levou a um aumento real do salário mínimo de cerca de 75% entre 2002 e 2013. Como mulheres e negros ainda estão em grande parte nos setores laborais com baixos salários, eles se beneficiam mais do aumento do salário mínimo do que os homens e brancos. O impacto agregado da política de salário mínimo atual também é expressivo em termos de redistribuição geral, como detectado por várias simulações de econometria que mostram que o salário mínimo crescente é o fator mais importante da recente queda da desigualdade no Brasil (Saboia 2014). Embora o novo gabinete de Dilma Rousseff tenha decidido prorrogar a política de ajuste atual, as recentes (e esperadas) baixas taxas de crescimento econômico causarão necessariamente uma estagnação dos salários mínimos reais, com consequências negativas para a redistribuição de renda.

Finalmente, as políticas tributárias, como instrumento decisivo para promover a redistribuição, não mudaram substancialmente desde que Lula chegou ao poder em 2003. As receitas tributárias abrangendo por volta de 36% do PIB são comparáveis com os números encontrados em vários países da OCDE. Porém, a participação desproporcional dos impostos indiretos, responsáveis por cerca de metade da receita, a tributação modesta da renda (a maior taxa é de 27.5%; na Suécia é de 56.6 %), e a baixíssima tributação de lucros financeiros levam a um impacto regressivo dos impostos na estrutura de renda brasileira. Ou seja, no Brasil, as políticas tributárias não diminuem, mas aumentam o coeficiente Gini, ou seja, aumentam a desigualdade. A concentração da riqueza também é impressionante. Com base na análise de 25 milhões de declarações fiscais, Castro (2014) conclui que apenas 406 mil contribuintes (0,2% da população nacional) possuem 47% de todas as propriedades declaradas e títulos. Segundo ele, a “mera” introdução de uma taxa de imposto de 15% para o capital e o lucro financeiro combinado com aportes de 35% e 40% para altos salários podem reduzir o índice Gini em 20%. Desde 2003, o PT nunca se sentiu forte o suficiente para promover importantes reformas tributárias. Na coalizão atual dirigida por Dilma Rousseff, criticada dentro do próprio PT como “neoliberal”, uma reforma progressiva do sistema tributário não é visível no horizonte.

CONCLUSÃO Durante os 12 anos em que o PT está no poder, tanto Lula quanto Dilma alcançaram resultados econômicos e sociais impressionantes. Neste período, o PIB per capita cresceu 64%, a pobreza foi drasticamente reduzida e a distribuição de renda se tornou notavelmente menos desigual. Estes triunfos derivam mais das políticas setoriais específicas e de uma conjuntura econômica externa favorável do que de uma mudança estrutural induzida por um projeto político coerente. Economicamente, a baixa produtividade persistente no sector industrial e de serviços combinada com uma “reprimarização” das exportações em um contexto marcado pela queda dos preços das commodities têm sufocado o crescimento. Socialmente, políticas sociais de redistribuição parecem ter atingido seu limite. Neste contexto, estimular o crescimento econômico e continuar a promover a redistribuição social exigem reformas estruturais em dois campos complementares, quais sejam, investimentos públicos anticíclicos a fim de promover a produtividade e dar o pontapé inicial na economia, e também a introdução de políticas de redistribuição abrangentes, tais como impostos progressivos e reformas estruturais do mercado de trabalho que podem conter o avanço da precarização. Desde janeiro, Dilma Rousseff optou essencialmente pela estratégia oposta: cortes nas despesas públicas, reforma tributária sem redistribuição progressiva e concentração nas políticas sociais que têm baixo impacto redistributivo. A consequência foi uma contração de 0,2 por cento do crescimento do PIB no primeiro trimestre de 2015. Os resultados mais prováveis desta estratégia são continua estagnação econômica e crescentes tensões sociais.

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COMO A CORRUPÇÃO NA PETROBRAS ESTÁ DERRUBANDO A POLÍTICA BRASILEIRA Por Anthony Pereira | King’s College London

Este artigo foi publicado originalmente por The Conversation (www.theconversation.com) e editado pelo Brasil Observer; para acessar o artigo original, visite https://goo.gl/tcyJfP g

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A Operação Lava Jato da Polícia Federal, que investiga o uso indevido de fundos da Petrobras, tem pouco mais de um ano de idade, mas já teve tantas reviravoltas quanto uma novela brasileira. O juiz Sérgio Moro e os promotores estão investigando um complicado esquema em que empresas de construção supostamente subornaram executivos da Petrobras em troca de contratos, que teriam sido inflados para o pagamento de propinas a políticos e partidos políticos. No dia 3 de agosto, a Operação Lava Jato entrou em sua 17ª fase com a prisão de José Dirceu, que serviu o ex-presidente Lula como Ministro da Casa Civil de 2003 a 2005 e estava em prisão domiciliar por conta de seu envolvimento no chamado “mensalão”, do qual foi o principal arquiteto. Segundo as autoridades, Dirceu foi também um dos principais arquitetos do esquema de corrupção na Petrobras. Antes disso, 12 executivos das empresas de construção Odebrecht e Andrade Gutierrez já haviam sido presos pela operação. Tais detenções envolveram os alegados pagadores de suborno, não apenas os destinatários, e levaram à prisão alguns peixes grandes – entre eles Marcelo Odebrecht, presidente da quinta maior empresa do Brasil e de um conglomerado com uma presença internacional. Bilhões de dólares foram envolvidos. O primeiro executivo da Petrobras a depor em troca de redução na sentença, Paulo Roberto Costa, tinha 23 milhões de dólares armazenados em contas bancárias na Suíça; ele diz que esse dinheiro era um suborno de Odebrecht. Em uma reviravolta recente, Moro ordenou a detenção de Bernardo Freiburghaus, um brasileiro-suíço que se acredita ter organizado os pagamentos da Odebrecht para a Petrobras por meio de contas bancárias no exterior, e que fugiu para Genebra. Por isso, Moro e seus procuradores apelaram ao Departamento de Justiça dos Estados Unidos para investigar o uso pela Odebrecht de contas estrangeiras. É fácil se perder nas quantias e detalhes desconcertantes da Operação Lava Jato e suas enormes implicações para o Brasil. Ela ameaça derrubar a maneira corrupta pela qual a política brasileira é financiada e quebrar a hegemonia política do Partido dos Trabalhadores – e toda a estrutura da economia política do Brasil.

EFEITO ARREPIANTE A Operação Lava Jato terá um efeito arrepiante sobre o financiamento de campanhas eleitorais no país – e as consequências podem ser perversas. Nas eleições

de 2014, dez grandes empresas (incluindo a Odebrecht) doaram somas enormes para os membros do Congresso Nacional. É pouco provável que essas mesmas empresas farão doações a candidatos nas eleições municipais de 2016. Embora tais doações sejam legais, estimulam grandes conflitos de interesse, uma vez que a maioria das grandes empresas que doaram para campanhas políticas no passado recebeu contratos com o governo e/ou crédito subsidiado dos bancos estatais. Com toda a pressão da Operação Lava Jato, doações futuras poderiam colidir com a rigorosa nova lei anticorrupção do Brasil, aprovada em 2013 e implementada por meio de decreto presidencial em março de 2015. Sem financiamento exclusivamente público para campanhas, e na ausência de outras reformas, os políticos brasileiros podem cada vez mais recor a fontes ilícitas de dinheiro. O financiamento ilegal de campanha, que já endêmico, poderia ficar pior. Os detentores de capital em necessidade de lavagem de dinheiro serão tentados a preencher a brecha deixada pela retirada das doações corporativas para financiar políticos e partidos que defendem os seus interesses. Assim, no curto prazo, a Lava Jato pode realmente fazer com que as eleições brasileiras sejam menos transparentes e mais corruptas. A investigação de corrupção também pode ter um impacto significativo sobre a administração do Partido dos Trabalhadores em nível federal, agora em seu quarto mandato presidencial consecutivo. Embora o governo da presidente Dilma Rousseff tenha sido severamente enfraquecido pela desaceleração econômica e pelo escândalo de corrupção, ela está lutando resolutamente. Protestos a favor do impeachment de Dilma, até agora, não deram em nada. No entanto, a oposição espera que a eleição presidencial de 2018 acabe definitivamente com a administração do PT em nível nacional. Apesar das evidências de que o padrão de corrupção na Petrobras antecede a administração do PT, muitos na oposição ainda acreditam que a corrupção petista é de algum modo mais aguda do que a de outros partidos, porque é político-partidária, não pessoal. Em vez de ser motivada apenas pela ganância, conclui este argumento, a corrupção petista é uma estratégia para perpetuar o poder do PT. Com certeza, há sinais de que o poder do PT está diminuindo. O escândalo ainda ameaça engolir o ex-presidente

Lula, que cumpriu dois mandatos entre 2003 e 2010 e pode concorrer novamente em 2018. Alguns observadores pensam que, com a prisão de Marcelo Odebrecht, Moro tem a esperança de induzi-lo a testemunhar contra Lula, o que seria um pesadelo para a administração de Dilma.

‘CAPITALISMO DO COMPADRIO’ Alguns envolvidos na Operação Lava Jato pensam que a investigação visa nada menos do que a reforma dos altos comandos da economia política do Brasil. No atual sistema brasileiro, as instituições do Estado e os interesses corporativos privados estão intimamente entrelaçados. Políticos e agências governamentais usam seus poderes para promover “campeões nacionais”, concedendo-lhes grandes contratos com o governo, emprestando-lhes crédito subsidiado e ajudando-os a ganhar concursos para grandes projetos no exterior. Odebrecht é um desses campeões e é um nome familiar para os brasileiros, tendo completado projetos de grande visibilidade, tais como a construção do aeroporto internacional e da sede da Petrobras, no Rio de Janeiro, a restauração da casa de ópera em Manaus, e do novo estádio do Corinthians, em São Paulo, para a Copa do Mundo. A paciência com os excessos deste sistema está se esgotando. O procurador Carlos Fernando dos Santos Lima, por exemplo, afirmou em uma entrevista recente ao jornal O Estado de S. Paulo que a “maioria honesta e silenciosa é constantemente passada para trás por estruturas de poder que impedem a competição real entre os agentes econômicos e que, em uma análise mais profunda, são responsáveis pelas crises cíclicas de nosso capitalismo de compadrio”. Apesar do provável impacto no financiamento de campanha e nas perspectivas eleitorais do Partido dos Trabalhadores, é difícil imaginar a visão sublime de Santos Lima se tornando realidade. Muitas grandes empresas ao redor do mundo são altamente dependentes de favores do governo, em um sistema capitalista global que é mais desigual e, talvez, mais competitivo e predatório do que nunca. Lutar por leis mais fortes e por uma melhor aplicação é muito bonito, mas é difícil não ver as palavras do promotor como um moralismo de classe média sobre um escândalo em que – como no passado – alguns interesses privados e partidários vão prevalecer sobre outros.


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PERFIL ARQUIVO PESSOAL

Observadora atenta das relações públicas brasileiras, sócia-fundadora da AJA Media Solutions conversa com o Brasil Observer sobre sua trajetória e estratégias de comunicação

Como foi o processo de criação da AJA? Eu trabalhava na BBC e ofereceram um pacote de demissão voluntária que era muito generoso. Então eu e mais dois colegas resolvemos aproveitar a oportunidade e criar um emprego para nós. Os dois foram embora antes de a AJA completar um ano e eu fiquei. Sentíamos que havia uma necessidade de uma agência de comunicação, pois as empresas brasileiras começavam a se internacionalizar. Percebemos que havia espaço para fazer um trabalho de divulgação do Brasil. Estamos falando de nove anos atrás, as empresas brasileiras eram desconhecidas. Eu me lembro de ligar para jornalistas e eles não terem ideia da empresa que estávamos falando, sendo que para nós eram empresas gigantes. Depois disso, houve avanços no Brasil, a economia cresceu muito até recentemente e também cresceram as ambições de expansão de empresas e de maior inserção do Brasil no cenário mundial. A gente deixou de ser visto só como o país do futebol, dos estereótipos. Mas a cobertura ainda é concentrada nas grandes empresas e nas páginas de economia. Qual é a maior dificuldade para uma empresa brasileira se inserir no mercado Europeu e o papel da comunicação?

MARIA LUIZA ABBOTT

UM OLHAR SOBRE A IMAGEM DO BRASIL NO EXTERIOR Por Ana Toledo

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Atuar como profissional de comunicação na cidade de Londres é um grande desafio. Afinal, aqui estão algumas das publicações mais influentes do mundo, a maior e mais antiga rede de rádio e televisão, a BBC, e nada mais nada menos que 1.700 correspondentes estrangeiros. Mesmo assim, Maria Luiza Abbott topou a empreitada. Com passagem por importantes redações no Brasil e ganhadora do cobiçado prêmio Esso em 1998, a jornalista gaúcha desembarcou em Londres há 15 anos, como correspondente internacional do jornal Valor Econômico. Em seguida, passou por outros veículos na capital inglesa, incluindo a BBC, onde, após um programa de demissão voluntária, teve a oportunidade – como ela mesma diz – de

criar seu próprio emprego. A consequência foi a AJA Media Solutions, empresa dedicada a estabelecer pontes de relações públicas para companhias brasileiras no exterior, há nove anos no mercado. Além da sua experiência prática, Maria Luiza tem mestrado em Jornalismo Internacional pela Cardiff University e fala quatro idiomas além do português: inglês, espanhol, turco e francês. Com esse background, é uma observadora atenta da percepção sobre o Brasil no exterior, particularmente na Europa. Em entrevista ao Brasil Observer, ela conta sua trajetória, fala dos desafios de atuar neste mercado e analisa as consequências da falta de uma política unitária de comunicação do governo brasileiro para dar base e competitividade para empresas e produtos do Brasil no exterior.

O desconhecimento que o mundo ainda tem do Brasil de forma geral. Não existe um trabalho no Brasil de reforçar a marca, de fazer algo mais focado. É uma pena, pois o trabalho com uma marca serve para que quando você compre alguma coisa, você pague um premium por isso, porque confia naquele produto, naquela marca. E os países constroem as suas marcas, com diferentes características, de acordo com o que eles têm. Isso nem sempre é claro para empresas brasileiras e para o Brasil. A estratégia de comunicação tem de ser feita de maneira a dar valor para a marca. A empresa vai escolher o mercado que ela quer entrar, e a partir dai é preciso uma estratégia que seja capaz de comunicar e fazer a ponte cultural. Não adianta falar inglês, francês ou alemão. Você precisa falar a língua do seu mercado, ao mesmo tempo em que que passa os seus valores de uma maneira que será entendida. É preciso adotar uma estratégia de marketing e adaptar à linguagem e à cultura local do seu cliente em potencial, mas sem perder a sua identidade inicial. Além disso, é preciso antecipar a visão que as pessoas têm da sua empresa, partindo da imagem do seu país de origem, para estabelecer uma estratégia de comunicação que venha a ter sucesso. E é preciso também valorizar as qualidades brasileiras,


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pois não adianta vendermos uma coisa que não somos. A empresa ou o produto é brasileiro. E temos muitas coisas boas. Como você avalia a imagem do Brasil hoje? A percepção é o que a gente gera. Algo muito influente na formação da imagem é que os correspondentes que estão baseados no Brasil se informam pela mídia brasileira e a cobertura vem sendo sempre muito negativa nos últimos tempos. Não se trata de dizer se a mídia está certa ou errada, só que a mídia está focada no pessimismo. Acho que faz parte da nossa bipolaridade como país, ou está tudo bem ou está tudo ruim e isso se reflete na cobertura aqui fora. Há um outro componente de grande influência que são as inegáveis dificuldades da economia brasileira. O mercado, as agências de classificação acompanham essas dificuldades de perto. Isso contribui para a imagem negativa neste momento, são dados da realidade concreta e objetiva. Quando você tem esse problema de desajuste da economia, não adianta ter uma política de comunicação que diga que não está desajustada. É preciso explicar o que está acontecendo, o que está sendo feito, o porquê do ajuste, ou seja, conversar com os investidores e formadores de opinião. Isso o Brasil não faz ou faz muito pouco comprado com outros países. A África do Sul é um bom exemplo. Jim O’Neill, criador do acrônimo BRIC, não pôs a África do Sul no início. Como a África do Sul conseguiu entrar? Por conta de muito trabalho de relações públicas, com uma política de comunicação que deu uma dimensão maior ao país. A economia sul-africana é muito pequena se comparada a dos outros países do grupo, não tem impacto mundial. No entanto, foi tanta insistência deles em entrar, participar, fazer parte desse grupo que hoje o país está lá e os BRIC viraram BRICS (South Africa em inglês deu o S ao BRIC). A campanha de comunicação deles, chamada Brand South Africa, tem objetivos concretos a alcançar. Por exemplo, eles querem subir no ranking do World Economic Forum, dos países onde é melhor fazer negócios. E trabalham para alcançar esse objetivo. O Brasil não tem uma política de comunicação aqui fora, tanto em relação ao mercado financeiro quanto em relação à mídia. Não podemos esquecer que o que a mídia reproduz, o mercado lê e absorve, e o que o mercado produz, a mídia absorve e divulga. É um caminho de duas mãos. Como não ficar à mercê dos mercados? O mercado é um conjunto de empresas, investidores, analistas etc, mas é um conjunto formado por

pessoas. Se você conseguir dialogar com essas pessoas, e contar o que está sendo feito, isso será compreendido. Não se pode deixar que as empresas percebam a realidade pela lente de outros. O Brasil é que deve estar na frente para falar o que está acontecendo. Afinal, sabemos que o Brasil depende do investidor para se desenvolver, gerar empregos etc. Além do mercado financeiro, é preciso uma ação conjunta do governo e das empresas, com uma política de comunicação comum para as exportações, pois elas permitirão mais crescimento, geração de divisas, um crescimento saudável. As empresas e o governo tinham que ter alguma ação conjunta para vender o nosso peixe, mostrar o que fazemos, que temos muitos produtos criativos e de alta qualidade.

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Como criar uma agenda positiva? A campanha Great Britain, daqui do Reino Unido, por exemplo, é uma das mais bem-sucedidas que eu conheço. Uma das razões para isso é que a pessoa que coordena é diretamente subordinada ao primeiro ministro, tem o poder de impor uma política de comunicação única a todas as áreas, todos falam a mesma língua. Acho fundamental que o comando seja unitário, não pode ser cada um falando uma coisa diferente e querendo passar um discurso diferente. Uma das coisas que o coordenador da Great Britain, Conrad Bird, chama atenção é que o Brasil é muito bom em publicidade sabe comunicar de forma criativa, é um dos melhores. Temos uma tradição em ganhar prêmios internacionais em publicidade. Mas esses anos todos me mostraram que, por algum motivo, não conseguimos fazer isso quando é uma campanha de comunicação, de relações públicas e de publicidade para o país. As campanhas recentes que temos visto, de diferentes órgãos do governo brasileiro, não refletem essa qualidade. E aqui gostaria de lembrar que é preciso haver uma dissociação entre o que é um projeto para o país e o que é projeto para o governo que está no poder. No caso da Great Britain, não é uma campanha do governo britânico. É uma campanha do país. Há uma diferença clara, como acontece com a BBC, que não é uma emissora do governo, é uma rede pública. Não defende interesses de governo, mas do público. O Brasil tem de achar um modelo, o seu modelo, não copiar. Cada país tem sua característica. Está na hora de fazer alguma coisa, de conversar com pessoas aqui fora, mas que entendem o Brasil também. Não adianta contratar quem sabe como funciona o mundo, mas que não tenha conhecimento de como funciona o Brasil.

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brasilobserver.co.uk | August 2015

BRASIL GLOBAL

A ECONOMIA REFÉM DO AJUSTE FISCAL Governo brasileiro cai na armadilha que criou: recessão gerada pela austeridade impede que os objetivos dela, a austeridade, sejam cumpridos

O segundo semestre começa no Brasil com o governo federal promovendo mudanças em sua política macroeconômica, o que deve, portanto, trazer mais impactos à economia real e aos serviços públicos oferecidos à população. O ajuste fiscal implementado desde o início do ano gerou efeitos colaterais que fizeram ruir a própria razão de ser do aperto monetário, qual seja a busca por um superávit primário que deixasse o país bem visto no mercado financeiro internacional. Coube aos ministros da Fazenda, Joaquim Levy, e do Planejamento, Nélson Barbosa, anunciarem no dia 22 de julho as modificações, o que está sendo chamado de “ajuste do ajuste”. As mudanças foram encaradas por analistas críticos ao caminho de austeridade seguido pela presidenta Dilma Rousseff neste segundo mandato como um recuo e, ao mesmo, um sinal de certa desorientação da equipe econômica. É avaliação, por exemplo, do professor Pedro Henrique Evangelista Duarte, doutor em Desenvolvimento Econômico e docente da Universidade Federal de Goiás (UFG). “O que temos é uma política econômica esquizofrênica”, afirmou o professor ao Brasil Observer. “Uma política voltada para uma determinada classe, os investidores, que simplesmente não dão ‘resposta’ alguma ao governo, visto que os resultados esperados – a volta dos investimentos privados – permanecem baixos”, completou.

INDICADORES *VARIAÇÃO EM RELAÇÃO AO MESMO PERÍODO DO ANO ANTERIOR | FONTE: IBGE

PRODUTO INTERNO BRUTO

Janeiro-Março 2015: R$ 1,4 trilhão (-1,6%)

VENDAS DO VAREJO

Janeiro-Maio 2015: +4,1% (receita nominal) -2,0% (volume de vendas)

SERVIÇO

Janeiro-Maio 2015: +2,3% (receita nominal)

PRODUÇÃO INDUSTRIAL Janeiro-Maio 2015: -6,9%

DESEMPREGO 6,9% (junho 2015)

META DE SUPERÁVIT O recuo mais substancial anunciado pelos ministros Levy e Barbosa foi a redução drástica da meta de superávit primário para 2015. A meta estabelecida em janeiro era de R$ 66,3 bilhões para este ano, o equivalente a 1,1% do Produto Interno Bruto (PIB). Agora, a equipe econômica baixou essa meta para R$ 8,75 bilhões – ou 0,15% do PIB. Superávit primário é o montante que o governo economiza para destinar ao pagamento dos juros da dívida pública. A meta de superávit primário inclui a economia de gastos não só da União (governo federal), mas também das estatais, Estados e Municípios.

Os ministros do Planejamento, Nelson Barbosa, e da Fazenda, Joaquim Levy, antes de falarem sobre a redução da meta de superávit primário deste ano, em coletiva no ministério da fazenda

MARCELLO CASAL JR/AGÊNCIA BRASIL

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Por Wagner de Alcântara Aragão


brasilobserver.co.uk | August 2015

E por que a meta está sendo reduzida? Por causa de sequelas do próprio ajuste fiscal. Uma política monetária baseada nesse princípio, o da austeridade, faz a economia se retrair. Para que o governo alcance o superávit, ele precisa cortar gastos e investimentos. Assim, menos recursos públicos são destinados para os serviços e obras públicas, para as linhas de crédito que financiam a compra de imóveis, para a compra de equipamentos pela indústria, ou ainda para outras formas de consumo, por parte das famílias. Com menos dinheiro em circulação, a roda da economia deixa de girar. Quando a economia para de crescer, a arrecadação de tributos também é prejudicada. Se entra menos dinheiro, fica mais difícil para o governo economizar. E é justamente isso o que aconteceu no primeiro semestre deste ano. Mesmo com o governo tendo cortado R$ 69 bilhões do orçamento de 2015, alcançar a meta inicial de superávit deixou de ser improvável para se tornar missão impossível. “Todo esse processo é resultado da desorientação do governo quanto ao que exatamente precisava ser feito”, afirmou o professor da UFG.

BALANÇOS Depois do anúncio de Joaquim Levy e Nélson Barbosa, balanços do Ministério da Fazenda e do Banco Central confirmaram que atingir aquele superávit primário estabelecido no começo de 2015 se tornou inviável. No primeiro semestre, o setor público consolidado (União, Estados, Municípios e estatais) até conseguiu saldo positivo, de R$ 16,2 bilhões. O montante, todavia, é inferior aos R$ 29,4 bilhões do mesmo período em 2014. No acumulado em 12 meses (julho 2014 a junho 2015), o resultado é de déficit primário: R$ 45,7 bilhões. Quando analisado o desempenho apenas do governo federal (Tesouro Nacional, Previdência Social e Banco Central), o saldo também foi de déficit no primeiro semestre: R$ 1,9 bilhão. Já as empresas estatais federais, estaduais e municipais (exceto Petrobras e Eletrobras) somaram déficit primário de R$ 1,159 bilhão. O superávit primário do setor público consolidado só foi alcançado graças ao saldo positivo obtido pelos governos estaduais (R$ 16,426 bilhões no semestre) e governos municipais (R$ 2,868 bilhões), segundo o Banco Central. Já o relatório do Ministério da Fazenda apontou um déficit primário nas contas do governo federal da ordem de R$ 1,6 bilhão, no primeiro semestre deste ano. Em valores reais, isto é, corrigidos pela inflação, o resultado é o pior para os seis primeiros meses do ano desde a criação da série histórica, em 1997. E o problema não foi aumento de despesas governamentais – elas se mantiveram praticamente no mesmo patamar (alta de 0,5%). A receita total (arrecadação de impostos, taxas e contribuições), todavia, caiu 3,5%.

CORTES PROFUNDOS Para que as despesas governamentais não crescessem, os cortes no orçamento representaram reduções cruciais em obras e investimentos importantes para o país. Os investimentos do Programa

de Aceleração de Crescimento (PAC), por exemplo, diminuíram 36%, somando menos de R$ 20 bilhões. O PAC, como se sabe, é um conjunto de obras (rodovias, ferrovias, portos, aeroportos, energia elétrica, saneamento, mobilidade urbana) fundamentais para dotar o país de infraestrutura necessária para se expandir economicamente e se desenvolver socialmente. Diminuíram também as despesas com o funcionalismo (1,3%), o que reflete achatamento de salário de servidores públicos e estagnação dos quadros de pessoal – por tabela, prejuízo à qualidade dos serviços. Além de todas as consequências negativas citadas – estagnação ou recessão da economia, sucateamento dos serviços públicos, freio nas obras de infraestrutura e outros investimentos – o ajuste fiscal tem custado caro politicamente à presidenta Dilma Rousseff e sua gestão. O aperto monetário era programa de governo da candidatura de oposição. Dilma conseguiu na reta final das eleições do ano passado apoio decisivo exatamente por representar um obstáculo à ameaça de volta do neoliberalismo dos anos 1990. Há uma sensação generalizada de traição dos compromissos de campanha. A impopularidade atual da presidenta se deve muito à recessão econômica, e esta tem sido piorada exatamente pelo ajuste fiscal.

CONFIANÇA Dilma e a equipe econômica defendem o aperto argumentando que o Brasil não pode perder credibilidade no mercado internacional. A confiança no país seria mantida se os investidores percebessem o esforço para manter as contas públicas em ordem. Tal confiança seria essencial para que os investidores continuassem a apostar suas fichas no Brasil, investindo nas obras do Programa de Infraestrutura Logística (PIL), concebidas no modelo de parcerias público-privadas. Atraindo investidores seguros da robustez fiscal do Brasil, a economia nacional superaria as dificuldades “momentâneas”, como tem afirmado a presidenta, e retomaria a trajetória de crescimento. O ajuste seria, portanto, um sinal claro do governo ao mercado dessa disposição incondicional em garantir superávit para pagar a dívida pública. A redução da meta do superávit não significaria um afrouxamento fiscal, apenas uma adequação a valores reais.

CENÁRIOS Para o professor Pedro Henrique Evangelista Duarte, há um erro de diagnóstico da conjuntura, por parte do núcleo econômico e político do governo Dilma, que demonstra entender o cenário atual similar ao de 2003, quando da primeira eleição de Luís Inácio Lula da Silva. Como àquela altura Lula poderia representar, aos olhos do mercado, uma “ameaça”, a austeridade fiscal foi encarada como um mal necessário, como o remédio para se garantir a estabilidade política e econômica, e então a própria governabilidade. Funcionou na ocasião.

Agora, depois de um eleição extremamente polarizada, com vitória apertada de Dilma, decidiu-se pelo ajuste como forma de acalmar os ânimos do mercado e se reverter a instabilidade política. Não funcionou. O aperto trouxe recessão, insatisfação na base da presidenta e, consequentemente, tornou o governo mais frágil ainda. “Há uma crença de que o cenário atual é similar ao de 2003, e que uma política de ajuste recessivo poderia organizar o caminho para os próximos anos. Temos um cenário bem diferente, especialmente se olharmos o que vem acontecendo com a economia internacional. Por exemplo, a China, importante parceiro do Brasil, tem apresentado queda em seu crescimento, e isso tem reflexos significativos no quadro da economia externa. Isso sem falar da crise na Europa, que também tem reflexos internos”, argumentou o professor da UFG.

GRAU DE INVESTIMENTO De êxito concreto até o momento, o ajuste fiscal conseguiu impedir que o Brasil tivesse sua nota de grau de investimento rebaixada pelas agências de classificação de risco. A norte-americana Standard & Poor’s, em seu mais recente comunicado, em 28 de julho, continuou a manter o país classificado como seguro para investidores. “Houve uma correção significativa de política durante o segundo mandato da presidenta Dilma Rousseff ”, diz a agência, ressalvando que o Brasil “enfrenta circunstâncias políticas e econômicas desafiadoras”. A dificuldade de o governo aprovar as medidas de ajuste fiscal no Congresso; a aprovação, por parte do mesmo Congresso, de projetos que impactam nas despesas da União (como o que aplica às aposentadorias o mesmo índice de correção do salário mínimo); e os escândalos de corrupção envolvendo políticos dos mais diferentes partidos e grandes empresas e empresários fizeram a agência, por outro lado, revisar para “negativa” a perspectiva de nota futura.

NARRATIVA DA CRISE Embora a credibilidade dessas agências de classificação sejam questionáveis – elas representam essencialmente os interesses do mercado financeiro, e não propriamente dos investidores do setor produtivo – o governo brasileiro, a classe política e a mídia nacional ainda levam muito em conta suas notas. As sinalizações dessas agências são amplamente repercutidas em telejornais, sites e por comentaristas econômicos das principais redes de rádio, encaixando-se ao discurso alarmista dos grandes veículos de comunicação. Há pelo menos três anos, mesmo que muitas vezes desmentida pelos próprios fatos, a mídia entoa a palavra “crise” praticamente como um mantra. Raramente se faz uma ilação com outros períodos de dificuldades, muito menos comparações com o cenário externo, de modo a contextualizar e transmitir a real dimensão

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do problema. Um texto recente do crítico de cinema Pablo Villaça viralizou na internet justamente por escancarar a discrepância entre os fatos e as versões dos fatos. O texto opôs o tom “desalentador” do noticiário aos anúncios de resultados satisfatórios de investimentos de grandes empresas, nacionais e estrangeiras, que apontam o Brasil como um bom destino de investimentos, em que pese a conjuntura turbulenta. “Eu fico realmente impressionado ao perceber como os colunistas políticos da grande mídia sentem prazer em pintar o país em cores sombrias (...) Uma coisa é dizer que o país está em situação maravilhosa, pois não está; outra é inventar um caos que não corresponde à realidade. A verdade, como de hábito, reside no meio do caminho: o país enfrenta problemas sérios, mas está longe de viver ‘em crise’. E certamente teria mais facilidade para evitá-la caso a mídia em peso não insistisse em semear o pânico na população – o que, aí, sim, tem potencial de provocar uma crise real”, escreveu.

MAIS CORTES É fato também que o próprio governo, ao optar pelo caminho do ajuste fiscal recessivo, contribui para engrossar o coro da mídia e tornar fértil o terreno onde se forja um cenário de terra arrasada. Se por um lado a equipe econômica decidiu baixar a meta de superávit, não vai poupar o orçamento de novos cortes. Até o fechamento desta edição, o Tesouro Nacional confirmara o bloqueio de R$ 8,6 bilhões. Mais da metade (55%) seriam recursos do PAC (R$ 4,66 bilhões). A tesoura não pouparia nenhum ministério, de acordo com o secretário do Tesouro Nacional, Marcelo Saintive. “Todos os ministérios serão afetados com cortes, mas vamos preservar áreas prioritárias nos ministérios da Educação e da Saúde”, ponderou. Com esse bloqueio de R$ 8,6 bilhões, os cortes no orçamento da 2015 alcançam R$ 78,5 bilhões – em maio, R$ 69,9 bilhões já tinham sido retirados. Não bastasse isso, o Comitê de Política Monetária (Copom) decidiu em julho subir pela sétima vez seguida a taxa básica de juros da economia (Selic), que passou de 13,75% para 14,25% ao ano, uma das mais altas do mundo. A elevação encarece o crédito, tanto ao setor produtivo como ao consumo, impondo-se como mais um elemento a restringir o crescimento econômico. Centrais sindicais e representantes da indústria criticaram duramente o novo acréscimo. A necessidade de se controlar a inflação é a justificativa dada pelo Copom para promover a alta da Selic. Os juros altos também atraem investidores do mercado financeiro, argumenta o comitê. Para o professor Duarte, da UFG, o foco da atual política econômica é que está equivocado. “Enquanto o governo se preocupa em [voltar a política econômica para os] investidores que sabe-se lá onde estão, a população tem sofrido os efeitos. Acho que o que falta ao governo é reorientar a política econômica para o atendimento da população.”


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brasilobserver.co.uk | August 2015

CONEXÃO BR-UK

UM ANO PARA OS JOGOS OLÍMPICOS

Qual é a meta de medalhas para a Rio 2016 e o que está sendo feito neste ciclo olímpico para que a mesma seja alcançada? g

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Marcus Vinícius | A meta é colocar o país, pela primeira vez, no Top 10 do quadro geral de medalhas. Para chegar a essa meta, o COB estudou o cenário das últimas edições de Jogos Olímpicos e montou, em 2009, um mapa estratégico para nortear as nossas ações. Nele identificamos a necessidade de conquistar medalhas em cerca de 13 modalidades em 2016, por isso focamos o investimento em 18 ou 19 para termos um alcance maior. O COB monitora os principais atletas do Brasil durante todo este ciclo olímpico. A partir desse monitoramento, o COB define a estratégia de suporte capaz de aumentar as chances de que aquele atleta ou equipe alcance a sua melhor performance durante os Jogos Olímpicos. Essa estratégia envolve investimentos, de forma a atender todos os detalhes da preparação, em diversas áreas, como Ciências do Esporte; intercâmbio de treinamentos e competições; capacitação de treinadores; apoio às equipes multidisciplinares; compras de equipamentos; gerenciamento do CT Time Brasil; entre outros. Mark England | Tivemos excelentes resultados nos últimos dois ciclos olímpicos, com o quarto lugar no quadro geral em Pequim e o terceiro em Londres. Sempre defendi que não estabelecêssemos meta de medalhas muito antes dos Jogos; faremos isso mais perto do evento. Estamos fazendo nosso trabalho com todas nossas habilidades. Se fizermos toda a preparação, todo o planejamento, toda a familiarização com a cidade-sede, então o quadro de medalhas vai falar por si só. Temos duas áreas prioritárias na preparação. A primeira é a educação dos atletas, que devem estar preparados para o ambiente que vão encontrar no Rio, as instalações olímpicas, a infraestrutura de competição. E a segunda diz respeito obviamente aos eventos que antecedem aos Jogos. Temos feito nossos atletas se sentirem bastante familiarizados com o Rio, mas nosso foco de preparação também tem sido a conclusão de nosso centro de treinamento em

Belo Horizonte, com duas instalações fantásticas.

esportes que geralmente têm apenas uma medalha na pontuação, mas o que descobrimos nos últimos quatro ou cinco anos é que esses esportes contribuem cada vez mais para o quadro geral, por isso também estamos olhando para o boxe, o judô... Temos uma ampla gama de esportes que podem contribuir para a posição da Grã-Bretanha no quadro de medalhas.

Quais têm sido os principais desafios na preparação? g

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Marcu4s Vinícius | O principal desafio é o tempo. Temos recursos e pessoal capacitado para mudar o patamar do esporte olímpico brasileiro. Porém o tempo é curto até os Jogos. Estamos trabalhando com muita intensidade para conseguir alcançar os nossos objetivos. Mark England | O maior desafio tem sido a procura pelo melhor centro de treinamento. Temos uma ótima interação com líderes do Comitê Organizador e do Comitê Olímpico Brasileiro, então não tem sido tão difícil, tem sido uma incrível jornada, muito prazerosa.

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Marcus Vinícius | O COB não indica esta ou aquela modalidade, assim como não falamos em nome de atletas. É desmerecer o trabalho dos não citados e colocar pressão desnecessária nos indicados. Hoje temos a certeza de que o atleta brasileiro conta com a melhor preparação possível e isso está se refletindo nos resultados que estamos obtendo ao longo do ciclo. Toronto 2015 e os Campeonatos Mundiais de 2013, 2014 e 2015 estão confirmando uma série de atletas e modalidades em condições de brigar pelo pódio no Rio. Isso não é garantia, mas indica que estamos no caminho certo. Mark England | Sempre tivemos ótimos resultados em campeonatos mundiais e em Jogos Olímpicos em modalidades como ciclismo, atletismo, remo, canoagem, hipismo... São

Qual legado a Rio 2016 deve deixar para o esporte no Brasil? g

Quais vantagens e desvantagens de se competir no Rio? g

Quais modalidades estão mais preparadas? g

com Marcus Vinicius, que, quando a equipe do Brasil treinou em Londres, nos ajudou bastante. Assim, apesar das diferenças culturais, temos um objetivo comum de colaboração e apoio, uma grande vantagem.

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Marcus Vinícius | É a realização de um sonho para muitos atletas. Temos o fator motivador por termos a torcida em casa. O que, ao mesmo tempo, pode colocar uma pressão a mais em cima de alguns atletas. É um grande desafio, mas o importante é termos o Time Brasil bem preparado técnica e mentalmente e fornecermos o melhor preparo possível para que nossos atletas foquem somente na competição. Nosso suporte não está voltado apenas àqueles que vão disputar medalhas, e sim para que os 400 atletas tenham os melhores resultados de suas carreiras nos Jogos Olímpicos. Mark England | É a primeira vez que a América do Sul está recendo os Jogos Olímpicos. É um continente que normalmente não estamos familiarizados, é uma cidade em que normalmente nossos atletas não treinam ou competem. O Rio trouxe desafios diferentes para nós, como o fuso horário completamente diferente, e também alguns desafios operacionais. A vantagem é a rede de apoio para a nossa preparação em Belo Horizonte, a rede de apoio que temos com o Comitê Olímpico Brasileiro. Somos muito amigos, especialmente

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Marcus Vinícius | O esporte olímpico brasileiro nunca mais será o mesmo. Em termos de estrutura, vamos ganhar instalações modernas que serão utilizadas na preparação dos futuros atletas do Brasil. Em termos de capacitação de profissionais que trabalham com esporte, técnicos, preparadores, marketing esportivo, estamos ganhando um conhecimento muito grande, que não se perderá. Mas, no meu entender, o maior legado será a inspiração que milhões de jovens brasileiros terão ao vivenciar o ambiente olímpico. Acreditamos realmente que, uma vez tocados pelo espírito olímpico, os jovens se encantem pelos valores de excelência, amizade e respeito e utilizem o esporte para a melhoria de suas vidas. Mark England | É uma das maiores oportunidades para se construir uma infraestrutura para o esporte no país, para realmente apoiar as federações nacionais, para tornar o Brasil uma potência em esportes olímpicos. É também uma oportunidade para construir um sistema de desempenho sustentável no Brasil. Além disso, é uma grande oportunidade de ter um legado de instalações de treinamento de alta qualidade e locais de competição em todo o país. E, claro, inspirar os jovens pelo esporte a se tornarem ativos na comunidade e para realmente se tornarem as estrelas do futuro, de uma nação saudável.

RIO 2016/DANIEL RAMALHO

RIO 2016

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Em agosto do ano que vem, a Cidade Maravilhosa receberá o mundo para a primeira Olimpíada na América do Sul. Marcus Vinicius Freire, diretor executivo de esportes do Comitê Olímpico Brasileiro, e Mark England, chefe de missão do Team GB, respondem cinco questões ao Brasil Observer


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£10 Standard £8 Students

CONJUNTO SUBINDO A LADEIRA 29th AUGUST 7pm The Forge

3-7 Delancey Street,

Camden NW1 7NL

Lombo assado com mostarda

Ingredientes - 1,5 kg de lombo - 7 cebolas - 2 dentes de alho - 3 colheres de sopa de mostarda americana -Sal a gosto

-Alecrim a gosto -100 ml de suco de laranja -100 ml de suco de limão - 200 ml de vinho branco seco - 4 colheres de sopa de manteiga

Modo de preparo Marinada: Rale uma cebola e os dentes de alho. Coloque a cebola, o alho, o alecrim, ´ os sucos, o vinho, a mostarda e o sal em um recipiente. Coloque o lombo nessa mistura e deixe descansando na geladeira por 24 horas. Forno: Coloque o lombo em uma assadeira com a marinada. Coloque 6 cebolas cortadas em cruz. Espalhe a manteiga em cima do lombo. Tampe com papel alumínio e leve ao forno por 2 horas, a 250 graus. Retire o papel alumínio e deixe o lombo dourar por aproximadamente 30 minutos. Molho: ´ Retire o lombo do forno e reserve. Leve a assadeira ao fogão e deixe o caldo do cozimento ferver e reduzir por aproximadamente 15 minutos.

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BRASILIANCE

TREINADOS PRA RINHA DE RUA Praças da Polícia Militar criticam formação focada na servidão aos oficiais, vivida em um ambiente em que abusos físicos, psicológicos e disciplinares fazem parte da rotina Por Ciro Barros, da Agência Pública

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“Bora, bora, você é um bicho. Você é um jumento, seu gordo!”. O ex-soldado Darlan Menezes Abrantes imita a fala dos oficiais que o instruíam na academia quando ingressou na Polícia Militar do Ceará, em fevereiro de 2001. “Às vezes, era hora do almoço e os superiores ficavam no meu ouvido gritando que eu era um monstro, um parasita. Parecia que tava adestrando um cachorro. O soldado é treinado pra ter medo de oficial e só. O treinamento era só mexer com o emocional, era pro cara sair do quartel igual a um pitbull, doido pra morder as pessoas. Como é que eu vou servir a sociedade desse jeito? É ridículo. O policial tem que treinar o raciocínio rápido, a capacidade de tomar decisões. Hoje se treina um policial parece que está treinando um cachorro pra uma rinha de rua”, reflete. Darlan lembra sem saudade dos sete meses passados no extinto Curso de Formação e Aperfeiçoamento de Praças da PM cearense. “Sempre que um professor faltava, éramos obrigados a fazer faxina em todo o quartel. E o pior: quem reclamava podia ficar preso o fim de semana todo. A hierarquia fica acima de tudo no militarismo. O treinamento era só aquela coisa da ordem unida [exercícios militares de formação de marcha, de parada ou reunião dos membros da tropa], ficar o dia inteiro marchando debaixo do sol quente. Lá dentro é um sistema feudal, você tem os oficiais que podem tudo e os soldados que abaixam a cabeça e pronto, acabou. Você é treinado só pra ter medo de oficial, só isso. O soldado que vê o oficial, mesmo de folga, se treme de medo”, diz. Enquanto era policial, Darlan estudava Teologia no Seminário Teológico

Batista do Ceará e Filosofia na UECE (Universidade Estadual do Ceará). O ex-soldado conta que passou a questionar algumas ordens e instruções enquanto frequentava a academia e logo ganhou um apelido: “Mazela”, uma gíria mais comum no nordeste do Brasil para uma pessoa mole, preguiçosa. Pouco a pouco se espalhava entre a tropa a ideia de que os questionamentos de “Mazela” eram fruto de uma pura preguiça com relação aos exercícios militares. “Fiquei com essa fama no quartel”, afirma. “É uma lavagem cerebral. O militarismo é uma espécie de religião que cria fanáticos. Ordem unida, leis militares, os regimentos e tal, aqueles gritos de guerra. Essas coisinhas bestas que os policiais vão aprendendo, como arrumar direito a farda. Você pode ser preso se não tiver com um gorro ou chapéu na cabeça. Essas coisas que só atrapalham a vida dos policiais. Às vezes eu pegava um ônibus superlotado, chegava com a farda amassada e ficava sexta, sábado e domingo preso. Você imagina? Por causa de uma besteira dessas? Isso é ridículo”, exclama. “E isso é antes e depois do treinamento: se você for hoje na cavalaria da PM de Fortaleza você vai ver policial capinando, pegando bosta de cavalo, varrendo chão, lavando carro de coronel, abrindo porta para os semideuses [oficiais]. Eu nunca concordei com isso e fiquei com fama de preguiçoso”, diz. O assédio moral é a regra na formação do PM em cursos de curta duração que tem como preocupação principal imprimir a cultura militar no futuro soldado; com pouco aprendizado teórico em temas como direito penal, constitucional e direitos humanos; além da

sujeição a regulamentos disciplinares rígidos. É o que constatou a pesquisa “Opinião dos Policiais Brasileiros sobre Reformas e Modernização da Segurança Pública” publicada em 2014 pelo Centro de Pesquisas Jurídicas Aplicadas (CPJA), da Escola de Direito da FGV de São Paulo, e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Foram ouvidos mais de 21 mil profissionais de segurança pública (entre policiais civis, militares, rodoviários federais, agentes da polícia científica, peritos criminais e bombeiros) de todas as unidades da federação, mais da metade deles policiais militares, sobretudo praças (policiais de patentes mais baixas). Destes, 82,7% afirmaram ter formação máxima de um ano antes de exercer a função, 38,8% afirmaram que já foram vítima de tortura física ou psicológica no treinamento ou fora dele e 64,4% disseram ter sido humilhados ou desrespeitados por superiores hierárquicos. 98,2% de todos os profissionais (incluindo profissionais de outras áreas) que responderam a pesquisa afirmaram que a formação e o treinamento deficientes são fatores muito importantes para entender a dificuldade do trabalho policial. Apesar dos números alarmantes, o tema ainda é pouco discutido dentro das corporações e fora dela. Em vários estados, os regimentos internos das polícias militares proíbem expressamente que os policiais se manifestem a respeito da própria profissão. Eles também dizem ter pouco espaço para denunciar as violações sofridas por eles no dia a dia – a estrutura fechada e hierárquica do militarismo dá poucas brechas para denúncias ou críticas dos policiais com relação à própria formação, principal-

mente fora dos quartéis. Mesmo que essas denúncias se refiram ao descumprimento de direitos humanos primordiais.

LIÇÃO DE TORTURA A institucionalização de violações de direitos humanos dentro da PM na formação e treinamentos de seus integrantes reflete-se diretamente na maneira como reagem no cotidiano com a população. Um relato exemplar está no relatório final da Comissão da Verdade do Estado de São Paulo, em que o sociólogo e ex-secretário de Segurança Pública do Estado do Rio de Janeiro, Luiz Eduardo Soares, afirmou em depoimento concedido no dia 28 de novembro de 2013: “O BOPE [Batalhão de Operações Policiais Especiais, pelotão de elite da PM fluminense] oferecia, até 2006, aulas de tortura, 2006! Aulas de tortura! Não estou me referindo, portanto, apenas às veleidades ideológicas (…), nós estamos falando de procedimentos institucionais”, afirmou. Foi a essa realidade que o então recruta Rodrigo Nogueira Batista, egresso da Marinha, foi apresentado ao participar das Operações Verão nas Praias dois meses depois de ingressar na PM, descritas por ele como uma espécie de estágio que os recrutas fazem com policiais mais antigos nas praias nobres da capital fluminense – Ipanema, Copacabana, Barra da Tijuca, Botafogo, Recreio. “A minha turma partiu pro estágio com dois meses de CFAP [Centro de Formação e Aperfeiçoamento de Praças], dois meses dentro do CFAP tendo meio expediente e depois rua. Lá fomos


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CLARICE CASTRO/GERJ

Formatura de soldados da PM do Rio em 2014

nós de cassetete, shortinho e camisa da Polícia Militar, isso pra população ver aquele monte de recruta passando para poder dar o que eles chamam de ‘sensação de segurança pra população’”, relembra. “Eles colocam o policial antigo armado e dois ou três ‘bolas de ferro’, como eles chamam os recrutas, justamente por dificultar a movimentação do policial antigo. A gente chegava e o antigo ficava angustiado com a nossa presença porque queria pegar dinheiro do flanelinha, do cara que vende mate, da padaria e quando ele ia no português comer alguma coisa tinha que dividir com os “bolas-de-ferro”’, lembra. Na rua: “a barbárie imperava: pivete roubando, maconheiro… Tudo que tu imaginar. Quando caía na mão era só porrada, porrada, porrada, gás de pimenta, muito gás de pimenta. Foi ali que eu tive contato com as técnicas de tortura que a Polícia Militar procede aí em várias ocasiões”, afirma. “Você vê agora o caso do Amarildo”, comenta. “Aqueles policiais que participaram do caso Amarildo, pelo menos de acordo com o que o inquérito está investigando, estão fazendo as mesmas práticas que eu já fazia, que o meu recrutamento já fazia, que outros fizeram bem antes de mim e que já vem de muitos anos. Vem de uma cultura”, analisa.

SIM SENHOR, NÃO SENHOR A cultura de violência nasce com a desumanização do próprio PM já na formação, relatam os entrevistados. “O soldado da polícia militar não tem direito nenhum. A gente tem que dormir em alojamentos sujos, caindo aos pedaços. Cada um tinha que trazer a sua

rede pra dormir no alojamento. Os colegas casados que fizeram o treinamento passaram muitas dificuldades porque passamos três meses sem receber salário. O soldado só tem direito de dizer sim senhor e não senhor e de marchar o tempo todo”, resume o ex-soldado Darlan Menezes Abrantes. “Como uma polícia antidemocrática vai cuidar de uma sociedade democrática?”, pergunta. Autor de um livro intitulado “Militarismo: um sistema arcaico de segurança pública” (Editora Premius), Darlan foi expulso da polícia cearense em janeiro de 2014, após 13 anos de PM. O que causou a expulsão, segundo ele, foi o livro. “Eu fui pra algumas universidades aqui de Fortaleza distribuir o livro e fiquei do lado de fora da Academia [Academia Estadual de Segurança Pública do Ceará (AESP-CE)] na hora do almoço. Aí os alunos vinham, pegavam o livro e levavam pra dentro. Durante uma das aulas, alguns alunos perguntaram para uma professora porque aqui no Brasil tinha polícia militar se na maioria dos países do mundo ela não era militarizada. Os alunos falaram que tinham visto no meu livro. Aí, pronto. Começaram a investigar a minha vida, abriram um IPM [Inquérito Policial Militar], eu fui interrogado e eu fiquei impedido de trabalhar na rua”, conta. No capítulo 11 do livro de Darlan, há algumas frases anônimas ditas por seus colegas a respeito da PM. “Os oficiais são uns sanguessugas”, diz uma das frases; “a PM é a polícia mais covarde que existe, pois só prende pobre”, afirma outra. “No meu interrogatório, eles queriam que eu dissesse o nome de cada policial que falou as frases, pra cada policial ser punido. A minha

advogada alegou sigilo da fonte, igual vocês jornalistas têm. Em outra sessão, nessa época que eu tava respondendo o processo, eu tentei argumentar com um capitão. ‘Não, capitão, é meu direito escrever o livro’. Ele ironicamente pegou uma folha de papel em branco e jogou na minha frente, dizendo: ‘Aqui, os seus direitos’”, diz. A PM cearense alegou que a expulsão se baseava em vários artigos do Código Disciplinar e do Código Penal Militar e que a conduta do exsoldado iam de encontro ao pudor e decoro da classe. Em São Paulo e no Ceará, é proibido ao policial “publicar, divulgar ou contribuir para a divulgação irrestrita de fatos, documentos ou assuntos administrativos ou técnicos de natureza policial, militar ou judiciária que possam concorrer para o desprestígio da Corporação Militar”. Darlan denunciou sua expulsão ao Ministério Público do Ceará e entrou com uma ação de reintegração na Justiça ainda não julgada. Procurada pela Agência Pública, a PM cearense não quis explicar o motivo da expulsão de Darlan nem comentar as declarações dele.

REGULAMENTOS ‘ANTIDEMOCRÁTICOS’ “Imagina um professor que não pode falar de educação ou um médico que não pode falar de saúde. Em muitos estados, o policial não pode falar de segurança pública”, afirma o sociólogo Ignacio Cano, do Laboratório de Análise da Violência da UERJ (Universidade Estadual do Rio de Janeiro). Ele é autor de um estudo que analisou os “manuais

de conduta” dos PMs com o objetivo de comparar os códigos e legislações disciplinares das corporações de segurança pública no Brasil. “Os regulamentos disciplinares da PM são obsoletos, antidemocráticos, muitos deles pré-constitucionais”, define o sociólogo. “Eles foram criados para garantir a hierarquia e a disciplina dentro da corporação e a imagem da corporação, não foram feitos para proteger nem a população e nem o policial”, afirma. “A maior parte da formação na PM é para o policial aprender normas, tanto as leis quanto as normas internas da corporação, e correr pra cima e pra baixo pra ficar em forma. A educação física não é dada com um propósito de saúde do trabalho, ela também está nessa lógica da disciplina. O que alguns especialistas e membros da polícia dizem é que, implicitamente, esses artigos abusivos foram derrubados com a Constituição. O fato é que o diploma legal continua vigente”, diz. Segundo seu estudo, ao menos 10 unidades da federação possuem regulamentos anteriores à Constituição, inspirados no Regulamento Disciplinar do Exército (RDE). Alguns estados até adotam diretamente o RDE como regulamento nas polícias militares. Isso foi determinado a partir de um decreto da ditadura, o Decreto-Lei 667, de 2 de julho de 1969. O artigo 18 do decreto estabelece que: “As Polícias Militares serão regidas por Regulamento Disciplinar redigido à semelhança do Regulamento Disciplinar do Exército e adaptado às condições especiais de cada Corporação”.


‘EU JÁ CAI NO CHÃO PARAPLÉGICO’ Em 1989, Saul Humberto Martins, hoje beirando os 50 anos, sonhava em entrar na Polícia Militar do Distrito Federal. Ele diz que achava a profissão bonita, que via muitas coisas ruins nas ruas e achava que podia contribuir como policial. Saul entrou na corporação por concurso, tornou-se cabo da PM e trabalhou como policial por 18 anos até ser atingido por um tiro acidental durante uma instrução, em abril de 2008, que o fez ficar paraplégico. “Aquele dia estava tendo um curso de Radiopatrulhamento que tinha começado. Eu não fazia parte do curso, tava em

outra área, mas me pediram pra dar um apoio. E eu fui”, relembra. No curso, voltado aos policiais com mais de dez anos de polícia, Saul deveria simular que era um criminoso e, em várias situações, tentar tomar a arma das mãos de outro policial. Ele então tirou o colete balístico que usava para ter mais mobilidade e para representar o papel de “meliante”. Antes do treinamento, todos os participantes eram orientados a descarregar suas armas. Porém, durante a instrução, um soldado participante do curso disse que estava com dor de cabeça e quis deixar o quartel para ir à farmácia. Ele saiu do local, carregou a arma e colocou na cintura e foi de viatura comprar remédio. Quando retornou, o soldado esqueceu-se da arma carregada. “Assim que ele chegou, um oficial entrou na parte de trás do carro e falou pro soldado ‘vamos que agora é a vez de vocês fazerem a abordagem’. Eles entraram no local da instrução, que era um local fechado. Quando eles entraram, o oficial orientou: ‘aborda aquele pessoal lá’”, afirma. Na simulação, Saul foi orientado a reagir à abordagem. Quando ele reagiu, o soldado que tinha saído disparou a arma carregada. “O tiro pegou na minha omoplata, perfurou o pulmão, a coluna e se alojou na minha medula. Eu já cai no chão paraplégico”, diz. O episódio de Saul foi filmado. Saul ficou um mês internado no Hospital Regional de Taguatinga. A corregedoria da PM do Distrito Federal condenou o oficial instrutor do curso e o soldado que disparou a arma a nove meses de prisão (convertidos em serviços comunitários), mas seguem na corporação. Saul, que hoje é pastor evangélico, ainda pleiteia sua indenização na Justiça. “Quem tava dando a instrução no dia do meu acidente não era instrutor. Simplesmente porque ele era oficial ele tava lá dando a instrução, mas ele não tinha preparo pra dar aquela instrução. Depois do meu acidente houve vários outros casos. Teve um colega meu que não foi bem orientado numa instrução de tiro, ele disparou, a cápsula bateu no olho dele e ele saiu de lá cego. Teve outro que levou um tiro no joelho e teve que amputar a perna. Teve o caso do sargento Silva Barros que morreu lá no Guará, que recebeu um tiro dentro do Quarto Batalhão de Polícia Militar. Teve até um instrutor do Bope que morreu também”, relembra. “Nós precisamos de instrutores mais bem preparados. Temos bons instrutores, mas o problema é que eles querem colocar os oficiais piás na instrução só porque são oficiais. Tem muito sargento bom de instrução que não pode virar instrutor, porque eles querem ter esse privilégio. Puramente pela hierarquia”, reflete. Sobre o treinamento em si, Saul critica o foco excessivo nos treinamentos de ordem unida. “O cara fica dentro da academia e 50% do curso é pra aprender militarismo. Precisamos de um treinamento mais técnico e profissional. O policial tem que ter mais treinamento de tiro, pra ele saber atirar, não pra matar ninguém, mas pra saber atirar quando for necessário”, opina.

A Agência Pública tentou contato com alguns dos policiais acidentados no Distrito Federal, mas eles se recusaram a falar. Em nota, a PMDF afirmou que “faz treinamentos constantes com o objetivo de cada vez mais aprimorar e atualizar o seu pessoal, e esses treinamentos são realizados com armamento de fogo para simular reais situações de perigo e ação dos policiais. Todas as medidas de cuidado são tomadas, mas infelizmente acidentes acontecem, não só aqui, mas em qualquer lugar do mundo, e além do mais, a PMDF tem um dos menores índices de acidentes que causem graves lesões ou até mesmo a morte de nossos policiais”, conclui a nota.

CULTURA DA DITADURA “Nosso sistema de segurança pública traz ainda muita coisa da época da ditadura, inclusive a formação”, afirma o cabo da PM de Santa Catarina Elisandro Lotin, presidente da Anaspra (Associação Nacional de Praças da Polícia Militar). “Nós já fizemos inúmeras denúncias [sobre os cursos de formação]. Recentemente, aqui em Santa Catarina tinha uma academia de polícia com 200 mulheres e elas foram obrigadas a ficar em posição de apoio e fazer flexões no asfalto quente às três horas da tarde, várias delas ficaram com queimaduras nas mãos. Aí você vai chegar nelas e dizer pra elas defenderem a sociedade?”, questiona. Vanderlei Ribeiro, presidente da Aspra (Associação de Praças da Polícia Militar e do Corpo de Bombeiros do Rio de Janeiro) desde 2008, atribui o “amadorismo” da formação à “cultura” da PM. “Nós somos mal formados, mal preparados e induzidos a erro pela cultura militarista que existe nas polícias militares de todo o Brasil. A formação impõe desde o início um comportamento autoritário que vai se refletir na população. A cultura militar é perversa, ela não prepara o PM para compreender que ele tem um compromisso social com a sociedade. A escola de polícia não tem qualificação nenhuma e não prepara ninguém pra atuar na rua. A formação é agressiva, não respeita os direitos humanos, é arrogante, autoritária e o policial só sabe agir da mesma forma quando sai da academia”, avalia. Para o sargento Leonel Lucas, membro da Brigada Militar do Rio Grande do Sul e presidente da ABAMF (Associação Beneficente Antônio Mendes Filho, entidade dos praças da Brigada gaúcha) não só o treinamento dos praças precisa melhorar. “Infelizmente, nós temos ainda alguns capitães Nascimento dando instrução nos cursos de formação dos praças. É por isso que eu acho que a primeira coisa que tem que ser mudada é a formação acadêmica dos oficiais superiores, quando a gente mudar a cabeça de quem tá nos formando lá em cima e os oficiais superiores começarem a receber uma formação mais humanista, isso vai se refletir pra quem está nas patentes mais baixas”.

ARQUIVO PESSOAL

por exemplo, não pode manifestar na rede social sobre certos aspectos internos da corporação sob o risco de responder. Eu mesmo estou respondendo a diversos inquéritos e sindicâncias por me expressar ali naquele site. Hoje mesmo eu vou na Corregedoria responder por um comentário que alguém fez no site. É uma coisa chata, constrangedora. A PM é a única instituição do país em que o agente não pode questionar o seu superior. Um servidor público não pode questionar procedimentos internos? É algo fora do contexto que vivemos. É totalmente absurdo”, afirma. Com mais de 20 anos de experiência dentro das academias de polícia brasileiras e latino-americanas, a antropóloga e professora do Departamento de Segurança Pública da Universidade Federal Fluminense (UFF), Jacqueline Muniz, afirma: “No Brasil, nós temos uma lógica aristocrática pautada em privilégios que perverte o sentido da hierarquia e da disciplina. É um abuso de poder continuado, como acontece com regulamentos disciplinares caducos e inconstitucionais”, analisa. “Os próprios policiais dizem nas ruas e nas minhas pesquisas que a motivação deles é a punição. Isso reflete ambientes de pouca cidadania, transparência, de poucos reconhecimentos dos direitos constitucionais de um dos principais atores da democracia. O policial é quem faz valer a Constituição na esquina, não é o Rex que late e abana o rabo. Ele não tem que cortar grama do superior hierárquico, virar motorista da esposa do coronel, servir cafezinho, ceder lugar na fila do cinema pro superior. Essa cultura faz com que o policial se sinta inseguro na rua justamente por uma insegurança institucional e um policial inseguro é pior do que um policial mal pago. Ele se vê o tempo todo com medo de ser punido. Os policiais sempre dizem: ‘se eu faço demais eu sou punido, se eu faço de menos eu sou punido, se eu não faço, eu sou punido’. Faltam parâmetros de aferição qualificada para o trabalho policial e isso ainda depende de nós instituirmos um processo formativo profissional pras polícias”, afirma. “Polícia não se improvisa. Um policial experiente custa muito caro à sociedade, ele não pode ser substituído porque morreu ou porque se acidentou”, conclui a antropóloga.

FERNANDO FRAZÃO/AGÊNCIA BRASIL

“Nos regulamentos que nós analisamos, nós vimos casos extremos neste estudo, como regulamentos que estipulam que, se um policial em posição superior bater num policial de nível inferior para obrigar a cumprir uma ordem, então não tem problema, é uma coisa normal. Esse é um dos casos mais extremos”, afirma Ignacio Cano. Ele cita outros abusos, decorrentes do excesso de regulação. “Há todo um moralismo especial sobre o policial que regula até a vida privada dele. Ele não pode fazer coisas que a maioria dos mortais fazem: se embebedar, contar uma mentira, contrair dívidas. Ele pode ser punido por essas coisas. Isso cria uma visão de super-homem moral que não existe; isso sujeita os policiais a riscos permanentes de punição por condutas que a maioria dos brasileiros fazem”, explica. Há vários exemplos dessa regulação da vida privada dos policiais. No Espírito Santo, segundo o regulamento, é proibido aos policiais “manter relacionamento íntimo não recomendável ou socialmente reprovável, com superiores, pares, subordinados ou civis”. No Amazonas, é vedado ao policial “falar, habitualmente, língua estrangeira, em estacionamento ou organização policial militar, exceto quando o cargo ocupado pelo policial militar o exigir”. Em nove estados, constitui uma transgressão disciplinar o policial “contrair dívidas ou assumir compromissos superiores às suas possibilidades, comprometendo o bom nome da classe”. A hierarquia é o valor supremo nos manuais das PMs. Os regulamentos disciplinares das polícias de Alagoas e Mato Grosso proíbem: “sentar-se a praça, em público, à mesa em que estiver oficial ou vice-versa, salvo em solenidades, festividades, ou reuniões sociais”. Em outros sete estados, é uma transgressão disciplinar o policial que está sentado deixar de oferecer seu lugar a um superior. Só nove estados classificam as transgressões tipificadas nas categorias comuns (Leve, Média, Grave e Gravíssima); nos demais fica a cargo do superior estipular a gravidade da transgressão. “Os direitos humanos dos policiais são lesados frequentemente com esses regulamentos. E aí nós queremos que eles respeitem os direitos humanos dos cidadãos quando eles como seres humanos e trabalhadores não tem os seus direitos respeitados”, observa Cano. “Quando você trata o policial de uma forma autoritária e arbitrária, o que você está promovendo é que ele trate o cidadão da mesma forma. Ele tende a descontar no cidadão a repressão que ele sofre no quartel. Ele tende a ser autoritário, arbitrário, impositivo. Ele não tem diálogo no quartel, por que ele vai dar espaço pra isso com o cidadão? Ele tende a esperar do cidadão a mesma moral que a dele”, argumenta o sociólogo. Principal nome à frente do site Rede Democrática PM BM, o primeiro sargento da PMDF Roner Gama é um exemplo da restrição da corporação à liberdade de expressão de seus integrantes. “Essa carga negativa da ditadura se reflete em procedimentos internos punitivos que existe ainda hoje. O policial,

BEL PEDROSA

brasilobserver.co.uk | August 2015

AGÊNCIA PARANÁ

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brasilobserver.co.uk | August 2015

DESMILITARIZAR É PRECISO?

O ex-soldado da PM, Rodrigo Nogueira, preso desde 2009, fala de seu livro “Como nascem os monstros”

Darlan Menezes Abrantes, autor de um livro intitulado “Militarismo: um sistema arcaico de segurança pública”

Policiais militares tentam conter manifestação, realizada em julho deste ano na Favela da Rocinha, para lembrar os dois anos de desaparecimento do ajudante de pedreiro Amarildo de Souza durante uma operação policial na cidade do Rio de Janeiro

No mês de abril, a Polícia Militar de Curitiba usou bombas de efeito moral, spray de pimenta, balas de borracha e gás lacrimogêneo para conter uma manifestação de apoio aos professores da rede pública de ensino que estavam em greve no Estado

Uma questão divide opiniões de policiais e especialistas em segurança pública: é possível oferecer uma formação mais humana e eficiente aos policiais militares sem mexer na natureza militar da PM? Em quase todas as entrevistas feitas para esta reportagem, o tema da desmilitarização das polícias apareceu reanimado pela PEC 51/2013 de autoria do senador Lindbergh Farias (PT-RJ). A antropóloga Jacqueline Muniz acha que sim. “A estrutura militar em si não limita o efeito do processo formativo para os policiais, o que impede o policial aplicar o que ele aprendeu é o abuso de poder. Há polícias de inspiração militar, como a Gendarmarie, da França, os Carabineri, da Itália, e a Guarda Civil Espanhola que foram democratizadas, têm grau elevado de formação e os direitos e deveres dos policiais são garantidos como cidadãos plenos. E essas polícias são muito bem avaliadas por suas sociedades e têm, inclusive, baixo índice de violência, corrupção e violação”, afirma. O cabo Elisandro Lotin, presidente da Anaspra, vai na mesma linha. “Você pode ter uma polícia militar desde que a atuação dela na rua seja focada na dignidade da pessoa humana, cidadania, desde que desvincule de toda aquela lógica que o Exército ainda insiste em ter de controle das polícias militares: do armamento até a formação, o número de efetivo. A partir dessa desvinculação [do Exército], que não significa desmilitarização, nós podemos ter uma matriz nacional de atuação das polícias militares no Brasil focados em dignidade da pessoa humana, em direitos trabalhistas para os profissionais de segurança pública, códigos de ética e conduta adequados à democracia”, defende. Já Vanderlei Ribeiro, presidente da associação de praças carioca, discorda. “A estrutura militarista é incompatível com o policiamento ostensivo. Militarismo é pro Exército. Primeiro você tem que mexer na estrutura pra depois você falar em alterar a formação. Não tem outro caminho. Você pode pegar o melhor especialista do país para dar aula para os policiais, só que o que ele vai fazer na rua vai ser diferente do que ele aprendeu lá porque a cultura enraizada não permite outro tipo de comportamento. Aqui no Rio de Janeiro teve vários convênios com ONGs, vários professores universitários foram dar aula lá nos cursos e não mudou em nada porque a questão toda é mi-li-tar. Não adianta o camarada ter aula de sociologia se ele vai chegar na rua e vai matar, se ele é treinado nesse conceito militarista”, avalia. “Não adianta você fazer aula de direitos humanos se a polícia é militar. Quando você vai pra rua o que predomina é a ideia militar, é a

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lógica militar”, opina o ex-soldado Darlan Menezes Abrantes. “Nas entrevistas com os policiais para a minha dissertação, uma fala me chamou a atenção. Eles diziam: ‘Nós entramos em serviço e ao entrar em serviço nós entramos em território inimigo. No território inimigo, eu mato ou eu morro. Não me peça para interceder pela vida do inimigo’. Estudando depois sobre essa fala, eu fui estudar a Doutrina de Segurança Nacional e ela necessita de um inimigo para se fazer presente. Na ditadura, o inimigo era quem? Quem contestava a ditadura. Terminou a redemocratização e essa ideia persiste, hoje o inimigo é quem enfrenta a polícia, quem pratica um delito ou quem vive em determinadas áreas. O discurso de muitas autoridades é o discurso da guerra, de retomar o território do inimigo, de ocupar o morro e devolver para o Estado. É o discurso da Doutrina de Segurança Nacional. Na ponta da linha, o recado chega assim: ‘Lá tem um inimigo, então o aniquile’. Talvez isso explique a letalidade da polícia”, conclui o tenente-coronel Adilson Paes de Souza. “Quando você vê um soldado policiando, algo já está errado. Ou o camarada é soldado, ou policial. O soldado tem uma premissa que é o quê? Matar o inimigo. Isso aí é o principal. O soldado é formado para eliminar o inimigo e o policial não, pelo menos não deveria”, afirma o ex-soldado da PM Rodrigo Nogueira Batista. “Essa confusão de atribuições entre soldado e policial, elas não se resolvem de maneira fácil. As coisas continuam acontecendo aos olhos de todo mundo e ninguém faz nada. Por exemplo, aquele pessoal que tava voltando de uma festa dentro do HB20 branco e que foram perseguidos por uma patrulha. Não teve um estalinho, uma bombinha, nada que viesse do HB20 pra patrulha e o cara deu 15 tiros de fuzil no carro. Isso só pode acontecer na cabeça de um soldado, na cabeça de um policial não aconteceria nunca. Um policial iria correr atrás, cercar. Mas ele não ia dar tiro em quem não tá dando tiro nele. Só na cabeça do soldado, que acha que tá na guerra e acha que se não atirar primeiro vai levar tiro. O cara foi lá, deu a sirene e o carro acelerou pra fugir da polícia. ‘Ah, é bandido, vou dar tiro’. Podia ser alguém bêbado, podia estar todo mundo fazendo uma suruba dentro do carro, podia ter uma cachaça no carro e o cara estar com medo de ser pego, o cara podia não ter habilitação, o cara podia ser surdo… São milhões de coisas, mas o cara não para pra analisar essas coisas porque ele não foi condicionado pra pensar, a contextualizar o tipo de serviço que ele tá fazendo. Ele foi treinado pra quê? Acelerou, correu, bala!”, analisa o ex-PM, hoje na prisão.


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CONECTANDO

BORDANDO A RESISTĂŠNCIA

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Este artigo foi publicado originalmente por Global Voices (globalvoicesonline.org). Para saber mais sobre o projeto CONECTANDO, visite brasilobserver.co.uk/about-conectando


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Através da técnica conhecida como arpilleria, herança chilena de combate à ditadura, documentário retrata a história de cinco mulheres de cinco regiões do Brasil que foram brutalmente afetadas pela construção de barragens Por Fernanda Canofre

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Na época em que Pinochet mandava no Chile, histórias não podiam ser contadas. Um grupo de mulheres chilenas – mães e esposas de presos políticos – encontrou uma maneira de subverter a ordem. Usando retalhos contrabandeados de roupas velhas, às escondidas e à luz de velas, elas passaram a denunciar através da costura – como Violeta Parra, antes delas – o que acontecia no país. Anos depois, as telas costuradas pelas arpilleras se tornaram documento dos abusos, tortura e a vida do Chile sob a ditadura e percorreram o mundo em exposições. Foi em uma dessas exposições – no Memorial da América Latina, em São Paulo, em 2011 – que o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) no Brasil descobriu a técnica da arpilleria. A exposição, criada para encorajar o bordado como ferramenta de empoderamento e resistência, serviu perfeitamente com o coletivo de mulheres do MAB. Como contaram ao Global Voices em uma entrevista por email, depois de conseguir apoio da União Europeia para documentar e denunciar violações de direitos humanos em áreas afetadas por construções de barragens, em 2014, o coletivo passou a realizar workshops pelo país ensinando arpilleria. No Brasil, como em muitos países, quanto maior o discurso de desenvolvimento que acompanha uma barragem, maior o efeito colateral trazido por ela. Uma pesquisa realizada pelo Conselho Nacional de Direitos Humanos identificou 16 violações aos direitos humanos em áreas de barragens no Brasil. E, como afirma o MAB, “para as mulheres, as violações são ainda piores”. “Com a chegada de milhares de operários nas cidades pequenas onde estão os canteiros de obras das hidrelétricas, por exemplo, há um aumento dos casos de assédio sexual, tráfico de mulheres, prostituição e estupro”. Essas são algumas das histórias que um documentário produzido pelo movimento via crowdfunding quer contar. Com a ajuda de 325 apoiadores através da plataforma Catarse, o projeto atingiu seu objetivo de 25 mil reais e até arrecadou um pouco a mais.

PEQUENAS HISTÓRIAS, GRANDES MULHERES O documentário pretende seguir as histórias de cinco mulheres das cinco regiões do Brasil e mostrar como suas vidas mudaram com a chegada das companhias de energia e seus projetos gigantes de construção. Com a produção programada para começar neste mês de Agosto, as personagens ainda não foram definidas. As viagens só acontecerão depois que isso for definido. Como os produtores contaram ao Global Voices, as histórias só mudam de endereço. “Temos escutado todo tipo de histórias. O leque das perdas é muito grande e vai desde o caso da Maria, que foi ameaçada pela empresa caso não aceitasse a carta de crédito; a Fernanda, que perdeu a fonte de renda porque

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trabalhada fazendo doces para festas; a Damiana, que não conseguiu mais deixar a sua filhinha ao cuidado da vizinha; a Jose, que, com 15 anos, engravidou de um operário, dando à luz a mais um ‘filho da barragem’, porque aquele operário voltou a casa com a sua família; a Lucenilda, que conseguiu escapar do ‘boate Xingú’ (na barragem de Belo Monte), onde estava presa, em regime de cárcere privado e escravidão, sendo obrigada a se prostituir várias vezes ao dia”. Nos seus 30 anos de existência, o Movimento dos Atingidos por Barragens passou a traçar um padrão empregado por empresas de energia elétrica nas suas usinas de norte a sul. Indenizações e reassentamentos, por exemplo, são sempre emitidos em nome de homens, excluindo as mulheres. Os números de violência nessas regiões mostram uma imagem ainda mais macabra: “São inúmeras as evidências de aumentos das ocorrências de assédio sexual, tráfico de mulheres e prostituição nas proximidades dos canteiros de obras das barragens. Porto Velho (RO), município que abriga a hidrelétrica de Santo Antônio e Jirau, registrou um aumento significativo nos índices de violência após o início das obras. Segundo pesquisa da Plataforma Dhecas, entre 2008 e 2010, o número de homicídios dolosos subiu 44%, e o índice de estupros cresceu 208% em três anos após a chegada dos empreendimentos”.

BORDANDO ALÉM E aí entra a arpilleria. Utilizando uma técnica com a qual mulheres de zonas afetadas por barragens já são familiarizadas – a costura e o bordado –, ela ajudou a criar um espaço seguro para que compartilharem suas experiências e opiniões, segundo o MAB: “As mulheres são as que mais sofrem com a construção de barragens, mas também elas possuem uma força extraordinária para se unir, se empoderar coletivamente e ir para frente na defesa dos seus direitos e os direitos da sua família e comunidade”. Em dois anos de trabalho do Coletivo Nacional de Mulheres do MAB com as arpilleras no Brasil, 100 oficinas foram realizadas em 10 estados com 900 mulheres. Como Neudicléia Oliveira, integrante do grupo, contou em uma entrevista ao jornal Brasil de Fato, se antes a costura costumava ser fonte de renda para muitas dessas mulheres, agora é uma arma política. Enquanto ainda há pouca vontade política de fazer algo pelas comunidades violadas pelos grandes projetos de energia no Brasil, para o MAB, as arpilleras podem ser o começo de uma revolução: “Violeta Parra definia as arpilleras como ‘canções que se pintam’. Para as chilenas, foram uma forma de luto e de luta. Arpillera para nós é como um grito escancarado em forma de bordado. Arpillera é transgredir o significado histórico da costura, que apenas corroborava que o lugar da mulher era no ambiente doméstico, privado. Arpillera é a revolução costurada”.


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Dr. Paul Tulley é um Cirurgião Plástico, Reconstrutivo e Estético que atua na cidade de Londres. Um dos profissionais mais conceituados da área, ele é especialista em todos os aspectos da cirurgia plástica, da cirurgia reparadora de paralisia facial e de reconstrução da mama. Dr. Paul se formou na Charing Cross and Westminster Medical School, em Londres, em 1993, e completou sua formação especializada em cirurgia plástica em uma série de hospitais universitários da capital inglesa. Além disso, continuou sua especialização com treinamento em microcirurgia nas cidades de Taipei, Taiwan, e Toronto, Canadá. Experiência adicional em cirurgia plástica foi adquirida por Dr. Paul durante treinamento no Wellington Hospital, em Londres, assim como durante o período em que esteve nos Estados Unidos. Ele treinou com muitos dos principais cirurgiões plásticos ingleses e americanos. As principais áreas de interesse do Dr. Paul Tulley são a cirurgia reparadora de paralisia facial, a reconstrução da mama e demais áreas da cirurgia cosmética para mulheres e homens. Estas incluem rejuvenescimento facial (elevação de face e sobrancelha), rinoplastia, cirurgia estética da mama, lipoaspiração e procedimentos de contorno corporal e tratamentos não cirúrgicos (botox e preenchimentos). Para conhecê-lo melhor, confira a entrevista a seguir: POR QUE VOCÊ ESCOLHEU SER CIRURGIÃO PLÁSTICO? Por ser uma área tecnicamente desafiadora e também bastante criativa. Hoje temos diferentes especializações e subespecializações, é possível operar quase todas as regiões do corpo. O procedimento operatório requer muito tecnicamente, tanto em termos de planejamento quanto de execução, mas há também um aspecto criativo, desde cirurgias estéticas até reconstrução. E cada paciente é diferente, então é preciso um acompanhamento personalizado. O QUE É PRECISO PARA SER UM BOM PROFISSIONAL NESTA ÁREA? Muito treinamento. É preciso ter um amplo treinamento em medicina cirúrgica e também em cirurgia plástica e de reconstrução em todo o corpo – aqui no Reino Unido passamos um bom tempo em treinamento no NHS fazendo cirurgias para reconstrução e também cosméticas. E depois fazer estágios especializados no exterior para entrar em contato com as técnicas mais inovadoras que existem, sem deixar de ter as qualificações necessárias e exigidas no Reino Unido, e ampliar a experiência aprendendo com os melhores profissionais.

TESTIMONIAL “Na primeira vez que encontrei o Dr. Tulley, ele demonstrou que dominava o assunto e me explicou todos os procedimentos. Eu estava indecisa entre fazer as pernas ou os braços, e o Dr. Tulley pacientemente me explicou os dois procedimentos, me deixando segura e confiante para decidir. No dia 14 de novembro passado fiz a tão esperada plástica nas pernas, com resultado excelente, exatamente conforme o prometido na primeira consulta. Recomendo o Dr. Paul Tulley pelo profissionalismo, competência e por transformar um momento de ansiedade em uma mudança de vida extraordinária. Não hesite em visita-lo, pois vale a pena!” Francine Mendonça,

Diretora Executiva da London Help 4U

DICAS PARA ESCOLHER UM CIRURGIÃO PLÁSTICO n

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QUAIS SÃO AS PRINCIPAIS DÚVIDAS E RECEIOS DOS PACIENTES ANTES DE UMA CIRURGIA PLÁSTICA? COMO VOCÊ LIDA COM ESSAS QUESTÕES? As pessoas normalmente têm medo de cirurgias de forma geral, se não passaram por uma operação antes. Sempre passamos por todos os procedimentos buscando atingir o que o paciente procura com aquela cirurgia, então damos algumas opções, discutimos os caminhos que são possíveis tomar, detalhamos o processo de recuperação, quanto tempo de internação será necessário, quais são os resultados prováveis, e então iniciamos todo o procedimento. O tempo depende de cada paciente e de cada caso, mas normalmente levamos duas ou três consultas até definir o tipo de opção cirúrgica que o paciente quer. A cirurgia em si também depende, pode variar entre uma e sete horas, e o paciente passa uma ou duas noites no hospital. E o tempo de recuperação é de aproximadamente duas semanas, normalmente, mas pode chegar a até seis semanas. O QUE SEUS PACIENTES PODEM ESPERAR DE VOCÊ?

Acredite no

seu corpo!

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Um serviço personalizado. Ouvimos sempre com muito cuidado o que o paciente pretende alcançar e apresentamos uma série de opções para que ele realmente consiga isso de forma segura e confiante.

Bsc MB BS MD FRCS(Plas)

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Consultant Plastic, Reconstructive and Cosmetic Surgeon

O cirurgião plástico deve ter treinado no NHS em cirurgia plástica, reconstrutiva e estética. E ter as qualificações: 1) Certificado FRCS(Plas) e 2) Registro de especialista junto ao General Medical Council para cirurgia plástica e reconstrutiva. É importante ser membro de órgãos como BAAPS (British Association of Aesthetic Plastic Surgeons) ou BAPRAS (British Association of Plastic, Reconstructive and Aesthetic Surgeons). As consultas devem ser feitas com o cirurgião que irá conduzir a cirurgia (e não um vendedor). E o paciente deve sentir-se confiante de que o cirurgião entende os resultados desejados. O cirurgião deve permitir tempo para a consulta e não apressar o paciente; discutir as opções, os prós e contras de cada uma e os riscos. Deve ser capaz de mostrar exemplos com fotos. O cirurgião Deve oferecer ao paciente consulta adicional para discussão contínua do tratamento. O paciente não deve ser pressionado a realizar a cirurgia com descontos limitados.

Falamos português

Cirurgia plástica e reconstrutiva da face Seios e corpo, incluindo rejuvenescimento facial (facelift) Cirurgia plástica dos seios (aumento, redução e elevação) Contorno corporal (abdominoplastia, lipoaspiração e nádegas)

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B R A S I L S E R V E R

EIA NO FILME BRASILEIRO ESTR RA, REINO UNIDO E A DIRETO ERSA ANNA MUYLAERT, CONV R COM O BRASIL OBSERVE >> PÁGINAS 24 E 25

DIVULGAÇÃO

S A R O H QUE ? A T L O V ELA


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DINÂMICAS DE UMA CIDADÃ Anna Muylaert no Festival de Sundance

Que Horas Ela Volta? traça um retrato da relação “casa-grande e senzala” que ainda existe no Brasil. “Minha abordagem não é julgar, mas mostrar a verdade de maneira crua”, diz a diretora do filme, Anna Muylaert, ao Brasil Observer Por Gabriela Lobianco

Estreia dia 4 de setembro no circuito britânico de cinema o filme Que Horas Ela Volta? (The Second Mother, em inglês), novo longametragem da diretora brasileira Anna Muylaert (Durval Discos, É Proibido Fumar), e estrelado pela atriz Regina Casé, que interpreta Val. “Há uma sede de cinema de língua estrangeira de alta qualidade esse ano seguindo o sucesso de filmes como o argentino Relatos Selvagens ou do sueco Força Maior”, explicou Hannah Farr, Coordenadora de Comunicações da SODA Pictures, representante comercial e responsável pelo lançamento do filme no Reino Unido. Antes, porém, o longa teve exibição exclusiva no dia 12 de agosto como parte integrante do Film4 Summer Screen at Somerset, um festival de cinema com projeção de películas ao ar livre que acontece por 14 dias no maravilhoso jardim neoclássico da Somerset House. Único exemplar brasileiro da mostra e um dos poucos inéditos dessa curadoria, o filme foi o escolhido para a sessão chamada Summer Screen Spotlight, que ressalta o trabalho de um diretor de qualquer parte do mundo que seja pouco conhecido pelos ingleses. A escolha foi uma paixão à primeira vista do curador da mostra, David Cox, no Festival de Cinema de Berlim. “Não podia esperar para

que outras pessoas pudessem assistir ao filme e percebi que a melhor maneira de colocar isso em prática seria exibi-lo na Somerset House. A resposta do público ao filme no festival foi tão positiva e animada que eu estou ansioso para experimentar isso de novo, embora desta vez com 2.000 pessoas em um ambiente ao ar livre”. Ele garantiu que essa pré-estreia não era uma estratégia de marketing, “embora esperemos que o boca a boca da nossa estreia ajude o filme quando for lançado em setembro”, comentou ao Brasil Observer por email. Aclamado na Berlinale e ovacionado no Festival de Sundance, um dos mais importantes do cinema independente nos Estados Unidos, o longa-metragem angariou prêmios e surpreendeu até mesmo a diretora. “Embora estivesse segura do filme que tinha em mãos, nunca poderia imaginar o tamanho da repercussão, principalmente fora do circuito de festivais e sim, no mercado de cinema mesmo”, disse Anna Muylaert em conversa exclusiva com o Brasil Observer.

UM RETRATO DO BRASIL DIVIDIDO A princípio, a ideia do filme é traçar um retrato social das relações de poder e afeto entre

patrões e empregados na sociedade brasileira. Anna lembrou o que dizia o historiador Sérgio Buarque de Holanda: o português levou ao Brasil a ideia do “ócio em vez do negócio”. “Ou seja, aqui não fazer o serviço [doméstico] é mais valorizado que fazer o serviço”, afirmou ela. Assim, Que Horas Ela Volta? é uma obra de gênero social que discorre, com pinceladas sutis, sobre temas muito profundos e arraigados na cultura do país. São questões de um Brasil contemporâneo que ainda não abandonou suas raízes coloniais. Essa relação “casa-grande e senzala”, para lembrar o livro de Gilberto Freyre, ainda está viva. E é na pele da empregada doméstica Val (Regina Casé) que se constata essa dinâmica. Nordestina, separada, emigrante e provavelmente analfabeta, ela trabalha há 13 anos como babá de Fabinho (Michel Joelsas), filho único de um casal de classe média alta de São Paulo, enquanto sua filha Jéssica (Camila Márdila) é criada por parentes em Pernambuco. Muylaert explica que trabalhar com Regina foi pensado, entre outras coisas, pelo tipo físico da atriz – “um espelho do sincretismo de raças no Brasil porque numa só figura ela é branca, preta e índia” –, que se encaixa perfeitamente no paradigma de classe pobre e marginalizada representada por Val.


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DE SEGUNDA CLASSE DIVULGAÇÃO

Num primeiro momento, Val é tratada como membro da família pelos patrões, Barbara (Karine Telles) e Carlos (Lourenço Mutarelli), com seu quartinho nos fundos, e os serve com disciplina exemplar e carinho. Então, a rotina da casa se quebra: a filha da empregada aparece em São Paulo para prestar vestibular. Nesse reencontro, Jéssica não compreende como a mãe se presta ao papel de serviçal ou, em suas palavras, como aceita ser tratada como “cidadã de segunda classe”. A subserviência de Val naquela casa do bairro nobre do Morumbi, cerceado pela favela de Paraisópolis, fica exposta. Muylaert, no entanto, centra sua mise-en-scene de forma airosa e elegante, sugerindo em vez de impor, com olhares que expõem a história sem intervir ou taxar. “Minha abordagem não é julgar os personagens e suas ações, mas mostrar a verdade de maneira crua”. Fica transparente, porém, que para a desigualdade ser perpetuada é preciso que ricos e pobres saibam quais são seus lugares e seus espaços de poder. Afinal, para bom entendedor, meia palavra...

A TERCEIRIZAÇÃO DA MATERNIDADE O filme é a realização de um projeto de mais de 20 anos que Anna Muylaert começou à época da sua primeira gravidez. “É uma questão

que nós mulheres enfrentamos: ninguém quer deixar o filho bebê, mas também não podemos abdicar de termos uma vida profissional e consequente independência financeira”, refletiu a diretora. Nesse sub tema, se descortina uma questão tão grande quanto a luta de classes exposta dentro do filme, em torno de dar a vida e cuidar da vida. A mentalidade sexista da sociedade, no geral, ainda dita que ser mãe é algo inato a todas as mulheres, sendo que a mesma tem a responsabilidade de cuidar da cria. Segundo Anna, especialmente no Brasil, o trabalho da mãe não é valorizado: “é quase como se o filho fosse só dela; a prova disso são os baixos salários das babás”. Num âmbito maior, isso demonstra que a sociedade estipula que o trabalho doméstico não é nobre, seja ele exercido pela mãe ou por uma empregada contratada. E, da mesma maneira que pobres e ricos tem seu papel na roda social, mulheres e homens têm funções sociais pré-estabelecidas. “Acho que nós mulheres temos que abrir essa discussão, pois estamos num mundo errôneo, construído através dos valores machistas, preocupado com os valores relevantes aos seres de sexo masculino. E dentro deste mundo a questão da educação, por

exemplo, não é tão valorizada quanto deveria”, argumenta Muylaert. A antropóloga americana Donna Goldstein, no livro Laughter out of place: race, class, violence, and sexuality in a Rio Shantytown, descreve que “é na troca afetiva entre aquelas que podem pagar pela ajuda doméstica e as [mulheres] pobres que oferecem seus serviços que as relações de classe são praticadas e reproduzidas”. Mais perverso que qualquer relação entre patrão e empregada, fica então as relações afetivas que emergem nesses laços, reforçando a hierarquia que o serviço doméstico impõe e usando das ligações amorosas, principalmente quando há crianças envolvidas no caso. Muylaert acredita que “mais que a genética, quem educa é quem deixa as marcas mais profundas”. Nesse sentido, submerge uma dor em meu peito, pois deixo minha filha na creche em tempo integral enquanto labuto pelo pão. Espero que, como Val, eu possa contornar qualquer resquício no meu bebê. Afinal, ainda vivemos pelo capital. g

Para saber os locais de exibição do filme no Reino Unido, acesse o site da Soda Pictures: www.sodapictures.com

Cenas do filme Que Horas Ela Volta?


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DICAS CULTURAIS

MÚSICA MARCELO D2 TRAZ RITMOS DO BRASIL AO BRIXTON

Quando: 22 de agosto Onde: Electric Brixton Entrada: £25 + Booking Fee Info: www.electricbrixton.uk.com

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Um dos artistas brasileiros mais influentes das últimas duas décadas, Marcelo D2 fará uma rara apresentação em Londres, no dia 22 de agosto, no Electric Brixton. Será o primeiro show do cantor no Reino Unido desde 2012, quando ele se apresentou no festival Back2Black. MD2 há tempos tem sido considerada a banda que reinventou o hip-hop no Brasil, misturando ritmos do samba com batidas de rap e letras conscientes, com um olhar lírico sobre os desafios da vida na favela. O grupo é liderado por Marcelo Maldonado Peixoto, raper nascido no Rio de Janeiro que começou sua carreira na década 1990 com a banda Planet Hemp. Em 1998, Marcelo iniciou uma nova busca profissional e então a ponte entre o samba e o hip-hop foi construída. As colaborações de Marcelo D2 com nomes importantes do hip-hop são variadas, incluindo a música ‘Danger zone’, de 2013, ao lado de Aloe Blacc. Em 2011, D2 gravou ‘Obrigado, Brasil’ com Snoop Dog – a produção aconteceu na gravadora do raper em Los Angeles, a Doggystyle. A banda colaborou ainda com Will.i.am, do Black Eyed Peas, e com Sérgio Mendes em seu algum chamado ‘Timeless’. Independentemente do estrelado passado recente, a contribuição da banda para o cancioneiro popular é de grande importância para qualquer narrativa sobre música popular contemporânea no Brasil. A combinação entre samba e rap simplesmente não existia em nenhuma escala até a chegada de Marcelo D2. Misturando os dois gêneros musicais, o grupo conectou os jovens fãs de hip-hop com as levadas originais do samba. Sob a força da consciência negra, essa combinação deu ao MD2 a definição de pioneiro do samba rap, oferecendo um gênero novo ao cenário da música urbana brasileira. O mais conhecido álbum de Marcelo D2, ‘À Procura da Batida Perfeita’, foi lançado no Reino Unido em 2005, com o nome ‘Looking for the Perfect Beat’, pela gravadora Mr Bongo. O disco mais recente, lançado em 2013 pela EMI, chama-se ‘Nada Pode Me Parar’. MD2 chega com uma formação com sete músicos e se apresenta no bairro de Brixton, em Londres, como parte de uma turnê internacional. A produção do show é da B Mundo e da Primeira Linha.

Quando: 2 a 11 de outubro Onde: Barbican e Rich Mix Entrada: A ser anunciado Info: www.casafestival.org.uk

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Nadia Kerecuk é Coordenadora do Brazilian Bilingual Book Club da Embaixada do Brasil em Londres

Quando: 20 de agosto Onde: Embaixada do Brasil em Londres Entrada: Gratuita Info: www.culturalbrazil.org


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TEATRO FESTIVAL LATINO-AMERICANO CASA ESTÁ DE VOLTA De 2 a 11 de outubro, o CASA Latin American Theatre Festival estará de volta ao Barbican e ao Rich Mix com uma programação “world-class”, incluindo um especial foco mexicano que faz parte dos eventos relativos ao “2015 Year of UK-Mexico”. Inspirado nas casas de cultura de Buenos Aires, o festival tem fiéis seguidores depois de nove anos apresentando mais de 40 trabalhos internacionais; a expectativa para este ano é que o CASA atraia mais de três mil visitantes únicos. O festival terá este ano, pela primeira vez, foco regional, com cinco estreias mexicanas. Explorando temas como amor, sexo, política e mudanças climáticas, as peças investigam a fundo o coração do país. No Barbican, o Pit Theatre recebe a peça The Love of the Fireflies, da companhia Los Guggenheim, uma surreal comédia romântica do dramaturgo Alejandro Ricaño; e I’ll Melt the Snow Off a Volcano with a Match, do grupo Lagartijas Tiradas al Sol, que percorre os anos de corrupção, intimidação e violência do partido governista, o PRI.

LITERATURA CLUBE DO LIVRO: CANAÃ, DE GRAÇA ARANHA Por Nadia Kerecu k g

O próximo encontro do Brazilian Bilingual Book Club da Embaixada do Brasil em Londres discutirá Canaã (ortografia original: Chanaan), traduzido para o inglês como Canaan (Boston, EUA, 1920 e Londres, Reino Unido, 1921). José Pereira da Graça Aranha nasceu em São Luís, Estado do Maranhão em 21 de junho de 1868. Foi uma criança precoce: terminou o secundário cedo e formou-se um direito em Recife. Iniciou sua vida profissional como juiz de paz primeiro no Rio de Janeiro e depois, em Porto do Cachoeiro, no Estado do Espírito Santo. Foi lá que ele julgou uma jovem mãe imigrante acusada de matar seu próprio bebê, ficcionalizada no seu maior romance, Canaã. Canaã foi descrito como “romance de ideias” logo após a sua publicação. O Brasil possuía uma política oficial de trazer imigrantes ao país com um objetivo de ocupar e colonizar seu vasto território e, também, repor a mão de obra escrava logo que a Abolição da Escravatura acontecesse. Adicionalmente, diversas “companhias de imigração” particulares apareceram explorando a possibilidade de trazer imigrantes ao Brasil. O narrador oferece uma perspectiva crítica dos efeitos que a chegada de imigrantes criou. Ganhando reconhecimento de roman-

cista notável brasileiro, o autor de Canaã beneficiou-se de resenhas favoráveis primeiro em Paris. Anatole France (18441924) saudou Canaã como “O grande romance Americano”. O The New York Times resenhou Canaã logo após a publicação de sua tradução para o inglês afirmado que “vê a humanidade através do telescópio de filosofia cósmica, como se fosse um bebê dando seus primeiros passos incertos em direção à Utopia”. Graça Aranha foi também um diplomata, inicialmente sob as asas do notável Joaquim Nabuco. Como seu secretário particular, trabalhou na Embaixada do Brasil em Londres tornando-se um negociador hábil nas capitais europeias. Conheceu bem as correntes intelectuais europeias do período anterior à Primeira Guerra Mundial, tendo conhecido e se correspondido com alguns dos autores mais notáveis da época. Ao retornar ao Brasil, advogou fervorosamente reformas sociais, políticas e artísticas, tornando-se uma figura líder da Semana de Arte Moderna de 1922, a qual foi aberta com sua palestra “A Emoção Estética na Arte Moderna” no dia 13 de fevereiro de 1922. Faleceu no Rio de Janeiro no dia 26 de janeiro de 1931. Descubra mais detalhes em http://goo.gl/keMhmk

Já a programação do Rich Mix inclui Border Mass, dos grupos Gorguz Teatro e Universiteatro, um musical ritualístico que se passa na fronteira entre o México e os Estados Unidos, e que chega ao Reino Unido após temporada no festival nacional de teatro mexicano; Apart, do Colectivo Alebrije, que segue a jornada da nova geração em busca de esperança para o futuro; e Montserrat, suspende autobiográfico do celebrado artista Gabino Rodriguez que investiga a morte misteriosa de sua mãe desde o México até a Costa Rica, passando por Londres. Outra atração é a Nuestra CASA Scratch Night, agora estabelecida como uma importante fomentadora de novos trabalhos latino-americanos no Reino Unido. Vencedores recentes incluem Juana in a Million e Manuelita – cinco novas companhias competem neste ano. Mais atrações internacionais ainda serão anunciadas, assim como workshops para artistas e evento para a comunidade. A programação inclui ainda opções de comida, bebida, música ao vivo e dança.


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COLUNISTAS

FRANKO FIGUEIREDO

ESTIMULANDO UMA NOVA GERAÇÃO Ainda há uma grande lacuna na oferta de oportunidades para jovens que querem praticar a arte de dirigir teatro. Atualmente, você pode se inscrever na Genesis Directors, uma rede criada pelo Young Vic, onde diretores emergentes podem acessar oficinas de desenvolvimento; ou você pode aplicar para o Regional Theatre Young Director Scheme. Vários estágios também existem, como os dirigidos pelo National Theatre, pelo Donmar Warehouse ou pelo Royal Court. Todos eles são muito competitivos, porém. E alguns podem dizer que a última opção é de acesso extremamente difícil. Com os meios financeiros necessários, você pode aplicar para um curso de mestrado na Academy of Music and Dramatic Arts, na Central School of Speech and Drama ou no Birberk College; até mesmo o Morley College está prestes a abrir um curso básico de direção teatral. Todas essas opções fornecem diferentes rotas. Mas como podemos, afinal, criar rotas que sejam mais acessíveis e que ofereçam aos participantes oportunidades realmente tangíveis? Como diretor, muitas vezes sou abordado por jovens que se oferecem para me ajudar em troca de aprender com os meus processos de ensaio. Em 2004, eu tinha tantos e-mails e cartas atoladas que fui instigado a pensar como eu poderia ajudar a nutrir o desejo de aprender mais sobre teatro e direção. A pergunta veio: direção teatral pode ser ensinada? Eu decidi tentar. Isso há 10 anos. Aproximei-me então do Lewisham Arts e do agora extinto Local Network Fund com a ideia de executar um programa de treinamento para jovens diretores. Eles gostaram do projeto e nos financiaram para executar o primeiro Young Directors Festival, no Brockley Jack Studio, em 2006. Em 2007, fizemos uma parceria com o Albany Theatre e em 2013 ganhamos novo associado, a Regents University. O conteúdo do programa foi inspirado por minha própria formação, que não seguiu uma raiz particular. Eu comecei a escrever e atuar no palco com 15 anos; daí em diante passei a ajudar outros diretores e a me envolver com produção, concepção e, finalmente, direção. Fiz meu próprio trabalho até oficializar meu treinamento, completando um mestrado no Rose Bruford College, em Theatre Directing. Como para a maioria dos artistas, minha carreira profissional tem sido uma luta árdua, mas nenhum dos obstáculos que enfrentei me impediu de perseguir o que eu mais amo: fazer teatro. Não é fácil para um artista não-branco e não-britânico ter voz na cena teatral do Reino Unido atualmente, então imagine no início dos anos 1990! As casas eram muito resistentes em

assumir riscos com artistas emergentes e, embora a diversidade nas artes tenha melhorado, ainda há muita luta pela frente, há muito mais a ser alcançado. Apesar de tudo, quanto mais obstáculos fui confrontado, mais me fortaleci; pulei alguns, caiu em outros, mas, acima de tudo, eu transformei esses obstáculos em oportunidades. “Fazer acontecer” sempre foi meu lema, então não esperei nada. Fiz isso acontecer. A companhia StoneCrabs nasceu a partir desta ideia, dessa persistência na tentativa de fazer algo diferente, de trazer vozes diferentes para o palco, assim como o programa de treinamento de jovens diretores. O Young Directors Programme existe para fornecer uma oportunidade para jovens talentos emergentes que, por muitas razões, normalmente não seriam capazes de acessar uma formação prática de teatro. O programa tem como objetivo encontrar diversas vozes que podem enriquecer o atual ecossistema teatral do Reino Unido. O teatro alimenta tanto a televisão quanto o cinema; muitos atores e diretores começam suas carreiras trabalhando no palco. Não podemos esquecer, portanto, a importância de promover jovens talentos que serão responsáveis por histórias futuras. Precisamos ter certeza de que existem histórias distintas sendo contadas por aí. Não podemos subestimar a importância de ver diversas vozes no palco. Quando não nos vemos sendo representados no palco, somos lembrados de que o mundo está sendo governado principalmente por políticos ricos, brancos e do sexo masculino, que não entendem ou não se importam com as necessidades dos outros (dos pobres, da classe trabalhadora, dos não-brancos, do sexo feminino, etc.). Precisamos ser políticos sobre isso, precisamos abraçar nossa singularidade, precisamos valorizar e contar histórias diferentes. O Young Directors Programme do StoneCrabs é um programa intensivo de cinco meses em que os participantes tomam o lugar de condução na criação de um festival próprio. Isso significa que, junto ao processo de aprendizagem das ferramentas de direção, do trabalho em peças de teatro, análise roteiros e encontros com outros profissionais da indústria, os participantes também vão olhar para angariação de fundos, marketing e produção de seus próprios shows para um festival de uma semana hospedado pelo Albany, Deptford. O treinamento está aberto a candidaturas até o dia 18 de agosto. Para obter mais informações, visite www.stonecrabs.co.uk. g

Franko Figueiredo é diretor artístico e produtor associado da Companhia de Teatro StoneCrabs (stonecrabs.co.uk)


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AQUILES RIQUE REIS

VELHOS AMIGOS MUSICAIS

RICARDO SOMERA

NOVAS VOZES DO BRASIL

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Quando meus ouvidos souberam que o clarinetista e saxofonista Nailor Proveta e o violonista Alessandro Penezzi estavam para gravar um disco, confesso que passaram a demonstrar grande inquietação, angústia até. Mesmo antes de ter o CD nas mãos, seja por intuição ou por adivinhação – sei lá eu – eles passaram a manifestar uma alegria quase acriançada. Sem atentar exatamente para o motivo de tanta ansiedade, ainda assim vivi solidariamente com ela. Foi quando, meses depois, pus as mãos em um exemplar de Velha Amizade (Capucho Produções), álbum do Proveta e do Penezzi. Aí eu tive que parabenizar meus ouvidos pelo feliz palpite de levar fé inabalável no taco dos dois instrumentistas. E fizeram mais do que isso, os meus ouvidos: eles sacaram com antecedência que o álbum era coisa para se ter sempre ao lado, nas horas mais claras do dia a dia ou nas horas mais escuras de madrugadas estreladas. Já ia, sei lá, pela décima vez que o disquinho rodava, quando eu encafifei: como pode ter demorado tanto para acontecer o encontro que trouxe ao público a união desses dois? E por que o inesperado demorou tanto para nos trazer tão grata surpresa? Dos treze temas gravados, dois são de autoria de ambos, sete de Penezzi e quatro de Proveta. Em cada um o arranjo destacou o fraseado dos instrumentos, seus uníssonos, improvisações e dinâmicas. E tudo realçado pela preciosa mixagem de Mario Gil. Imagine agora, leitor, uma gigantesca montanha-russa. Imaginou? Pois agora se ponha num dos carrinhos – não se esqueça de afivelar

o cinto de segurança. Um, dois, três e já! Sem respeitar os limites que decretam que a “viagem” deve começar maneirinha... Que nada, o pau canta (ou será toca?) logo de cara. E de tal jeito que a respiração quer faltar – quase parar. Os trilhos da montanha-russa se parecem com as linhas do pentagrama. Entre giros, volteios e longas retas, há curvas, subidas íngremes e descidas alucinadas, que, com as vertigens que causam, mais parecem ser alucinógenas. O carrinho da montanha-russa voa pelo caminho (ou será arranjo?), preparado para fazer com que os que por ele vão estejam totalmente concentrados no que veio antes, no que vem agora e no que ainda virá. Velha Amizade é como o tal carrinho. Ao embarcar em suas faixas, o ouvinte parece até ouvir que Proveta não carece respirar, nem Penezzi parece ter apenas dez dedos nas mãos. Ouvindo o CD com atenção, não se perde nem um pingo do banquete servido em acordes recheados com notas musicais. São choros, polcas, sambas-choros, Schottisch (gênero parente da polca)... Tudo engordado pelo violão de sete cordas de Penezzi e pela clarineta e pelos saxes alto e soprano de Proveta. A audição é plena de razões para nos fazer feliz: ora exuberantes, ora ensimesmadas, ora brejeiras, ora requintadas, ora alternando momentos de límpida agilidade com outros de sereno romantismo, cada frase melódica serve como alimento para quem embarcar na genialidade desse álbum.

A nova safra de músicos e bandas inglesas, os fãs acompanham diariamente pelas rádios mais legais do mundo, como BBC 1, Absolute Radio e KEXP, ou pelas listas de player, como Spotify e Rdio. Mas, para saber das novidades do Brasil, está difícil contar com as rádios brasileiras. Enquanto escutamos nas rádios gringas Jack Garratt, George the Poet e Formation, por aqui escutamos apenas sertanejo universitário, funk paulista e, às vezes, Gun’s and Roses (sim, G&R em 2015!). Por isso decidi escrever sobre novos nomes da cena independente do Brasil. Muita gente boa, criativa e interessante tem ganhado espaço nos clubes alternativos do Rio, São Paulo e Porto Alegre, mas tive que fazer uma seleção de apenas quatro apostas: Jaloo, Rico Dalasam, Russo Passapusso e Johnny Hooker. Da região metropolitana de Belém vem uma das novidades mais legais. Jaime Melo, conhecido como Jaloo, recentemente lançou seu EP Insight, produzido pelo Miranda – jurado do programa Ídolos do SBT – com quatro músicas, incluindo um cover de “Oblivion”, da cantora Grimes. A imprensa local gosta de associar Jaloo ao tecnobrega – o ritmo mais popular no Pará –, mas para mim o rapaz está mais para M83 da Amazônia. Minha música preferida é “Odoiá (In Your Eyes)”, uma surpresa agradável para libertar a mente. Representante do queer rap no Brasil, o talentoso Rico Dalasam está desafiando os estereótipos do rap com suas músicas que protestam em favor de uma causa pouco explorada no rap nacional: o universo gay. Com hits como “Aceite-C” e “Riquíssima”, Rico tem colocado todo mundo para dançar abrindo shows de nomes consagrados, como Racionais MC’s e Criolo, além de participar de programas como Esquenta e Encontro,

com Fátima Bernardes. Talento e carão não faltam a esse novo nome do rap brazuca. Outro não dá para ser. Frontman do BaianaSystem, o músico baiano Roosevelt (Russo em baianês) Ribeiro de Carvalho, mais conhecido como Russo Passapusso, é uma figura sonora mista entre Nação Zumbi, Otto e Criolo. Até o dia do seu show (esgotado!) numa terça-feira chuvosa no SESC Pompéia, eu não fazia ideia de quem era o cabra. Por sorte consegui um ingresso com um amigo, pois foi uma das apresentações mais ricas e surpreendentes do ano. A força de músicos como Curumim e Saulo Duarte acrescenta muito à sonoridade e à vibe das músicas. “Flor de Plástico”, cantada (duas vezes) em coro pelos fãs, e “Anjo” foram os grandes pontos altos da apresentação. Virei fã! Já o multi artista John Donovan (a.k.a. Johnny Hooker) é o David Bowie dos trópicos (mais para calango do que para camaleão, o que é ótimo). Ator de novelas pop e filmes cult, cantor de bar e baladas, Johnny nos surpreende por sua diversidade de referências, que vão de Madonna a Caetano Veloso. Desde que conheci o artista vejo uma mistura de Ney Matogrosso, Felipe Catto e Cássia Eller. Essa percepção é reforçada no álbum romântico-brega-cult Eu Vou Fazer Uma Macumba pra Te Amarrar Maldito!, que ficou em primeiro lugar no Deezer e Itunes Brasil na época do lançamento e já é um novo clássico da MPB. De Recife para São Paulo, da fossa ao desbunde.

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Aquiles Rique Reis é músico, vocalista do MPB4

Ricardo Somera é publicitário e você pode encontrá-lo no Twitter @souricardo e no Instagram @outrosouricardo g


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VIAGEM

UM PEDACINHO DE TERRA PERDIDO NO MAR Amigos locais e apaixonados por Florianópolis dão dicas para aproveitar esse paraíso no sul do Brasil Por Ana Beatriz Freccia Rosa

“Um pedacinho de terra perdido no mar”, diz o refrão da música ‘Rancho de Amor à Ilha’, composta por Cláudio Alvim Barbosa, hino oficial de Florianópolis, capital de Santa Catarina, e uma das maiores belezas brasileiras. Nessa planície próxima ao mar, ao pé de uma colina, o bandeirante Francisco Dias Velho fundou a Vila Nossa Senhora do Desterro, local em que está a Praça XV de Novembro, na região central. A partir dali Floripa começou a expandir-se, com suas pequenas ruelas margeando a praia. A Figueira, uma árvore centenária, é um dos principais pontos de visitação – e segundo certa simpatia contorná-la várias vezes pode atrair casamento e fortuna. Esse paraíso no sul do país é uma das cidades mais conhecidas internacionalmente, seja pelas mulheres bonitas desfilando de biquíni durante o verão ou pelas belas paisagens, o que faz a cidade ser considerada perfeita para quem gosta de estar perto da natureza. Se você tem planos de viajar para o Brasil, saiba que Floripa não está na rota da maioria das agências. Mas, localizada a apenas 45 minutos de voo de São Paulo, é a cidade perfeita para quem não tem muito tempo, pois em um fim de semana é possível percorrer a ilha inteira e sair apaixonado pelo seu povo, suas 42 praias e sua beleza. De carro, é possível conhecer facilmente as principais atrações de todas as regiões da cidade, assim como a parte continental, que mesmo “do outro lado da ponte” ainda é considerada Florianópolis. Duas pontes fazem a ligação ilha-continente e a histórica Ponte Hercílio Luz, sem acesso para carros ou pedestres, é o cartão postal. Floripa é uma cidade para todos, porque oferece ótima gastronomia, paisagens belíssimas, praias para todos os gostos, cultura, artes, natureza, esportes e muito mais. Hoje, Florianópolis é responsável por 70% da produção de ostras no país e cerca de 5.000 pessoas vivem da maricultura (criação de mariscos) no sul da ilha. Sua excelente gastronomia foi eleita patrimônio mundial pela UNESCO. Sonho de consumo e de vida de quase todos os brasileiros, Floripa é minha terra natal e, mesmo morando há cinco anos no exterior, eu não me canso de ouvir coisas boas e interessantes que surgem a cada momento sobre a cidade. Mas, como sou apaixonada pela ilha, pedi para amigos locais ou tão apaixonados pelo paraíso quanto eu darem suas melhores dicas. E mesmo sendo um lugar paradisíaco, vale lembrar: Florianópolis tem quatro estações muito bem definidas, então é bom ter cuidado na hora de fazer as malas! Caso sua viagem seja entre os meses de maio e outubro, além da roupa de banho você precisa levar um cachecol. Agora aproveite as dicas e boa viagem!

Jurerê é imperdível: é o único bairro do Brasil que não tem muros, e sem ser condomínio fechado! Lá tem os restaurantes Donna e 300, que são ótimos. Provar a pizza no Lorenzo’s, passar o domingo em Ribeirão e provar as deliciosas ostras no Ostramadus. Conhecer a Ilha do Campeche e badalar no The Roof. Encerrar o fim de semana em um dos ótimos restaurantes da Avenida Beira Mar

Meu lugar preferido é Praia da Daniela: água cristalina e mar manso. Acho show de bola os guardadores de carros que deixam garrafas de água atrás dos veículos para limpeza dos pés

Luiz Augusto

Raquel Lima

Rubia Guedes

Almoçar no restaurante Casa Do Chico, curtir a Praia do Matadeiro e a trilha para Ponta das Aranhas, passando pelo Costão do Santinho, são minhas dicas para quem vem visitar a Ilha


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VISIT BRASIL

VISIT BRASIL

VISIT BRASIL

Jurerê

Prato de ostras

Ponte Hercílio Luz

Lagoa da Conceição

Mercado Público VISIT BRASIL

Ótimas opções para família com filhos são passear na Lagoa da Conceição e almoçar no Barracuda (melhor área infantil). Também sugiro a pizzaria Lorenzo’s, que tem o Mini Pizzaiolo, a Praia da Daniela, o Horto Florestal e o Projeto Tamar Patrícia Tabalipa

Gosto muito e vale a pena conhecer: 1) Travessa Ratcliff, principalmente aos sábados, pois rola um mercadinho de rua na Tiradentes e você pode emendar um chopp no Mad Kelt, ou uma cerveja em outro barzinho; 2) Assistir a alguma peça ou concerto no Teatro Álvaro de Carvalho; 3) Não é em Florianópolis, mas em São José, no segundo domingo de cada mês, acontece a feira da freguesia na praça do centro histórico, comidinhas diferentes e sempre com uma temática e apresentações em torno do tema; 4) Ribeirão da Ilha para passear e descansar na pracinha

Adoro a Praia de Naufragados, que surge depois de uma trilha maravilhosa, com natureza exuberante. Gosto também da Praia do Moçambique: água gelada, surf em alta e muito alto astral. No ano passado, dei a volta na ilha e conheci a Ilha do Arvoredo, linda, com vida marinha sem igual, lugar maravilhoso para dar uns mergulhos! Outra trilha maravilhosa começa no caminho da Praia da Joaquina, perto do beco dos surfistas, e sai na Praia do Gravatá, linda demais. Pare comer sugiro Japex, Floripa e Itaguaçu

Rodrigo Santiago

Cleiane Steinbach

GUSTAVO BRAZZALLE

RECOMENDAÇÃO A Apino Turismo (www.apino.com.br) cria o roteiro que você desejar: luxo, aventura, família, lua de mel ou uma mistura de tudo que você quiser fazer na ilha ou até nas cidades do litoral em outras partes do estado de Santa Catarina. Se você gosta de desbravar novos lugares e se sentir como um morador local, entre em contato com o pessoal do Floripa Walking Tour pelo Facebook e conheça a cidade a pé.


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