Brasil Observer #39 - BR

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LONDRES

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ISSN 2055-4826

JUNHO/2016

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I M I G R AÇ ÃO NOSSA MISSÃO É AJUDAR AS PESSOAS. COMO PODEMOS AJUDÁ-LO?

O Home Office anuncia mudanças para o visto Tier 2 O Home office divulgou recentemente a revisão da categoria de visto Tier 2, acabando com a apreensão de muitos empresários e trabalhadores qualificados quanto aos novos e rigorosos requerimentos. O governo adotou uma abordagem mais cautelosa e aberta em relação à algumas áreas e decidiu não introduzir algumas das mudanças. Confira abaixo as principais alterações que entrarão em vigor a partir do outono de 2016. Haverá um aumento no salário mínimo anual exigido para os vistos de Tier 2 (Geral) de trabalhadores experientes passando de £20.800 para £25.000. Este aumento não será aplicado para imigrantes que são classificados na categoria de profissões escassas, como por exemplo enfermeiros, radiologistas, médicos, paramédicos e professores do ensino secundário de matemática, física, química, ciência da computação e mandarim.

Francine Mendonça Diretora da LondonHelp4U com 15 anos de experiência em imigração britânica

Para os trabalhadores que irão aplicar para o visto Tier 2 (Shor-Term) o aumento será para a comprovação de um salário anual de no mínimo £30.000.

Regulamentado pela Office of the Immigration Services Commissioner (OISC)

Já para a categoria Tier 2 (Graduate Trainee) o requisito mínimo salarial será reduzido de £24.800 para £23.000 e o máximo de lugares disponíveis para as empresas irá aumentar de 5 para 20 vagas por ano. Essa mudança ajudará estudantes a encontrarem trabalho mais facilmente além de empresas que buscam profissionais internacionais graduados. O visto Tier 2 (Skills Transfer) será extinto. Os empregadores não estarão mais sujeitos ao limite anual de vagas e poderão patrocinar estudantes universitários internacionais que não pertencem a União Europeia, mesmo que o estudante não tenha experiência. Outra vantagem é que agora o Patrocinador não precisará mais aplicar o teste “resident labour market”, beneficiando os universitários que buscam experiência de trabalho em diferentes áreas.

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O seguro saúde será obrigatório para o visto Tier 2, adequando-se aos mesmos requerimentos, em relação ao seguro saúde, das outras categorias de vistos.

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Enfermeiros vão permanecer na lista de trabalhadores escassos, porém os empregadores terão de realizar o teste “resident labour market” antes de contratar enfermeiros não europeus. Venha conhecer nossa barraquinha!

A LondonHelp4U é uma agência de imigração com 15 anos de experiência em processos de vistos para o Reino Unido. Nossa missão é proporcionar, cada dia mais, acesso ao Reino Unido para imigrantes brasileiros.

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EDITORIAL O PAÍS GOLPEADO O impeachment da presidenta Dilma Rousseff é desproporcional ao “crime de responsabilidade” supostamente cometido por ela. As chamadas pedaladas fiscais (ou seja, tirar dinheiro de um bolso e colocar em outro) são práticas correntes no Brasil há tempos, tanto por governos estaduais quanto por presidentes anteriores (Lula e FHC). Tais manobras também ocorrem em países desenvolvidos, como os Estados Unidos, por exemplo. Além disso, contra Dilma Rousseff não pesa nenhuma acusação de corrupção. O mesmo não pode ser dito sobre aqueles que estão a julgar a presidenta eleita, na Câmara dos Deputados e no Senado, este último responsável pela decisão final do processo de impeachment em curso. Áudios recentemente divulgados de conversas de líderes do PMDB, partido do presidente interino, Michel Temer, corroboram a tese de que o afastamento de Dilma é uma manobra na tentativa de barrar as investigações da operação Lava Jato, a implicar a oligarquia nacional. Por tudo isso, apesar de previsto na Constituição, o impeachment da presidenta Dilma Rousseff pode ser chamado, sem assombro, de um golpe brando (‘soft coup’, nas palavras do filósofo Noam Chomsky). Os militares, desta vez, estão quietos. Mas a democracia, igualmente ferida. Não é o caso, porém, de considerar o PT e o próprio governo de Dilma Rousseff como meras vítimas. Os governos petistas, Lula inclusive, adotaram práticas espúrias para manter o partido no poder desde que entraram no Palácio do Planalto. Apesar dos inegáveis avanços, fizeram alianças pragmáticas em nome de uma governabilidade ilusória que, além de impedir um desenvolvimento mais profundo do país, minaram a credibilidade do partido como condutor das forças progressistas nacionais. As decisões equivocadas tomadas por Dilma Rousseff nas áreas econômica e política fizeram com que ela perdesse a condição de governar e colocasse o país diante de uma grave crise. Pior: permitiu que uma aliança liberalconservadora tomasse o poder interinamente. O governo interino de Michel Temer não tem legitimidade. Sua agenda político-econômica jamais seria capaz de ganhar uma eleição presidencial. Mas, como previsto por este jornal, conta com o respaldo da chamada grande mídia nativa, excitada em uníssono diante do desmonte do lulopetismo – que, afinal, já estava mesmo completamente esgotado. O Brasil segue, assim, sua sina de país golpeado. Primeiro pelos europeus, antes de ser Brasil. Em seguida pelo genocídio da população indígena. Pelos três séculos de exploração escravocrata que até hoje deixa sua marca no lombo de um povo espancado diariamente por uma democracia fictícia. Depois pela ditadura militar e pela redemocratização capenga, que manteve os poderosos em seus lugares. Agora, por uma trama policial-jurídico -político-midiática que toma o país de assalto depois de quatro derrotas consecutivas do campo conservador nas urnas.

Conteúdo JUNHO/2016

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OBSERVAÇÕES Tags: Democracia, Referendo, Arte Ibero-Americana, Pelé

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COLUNISTAS CONVIDADOS Simon Usherwood sobre o referendo Reino Unido-União Europeia Cristina Ribas sobre a vida pública de uma mulher

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ENTREVISTA Heurelho Gomes, o goleiro

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REPORTAGEM A visão de mundo do governo interino

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CONECTANDO Vozes do Rio Doce, seis meses depois da tragédia-crime

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CULT Na cadência do samba: Martinho da Vila e Roberta Sá

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DICAS CULTURAIS Tags: Teatro, Cinema, Exposição, Música

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COLUNISTAS Franko Figueiredo sobre o que é cultura Heloisa Righetto sobre feminismo

LONDON EDITION É uma publicação mensal da ANAGU UK UN LIMITED fundada por:

Ana Toledo Diretora de Operações ana@brasilobserver.co.uk Guilherme Reis Diretor Editorial guilherme@brasilobserver.co.uk Roberta Schwambach Diretora Financeira roberta@brasilobserver.co.uk Editor em Inglês Shaun Cumming shaun@investwrite.co.uk Design e Diagramação Jean Peixe ultrapeixe@gmail.com Colaboradores Aquiles Reis Franko Figueiredo Gabriela Lobianco Heloisa Righetto Rosa Bittencourt Wagner de Alcântara Aragão IMPRESSÃO St Clements press (1988 ) Ltd, Stratford, London mohammed.faqir@stclementspress.com 10.000 cópias Distribuição Emblem Group Ltd. Para anunciar comercial@brasilobserver.co.uk 020 3015 5043 Para assinar contato@brasiloberver.co.uk Para sugerir pauta e colaborar editor@brasilobserver.co.uk Online 074 92 65 31 32 brasilobserver.co.uk issuu.com/brasilobserver facebook.com/brasilobserver

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LONDON BY Nathália Braga em Kingston e Hampton Court

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BR TRIP Shaun Alexander sobre os Jogos Olímpicos Rio 2016

twitter.com/brasilobserver O Brasil Observer, publicação mensal da ANAGU UK MARKETING E JORNAIS UN LIMITED (company number 08621487), não se responsabiliza pelos conceitos emitidos nos artigos assinados. As pessoas que não constarem do expediente não tem autorização para falar em nome desta publicação. Os conteúdos publicados neste jornal podem ser reproduzidos desde que creditados ao autor e ao Brasil Observer.


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Arte da Capa Luis Felipe Camargo www.behance.net/fepefolio

Luis Felipe Camargo nasceu em São Paulo em 1985. Graduado em Artes Plásticas em 2006, Fepe começou sua trajetória trabalhando como designer de estampas, ilustrando livros e revistas, e também como designer gráfico. Tendo a experimentação como parte importante do seu processo criativo, já trabalhou com cerâmica, pintura e escultura, tudo envolvendo seu tema central, o desenho e estudo da figura humana. Depois de diversas exposições no Brasil e na Europa, hoje vive na Espanha em busca de novas oportunidades de expressão e evolução de sua arte. Atualmente é parte do coletivo Brasil>Mundo Cocoon Collective.

APOIO:

A capa desta edição foi feita por Luis Felipe Camargo para a Mostra BO, projeto desenvolvido pelo Brasil Observer em parceria com a Pigment e com apoio institucional da Embaixada do Brasil em Londres. Cada uma das 11 edições deste jornal em 2016 contará com uma arte em sua capa produzida por artistas brasileiros selecionados através de uma chamada pública. Em dezembro, os trabalhos serão expostos na Sala Brasil.

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OBSERVAÇÕES Parlamentares britânicos condenam suspensão de Dilma Rousseff, e embaixador Eduardo dos Santos responde

Especialistas avaliam as consequências do ‘Brexit’ para as relações entre o Reino Unido e a América Latina

Prêmio ibero-americano de arte é lançado em Londres e convida artistas a explorar o conceito de ‘utopia’

O jornal The Guardian publicou no dia 26 de maio um manifesto assinado por 20 parlamentares britânicos do Partido Trabalhista, do Partido Nacional Escocês e do Plaid Cymru com a acusação de que “a suspensão da presidente Dilma Rousseff é um insulto à democracia brasileira”. Diz o manifesto: “É completamente errado que alguns parlamentares revertam a vontade política expressa nas urnas por 54 milhões de brasileiros. O novo governo [do presidente interino Michel Temer] tem mostrado sua verdadeira face com a nomeação de uma equipe ministerial não-representativa, formada apenas por homens, e ao lançar políticas neoliberais que irão prejudicar milhões de trabalhadores e pessoas mais pobres. O governo interino não tem mandato para implementar políticas que revertam os programas sociais que tiraram 40 milhões de pessoas da pobreza. Juntamo-nos aos movimentos políticos e sociais progressistas brasileiros, e aos grupos de toda a sociedade civil, incluindo os sindicatos, para condenar essa tentativa de derrubar a democracia no Brasil”. No dia seguinte, seguindo a orientação do novo ministro das Relações Exteriores do

Brasil, José Serra, para combater a tese de que o impeachment de Dilma Rousseff é um “golpe”, o embaixador do Brasil no Reino Unido, Eduardo dos Santos, defendeu o processo que levou Michel Temer à presidência e afirmou que “a democracia brasileira está viva”. Diz a carta escrita por Eduardo dos Santos e publicada pelo The Guardian: “Saliento que o processo de impeachment cumpre rigorosamente com os requisitos da Constituição Federal e do Estado de direito sob o escrutínio da Suprema Corte. É incorreto descrever o processo em curso como uma manobra política que ocorre contra a vontade do eleitorado. Em um regime presidencialista democrático, os votos recebidos por um presidente não impedem que um processo de impeachment seja aberto. Os deputados e senadores também receberam milhões de votos e deles se espera o cumprimento dos deveres constitucionais, que incluem a investigação e o julgamento de um presidente caso haja acusação de crime de responsabilidade. (...) A Embaixada Brasileira rejeita qualquer alegação de que há uma tentativa de derrubar a democracia no Brasil, ou de que os programas sociais dos anos recentes possam ser revertidos”.

No dia 23 de junho o Reino Unido decide em referendo se permanece ou não como membro da União Europeia. Para entender as consequências que uma possível saída do bloco (‘Brexit’) traria para as relações entre o Reino Unido e a América Latina, o Brasil Observer consultou dois especialistas: Laurance Blair, analista da Economist Intelligence Unit para a América Latina, e Nacho Morais, CEO da Frank Consulting. Ambos participam de debate sobre o tema na Canning House, dia 15 de junho. “A primeira coisa a dizer é que a saída do Reino Unido da União Europeia é improvável. E mesmo que isso aconteça as relações com a América Latina não seriam eliminadas”, afirmou Laurence Blair. Para ele, porém, “a possível saída da União Europeia seria certamente um retrocesso diante dos avanços alcançados por Reino Unido e América Latina nas últimas décadas, o que seria difícil de recuperar em curto prazo”. A principal consequência é comercial. “Através da União Europeia, o Reino Unido tem acesso a acordos de livre comércio com México, Chile, Colômbia e Peru, assim como a acordos de parceria com 15 países do Caribe. Esses acordos seriam

interrompidos, e provavelmente teriam de ser refeitos do zero, em caso de ‘Brexit’. Além disso, há sinais de que um acordo entre União Europeia e Mercosul pode finalmente render frutos, o que incluiria os mercados de Brasil e Argentina. O Reino Unido pode ficar fora disso caso decida sair da União Europeia”, explicou Laurence. Nacho Morais acrescentou que, atualmente, “empresas latino-americanas podem vender produtos com a mesma especificação, além de serviços, para toda a União Europeia a partir do Reino Unido”. Para Morais, “essa unidade e o acesso ao mercado seriam quebrados com o ‘Brexit’”. Laurence Blair citou ainda outras áreas de cooperação entre Reino Unido e América Latina que seriam afetadas, como energia, tecnologia e mudanças climáticas, pois dependem de acordos firmados com a União Europeia. E que o Reino Unido passaria a dar mais atenção diplomática à Europa, dando menos prioridade à América Latina. Já Nacho Morais lembrou que a retórica anti-imigração do campo político a favor do ‘Brexit’ afetaria a comunidade latino-americana que vive no Reino Unido.

A Embaixada do Brasil e a Associação de Adidos Culturais da América Latina, Espanha e Portugal (ACALASP) lançaram em maio a primeira edição do prêmio ‘Ibero-American Arts Award’. Artistas residentes no Reino Unido estão convidados a inscrever seus trabalhos, que devem explorar o conceito de ‘utopia’ nas culturas ibero-americanas. Em 1516, Thomas More publicou o livro Utopia. Brincando com o trocadilho contido no neologismo ‘utopia’, ele concebeu um lugar que era ao mesmo tempo ‘bom’ e ‘inexistente’. Ao longo do tempo, as narrativas utópicas têm procurado examinar essa tensão fundamental: se uma sociedade ‘aperfeiçoada’ é possível de ser alcançada ou não, ou mesmo desejável. 500 anos depois, os artistas participantes são convidados a considerar a relevância do impulso utópico para as nações ibero-americanas, cujas histórias intelectuais e artísticas podem de fato ser vistas como um rico mosaico de sonhos, projetos e debates utópicos. Ao todo, 30 trabalhos serão escolhidos e expostos na Embaixada do Brasil em Londres. Prêmios

em dinheiro serão dados ao primeiro (três mil libras) e segundo (mil libras) colocados, definidos por um júri especial. Além da organização da Embaixada do Brasil e da ACALASP, a iniciativa tem parceria com o People’s Palace Project e patrocínio do Itaú Unibanco. Renato Lulia, CEO do Itaú BBA International, afirmou: “por mais de 50 anos o Itaú Unibanco tem sido um guardião da arte brasileira e latino-americana. Estamos muito felizes por estar patrocinando este primeiro ‘Ibero-American Arts Award’ e desta forma promovendo ainda mais o desenvolvimento da arte de inspiração latina em todo o mundo”. As inscrições para a competição, que pode incluir pinturas, desenhos, escultura, fotografia e prints, estão abertas para artistas maiores de 16 anos que vivem e trabalham no Reino Unido. Os trabalhos podem ser enviados digitalmente até meia-noite de domingo 16 de outubro de 2016. Para mais informações acesse www.iberoamericanartsaward.org


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Reprodução

Um acervo de mais de duas mil peças de Pelé, o maior jogador de futebol de todos os tempos, vai a leilão em Londres neste mês. O evento, organizado pela casa Julien’s Auctions, estava marcado para os dias 7, 8 e 9 de junho. Entre os objetos estão a medalha de ouro conquistada por Pelé na Copa do Mundo de 1958, o anel de campeão da Liga Norte-Americana de Futebol em 1977 e a faixa de campeão mundial de 1958. A mais cara relíquia é uma réplica da taça Jules Rimet: 410 mil libras.

REI DO FUTEBOL:

QUEM DÁ MAIS?


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CONVIDADOS

O que está em jogo no referendo sobre a permanência na União Europeia? O resultado do pleito será importante tanto para a questão em si quanto para a futura posição do Reino Unido no mundo

Reprodução

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No dia 23 de junho, o Reino Unido vai decidir pela terceira vez em sua história se permanece ou não membro da União Europeia (EU). Embora seja uma questão de elevada relevância, muitas pessoas ainda têm dúvidas sobre o que está em jogo e quais são as possíveis consequências do pleito. Neste artigo pretendo passar uma noção de conjuntura, os principais argumentos em debate e as potenciais implicações do processo. O primeiro-ministro David Cameron anunciou pela primeira vez que havia a possibilidade de o Reino Unido realizar um referendo em um discurso no início de 2013: ele prometeu chamar a população ao voto em caso de vitória do Partido Conservador na eleição de geral de 2015, algo que parecia incerto naquele momento. No entanto, após a surpreendente vitória de seu partido em maio do ano passado, Cameron se viu obrigado a lidar com um processo de duas fases: renegociação e referendo. Entre maio de 2015 e março de 2016, o primeiro-ministro gastou boa parte de seu tempo trabalhando com líderes de outros estados-membros da UE, e com as próprias instituições do bloco, para tentar melhorar os termos de filiação do Reino Unido junto à organização. Embora Cameron tenha começado as discussões falando em grandes mudanças, inclusive indicando alterações nos tratados fundamentais da UE, o acordo final se revelou muito mais modesto do que o esperado. O ponto mais importante foi o reconhecimento de que o Reino Unido estava lidando com níveis excepcionais de imigração de dentro da UE e que por isso poderia limitar por muitos anos o acesso a benefícios sociais por novos imigrantes. Quando Cameron conseguiu seu “novo acordo”, o referendo já estava a todo vapor, com muitos grupos já se posicionando para tentar ganhar votos. No entanto, só depois desse ponto é que uma data foi definida. Neste momento, estamos no período formal de campanha (dez semanas). Dois grupos foram escolhidos para liderar a campanha, cada um de um lado. O governo permitiu voto livre aos seus membros, mas a posição oficial é pela permanência do Reino Unido na União Europeia. Assim como na eleição geral, há limite de gastos, cobertura balanceada pelos canais de televisão e uma série de comunicados oficiais aos eleitores.

Por Simon Ushewood g


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QUEM É QUEM?

OS ARGUMENTOS

O principal grupo a favor da permanência é o Britain Stronger in Europe (normalmente chamado apenas de Stronger In). Trata-se de uma grande organização formada por membros de diversos partidos, empresários e outras personalidades públicas. Tanto David Cameron quanto o líder do Partido Trabalhista, Jeremy Corbyn, tem feito campanha com o grupo. Vote Leave é o grupo oficial do outro lado. Como o Stronger In, tem membros de diversos partidos políticos e empresários, mas nenhum líder de partido. Isso porque há um segundo grande grupo a favor da saída do Reino Unido da UE, o Leave.EU, que tem ligação com o UK Independence Party (UKIP). Seu líder, Nigel Farage, não quis juntar forças com um grupo que ele vê como parte do establishment político, que seu partido pretende desafiar além da questão da permanência na União Europeia. Além desses grupos, há muitos outros menores que normalmente fazem campanhas em torno de questões específicas. Em um referendo, onde cada voto tem o mesmo valor, isso faz sentido, pois quanto mais grupos conseguirem colocar seus argumentos, mais efetivos podem ser.

De maneira geral, os argumentos a favor e contra a permanência do Reino Unido na UE giram em torno de questões econômicas e políticas. Economicamente, aqueles que defendem a permanência dizem que a UE tem feito bem ao Reino Unido, pois significa livre acesso a um dos maiores e mais ricos mercados do mundo, mantendo as tarifas baixas e permitindo que as empresas britânicas cresçam muito mais do que conseguiriam fora da organização. Além disso, apontam para os vários empregos no Reino Unido que dependeriam da permanência na UE. Aqueles que defendem a saída apontam para o baixo crescimento econômico da UE nos últimos anos e a forma como a organização limita as possibilidades de o Reino Unido fechar acordos comerciais com mercados emergentes. Além disso, dizem que as regulamentações da UE prejudicam as empresas britânicas, impondo uma série de custos extras. Politicamente, os defensores da saída citam a falta de influência que o Reino Unido tem na UE, o que obriga o país a adotar políticas que não talvez não queira ou precise: a UE carece de democracia e é irreformável, na opinião deles. Além disso, a adesão limita o controle britânico de quem pode entrar no país, o que se tornou uma grande preocupação com o

aumento da crise de refugiados na Europa ao longo dos últimos dois anos. Os defensores da permanência argumentam que, pelo contrário, a adesão é boa para a influência britânica e que na maioria das vezes o Reino Unido esteve do lado vencedor nas decisões do bloco. O Reino Unido já está fora de diversas questões fundamentais – como, por exemplo, o Euro e a zona de Schengen –, embora ainda seja capaz de fazer parte de decisões conjuntas para enfrentar problemas comuns entre os países. Naturalmente, em ambos os lados há apresentação seletiva de “fatos”. Por isso, se você está procurando uma perspectiva imparcial, visite nosso site (www.ukandeu.ac.uk), onde publicamos vários textos explicativos.

POR QUE ISSO IMPORTA? O resultado da votação será importante tanto para o assunto em questão quanto para o papel que o Reino Unido pretende desempenhar no mundo. Se o Reino Unido continuar na União Europeia, não significa que todas as dificuldades históricas do bloco irão se acabar. Um dos maiores problemas dessa relação é que o Reino Unido nunca foi muito claro sobre o que quer alcançar com a UE, e o referendo dificilmente vai mudar isso. No entanto, colocando a questão da adesão de lado, o referendo pode muito bem permitir

que o governo britânico faça progressos em outras questões que a UE enfrenta, incluindo a melhoria do desempenho econômico, a estabilização das relações com a Rússia e a luta contra as alterações climáticas. Ao mesmo tempo, está claro que o referendo testou a paciência dos outros estados-membros, de modo que a disponibilidade para acomodar objeções britânicas pode não ser mais tão grande. Se o Reino Unido deixar a UE, as coisas são menos claras. Haveria um processo de renegociação da relação que seria fundamental para determinar o futuro do Reino Unido em estágio global. A grande questão seria se o Reino Unido teria ou não acesso ao mercado único da UE. O acesso reduziria qualquer perturbação para as empresas britânicas, mas limitaria a liberdade de o país fechar novos acordos comerciais. Além disso, se o Reino Unido sair, David Cameron provavelmente deixará o cargo de primeiro-ministro, então o Partido Conservador precisaria escolher um novo líder. A escolha que fizerem será vital para determinar o futuro das relações do Reino Unido com o resto da União Europeia. g

Simon Usherwood é Professor Sênior de Política da Universidade de Surrey e membro do programa ‘UK in a changing Europe’


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14ª Caminhada das Mulheres Lésbicas e Bissexuais, realizada em São Paulo no sábado dia 28 de maio

A vida pública de uma mulher Se a democracia garante a vida, ela deve ser defendida, mas se não a defende, deve ser diretamente questionada Por Cristina Ribas g

O Brasil passa por um momento de binarismos. O crescimento das mídias sociais e suas produções semióticas incontroláveis e a tomada das ruas desde 2013 produzem um contraste com as capas de jornais da grande mídia que repetem formas e conteúdos de 30 anos atrás. Para quem nasceu no final da ditadura civil-militar e se politizou no #ForaCollor, parece que temos uma nova chance de sentir o gostinho dos anos de chumbo, ainda que saibamos que práticas implementadas pelo regime ditatorial nunca desapareceram completamente das periferias do Brasil. A vida pública de brasileiras e brasileiros induzidos ao binarismo do pró e contra o golpe vem sendo atravessada por uma diversidade de discursos: são as minorias que multiplicam os pontos do debate, as mesmas minorias que são achatadas pelas porções que se comportam de maneira majoritária. Mas, por outro lado, nada novo: já vem de muito o esgota-

mento da política partidária, exposto pelas alianças que se produziram há anos de maneira a tornar primeiro elegível e depois governável uma coalizão. Dilma Rousseff, primeira mulher eleita presidenta, foi afastada do cargo por ex- aliados, que agora se tornaram opositores, ou traidores. O que precisamos defender agora? Em meio ao binarismo, a democracia virou sujeito, ou melhor, sujeita – sujeita ao seu reclame, à pauta de uma sociedade que precisa rever o que se passa em Brasília; que precisa expor as transversais que conectam (ou não) cidadãos e governantes; que precisa conferir a austeridade que se realiza pelas forças de um capitalismo neoliberal cuja primeira vítima é o Estado Democrático de Direito. O debate vai além da articulação entre a crise econômica e a crise política. O que está em jogo são as possibilidades da(s) esquerda(s) no governo, de manutenção de direitos adquiridos. Em meio a quebras de contrato,

interpretações forçadas da Constituição Federal e defesas que não causam nenhum impacto, “Tchau, querida” se tornou o símbolo daqueles identificados com a destruição verde-amarela do governo Dilma. Aqueles contra o golpe se perguntam se “Tchau!” se refere à Dilma diretamente ou à própria democracia. Nos últimos meses assistimos à destruição midiática da figura pública de Dilma Rousseff, uma destruição política que passa pelo machismo estrutural e pela intolerância que cada vez mais tomam espaço no Congresso. Esse machismo estrutural, nomeado pelas lutas femininas de heterocapitalismo, é regra em geral não só da sociedade brasileira. Trata-se de reprodução social sob a dominação de um sistema econômico em que mulheres negras, negros, indígenas, gays, transexuais, quilombolas e muitas minorias vêm sendo oprimidas, em favor de modos de vida normativos, urbanos,

consumistas – e em crescente débito. O machismo estrutural se manifesta de forma desavergonhada nos discursos de Eduardo Cunha, Jair Bolsonaro, Marcos Feliciano e outros tantos deputados. E reproduz a mulher como imediato do macho produtivo, mulher sem direito de voz, de opinião, de luta, de vida pública. Dilma como mulher pública nunca esteve fora do jogo de especulações e acusações. Uma mulher que, eleita presidenta, teve e tem a todo o tempo sua capacidade de governo diminuída por seu gênero, julgamento que desencadeia outros tantos preconceitos que são associados à imagem da mulher, entre eles o descontrole, a loucura, a histeria. Que relação isso tem com a vida pública das mulheres, das outras mulheres? Uma matéria na revista Veja sobre Marcela Temer, a mulher de Michel Temer, com o enunciado “bela, recatada e do lar” foi lançada em seguida à votação do impeachment na


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Paulo Pinto/ Fotos Públicas

Câmara dos Deputados. A matéria foi suficiente para expor a mentalidade machista que se apresentou na condução do processo de afastamento de Dilma. O binarismo com o qual o heterocapitalismo rege a vida da mulher ficou explícito: a orientação da mulher à vida do lar, e a política como “assunto de homens”. Mas havia outros binarismos para serem quebrados: os trabalhos domésticos feitos por outras mulheres que, por sua vez, sustentam a vida pública das mulheres que têm o privilégio de ter vida pública; e a vida das mulheres negras, de cor e indígenas, sujeitas à opressão de muitas ordens, cujas vidas não foram representadas na hegemonia branca agrupada pela resistência à “bela, recatada, e do lar”, mas sim em “bela, recatada e da luta”. Mulheres e trans se posicionaram em contraposição a esse enunciado, trazendo no seu lugar imagens de sujeitas que lutam, e de mulheres cujas vidas são ameaçadas nas diversas for-

mas de machismo e feminicídio que diariamente as molestam e oprimem. Agora, se reclamo a imagem e a força de Dilma como mulher, é para compor com as resistências que se levantam – resistências de diversas ordens, não apenas que se aliam diretamente à defesa do PT. A vida pública de uma mulher afastada de seu poder de governar não será silenciada não só pela defesa de Dilma presidenta. A força que tirou Dilma enseja destruir também as lutas das mulheres e as lutas pela democracia. Quem viu a imagem de uma mulher sem consciência após uma bomba de gás em Brasília no dia da votação do impeachment no Senado? A imagem de Marcela Temer, por sua vez, fora produzida para funcionar como uma espécie de espelho que pretende operar como um reflexo binário, engolindo as mulheres na sua diversidade. Ela deixa evidente que o machismo não é coisa apenas de homens, mas também daquelas mulheres contra o feminismo. Naquela lógica do

espelho, a vida pública de uma mulher que luta não é possível. Do outro lado do espelho da dondoca domesticada há, contudo, uma variação incontrolável de mulheres que lutam, e que à sua maneira sustentam um país, no trabalho, nas universidades, nas escolas, nas casas, nas lutas sociais. A dimensão pública da vida de uma mulher só pode ser essa em que mulheres se posicionam no embate ao machismo estrutural – embate ao que tenta fazer sucumbir não só o dia a dia das vidas das mulheres, mas embate também ao heterocapitalismo que tenta destruir a democracia. A luta das mulheres vai além da luta pela democracia, uma luta que não se esgota em demandar, em replicar enunciados, mas gerar condições para a vida. Na luta pela democracia, na prática, está a dobra entre o indivíduo e suas formas coletivas, em que o subjetivo e o político fazem parte da mesma matéria. A democracia é mais potente quando considera uma ética de

proteção à vida, o que a merge com o feminismo. A democracia não é possível apenas quando abre pedagogias diversas, auto-organizadas, de proliferação de sentidos e de semióticas, mas quando há uma permeabilidade mínima com o poder representado. Se a democracia garante a vida, ela deve ser defendida, mas se a democracia não a defende, ela deve ser diretamente questionada. A democracia, como espaço de gestão e cuidado da vida pública, só é possível se pode garantir a tomada da voz a partir das diversas singularidades que nos constituem, entre elas Dilma, as mulheres, as minorias, as crianças, os velhos, os homens. Que a possamos lutar pela vida pública da democracia. Cristina Ribas é artista e pesquisadora, atualmente faz doutorado em Fine Art no Goldsmiths College da University of London

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ENTREVISTA

Gomes a muralha de Watford Goleiro brasileiro termina a temporada 2015/2016 em alta na Inglaterra. E conversa com exclusividade ao Brasil Observer

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O melhor goleiro do futebol inglês atualmente é o brasileiro Heurelho Gomes. Não se trata de patriotismo. De acordo com o site especializado em estatísticas futebolísticas WhoScored.com, o jogador do modesto Watford teve o melhor desempenho da posição durante a temporada 2015/2016 da Premier League, a primeira divisão da Inglaterra, provavelmente o campeonato nacional mais prestigiado do mundo. Nas palavras do editor-chefe do site citado acima, Martin Laurence, em seu blog no The Guardian: “Ainda que a temporada do Watford tenha terminado de forma decepcionante, a equipe conseguiu seu objetivo de permanecer na primeira divisão com meses de antecedência. Nenhum jogador contribuiu de forma mais significativa para isso do que Heurelho Gomes, que fez mais defesas do que qualquer outro goleiro da competição (120), apresentando a quarta melhor taxa de defesas bem sucedidas entre aqueles com pelo menos 20 jogos realizados (71,6%)”. A atuação mais impressionante de Gomes na

Por Guilherme Reis

temporada, sem dúvida, aconteceu no dia 16 de abril, um sábado. Fora de casa, o Watford enfrentava o West Brom, com quem disputava as mesmas posições na tabela. A equipe visitante vencia por 1 a 0 quando, aos 22 minutos da etapa final, o assoprador do apito sinalizou penalidade máxima para os mandantes. Saido Berahino cobrou e Gomes defendeu. A três minutos do fim do jogo, nova penalidade. Saido Berahino cobrou mais uma vez e Gomes, a muralha de Watford, fez a defesa que garantiu a vitória. Não foi apenas uma vitória, porém. Gomes se tornou o primeiro goleiro da história da Premier League a defender dois pênaltis em uma mesma partida duas vezes. O jogador brasileiro já havia alcançado o mesmo feito em 2010, jogando pelo Tottenham. Na ocasião, defendeu duas penalidades máximas cobradas por Darren Bent, do Sunderland. Heurelho da Silva Gomes nasceu em Jão Pinheiro, Minas Gerais, em 15 de fevereiro de 1981. Revelado profissionalmente pelo Cruzeiro em 2002, vestiu as camisas de PSV (Holanda), Tottenham (Inglaterra) e Hoffenheim (Alemanha) antes de assinar com o Watford, em 2014. Fez ainda 11 jogos pela Seleção Brasileira entre os anos de 2003 e 2011, ganhando a Copa das Confederações de 2005 e 2009. Na galeria de títulos conquistados estão ainda um Campeonato Brasileiro (2003), uma Copa do Brasil (2003) e o tetracampeonato holandês (2004-05, 2005-06, 2006-07, 2007-08). Confira, a seguir, a entrevista exclusiva de Gomes ao Brasil Observer.


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BSM2

Como você avalia a temporada que acaba agora? O Watford chegou à semifinal da FA Cup e terminou a Premier League na 13ª colocação. Ficou a sensação de que vocês poderiam ter feito mais? A temporada foi muito boa, superou as expectativas. Antes de começar muita gente dizia que éramos sérios candidatos ao rebaixamento. É claro que a gente queria mais, talvez classificar para a Europa League, até porque ficamos na zona de classificação durante algumas rodadas, mas superou as expectativas. Poderíamos ter chegado à final da FA Cup. Pessoalmente, você termina a temporada em alta, sendo chamado de “rei dos pênaltis”. Como foi pra você fazer história na Premier League como o único goleiro a salvar dois pênaltis duas vezes em uma mesma partida? Você faz algum treinamento especial? É muito importante o goleiro estar preparado para qualquer situação do jogo. Eu nunca entro numa partida querendo fazer história. Sempre entro pensando em ajudar minha equipe. Foi um momento importante. Eu tenho uma tranquilidade muito grande quando vou enfrentar um pênalti e essa tranquilidade faz com que

eu faça as defesas, porque é um momento de muita concentração, depende muito de como você está na partida. Gostaria que você falasse como foi sua adaptação à Inglaterra. Como é conciliar a vida de jogador com a esposa e os filhos? Foi tranquilo. Eu vivi na Holanda quatro anos, onde tem uma qualidade de vida muito grande, mas a Inglaterra e Londres têm muito mais coisa pra se fazer. Minha família é totalmente adaptada, meus filhos. Aqui a gente tem uma facilidade muito grande, porque a gente treina uma vez por dia, na parte da manhã, então à tarde eu fico sempre com eles. Por estar aqui há bastante tempo, você tem contato com outros brasileiros que jogam na Inglaterra, como William e Oscar? A gente se encontra sempre que pode. O pessoal do Chelsea, o Sandro, do Queens Park Rangers, com outros brasileiros também. É muito bom. A gente se entende muito e acho que essa aproximação faz com que a gente preencha um pouco a falta dos nossos amigos que estão no Brasil. E fora de campo, quais são os projetos do Gomes?

SAMBA LEGEND

Tu e s d a y 28 June 2016 7.30PM

Eu não faço muito projeto, até porque eu trabalho muito para que as coisas aconteçam no momento. Mas é claro que eu preciso começar a me preparar desde agora. Com certeza este ano eu quero começar um curso de treinador. Não sei se eu vou ser treinador, mas quero estar preparado. Um grande amigo cruzeirense me pediu para perguntar: aquele time do Cruzeiro de 2003 foi o melhor em que você já jogou? E quem foi sua grande referência como goleiro? Por quê? Posso dizer que sim, como um todo. Tive um PSV muito bom também. Quando cheguei, em 2004/2005, fomos à semifinal da Champions League. Era um time maravilhoso. Mas o time do Cruzeiro de 2003 foi completo até pelas conquistas, ganhamos tudo que disputamos: a tríplice coroa em 2003 mais o Campeonato Mineiro do ano seguinte. A gente ia para o estádio sabendo que ia ganhar. Nas poucas vezes que perdemos foi por causa da autoconfiança. Muitas vezes brincávamos qual seria o resultado. Então posso falar que foi o melhor time que eu joguei. Quando eu comecei a jogar no gol, como cruzeirense, eu acompanhei muito o Dida. E também o Taffarel, por ser o goleiro da Seleção na época.

Com tantos anos no futebol europeu, que avaliação você faz hoje do futebol brasileiro? E a Seleção, como você avalia os 7 a 1 e as chances do futebol brasileiro na Olimpíada do Rio de Janeiro? Tecnicamente não se discute a qualidade do futebol brasileiro, mas em termos de organização estamos muito atrás. Não sei o que acontece, mas a gente não prioriza principalmente o torcedor brasileiro. O torcedor fica esquecido. Aqui a primeira coisa que eles pensam é o torcedor. E também as cotas de TV ajudam os times a se garantir durante a temporada em termos financeiros. Infelizmente no Brasil não temos isso ainda, as cotas são divididas de acordo com o time e aqui não, são mais iguais. Seleção é um caso à parte, já vinha correndo esse risco por ser um período de transição. A meu ver uma transição mal feita. Normalmente em outras seleções você não tira todos os jogadores de uma vez só, você vai tirando um ou outro e vai colocando os mais jovens. Infelizmente aconteceu o 7 a 1, até para abrir nossos olhos, mas vejo que ainda não foram abertos pelo que temos tido nos últimos acontecimentos. Olimpíada é outro caso. Nunca conseguiu, não sei se vai conseguir, até pela qualidade das outras equipes, mas tomara que ganhe a tão esperada medalha de outro dentro do país. Tem chance, mas não é favorito.

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16 brasilobserver.co.uk | Junho 2016

REPORTAGEM José Serra, o novo Ministro das Relações Exteriores

A visão de mundo do governo interino Com o afastamento da presidenta Dilma Rousseff e a nomeação de José Serra ao Ministério das Relações Exteriores, a política externa brasileira sofre alterações de rumo

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Em poucas semanas, o presidente interino Michel Temer e sua equipe de ministros deram demonstrações claras de que pretendem colocar em prática um programa de governo bem diferente daquele que elegeu a presidenta Dilma Rousseff, afastada do cargo em decorrência da abertura de processo de impeachment. Entre as áreas nas quais ocorrem as modificações mais significativas está a política externa. A escolha de José Serra para o Ministério das Relações Exteriores é, por si só, um sinal inequívoco dos novos caminhos a serem trilhados nesse campo. Serra assumiu o ministério em 18 de maio em uma solenidade bastante concorrida no Palácio do Itamaraty. Em seu discurso, embora tenha feito referências à importância do Mercosul e dos Brics (Brasil, Rússia, China, Índia e África do Sul), ele deixou claro que pretende dar prioridade às relações com Estados Unidos, Europa e Japão. Como fez seu partido (PSDB) nas últimas três campanhas presidenciais (2006, 2010 e 2014), o novo chanceler rechaçou a opção dos governos de Lula e Dilma de maior integração com os países emergentes, principalmente do Hemisfério Sul.

Por Wagner de Alcântara Aragão

Antes, todavia, o novo ministro abraçou uma missão árdua: conseguir da comunidade internacional o reconhecimento do governo de Michel Temer. As embaixadas brasileiras ao redor do mundo receberam do Itamaraty uma circular em que se pede para “combater ativamente” as acusações de que o governo interino é, na verdade, resultado de um golpe político.

LIDERANÇA REGIONAL AMEAÇADA As incongruências do processo que levou ao afastamento da presidenta Dilma Rousseff não estão repercutindo mal apenas na imprensa estrangeira, mas têm levado lideranças e instâncias internacionais a questionarem a legitimidade do novo governo brasileiro. As evidências de que a presidenta eleita está sendo julgada essencialmente por critérios políticos e partidários – e não por razões de ordem constitucional – colocam em risco a democracia interna e, por tabela, levantam questionamentos sobre a estabilidade jurídico-institucional do país. É o que ressalta o geógrafo Zeno Crocetti, pósgraduado em Geopolítica e professor da Universidade da Integração Latino-Americana (Unila).

“Todo o casuísmo, as trapalhadas e manipulações [do processo de impeachment] fortaleceram a sensação de golpe. Apenas a Argentina expressou seu ‘respeito’. Venezuela, Cuba, Equador, Bolívia, Nicarágua, El Salvador, Uruguai e Chile deram a resposta esperada: qualificaram a situação brasileira como um golpe de Estado. Aos olhos do jogo diplomático a reação mais importante até agora, porém, foi o silêncio de Estados Unidos e Colômbia”, afirmou o professor ao Brasil Observer. A Organização dos Estados Americanos (OEA), por meio de seu secretário-geral, Luís Almagro, e a União das Nações Sul-Americanas (Unasul), também através de seu secretário-geral, Ernesto Samper, têm demonstrado resistência a aceitar o governo provisório de Michel Temer. Para o professor e cientista político Anthony Pereira, diretor do Brazil Institute do King’s College London, essas reações farão com que seja mais difícil para o país exercer sua liderança regional na América do Sul. Ele acrescentou à reportagem, porém, que “o processo de impeachment não tem sido tão obviamente inconstitucional para causar a condenação ou suspensão do Brasil em organismos como Mercosul, Unasul ou OEA”.


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Jessika Lima/AIG-MRE

MERCOSUL-UNIÃO EUROPEIA Em seu discurso de posse, José Serra também defendeu a concretização de um acordo comercial entre Mercosul e União Europeia. Para o professor Zeno Crocetti, a conjuntura política e econômica da América do Sul não favorece, no momento, a formalização desse acordo. “Tivemos um avanço fragmentado e complicado de modelos de governos populares. Com a volta do desemprego e da inflação, esses modelos começaram a desmoronar, então começou a volta gradativa de forças reacionárias ao poder. Se não houver mudanças nesse cenário, em curto prazo não vejo condições concretas para um acordo Mercosul-União Europeia”, avaliou. Na opinião do professor Anthony Pereira, “a esperança do governo interino de Michel Temer é de que a proximidade com a Argentina permitirá ao Brasil negociar em conjunto com aquele país, colocando fim a uma longa negociação”. O último encontro entre Mercosul e União Europeia aconteceu em 11 de maio, quando foi realizada a primeira troca de ofertas tarifárias, que afeta principalmente os produtos agropecuários. Anthony Pereira ressaltou, porém, que as negociações estão estagnadas não apenas pelas diferenças entre Brasil e Argentina. “Os interesses da França em proteger seus pequenos fazendeiros ainda é um obstáculo considerável. Não está claro se agora será possível chegar a um acordo”. Para piorar as ambições brasileiras, um grupo de 34 deputados europeus pediu à comissária de política externa da União Europeia, Federica Mogherini, a suspensão das negociações do acordo com o Mercosul. Para os membros do Parlamento Europeu, o pacto comercial não pode ser negociado por um governo sem legitimidade democrática, em referência à administração interina de Michel Temer. Até o fechamento desta edição, nem Federica Mogherini nem o Itamaraty haviam se manifestado.

FUTURO DO PRÉ-SAL

FOCO NOS ACORDOS COMERCIAIS A julgar pelo discurso de posse de José Serra como ministro, os acordos bilaterais de livre comércio serão a prioridade. O novo ministro condenou o multilateralismo que pautou a política externa das gestões Lula e Dilma. “O Brasil, agarrado com exclusividade a elas [negociações multilaterais], manteve-se à margem da multiplicação de acordos bilaterais de livre comércio. Precisamos recuperar oportunidades perdidas”, declarou. Para o cientista político Lucas de Aragão, sócio da Arko Advice, “a diplomacia brasileira volta ao Itamaraty depois de passar anos no Palácio do Planalto”. Ao Brasil Observer, ele afirmou que “Serra será o condutor de uma política exterior focada no comércio e nos negócios, deixando de lado a política externa ideológica do governo anterior”. E que “o apoio aos países ditos bolivarianos certamente será reduzido de maneira forte”. Opinião semelhante foi dada pelo empresário Rodrigo Scaff, sócio fundador da Suriana. “Nos últimos 13 anos, o foco do Brasil na celebração de novos acordos comerciais foi em países com menos representatividade no contexto mundial, então enxergo com otimismo a possibilidade de voltarmos a colocar energias

em mercados com maior potencial de colaboração, como a União Europeia e os Estados Unidos”, afirmou. “O Brasil continuará lutando por uma maior inserção de seus produtos em mercados externos. Há sempre a prioridade na quebra de barreiras tarifárias, especialmente em produtos do agronegócio, mas, ao mesmo tempo, o único caminho sólido para ganharmos competitividade internacional é abordarmos questões estruturais que tornam nosso custo de produção proibitivamente alto. Precisamos de melhor infraestrutura, mais flexibilidade trabalhista e um sistema tributário mais racional, que não onere tanto os produtos feitos no Brasil”, completou Rodrigo Scaff. Nesse sentido, o novo papel da Agência Brasileira de Promoção de Exportação e Investimento (Apex -Brasil) parece ser fundamental. “Ao tirar a Apex do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC) e transferi-la para o Itamaraty, o governo interino parece sinalizar que acordos bilaterais serão buscados”, disse Anthony Pereira. Até o fechamento desta edição, informações davam conta de que o novo presidente da Apex será o embaixador Roberto Jaguaribe, que já serviu no Reino Unido e atualmente exerce o cargo de embaixador na China.

A nomeação de José Serra para o Ministério das Relações Exteriores reacendeu a expectativa de abertura da exploração das reservas de petróleo da camada pré-sal aos players internacionais. Afinal, é de autoria do próprio Serra o projeto de lei, aprovado pelo Senado em fevereiro, que tira da Petrobras a obrigatoriedade de participar de todos os poços de exploração como operador único – e com 30% mínimo de sociedade. A proposta ainda precisa ser aprovada pela Câmara dos Deputados. Para James Green, professor de história latino-americana e diretor da Iniciativa Brasil da Universidade Brown, nos Estados Unidos, “está bastante evidente que as forças a favor do impeachment [da presidenta Dilma Rousseff] estão interessadas em renegociar os acordos em torno do uso dos royalties do petróleo que seriam dedicados à educação”. “Só podemos esperar que a proposta apresentada por Serra irá reduzir a participação da Petrobras e aumentar a exploração internacional de petróleo brasileiro”, completou o professor ao Brasil Observer. As regras de conteúdo nacional do setor de óleo e gás provavelmente também serão mudadas. Essas regras já vinhas sido liberadas na prática, mas o governo interino pode ir além. As regras de conteúdo nacional são impopulares entre as corporações multinacionais que fazem negócios no Brasil, pois obrigam que as mesmas procurem parceiros brasileiros e a comprem produtos nacionais, desenvolvendo a indústria local. Como opinou o professor James Green, “é impressionante que um governo interino, que pode se tornar permanente ou não, tenha em tão pouco tempo tentado mudar completamente a política externa do Brasil”.


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CONECTANDO

F Governador Valadares, MG

Vozes do Rio Doce Mais de seis meses depois do rompimento da barragem em Bento Rodrigues, ninguém foi responsabilizado. População afetada ainda sofre as consequências da tragédia-crime Por Eduardo Sá e Morgana Maselli de Governador Valadares, Minas Gerais

Falta de participação social e sentimento de injustiça. Estes foram os principais relatos dos atingidos pela lama tóxica que desceu o Rio Doce a partir do rompimento da barragem das mineradoras Vale, Samarco e BHP Billiton em Bento Rodrigues, Minas Gerais, no dia 5 de novembro de 2015. Denúncias e experiências que buscam alternativas ao modelo de desenvolvimento hegemônico na região foram apresentadas durante a Caravana Territorial da Bacia do Rio Doce, que percorreu entre os dias 11 e 14 de abril as margens do rio, da nascente até sua foz, no litoral do Espírito Santo. Envolvendo aproximadamente 150 integrantes de movimentos sociais, pesquisadores e indígenas, dentre outros setores, quatro rotas simultâneas se encontraram em Governador Valadares para promover um ato político e um debate sobre a situação da população atingida, seis meses depois da tragédia-crime. Segundo informações oficiais, 20 pessoas morreram com a tragédia e centenas foram desalojadas. Até hoje ninguém foi responsabilizado e a Samarco não pagou nenhuma das multas apresentadas pelo Ibama e pelo Ministério Público Federal. Os impactos ambientais são ainda inimagináveis, com a extinção de diversas espécies da biodiversidade local, e os danos sociais são dramáticos, com milhares de pessoas sem ter como garantir sua subsistência através da pesca, da agricultura, do artesanato e do turismo, dentre outras fontes de renda. A mineradora está pagando um cartão no valor de um salário mínimo mais uma cesta básica, além de um acréscimo de 20% por dependente, mas nem todos foram assistidos. Esse atendimento tem gerado discórdias entre os moradores, por conta do atendimento individual e das investidas de desmobilização de ações coletivas dos moradores por parte da empresa. A caravana, de acordo com a Carta Política do evento, é um instrumento político-pedagógico construído pelo movimento agroecológico no Brasil junto a diversas entidades, redes e movimentos sociais. “São viagens de aprendizados, intercâmbios e construção de laços de solidariedade e luta política, que exercitam um olhar conjunto e popular a respeito do território, situando contradições, potencialidades e desafios na construção de uma nova sociedade pautada na agroecologia, na reforma agrária, na saúde coletiva, na economia solidária, na luta das mulheres, no respeito ao conhecimento dos povos e comunidades tradicionais. Buscamos dar visibilidade às denúncias e aos anúncios, aos conflitos sociais e ambientais, às experiências de resistência e de autonomia, de valorização da cultura regional e

popular, de organização que marcam os locais por onde as rotas passam...”, diz o documento. Agora, após o evento, está sendo elaborado um relatório – com as denúncias, anúncios e reivindicações dos atingidos – que será encaminhado a organizações internacionais e de direitos humanos, como Anistia Internacional, OEA e Justiça Global. De acordo com Eduardo Barcelos, da Associação Brasileira de Geógrafos (AGB), a caravana foi um momento de unidade e convergência de diferentes povos, grupos e populações da região em torno da tragédia-crime da Samarco. Ocorreram atos públicos, rodas de conversa, vivências comunitárias, caminhadas e debates, dentre outras iniciativas exercitando a auto-organização e o trabalho em rede e de comunicação popular. “Deu para perceber a importância do rio na vida das pessoas. Isso nos deu uma dimensão muito mais real dos impactos, quando estas histórias foram contadas. Manteve viva a memória do crime. Daqui para frente o maior desafio é manter os grupos e populações mobilizados. Afinal, o acordo que a empresa assinou com o Estado não foi discutido com a população e a Fundação criada também não. Temos o desafio da comunicação em rede, de continuar o diálogo com estas populações. Construir a noção de ‘vigilância popular do território’, definir temas estratégicos de ação e observação, monitorar o rio e a poluição para continuar as denúncias sobre os impactos”, afirmou.

INDÍGENAS E AGRICULTURA FAMILIAR Uma das comunidades visitadas pela caravana foi a aldeia Krenak, que fica em Resplendor (MG). Segundo sua jovem liderança, Douglas Krenak, as empresas e governos estão levando as riquezas dos territórios e deixando só a tragédia. Há muitos anos seu povo luta em defesa do meio ambiente, mas ainda são excluídos dos espaços criados de participação e decisão. “Estamos meio desesperados, porque o rio é uma fonte riquíssima de sustentação do nosso povo. O problema é essa criação de barragens descontrolada sem a opinião dos povos, gerando um genocídio de comunidades tradicionais no longo prazo. Não temos tratamento de esgoto, é tudo usado diretamente do rio. Mas não devemos esmorecer, e vamos lutar contra isso”, afirmou. Para Douglas, nada vai adiantar se a empresa continuar suas atividades e não houver uma conscientização ecológica das futuras gerações. “A natureza é muito generosa, mas na hora de cobrar não faz distinção de pobre, ín-


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Rota 3 da Caravana Territorial da Bacia do Rio Doce

Ato político realizado em Governador Valadares

Divulgação

Rota 2 da Caravana Territorial da Bacia do Rio Doce

Dona Eva e Seu Luiz: agricultura familiar afetada

dio, rico, preto, branco. Por isso temos que cobrar. Querem tirar as pessoas da beira do rio e reflorestar, mas a empresa continua lá causando a mesma desgraça. Enquanto o câncer não for destruído no coração do Rio Doce, isso vai continuar. É uma luta árdua e constante. Enquanto continuarem minerando sem fiscalização será praticamente em vão. Tudo que ela faz é mínimo para compensar sua devastação ao meio ambiente”, desabafou. No município de Tumiritinga (MG), na região do médio Rio Doce, a caravana visitou a propriedade de Seu Luiz e Dona Eva, no assentamento Cachoeirinha. O casal vive na região há mais de 20 anos e tira seu sustento do trabalho com agricultura e criação de peixes. Eles tinham seis hortas irrigadas com água do Rio Doce e vendiam a produção para o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE). Desde que os rejeitos chegaram às margens do rio na sua propriedade, a produção foi drasticamente reduzida. “Estragou tudo que era nosso! Toda vida eu irriguei e agora não tenho água. Eu tinha seis hortas e hoje

só sobrou uma, estamos trabalhando com poço artesiano e não tem água pra tudo”, contou Dona Eva. “Subiu mais de um metro de rejeitos pela nossa plantação e atingiu os tanques de peixes, perdemos mais de 6.000 peixes. A gente tirava mais de oito salários da nossa produção e agora estamos vivendo só com o cartão fornecido pela Samarco. Falaram que íamos receber só até seis meses, vai vencer agora. Se eles cortarem esse cartão, vamos comer o quê?”, questionou Seu Luiz.

LITORAL E TURISMO DEVASTADOS O vilarejo de Regência, em Linhares, litoral capixaba, sofre com a devastação ambiental. Localizada na foz do Rio Doce, a cidade criada por uma colônia de pescadores artesanais e conhecida por uma das melhores esquerdas do Brasil para o surfe teve sua vida mudada. Os moradores esperam mais transparência da empresa com laudos revelando os impactos, e que seu erro seja reconhecido já que

Pescadores observam o Rio Doce

antes do rompimento havia sinais de vazamento. A Samarco está pagando auxílio aos atingidos, como pescadores, marisqueiras e comerciantes. No entanto, alguns moradores não receberam nada, pois têm emprego fixo e, segundo o acordo estabelecido, não têm necessidades. As escolas e igrejas estão à frente no enfrentamento, enquanto a maioria dos que estão recebendo está calada. A professora e enfermeira Luciana de Souza, de 43 anos, mora no local desde que nasceu, trabalha na escola e no hospital. Segundo ela, foi um processo de lesão econômica e aculturamento que está levando as pessoas a sair do seu território, principalmente os jovens, porque não há nenhum plano de pesca, surfe e agricultura, que ficaram impraticáveis. “A comunidade foi lesada nos seus direitos com a Petrobras, e agora com a lama estão todos desesperados. Querem ficar, mas não têm outra saída. Esse rio não é o da minha infância, é o absurdo que o progresso pode fazer. Estão tentando dizimar nossa vida, cultura, modo de viver, essência,

mas vamos resistir enquanto tivermos força. Quem tiver de pagar, tem que pagar”, disse emocionada, aos prantos. As atividades econômicas da vila eram movidas, principalmente, pelo turismo de surfe e ambiental, além da pesca, que foram drasticamente impactados. Segundo um surfista local, “o turismo caiu 100%, minha mãe tem uma pousada e fim de semana passado deu três pessoas onde dava até cem. Assim os funcionários da região vão sendo demitidos, e o pescador não tem como vender peixe para oferecer a comida típica aos visitantes”. Ao longo de toda bacia hidrográfica do Rio Doce existe grande preocupação com a água. A qualidade da água oferecida tem sido questionada pela população, que durante a Caravana relatou casos de doenças de pele e de estômago. Além disso, no meio rural, do alto ao baixo Rio Doce os agricultores familiares têm tido grandes dificuldades de manter sua produção, uma vez que a água utilizada para irrigação dos cultivos vinha do rio, e agora este não está mais próprio para a atividade.

CONECTANDO é um projeto criado pelo Brasil Observer que busca fomentar experiências de comunicação ‘glocal’. Em parceria com universidades e movimentos sociais, nosso objetivo é fazer com que pautas locais atinjam uma audiência global. Para participar e/ou obter mais informações, escreva para contato@brasilobserver.co.uk


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Na cadência bonita Em junho, Londres sentirá o gostinho do samba com duas vozes que representam bem o que esse ritmo tem de melhor Por Guilherme Reis

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Cantava Dorival Caymmi que quem não gosta de samba bom sujeito não é. Mas até os ruins da cabeça ou doentes do pé hão de convir: o ritmo é a expressão máxima da brasilidade. Como diria Vinícius de Morais, o samba é a tristeza que balança. Quer dizer: a tristeza, inevitável sentimento, pode ser encarada com amor e graça, com cavaco, pandeiro e tamborim. Martinho da Vila e Roberta Sá, com shows marcados para o final de junho em Londres, representam bem o que o samba tem de melhor: poesia, cadência, inteligência. Nas palavras de Aquiles Reis, vocalista do MPB4 e crítico musical, “Martinho tem em si a força de Zumbi dos Palmares, força que lhe dá assento ao lado de Silas de Oliveira no sagrado panteão do samba”. Sobre Roberta Sá, ele diz que ela “nasceu com o sangue de sambista pulsando em suas veias. Com persistência (sim, persistência, pois o samba requer devoção e amor incondicional), ela terá reservado para si um lugar especial ao lado dos que dedicaram a vida ao gênero”. Por ordem de chegada: Roberta Sá se apresenta em 26 de junho no Under the Bridge e Martinho da Vila, dia 28 de junho no Barbican Hall. Ambos concederam entrevista exclusiva ao Brasil Observer por e-mail. “Acho que o samba, a morna e o fado têm um ponto de interseção”, disse Roberta Sá sobre seu mais recente trabalho, o disco Delírio, que traz uma mistura deliciosa de sonoridades do Brasil, Cabo Verde e Portugal. “São gêneros muito diferentes que dialogam entre si. A sonoridade de Delírio tem muito disso. Comecei a olhar para a música de uma forma mais abrangente, na maneira de fazer e onde quero chegar com ela. Por isso o desejo de tocar em outros continentes, de fazer mais essa troca com músicos que acrescentem elementos ao meu universo”, completou. Naturalmente considerada uma cantora de samba, Roberta Sá argumentou: “se você escutar bem o trabalho dos artistas brasileiros verá que o samba está presente em quase todos os repertórios”. Para ela, “até nos mais eletrônicos, mais modernos, a célula do samba está presente. A raiz é o que faz você voar com segurança. Faço e canto samba porque ainda acho que é, além de tudo, um ritmo democrático. Qualquer classe social entende o samba, é um patrimônio cultural do nosso país, exibe crônicas das mais diversas camadas sociais. Além de ser uma delícia”. O disco Delírio marca a volta de Roberta Sá ao estúdio depois de três anos e traz no repertório canções inéditas de Adriana Calcanhotto, Moreno Veloso, Rodrigo Maranhão e Cézar Mendes, além de participações de Chico Buarque, António Zambujo, Xande de Pilares e Martinho da Vila. “O Martinho é um presente na minha vida, de uma suavidade e de um carinho comoventes”, disse Roberta Sá sobre um de seus parceiros em Delírio. Ela contou que a ideia de parceria surgiu durante um encontro dos dois em uma turnê. Na ocasião, Martinho da Vila lhe ofereceu a música “Amanhã é sábado”, posteriormente gravada. Para Roberta Sá, a canção “fala do empoderamento feminino, da mulher que agora é chefe de família, mulher de negócios e chega em casa cansada, pedindo colo”. “A Roberta é uma grande artista brasileira e está conquistando prestígio internacional”, disse Martinho da Vila sobre Roberta Sá. “Já dividimos palcos muitas vezes e somos fãs mútuos”, completou o sambista.


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de Martinho da Vila e Roberta Sá

QUEM É BAMBA NÃO BAMBEIA

Daryan Dornelles

Para falar de Martinho da Vila, vale um parêntese, pois ele é sem dúvida um dos grandes nomes da música brasileira. Martinho surgiu para o grande público no Festival da Record de 1967, quando apresentou o partido-alto “Menina Moça”. No ano seguinte, na quarta edição do mesmo festival, lançou o clássico “Casa de Bamba”, seu primeiro sucesso, seguido de “O Pequeno Burguês”. Logo se tornou um artista conceituado e ganhou muitos prêmios pela qualidade do conjunto da obra, além de ter sido um dos maiores vendedores de disco no Brasil. Em 1995, com o CD Tá delícia, Tá gostoso, consagrou-se como o primeiro sambista a ultrapassar a marca de um milhão de cópias vendidas em tempo recorde. Agora, ele prepara um novo álbum para o segundo semestre. Além de artista consagrado, Martinho da Vila tem outras duas vertentes igualmente relevantes: escritor e ativista cultural. Em 2016, lançou seu 14º livro, o romance Barras, vilas e amores, que surgiu a partir de pensamentos sobre política. Martinho estuda Relações Internacionais e por isso criou o personagem de um embaixador que conta suas andanças pelo mundo, inclusive pelo bairro de Vila Isabel, que dá o apelido Da Vila a Martinho. Em 2015, Martinho participou, outra vez, do Salão do Livro de Paris, lançando Os Lusófonos em francês. Em outros anos, as obras Joana e Joanes e Ópera Negra também foram traduzidas para o idioma. Como ativista cultural, Matinho da Vila promoveu este ano reapresentações do Clube do Samba, iniciativa criada no final da década de 1970 por João Nogueira, outro sambista de renome, que visava valorizar esse gênero musical em um cenário de domínio da música estrangeira. Ao Brasil Observer, Martinho disse: “fizemos quatro edições comemorativas para manter viva a memória do movimento que foi muito importante. Outras edições são possíveis, mas depende de patrocínio”.

‘ROUPA SUJA SE LAVA EM CASA’

ROBERTA SÁ Quando 26 de junho Onde Under the Bridge (Fulham Road, London SW6 1HS) Entrada £25 Info www.underthebridge.co.uk

MARTINHO DA VILA

Divulgation

Quando 28 de junho Onde Barbican Hall (Silk Street, London EC2Y 8DS) Entrada £25-45 Info www.barbican.org.uk

Muitos artistas têm se posicionado diante da crise política do Brasil. Por isso, pedi a opinião de ambos a respeito. Algo chato, sim, mas relevante. Roberta Sá respondeu: “Eu tomo muito cuidado pra falar sobre esse assunto. A sensação é que todo mundo agora sabe tudo sobre política e eu acho isso perigoso. A divisão do país está clara e vejo, em ambos os lados, uma agressividade exacerbada que não me representa. Precisamos rever muitas coisas, a começar pelo nosso sistema eleitoral arcaico. As fortunas das campanhas eleitorais elegem os nossos representantes em todas as escalas do poder. Aí manter essa a engrenagem política funcionando a qualquer preço é muito mais importante do que investir em saúde, educação, cultura, saneamento básico, moradia. Eu, que não entendo muito do assunto, infelizmente não vejo solução em curto prazo”. Martinho da Vila foi curto e grosso: “Não me sentiria bem falando à imprensa internacional sobre o escandaloso momento político brasileiro. Estou envergonhado e sigo o dito popular: roupa suja se lava em casa”.

NO PALCO EM LONDRES Os shows de artistas brasileiros no exterior são muito diferentes dos que acontecem no Brasil. A plateia, na maioria dos casos formada por várias nacionalidades, é geralmente mais quieta, e o foco é todo direcionado para a música. O que Martinho da Vila e Roberta Sá acham disso? “Eu acho maravilhoso”, disse Roberta Sá. “É importante e delicioso o calor do público, a alegria, mas também é essencial esse outro lado, de saber ouvir uma canção e entrar em contato com outras emoções”. Para Martinho da Vila, “os que estão no palco é que determinam o comportamento do público”. “Pretendo fazer um show para ser ouvido, apreciado e interativo. O importante é emocionar”, disse o cantor. Não é difícil imaginar: Londres vai se engrandecer na cadência bonita do samba de Martinho da Vila e Roberta Sá.


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DICAS

TEATRO Divulgação

‘Namíbia, não!’: uma peça brasileira em palco britânico Namíbia, Não! UK é a produção inglesa de uma comédia que explora o dilema de dois brasileiros negros após uma determinação governamental que obriga todos os descendentes de africanos a serem repatriados aos seus países de origem, suas reações e consequências. Trata-se de uma premiada peça de drama contemporâneo que questiona nossas ideias preconceituosas sobre pós-colonialismo e nosso senso de pertencimento. Namíbia, Não! UK expõe ao público britânico o trabalho do ator e dramaturgo brasileiro Aldri Anunciação, fortalecendo as colaborações entre o teatro brasileiro e britânico. A professora de cultura latino-americana Catherine Boyle, do King’s College London, orienta a tradução e Xavier Roide, conhecido por seu trabalho com a banda Placebo, é o compositor convidado e designer de som. O projeto conta ainda com o apoio de Franko Figueiredo, cofundador da companhia de teatro StoneCrabs, como produtor criativo. E o elenco traz Femi Oyeniran, famoso pelo personagem Moony nos filmes Kidulthood e Adulthood, de Noel Clarke, e Anyebe Godwin, visto mais recentemente no programa produzido pela ITV Autopsy: Last Hours of Notorious B.I.G Sean Smith. O diretor e tradutor Almiro Andrade lidera a adaptação da peça para o palco britânico. Almiro desenvolve atualmente sua pesquisa de PhD – Brazilianism: Translation and Adaptation of Contemporary Brazilian Drama through Devised Performance – no King’s College London. Ele também já participou ativamente de uma série de produções no Reino Unido, como ator e diretor/ escritor, sendo que na mais recente atuou como dramaturgo da peça Tieta, dirigida por Franko Figueiredo em 2015. Quando: 23 de junho, 7pm Onde: Tutu’s King’s College London Quando: 29 de junho, 4pm Onde: Soho Theatre Upstairs Entrada: Evento pague quanto puder Info: https://goo.gl/iZJEXj

EXPOSIÇÃO

FESTIVAL

Alfredo Volpi: na encruzilhada do modernismo brasileiro

Brazilica Festival leva o Carnaval a Liverpool

Quando: 11 de junho a 29 de julho (terça a sexta: 2-6pm, sábado: 12-4pm) Onde: Cecilia Brunson Projects (Royal Oak Yard, Bermondsey Street) Entranda: Gratuita Info: www.ceciliabrunsonprojects.com

Quando: 15 a 17 de julho Onde: Vários lugares Entrada: Gratuita Info: www.brazilicafestival.co.uk

David Munn

A galeria Cecilia Brunson Projects apresenta Volpi: at The Crossroads of Brazilian Modern Art, uma exposição de pinturas de Alfredo Volpi (1896 – 1988), com curadoria de Dr. Michael Asbury. Trata-se da segunda apresentação de uma série cujo objetivo é introduzir ao público londrino algumas das figuras mais importantes da arte moderna e contemporânea do Brasil, em parceria com a galeria Dale Art, de São Paulo. Embora possa ser uma nova descoberta, Alfredo Volpi é considerado uma das figuras mais influentes da arte brasileira do século 20. Pintor cujo trabalho articulou temas populares com o uso sofisticado de geometria e cor, Volpi situa-se na encruzilhada entre o modernismo brasileiro das décadas de 1920 e 1930 e a arte experimental dos anos 1950 e 1960. Poucos artistas no Brasil receberam tanto reconhecimento internacional, algo demonstrado pelas diversas retrospectivas e livros dedicados ao seu trabalho, assim como pela legião de ‘volpistas’ que seguiram e suas pinturas ao longo de sua carreira. Volpi é considerado um dos pilares do Modernismo Brasileiro, aclamado pelo movimento concretista e por críticos pré-eminentes, como Herbert Read e Mário Pedrosa. Ainda que Volpi tenha exposto bastante seu trabalho a partir de 1944 – inclusive em uma turnê pelo Reino Unido naquele mesmo ano, quando expôs na Royal Academy, e nas bienais de Veneza e São Paulo – esta é a primeira exposição solo de Alfredo Volpi no Reino Unido.

O Brazilica Festival de Liverpool está de volta para seu nono ano consecutivo. O Dia de Carnaval será realizado no sábado dia 16 de julho, na Praça Derby. Uma série de eventos está sendo organizada, como o Brazilian Film Festival. Haverá também exposições e workshops, além de performances de samba na Church Street, nos dias 16 e 17 de julho.


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CINEMA

MÚSICA

‘Embrace of the Serpent’: uma jornada pela Amazônia

Bixiga 70

Dirigido por Ciro Guerra, o filme Embrace of the Serpent é uma extraordinária jornada espiritual pelo coração da Amazônia colombiana. Um cientista alemão chega à Amazônia em 1909 e é guiado por Karamakate, um líder indígena, em sua busca pela planta sagrada yakruna. Décadas mais tarde, um cientista americano repete a missão, guiado pelo mesmo, porém mudado líder indígena. Embora baseado em relatos dos dois cientistas, o filme nomeado ao Oscar é visto pelos olhos de Karamakate, que testemunha os efeitos corrosivos do colonialismo em suas tradições e meio ambiente, que estão intimamente conectados. Quando: A partir de 10 de junho Onde: Vários cinemas pelo Reino Unido Entrada: Depende do cinema Info: www.peccapics.com

Depois de estrear no Reino Unido com ingressos esgotados no Rich Mix, em Janeiro passado, o Bixiga 70 volta a Londres com sua fusão de sons e ritmos africanos e sul-americanos. Música instrumental para dançar.

Quando: 23 de junho Onde: Scala (275 Pentonville Rd, London N1 9NL) Entrada: £15 antecipado Info: www.scala.co.uk

Eliane Elias A pianista brasileira Eliane Elias toca na tradicional casa de jazz Ronnie Scott’s com a banda Steps Ahead, ao lado de Mike Mainieri (vibrafone), Donny McCaslin (saxofone), Marc Johnson (baixo) e Billy Kilson (bateria).

Quando: 4 a 6 de julho Onde: Ronnie Scott’s Jazz Club (47 Frith Street, London W1D 4HT) Entrada: £35-55 Info: www.ronniescotts.co.uk

Hermeto Pascoal Divulgação

O compositor multi-instrumentista Hermeto Pascoal é uma figura gigante da música brasileira. Ele se apresenta com seu conjunto britânico conduzido por Jovino Santos Neto em celebração aos 80 anos de vida.

Quando: 9 de julho Onde: Barbican Hall (Silk Street, London EC2Y 8DS) Entrada: £15-35 plus booking fee Info: www.barbican.org.uk

João Donato + Janis Siegel + Diego Figueiredo Três gerações de músicos buscam um ponto de encontro entre o jazz americano e a música brasileira, tocando um repertório de músicas do pianista João Donato e algumas menos conhecidas da Bossa Nova.

Quando: 10 de julho Onde: Barbican Hall (Silk Street, London EC2Y 8DS) Entrada: £15-30 plus booking fee Info: www.barbican.org.uk

Emicida Divulgação

Ele ganhou destaque através das rinhas de MCs. Hoje, Emicida é um dos maiores rappers do Brasil. Oportunidade rara de curtir esse som potente na Walthamstow Garden Party deste ano (1617 de Julho). Quando: a ser confirmado Onde: Walthamstow Lloyd Park Entrada: Gratuita Info: www.walthamstowgardenparty.com

Dom La Nena Cineclub Brazil: ‘Batguano’ e ‘The Dead Girl’s Feast’ O Setor Cultural da Embaixada do Brasil em Londres, em parceria com o site Dirty Movies (www.dirtymovies.org), apresenta uma temporada de “the dirtiest Brazilian films from the past 10 years”. Um ‘dirty movie’ não é algo ordinário: desafia e quebra convenções. A temporada terá cinco apresentações, com introduções, conversas e mesas de debate. O primeiro filme a ser exibido (8 de junho) é Batguano, dirigido por Tavinho Teixeira, que mostra os personagens Batman e Robin tentando sobreviver em um apocalíptico terceiro mundo. No dia 22 de junho é a vez de A Festa da Menina Morta (The Dead Girl’s Fest), dirigido por Matheus Nachtergaele, uma história sobre uma celebração em uma pequena comunidade à beira do Rio Negro. Victor Fraga fará as introduções. Quando: 8 e 22 de junho, ambos às 6.30pm Onde: Embaixada do Brasil em Londres (14-16 Cockspur Street) Entrada: Gratuita (RSVP: culturalbrazil.rsvp@gmail.com) Info: www.londres.itamaraty.gov.br

A cantora e compositora brasileira Dom La Nena tem ganhado a cena internacional com seu álbum Soyo, lançado no Reino Unido em 2015. Seu próximo show por aqui acontece no Womad Festival (28 a 31 de julho).

Quando: A ser confirmado Onde: Womad Festival, Charlton Park Entrada: £175 para o fim de semana Info: www.womad.co.uk

O Rappa Depois do enorme sucesso do show do ano passado na capital inglesa, a O Rappa volta a Londres. A banda vai tocar músicas de seu mais recente álbum, Nunca Tem Fim, além de outros hits como ‘Me Deixa’.

Quando: 13 de agosto Onde: Electric Brixton (Town Hall Parade, London SW2 1RJ) Entrada: £25 Info: www.electricbrixton.uk.com

Orquestra Jazz Sinfônica A Orquestra Jazz Sinfônica de São Paulo se junta à Marin Alsop e à Orquestra Sinfônica de São Paulo para uma noite de música brasileira.

Quando: 24 de agosto Onde: Royal Albert Hall Entrada: £7.50 a £25 Info: www.royalalberthall.com


26 brasilobserver.co.uk | Junho 2016

COLUNISTAS FRANKO FIGUEIREDO

O que é cultura? Acredito que o ser humano precisa ser alimentado física e espiritualmente, e que as artes são o alimento da alma

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Franko Figueiredo é diretor artístico e produtor associado da Companhia de Teatro StoneCrabs

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Sentado em um café no centro de Londres, não posso deixar de ouvir as conversas ao meu redor. À minha esquerda, dois senhores discutem suas últimas descobertas na TV; à minha direita, um casal conversa sobre uma peça de teatro; atrás de mim dois jovens falam sobre livros e shows de música, e um deles questiona: “culturalmente, o que está acontecendo no Brasil hoje? Sem contar Bossa Nova, Carnaval, Paulo Coelho e Criolo, o que o Brasil oferece à cena cultural internacional?”. O outro respira fundo e diz: “não acho que tem muita coisa acontecendo não. O Brasil não investe muito em cultura”. Aquela pergunta fica rondando minha cabeça. Cultura está em todo lugar e influencia nossas vidas de muitas maneiras, modelando nosso mundo desde os comerciais de TV até os lugares que visitamos. Cultura, no sentido original da palavra, se refere àquilo que é cultivado. Não é sólido nem definido. É orgânico, não pode ser medido em números ou tamanhos. Nós criamos cultura, consumimos cultura. A cultura se infiltra em nossas vidas de formas inimagináveis. Ela muda nossos comportamentos. Tome Shakespeare como exemplo: diversas expressões que usamos hoje em inglês, e em outras línguas, vieram de seus escritos. Podemos viver e respirar cultura, mas cultura de quem? De fato acredito que o Brasil começou a sair da periferia global em relação à cultura, ainda que de forma lenta, para se tornar um player mais relevante, participando de maneira mais ativa do intercâmbio internacional. Obviamente, porém, é necessário mais investimento se quisermos explorar novas fronteiras. Infelizmente, os artistas que atualmente conseguem fazer isso são parte de uma elite econômica – ou se beneficiam do suporte financeiro desse mesma elite endinheirada. “A vida sem arte e cultura é muito pobre”, sentencia o Arts Council da Inglaterra, que tem passado por cortes massivos em nome da austeridade econômica inglesa. “As artes são parte fundamental de nossas vidas – nos dão o prazer e a oportunidade de nos expressarmos. Também trazem benefícios sociais e econômicos para nossas comunidades e nação”. Mas como poderemos sentir o valor intrínseco das artes se metade da população mal pode dar conta de colocar comida na mesa? Acredito que o ser humano precisa ser alimentado física e espiritualmente, e que as artes são o alimento da alma. Precisamos, portanto, encontrar um balanço. Nós somos cultura e precisamos permitir que nosso verdadeiro ‘eu’ possa se expressar através da arte. A arte cria nossa identidade, nos faz quem somos. Esqueça os fatos e os dados. Cultura não é contabilidade. Cultura, como a urgência de se encontrar cultura,

é construída pela necessidade – pessoas necessitadas de algo que amenize a dor do dia a dia, pessoas que querem se expressar ou simplesmente fazer o que mais gostam. Os burocratas neoliberais que estão no poder são cegos demais para enxergar o quanto a cultura é importante para o bem estar de um país. Talvez eles sejam apenas gananciosos, se apoderando de tudo que podem enquanto há tempo, deixando os ossos para as próximas gerações. Hoje em dia tudo precisa visar o lucro. Não podemos investir em nada sem ter um grande retorno financeiro. No Reino Unido, vemos pouquíssimo risco ser assumido, com casas de cultura produzindo apenas projetos com retorno seguro em termos de bilheteria. Pouco risco significa pouco investimento, que por sua vez significa cultura morta. O sistema atual valoriza aparência e lucro mais do que moral e ética. Algo que se nota de forma descarada até mesmo no parlamento britânico, onde o primeiro ministro conservador David Cameron já tirou sarro das roupas usadas pelo líder trabalhista Jeremy Corbyn. No Congresso brasileiro é ainda pior. O que notamos é que a falta de cultura produz pessoas arrogantes e políticos que não dão a mínima para a humanidade do outro; parlamentos e congressos deviam ser os locais do diálogo por excelência, mas não, vemos o oposto... E não é uma questão de educação; é falta de cultura, moral e ética que provoca o comportamento animal dos políticos de hoje. Infelizmente, eles são nosso espelho. Dito isso, tenho testemunhado algumas mudanças, como na Grécia, por exemplo, que apesar da crise econômica sufocante não deixou de investir em cultura. Até Dubai, que na década de 1990 tinha poucas opções culturais, é hoje um lugar onde mercados abrem as portas nos finais de semana e durante a noite para sessões de cinema, debate e convívio – geralmente sem custos, pois a ideia é financiada pelas autoridades locais. Trocando em miúdos, o desejo que as pessoas nutrem de não apenas se entreter, mas também de se engajar em debates focados na igualdade entre os seres humanos é o verdadeiro significado de cultura. Sigo otimista. Ainda mais por saber que o novo prefeito de Londres, Sadiq Khan, disse que “cultura é o DNA de nossa cidade, é o que nos aproxima”. Ele acrescentou que vai priorizar as artes tanto quanto as áreas de transporte e habitação. Acredito que estamos caminhando nessa direção; só precisamos melhorar como investimos tempo e dinheiro. Quem sabe na próxima vez que eu ouvir uma conversa alheia num café local, ouvirei uma resposta diferente para a pergunta “onde está o Brasil na cena cultural internacional?”. Quem sabe até a pergunta não exista.


brasilobserver.co.uk | Junho 2016 27

HELOISA RIGHETTO

Como me descobri feminista Sou feminista desde a primeira lembrança de uma situação machista, mas precisei de tempo para assimilar esse rótulo

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Heloisa Righetto é jornalista e escreve sobre feminismo (@helorighetto – facebook.com/conexãofeminista)

“Lá vem ela falar de feminismo”, pensam as pessoas ao meu redor quando leem ou escutam minhas teorias feministas, minhas reclamações sobre a sociedade patriarcal (outra palavra que provoca olhos virados: patriarcado) e meus pedidos de participação em campanhas. Devem imaginar que essa é apenas mais uma fase, mais uma obsessão. Mas, para mim, e acredito que para todas as feministas ativistas, o feminismo não é uma paixão momentânea. O feminismo é o que tenho de mais próximo a uma religião. É uma causa que vou abraçar para o resto da vida e, quem sabe, colaborar com o seu legado. Eu não acordei um belo dia e decidi que era feminista. Não tive um estalo, uma revelação. Foi algo com o qual fui me adaptando aos poucos. Com a ajuda de amigas e campanhas online lideradas por mulheres que se tornaram referência no movimento feminista, percebi que sempre fui “uma delas”. Eu sou feminista desde a primeira lembrança de uma situação machista na minha vida, mas precisei de tempo para assimilar o significado desse rótulo. O projeto Everyday Sexism (Sexismo Cotidiano) foi a chave para a minha descoberta. Trata-se de um site (que depois virou livro) onde mulheres dividem experiências e compartilham situações que aconteceram ao longo de suas vidas. Coisas que até pouco tempo eu (e muitas outras mulheres) via como rotineiras. Coisas que eu achava que simplesmente faziam parte do pacote de ter nascido mulher. Durante algumas semanas, todos os dias eu acessava esse site (que continua funcionando e foi traduzido para diversos idiomas, inclusive português) e lia os relatos. Decidi então compartilhar minhas lembranças também, e aí tomei o primeiro susto: uma das primeiras memórias da minha vida é uma memória machista.

Durante toda minha infância e adolescência, passei o final do ano na companhia de familiares. Não apenas meus pais e irmã, mas muitos primos, tios e avós. Nada mais animado do que reunião de família, certo? Animado e também sexista. Lembro que no primeiro dia do ano, após as comemorações da noite anterior e do tradicional almoço, todas as mulheres iam para a cozinha, lavar louça e arrumar a bagunça. Os homens? Bebendo. Dormindo. Conversando. Lembro que certa vez minha prima mais velha foi convocada para ajudar, e a partir de então eu passei a pensar: será que esse ano vão me chamar? Depois que relatei essa lembrança no site Everyday Sexism, muitas outras saíram da obscuridade da minha mente e passei a recordar situações que havia suprimido durante tantos anos. Lembrei-me de ter sido assediada na rua. Sozinha, acompanhada da minha irmã e amigas e até mesmo da minha mãe. É isso que acontece quando você tira o véu do machismo da sua frente: você enxerga claramente o sexismo entranhado na sociedade e na sua vida. Comecei então a me informar mais sobre campanhas semelhantes ao projeto Everyday Sexism, e a conversar sobre o assunto com amigas mais próximas. Descobri que todas elas passaram por situações como as que eu passei, e que como eu elas simplesmente aceitavam o assédio (seja na rua, no trabalho, em áreas públicas, em escolas…), porque, afinal de contas, “a vida é assim”. Mas não é assim. Eu, uma mulher privilegiada (branca, classe média, com acesso a educação, heterossexual e cisgênero), cansei de me conformar. Passei a questionar. Se eu sofro com sexismo, como será então para mulheres negras? Ou deficientes? Ou transgênero? Como será a vida das mulheres em países reconhecidamente opressores? Ou em campos de refugiados? É preciso dar voz às mulheres. E o feminismo está aqui para isso. Para mostrar ao mundo como as mulheres ainda são alvo de violência, assédio e opressão apenas por serem mulheres. Quanto mais falarmos, mais pessoas escutam. Vamos à luta?


28 brasilobserver.co.uk | Junho 2016

LONDON BY

Kingston e Hampton Court

Nathรกlia Braga

Combo perfeito:


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Tranquilidade, muito verde e casinhas às margens do Tâmisa. O cenário é tão terapêutico que parece fora de Londres Por Nathália Braga g

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Uma das coisas que eu mais gosto em Londres é o fato de ter sempre um lugar novo para conhecer. Mesmo depois de quatro anos morando na cidade, ainda saio por aí explorando uma região diferente – e sempre volto para casa com a sensação de ter feito uma viagem naquele dia. Minha última aventura foi em um dos quatro royal boroughs da capital britânica, Kingston Upon Thames, na região sudoeste de Londres. Tranquilidade, muito verde e casinhas às margens do rio Tâmisa. O cenário oferece uma verdadeira terapia, algo bem diferente do ritmo frenético do centro de Londres. E chegar lá é fácil: 30 minutos de trem partindo de Waterloo Station. Os trens da South West são talvez os mais confortáveis da cidade, e durante o caminho você pode ouvir conversas no próprio estilo posh, em um sotaque mais britânico impossível. Descendo na estação de Kingston, vá em direção à Old London Road para conhecer um dos cartões postais local: a instalação de arte Out of Order, popularmente conhecida como as cabines telefônicas tombadas umas sobre as outras. A obra é do artista David Mach e as doze cabines foram colocadas ali ainda em 1989. Em 2001, passou por uma renovação e segue intacta, sem grafites, e com muitos turistas em volta tirando fotos. Depois de ver as cabines, é hora de explorar o lado oposto do centrinho da região. Caminhe em direção ao Tâmisa para passar pelo Ancient Market Place, que funciona em uma praça bem charmosa todos os dias da semana, das 10h às 17h. Passeie por ali observando as barraquinhas e descubra a diversidade da culinária internacional. Que tal uma famosa torta inglesa? Ou ainda uma deliciosa wrap marroquina? Prefere um sushi ou comida francesa? Sem problemas. Tem comida para tudo quanto é gosto, além de barracas com frutas, vegetais, peixes e pães. Mas, se você quiser um almoço com vista incrível, resista às tentações do mercado e ande mais um pouco até chegar à High Street. Lá você encontra vários restaurantes, alguns com fachada bem estreitinha e tímida, mas não se engane: a maioria tem área externa à beira do rio Tâmisa. O Stein’s Kingston chamou a atenção pela pequena fila na porta e a pequena espera valeu a pena, comida e cerveja (alemã) deliciosas.

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Enquanto olha para o rio e admira a beleza do lugar, você provavelmente se dará conta de que está no meio do seu passeio, que pode continuar pela região de Kingston Upon Thames ou pode estender até o Hampton Court Palace. Se optar pela segunda opção, não irá se arrepender!

HAMPTON COURT PALACE Pegar um ônibus ou caminhar por cerca de 40 minutos são algumas das formas de se chegar ao Hampton Court Palace partindo de Kingston Upon Thames. Mas o mais gostoso mesmo é aproveitar o passeio de barco, que dura cerca de 20 minutos. Se o tempo ajudar, será o ponto alto do dia. O ticket ida e volta custa £8 – ou £6,50 só ida. Os barcos funcionam até determinado horário, geralmente param à tardezinha. Se quiser ficar até mais tarde, compre o bilhete só de ida. E não se preocupe em como voltar para casa, pois a estação de trem de Hampton Court fica a poucos minutos do palácio e de lá saem trens de volta para Waterloo Station. Porém, acredite em mim quando digo: a última coisa que você vai pensar é em voltar para casa! A visita ao Hampton Court Palace vale cada centavo dos £21 que se paga para entrar (£19 sem a taxa de doação). O gramado da área externa já impressiona, mas há muito mais para ver. Explore o interior do palácio, que serviu de residência para o rei Henrique VIII, mas reserve bastante tempo para visitar os jardins, além de um tempinho para tentar encontrar a saída do famoso labirinto do palácio. Pegue um mapa e não deixe de visitar o The Great Fountain Garden, que parece ter sido tirado de um filme de contos de fadas. Na época da primavera, as flores deixam o jardim todo colorido, um colírio para os olhos. Caminhe pelos jardins até chegar à videira, que foi plantada em 1768 especialmente para o rei Henrique VII e já entrou para o Guiness Book of World Records como a maior videira do mundo. Depois da visita, a sensação é de não querer ir embora. Caminhe pela beira do rio, sente no gramado na área externa ou vá a um pub local para terminar o passeio nesse lugar tão tranquilo que nem parece estar tão perto do centro de Londres.

Nathália Braga é jornalista, trabalha na área de marketing digital e vive em Londres desde 2012. Em seu blog Lar Doce Londres (www.lardocelondres.com), escreve sobre a vida na capital britânica, suas histórias e tudo o que vem incluso no pacote: desafios, viagens, cultura, carreira e família.


30 brasilobserver.co.uk | Junho 2016

BR TRIP

Rio 2016: sem clima para Olimpíadas? Shaun Alexander corre ao lado da Tocha Olímpica em sua passagem pela cidade de Vitória, no Espírito Santo

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Os Jogos Olímpicos Rio 2016 estão quase aqui: Brasil. Certamente serão os maiores Jogos Olímpicos de todos os tempos, seguindo o grande sucesso da Copa do Mundo, certo? Talvez. Mas vamos devagar. Em 2012, eu ainda morava em Londres. O clima olímpico estava no ar e a tocha, prestes a passar pelas redondezas do escritório onde eu trabalhava em Bank. Não me interessei na hora, mas de repente todos resolveram sair à rua para ver o tal objeto passando. Foi um grande evento, milhares de trabalhadores engravatados esperavam a passagem da tocha. Afinal de contas, aquele momento estava sendo transmitido para o mundo todo. Pulo para 2016. Saí à rua para ver a Tocha Olímpica novamente. Como eu poderia perder isso? Sou um estrangeiro no Brasil, então posso deixar tudo de lado e focar no espetáculo esportivo. Mas verdade seja dita: há muito menos entusiasmo no Brasil do que havia em Londres 2012. As razões para esta falta de ânimo são várias. A principal: os políticos do país entristecem as pessoas. A confiança do público desapareceu porque, como já foi comprovado, muito dinheiro público tem sido desviado através de esquemas de suborno em projetos de infraestrutura superfaturados. É quase certo que não foi diferente com as obras para os Jogos Olímpicos. A traição dos políticos brasileiros, no entanto, vai muito além. O governo está paralisado, dezenas de autoridades deveriam estar na cadeia e, enquanto isso, a presidente Dilma Rousseff – em grande parte com as mãos amarradas por um Congresso corrupto – é acusada de crimes que a maioria nem sabe se existiram mesmo. Muitos chamam isso de golpe. Pior do que isso: se olharmos para o Rio de Janeiro especificamente, o que veremos é que muitas das promessas feitas pelos administradores da cidade ao Comitê Olímpico Internacional para garantir os Jogos não vão ser cumpridas. Muitas dessas promessas teriam melhorado consideravelmente a vida das pessoas. Por exemplo, a Baía de Guanabara seria despoluída através da construção de esgoto, o que limparia as vias navegáveis a​​ ltamente poluídas de toda a região do Rio. Nada feito – e o governo do Rio jogou a toalha em relação ao projeto há um ano. Em Londres 2012, a discussão era sobre estar tudo pronto a tempo para os Jogos Olímpicos. Tudo deu certo e, para ser honesto, acho que no Rio tudo ficará pronto a tempo também. Não é esta a questão. A traição do governo brasileiro a seu povo é

assunto complexo demais para eu entrar em detalhes nesta coluna, mas é a razão principal que faz muitas pessoas me dizerem que simplesmente não há clima no Brasil para Jogos Olímpicos. O país terá de fingir para o mundo. Mesmo que pareça bem, as pessoas ao redor do mundo devem saber que as coisas definitivamente não estão bem. A recessão tem detonado a economia, a população está totalmente dividida politicamente, não tem como dar um sorriso sincero. A ideia era que os Jogos Olímpicos Rio 2016 marcassem a chegada do Brasil ao grande palco global. No entanto, o presidente interino Michel Temer, que provavelmente vai estar nas arquibancadas recebendo líderes mundiais, é visto por muitos como ilegítimo. Francamente, muitos verão a presença de Temer nas tribunas como uma afronta à democracia. Por isso, os Jogos serão para os gringos desfrutarem – muitos talvez ignorem os problemas enfrentados pelo país. Não parece justo, afinal. Ao ver a Tocha Olímpica de perto, uma coisa me deu esperança. Ao longo do trajeto, centenas de crianças riam, cantavam e cumprimentavam o corredor com a tocha na mão. Crianças inocentes e, talvez, alheias aos problemas enfrentados pelo Brasil atualmente. Elas podem ver os Jogos Olímpicos pelo o que eles são: um evento esportivo emocionante em seu país de origem. Atletas brasileiros se apresentarão para elas e, quem sabe, elas talvez se tornem heróis do esporte um dia também. É isso que os Jogos Olímpicos devem ser. As gerações futuras vão se lembrar para sempre. E como eu disse em meu canal no YouTube: semanas antes do evento, aqueles que podem deixar de lado os problemas do Brasil vão começar a se concentrar no maior evento esportivo do mundo, e se lembrarão apenas das coisas boas. Algo de que não se tem dúvida: os brasileiros vão sempre receber os gringos com um sorriso no rosto, um abraço caloroso e uma grande festa, independentemente do que esteja acontecendo em suas vidas pessoais. Aqueles que estão indo para os Jogos Rio 2016 a partir do estrangeiro terão certamente um dos melhores momentos de suas vidas. Caso você esteja se perguntando, o atleta carregando a tocha chama-se Alison. Ele é um dos atletas locais favoritos aqui no Espírito Santo – um jogador de vôlei de praia com chances reais de medalha. Boa sorte para ele e para o resto do Time Brasil quando tudo começar em agosto.


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