Brasil Observer #43 - BR

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LONDRES

www.brasilobserver.co.uk

ISSN 2055-4826

OUTUBRO/2016

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brasilobserver.co.uk | Outubro 2016


NEGOCIAÇÃO DE DÍVIDAS

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QUAIS AS VANTAGENS E DESVANTAGENS? A negociação de dívidas é um processo que você ou sua empresa podem fazer. No entanto, com o auxílio de uma empresa especializada, este processo pode ser mais leve tanto na negociação, quanto para seu bolso. Esse é o objetivo da Aspect Plus Ltd. Uma empresa autorizada e especializada em insolvência, que dispõem de um time altamente capacitado para negociar a sua dívida com seus credores, conseguindo eliminar algumas taxas, como por exemplo a de pagamento atrasado, e, até mesmo, congelar os juros. Na Inglaterra esse processo é conhecido como debit management, ou no caso de dívidas empresariais, o chamado CVL. Porque os credores aceitam a redução da dívida? Os credores tentam recuperar o máximo de dinheiro possível dos seus devedores. É custoso para os credores pois existem clientes que entraram em incumprimento. Por isso estão dispostos a renegociar uma dívida para assegurar, ao menos, uma parte do dinheiro emprestado. Além disso, é possível declarar falência, e desta forma os seus credores não têm a oportunidade de recuperar o dinheiro. Esse é um dos principais fatores que fazem maioria dos credores estarem dispostos e abertos a negociação conosco. Desta forma é possível negociar ou regatear os preços, reduzilos a uma certa percentagem. A negociação de dívidas é uma das melhores formas e mais rápidas de tornar o seu histórico financeiro pessoal ou da sua empresa melhor. No entanto, existem algumas vantagens e desvantagens que você deverá considerar: VANTAGENS DE NEGOCIAR AS SUAS DÍVIDAS n

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Evita que os credores lhe chateiem e as cartas incansáveis parem de chegar a sua porta. As empresas de consolidação de empréstimos reduzem a quantidade total a pagar pela dívida, ajudando-lhe a poupar dinheiro. Só tem que fazer um único pagamento fixo por mês. Com a negociação da sua dívida você poupará tempo e com o tempo irá conseguir pagar o dinheiro que deve.

DESVANTAGENS DE NEGOCIAR AS SUAS DÍVIDAS n

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O seu saldo irá ser afetado negativamente, e isso vai refletir no seu histórico financeiro. Mas lembre-se: é sempre melhor que entrar em insolvência ou falir. É possível que os seus credores continuem a lhe chatear durante os primeiros meses do processo de negociações. Algumas empresas só aceitam trabalhar se tiver uma quantidade de capital mínima, necessária para a negociar.

A Aspect Plus Ltd dispõe de um time altamente qualificado e especializado nas áreas de finanças e insolvência pessoal e corporativa. Info@aspectplus.co.uk 0203 417 0335

CONSULTA INICIAL GRATUITA

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Conteúdo

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OUTUBRO/16

LONDON EDITION

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Um olhar rápido sobre aquilo que nos cerca

Publicações independentes, ideias infinitas no papel impresso

OBSERVAÇÕES

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James Green e Renan Quinalha sobre o governo Temer

O cinema brasileiro em tempos de golpe parlamentar

CONVIDADO

É uma publicação mensal da ANAGU UK UN LIMITED fundada por:

CONECTANDO

Ana Toledo Diretora de Operações ana@brasilobserver.co.uk

CULT

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Gabriela Lobianco entrevista a cantora brasileira Maria Gadú

Franko Figueiredo sobre teatro e vida Heloisa Righetto sobre feminismo

Guilherme Reis Diretor Editorial guilherme@brasilobserver.co.uk

COLUNISTAS

Roberta Schwambach Diretora Financeira roberta@brasilobserver.co.uk

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Editor em Inglês Shaun Cumming shaun@investwrite.co.uk

Por que se pede o fim das polícias militares no Brasil?

Descubra o que fazer no norte de Londres

ENTREVISTA

REPORTAGEM

LONDON BY

Design e Diagramação Jean Peixe ultrapeixe@gmail.com Colaboradores Christian Taylor, Franko Figueiredo, Gabriela Lobianco, Helen Brüseke, Heloisa Righetto, James Green, Nathália Braga, Renan Quinalha, Tiago di Mauro, Wagner de Alcântara Aragão

Arte da Capa Márcio MFR

Júlio Vieira www.jvieira.com.br

Júlio Vieira vive e trabalha em São Paulo. Seus trabalhos caminham entre o inconsciente e o orgânico, carregando fortes signos que ligam culturas ocidentais e africanas. Júlio já participou de exposições no Brasil, Uruguai, Espanha e Holanda, além de realizar painéis públicos no Brasil, Argentina, Chile e Estados Unidos.

IMPRESSÃO St Clements press (1988 ) Ltd, Stratford, London mohammed.faqir@stclementspress.com 10.000 cópias Distribuição Emblem Group Ltd. Para anunciar comercial@brasilobserver.co.uk 020 3015 5043 Para assinar contato@brasiloberver.co.uk Para sugerir pauta e colaborar editor@brasilobserver.co.uk Online 074 92 65 31 32 brasilobserver.co.uk issuu.com/brasilobserver facebook.com/brasilobserver twitter.com/brasilobserver

APOIO:

A capa desta edição foi feita por Júlio Vieira para a Mostra BO, projeto desenvolvido pelo Brasil Observer em parceria com a Pigment e com apoio institucional da Embaixada do Brasil em Londres. Cada uma das 11 edições deste jornal em 2016 contará com uma arte em sua capa produzida por artistas brasileiros selecionados através de uma chamada pública. Em dezembro, os trabalhos serão expostos na Sala Brasil.

O Brasil Observer, publicação mensal da ANAGU UK MARKETING E JORNAIS UN LIMITED (company number 08621487), não se responsabiliza pelos conceitos emitidos nos artigos assinados. As pessoas que não constarem do expediente não tem autorização para falar em nome desta publicação. Os conteúdos publicados neste jornal podem ser reproduzidos desde que creditados ao autor e ao Brasil Observer.


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Are you considering doing business in Brazil? The world has finally discovered the potential of this great country and how it plays a leading role in Latin America. However, what does it take to succeed in this complex market? How to deal with local challenges which can constitute real obstacles to companies? That is where we come in: developing and implementing strategic plans for the international expansion of our clients. Learn more about our company at www.suriana.com.br

www.suriana.com.br


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OBSERVAÇÕES Estudo investiga o consumo cultural da comunidade latinoamericana em Londres

Brazil Institute do King’s College anuncia primeiros seminários do novo ano letivo

Realizado pela Queen Mary University e pelo CASA Latin American Theatre Festival, o relatório “Cultural Consumption and the Performing Arts among Latin Americans in London” traz informações e análises baseadas em 474 questionários, 14 entrevistas e um grupo de discussão. O estudo investigou a natureza, os padrões e os fatores que configuram o consumo cultural da comunidade latino-americana em Londres; as barreiras que eles encontram como consumidores e produtores de artes performáticas; e o papel das artes performáticas e do consumo cultural em geral na formação de identidade e no processo de integração. De acordo com a pesquisa, as atividades culturais mais populares entre os latino-americanos são música, artes performáticas (principalmente teatro e dança), cinema e artes visuais. Falta de tempo e custo foram apontadas como principais barreiras para o consumo cultural. O estudo afirma ainda que a comunidade brasileira tende a se ver de forma separada dos latino-americanos que falam o idioma espanhol.

O Brazil Institute anunciou em setembro os primeiros seis seminários de sua “Seminar Series 2016/17”. Com o objetivo de aprofundar o debate sobre diversos temas relacionados ao Brasil, esses eventos são gratuitos e abertos ao público. Não há necessidade de fazer reserva de lugar. O primeiro seminário aconteceu em 27 de setembro, com o título “The military’s absence from the political and economic crisis in Brazil”, apresentado pela Dra. Maria Celino D’Araujo, da PUC-RJ. Outros quatro seminários acontecerão em 2016, dois em outubro e dois em novembro. Já há também uma seminário confirmado para janeiro de 2017. Neste mês, os dois seminários são “Public management and education: the dynamics of political appointments in Brazilian local governments”, dia 11, e “Creative Economy, Culture and Development in Brazil: an overview about the academic and public policy agenda”, dia 25. O primeiro será apresentado pela Dra. Sónia Gonçalves, do Brazil Institute, e o segundo pelo Dr. Leandro Valiati, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

O estudo completo pode ser acesso pelo link goo.gl/ohJnH0

Para mais informações acesse kcl.ac.uk/brazilinstitute

Divulgação/Embaixada do Brasil em Londres

DIA DO BRASIL, TIPICAMENTE LONDRINO

Foi debaixo de chuva. Mas nem a água que caía do céu, insistente, foi capaz de espantar as centenas, talvez milhares de brasileiros que se reuniram na Trafalgar Square, dia 10 de setembro, para celebrar o Brazil Day. O evento contou com a participação do medalhista olímpico Felipe Wu, que conquistou uma medalha de prata no tiro esportivo nos Jogos Rio 2016.


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CONVIDADO

Fora Temer e depois? O “Fora Temer” já não se confunde com o “Volta Dilma”, agregando setores que não queriam Dilma e tampouco Temer Por Renan Quinalha e James N. Green g

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O mantra político que mais ecoou nas manifestações contra o governo do Partido dos Trabalhadores (PT), ocorridas nos últimos meses no Brasil, foi “primeiro a gente tira a Dilma, depois o resto”. Esse enunciado, que parecia ser uma declaração implacável de guerra contra a corrupção sistêmica que atravessa todos os partidos políticos, arrefeceu logo após a consumação do impeachment. Vitória dessa indignação seletiva e oportunista, a Dilma saiu e o “resto” não só permaneceu, como ganhou mais espaço, na forma de um governo com um primeiro escalão formado apenas por homens brancos, de meia idade, acusados de corrupção e membros das elites mais conservadoras. Uma aliança entre o PMDB e o PSDB, partido este derrotado nas últimas quatro eleições presidenciais, assumiu o poder após a deposição de Dilma. No entanto, o governo Temer, agora não mais provisório, enfrenta um grave déficit de legitimidade. Primeiro porque a ampla coalizão que se uniu contra Dilma é heterogênea demais para compor um mesmo governo. Tanto é assim que as primeiras fissuras e atritos entre os aliados de outrora começam a aparecer cada vez mais claramente. Segundo, pois as cobranças dos setores industriais e financeiros por reformas de retiradas de direitos, como a previdenciária e a trabalhista, impactam a vida de milhões de brasileiros e só essa ameaça já tem motivado resistências significativas. Terceiro, porque parcela significativa da mídia, inclusive algumas que apoiaram abertamente o impeachment, agora está dirigindo críticas duras ao governo Temer por suas diversas deficiências e fragilidades. Quarto, porque a narrativa que caracteriza o impeachment como um golpe de Estado ilegítimo ganhou força dentro e fora do Brasil, acometendo o novo governo de uma falta de respaldo bastante grande, que se reflete no alto índice de reprovação de um governo que mal começou. Quinto, pois têm eclodido, nas últimas semanas, grandes manifestações de rua pelo “Fora Temer” por inúmeras cidades em todas as regiões do Brasil. Temer tem minimizado, sistematicamente, os números e a dimensão reais dos atos massivos que estão eclodindo, diversas vezes por semana por todo o país. Ainda é cedo para afirmar que tais atos terão a capacidade de inviabilizar o governo Temer ou de derrubá-lo, mas certamente não são apenas “40 pessoas” que estão indignadas com a situação no Brasil. É impossível não lembrar, diante de milhares de pessoas que estão agora ocupando as ruas, da ebulição social tão recente que, de algum modo, esteve associada à crescente

insatisfação popular que acabou servindo de caldo para consumar o impeachment: as jornadas de junho de 2013. É verdade que as mobilizações de 2013 foram multifacetadas, com deslocamentos constantes de pautas e com diferentes grupos disputando seus sentidos e agendas desde o início. Inadequado, portanto, reduzi-la a uma manifestação antigoverno. No entanto, um motor fundamental das maiores mobilizações daquele momento histórico foi o crescente antipetismo que tomou conta das classes médias e da mídia hegemônica, mas que agora não está mais presente em virtude do alijamento completo do PT do governo. Assim, o governo Temer enfrentará o desafio de forjar sua legitimidade política em um contexto de crise econômica, de agitação social e de cobranças duras de fatura dos apoiadores da manobra que lhe deu origem. Além da oposição crescente, dentro das instituições e nas ruas, membros da alta direção do PMDB e dos outros partidos da base aliada de Temer estão no alvo das investigações contra a corrupção. Esse ingrediente judicial eleva o nível de incerteza e de insegurança no sistema político. Ex-ministro que foi demitido por Temer, Fabio Medina Osório veio a público no início de setembro justamente denunciando as tentativas do governo de paralisar a operação Lava Jato, com enorme repercussão na mídia. Além disso, há diversas outras delações premiadas de empresários influentes da construção civil aguardando homologação judicial que poderão, caso aceitas, comprometer boa parte do establishment político que dá sustentação a Temer. Isso sem falar em Eduardo Cunha, o artífice do impeachment e aliado de primeira hora, que foi cassado pela Comissão de Ética da Câmara dos Deputados também em setembro e que já manifestou sua indignação por se sentir “abandonado” pelo governo, sinalizando que poderá haver algum tipo de retaliação. Outros ministros caíram nas primeiras semanas em escândalos políticos que desgastaram ainda mais o então governo provisório. A questão do futuro da gestão Temer, assim, é repleta de variáveis ainda indefinidas e em aberto no jogo político e jurídico. Se atender às demandas do PSDB e outros setores mais neoliberais de redução de gastos públicos com direitos sociais (PEC 241) e de reformas de retirada de garantias históricas da classe trabalhadora, terminará por reforçar as mobilizações contrárias ao seu próprio governo. Parte dos movimentos de oposição está aproveitando a onda crescente do “Fora Temer” para pautar a proposta de “Diretas Já”. No entanto, por um dispositivo constitucional, só poderá haver eleições diretas para

presidente se o afastamento de Temer, seja por força das ruas seja por decisão do Tribunal Superior Eleitoral que está analisando as contas das eleições de 2014, ocorrer até final deste ano. Se seu afastamento se der a partir de janeiro de 2017, a escolha de um presidente para um mandato “tampão” até 2018 deverá ser feita de modo indireto pelo Congresso Nacional. Outras propostas que estão emergindo são de eleições gerais com reforma política, ou seja, para todos os parlamentares também e não apenas para presidente com discussão de novas regras eleitorais capazes de ampliar a participação popular. Essa ideia esbarra na mesma urgência por conta do prazo acima exposto, com a dificuldade adicional de construir candidaturas capazes de renovar o sistema político em tão pouco tempo e demandar uma emenda constitucional que dificilmente seria aprovada pelos parlamentares que terão seus mandatos encurtados nesse caso. A dificuldade dos movimentos de oposição será manter a constância e a intensidade das mobilizações de rua. Depois de mais de um ano de um demorado e desgastante processo de tensionamento social, esperava-se que o país alcançasse uma “paz” institucional, expectativa esta que está sendo instrumentalizada pelo governo Temer inclusive. No entanto, mesmo com essa espécie de estafa, tem havido ainda uma disposição bastante grande de resistência ao governo e que deverá crescer na medida em que as medidas impopulares já anunciadas começarem a ser implementadas, atingindo setores tradicionalmente capazes de fazer pressão política e social. Exemplo disso é a proposta de um dia nacional de paralisação geral que já foi convocado pelas centrais sindicais que desejam preservar a integridade das garantias trabalhistas contra a intenção de colocar o negociado sobre o legislado nas relações laborais. A situação atual do Brasil é delicada. O impeachment não se efetivou como uma solução para a crise em curso. Cada vez mais, está claro que a derrubada de uma presidenta não se confunde com a legitimação de um novo governo. Com a saída de Dilma, o “Fora Temer” já não se confunde com o “Volta Dilma”, agregando setores progressistas que não queriam Dilma e tampouco Temer. Essa parece ser a posição mais difundida na população brasileira. Resta saber quais configurações institucionais e formatos poderão absorver toda essa indignação acumulada que hoje se materializa na palavra de ordem de “Fora Temer”. O desafio das esquerdas será dar uma resposta a essa questão de modo a catalisar uma agenda propositiva em meio a tanta negatividade e que seja capaz de desembocar em uma frente de forças pró-democracia que vá além das eleições de 2018.


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Renan Quinalha é candidato a doutorado em Relações Internacionais na USP e possui graduação e mestrado em Direito pela mesma universidade. James N. Green é professor de História e Cultura Brasileira na Brown University e diretor da Brazil Initiative.

Paulo Pinto/ AGPT


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ENTREVISTA

Maria GadĂş intimista e voraz

Cantora brasileira traz a Londres seu mais recente trabalho Por Gabriela Lobianco


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Maria Gadú aceitou conversar com o Brasil Observer via Skype em uma tarde de sexta-feira de setembro. Na pauta, o show de seu último disco, ‘Guelã’. O trabalho, produzido pela própria, traz um som mais maduro, com muita guitarra, efeitos e nuances. “Esse show tem um lado intimista, mas tem uma coisa muito voraz. Parece que tem veneno... Uma coisa meio doida”, diz a cantora, sorrindo. Simpática e cercada por instrumentos musicais em seu escritório, a cantora conta logo de cara que já fez muito busker – shows de rua – pela área do Temple Bar, região turística de Dublin, ao descobrir que esta repórter se conectava do sul da ilha da Irlanda. Segundo Gadú, o estrelato não foi planejado e produzir música, “fazer um som”, era tudo o que precisava: “busking era maravilhoso e eu não tinha que realizar outra coisa”. A artista tocou nas ruas de inúmeros países, como Irlanda, Itália e França. “É interessante porque você começa a fazer uma pesquisa sonora do que as pessoas curtem. Você se enxerga na cultura do outro e depois reproduz”. Por fim, diz que acreditava que ficaria perambulando para sempre. “Pensei que eu fosse a vida inteira ficar fazendo busker”. Ledo engano. Grande revelação da MPB dos últimos anos, Gadú caiu nas graças de cantores e compositores consagrados, como Milton Nascimento e Caetano Veloso. Estourou o primeiro CD, de nome homônimo, em 2009, chegando à marca de 250 mil cópias vendidas. Considerado uma das melhores estreias do gênero musical, com canções poéticas e muito lirismo, despontou uma carreira que conta com o CD ‘Mais uma página’, o disco Multishow ao lado de Caê e a coletânea ‘Nós’, com muitos outros artistas. “Fiquei um tempo na Europa desde 2006, depois gravei o disco [‘Maria Gadú’] e acabei ficando no Brasil”. A partir daí, tudo aconteceu.

GUELÃ O título do novo trabalho veio de uma tribo indígena do norte do Amapá, a Karipuna, e significa “a gaivota”. Gadú diz que se trata de uma busca antropológica que fez nos últimos quatro anos, quando ficou sem lançar material inédito. “Era meio como estava me sentindo, esse lance da Gaivota, saca? Que fica ali sozinha olhando o mar. Aquela concentração imensa pra pegar o peixe”. A artista conta que passou por muitas mudanças, “fazendo show à beça, conhecendo pessoas e desmistificando ídolos”. Parou de fumar, casou-se com Lua Leça, pôde estudar mais e tentar descobrir a sua identidade própria. “Esse disco nasceu disso, dessa minha busca por silêncio, que veio dessa imersão de entender dentro disso tudo o que era a minha musicalidade sem

aquelas pessoas maravilhosas que estavam comigo”. Com muito orgulho, diz que o disco expõe até suas limitações, já que o produziu em casa, sozinha, aprendendo a mexer nos programas. “Ele é cru, ele é muito sincero e não tem muito adorno”. Tudo no novo projeto foi calculadamente pensado. Desde a arte e concepção, criados por Gadú, Lua Leça e Luisa Corsini, até o lançamento. O conteúdo completo foi liberado via plataformas de streaming, como Deezer, Spotify e iTunes. “A minha geração inteira já não sabe o que é vender disco. A gente é filho do streaming”. Gadú garante que a partir do momento em que as pessoas escutam as músicas, elas consomem concertos. “Tem esse lance de deixar as coisas mais acessíveis e, se o cara do Chuí ouvir, você terá a oportunidade de fazer um show ali. Se ele não ouvisse, você não iria”. A turnê de Maria Gadú pela Europa passa por Luxemburgo, Zurique, Paris, Dublin, Bruxelas, Londres, Barcelona e Madrid. Junto da artista sobem aos palcos Federico Pepi no cello, Lancaster Pinto no baixo e Bianca Godói na bateria. O repertório abrange muito mais que as dez faixas que compõe o novo disco. Quando pedem, a artista encerra a apresentação com ‘Shimbalaiê’, seu primeiro sucesso. “Finalizamos o show com ela para deixar aquela energia de coisa boa, essa vibe quase infantil mesmo, que é uma coisa irretocável”. O carro chefe de Guelã é a música ‘obloco’, principal motivo da indicação ao Grammy Latino, faixa que beira a brasilidade carnavalesca e ritmos indígenas. “Estou ouvindo muita coisa dessa viagem antropológica, coisas tribais, o disco ‘Txai’ que o Milton [Nascimento] gravou para captar os sons dos índios numa pegada instrumental. Além de escutar Caetano Veloso, Gilberto Gil e Chico Buarque pra caramba”. Algumas influências nunca mudam. Bom para Maria Gadú. Bom para o público. “Gosto de fazer show porque o show acaba virando uma composição de todo mundo que está presente, não é uma coisa só do artista para o público. A energia do show vai acontecendo conforme as pessoas vão se entregando com as suas emoções, com as suas lembranças e tal.”

Maria Gadú Quando 23 de outubro, 8pm Onde Barbican Hall Ingresso £15-35 Info www.barbican.org.uk


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REPORTAGEM

Repressão a protestos reacende defesa da desmilitarização da polícia

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A recorrente truculência das polícias militares dos estados brasileiros há muito tempo faz vítimas. Não é de hoje, portanto, que diversos segmentos da sociedade pedem a desmilitarização das forças de segurança pública. Agora, com os sucessivos protestos no país contra o governo de Michel Temer sendo reprimidos por tropas de choque oficiais, volta a ganhar corpo a defesa do fim da militarização policial. Os indicadores, ao apontarem crescimento no número de pessoas mortas pelas forças policiais (em serviço ou não), também reforçam os argumentos contra o modelo militarista das polícias no Brasil. De acordo com o mais recente Anuário Brasileiro de Segurança Pública, a taxa de mortes por policiais militares a cada 100 mil habitantes aumentou um terço de 2013 a 2014 – de 0,6 para 0,8. Conforme assinala, no relatório, o coordenador do Laboratório de Análise da Violência da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), Ignácio Cano, a letalidade policial é, na verdade, ainda maior. “[Ela] está subestimada, pois há estados que não apresentaram informações, como o Rio Grande do Norte e Roraima, e outros que corrigiram os dados de anos anteriores, geralmente substituindo-os por outros mais elevados.”

O especialista aponta como grave também o número de policiais mortos em 2014 – um total de 398 (militares e civis). “Esse número representa uma tendência de continuidade em relação ao do ano anterior (408), com um decréscimo muito leve. De novo, essa cifra é uma subestimação da realidade, pois estados como Amapá, Roraima e Sergipe não oferecem informação”, adverte Cano. Na avaliação dele, a letalidade policial “sempre foi um ‘calcanhar de Aquiles’ da segurança pública brasileira.”

POSTURA Não são apenas as mortes que expressam a violência policial no país. A postura dos agentes militares em ações como reintegração de posse, controle de distúrbios em grandes eventos (como brigas de torcidas em jogos de futebol) e, sobretudo, em manifestações populares, ilustra a aplicação desproporcional da força. A repressão sobre cidadãos que atualmente estão indo às ruas pedir “Fora Temer”, aliás, têm lembrado a agressividade ocorrida durante as manifestações de junho de 2013. É daquele ano uma Proposta de Emenda Constitucional que prevê a

reformulação do sistema de segurança pública no Brasil, por meio, entre outras medidas, da desmilitarização das polícias estaduais que fazem o patrulhamento ostensivo. A proposta está há um ano na Comissão de Constituição e Justiça do Senado. Para o autor da proposição, o senador Lindbergh Farias (PT-RJ), “a excessiva rigidez das polícias militares deve ser substituída por maior autonomia para o policial, acompanhada de maior controle social e transparência”. O parlamentar destaca ainda que, em 2012, relatório do Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU) chegou a sugerir o fim da militarização da polícia no Brasil, recomendação rejeitada de pronto pelo governo brasileiro, com a alegação de que a desmilitarização seria inconstitucional.

‘JABUTICABA POLICIAL’ Uma das referências na defesa do fim do modelo militar de segurança pública é o professor de Direito Penal da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Túlio Vianna. Doutor em Direito pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), com

pós-doutorado na Università di Bologna (Itália), Vianna – em conferências, palestras e artigos – costuma assinalar que o modelo de segurança pública baseado na militarização das forças é uma “jabuticaba policial”, numa analogia à fruta que só é encontrada no Brasil. “O Brasil tem um modelo de polícia sem equivalentes em nenhum país da Europa ou da América”, frisa ele em artigo publicado em seu site. “A polícia brasileira, ao contrário da maioria absoluta das polícias do mundo, é dividida em duas polícias de ciclo parcial: uma militar, que só realiza o policiamento ostensivo, e outra civil, que somente investiga. Algo tão esdrúxulo quanto dividir a seleção brasileira de futebol em duas equipes: uma que somente defende e outra que só ataca, e dar a cada uma delas técnicos e treinamentos distintos para reuni-las eventualmente apenas em partidas oficiais.”

CULTURA DA TRUCULÊNCIA Para Túlio Vianna e demais questionadores do modelo brasileiro, o militarismo é responsável por forjar, na cultura das corporações policiais, práticas e comportamentos que não condizem


brasilobserver.co.uk | Outubro 2016 15

Paulo Pinto/ AGPT

Imagens do protesto “Fora Temer” na Avenida Paulista, em São Paulo, no dia 18 de setembro

Para especialistas, militarismo é responsável por forjar, na cultura das corporações policiais, práticas que não condizem com o que deve ser a prestação de segurança pública Por Wagner de Alcântara Aragão

com o que deve ser a prestação do serviço de segurança pública. Ao contrário. Em vez da promoção da segurança, o viés militar leva a episódios de truculência e repressão que geram violência e ampliam a sensação de insegurança. As maiores vítimas desse processo são as periferias e as populações historicamente excluídas – como negros, pobres, menores de idade em situação de risco, entre outros segmentos. “A disciplina militar nas polícias é desnecessária e excessiva, criando nos policiais uma cultura de rigidez e violência inadequadas a um regime democrático”, escreve o professor de Direito Penal da UFMG, para em seguida ilustrar: “O treinamento militar é baseado em uma série de rituais de violência física e simbólica que procuram disciplinar os recrutas a obedecerem a seus superiores hierárquicos a todo custo. O foco do treinamento militar é introjetar nos recrutas como valor primordial o respeito à autoridade dos superiores hierárquicos, quando o foco de qualquer treinamento policial democrático deveria ser a introjeção do respeito à autoridade da lei e do Poder Judiciário (...) Treine a polícia de forma violenta e ela será violenta.”

DITADURA Forças militares de segurança existem desde o Império e se expandiram durante a República, mas a militarização das polícias estaduais se intensificou mesmo durante a ditadura civil-militar de 1964 a 1985. Antes, o patrulhamento ostensivo também era atribuição das polícias civis – atualmente incumbidas apenas do trabalho de investigação policial. As polícias militares estaduais, durante a ditadura implantada com o golpe de 1964, foram decisivas no auxílio ao governo central na repressão aos opositores do regime de exceção. Há sinais de que esse papel de força auxiliar aos desígnios do governo nacional volta ser cumprido. Justamente em estados como São Paulo, Rio Grande do Sul e Rio de Janeiro, cujos governadores estiveram alinhados a favor do impeachment da presidenta Dilma Rousseff e no apoio ao sucessor, Michel Temer, é que ocorreram os mais crassos episódios de repressão às manifestações de rua pedindo “Fora Temer” e eleições antecipadas para presidente. Foi assim no primeiro grande ato contra o governo de Temer, depois

que o Senado aprovou o impeachment de Dilma. A manifestação, ocorrida em 4 de setembro, um domingo, e que levou milhares de pessoas à Avenida Paulista, em São Paulo, foi encerrada à força pela tropa da Polícia Militar do Estado. Alegando conter a ação dos chamados “black blocks”, policiais lançaram bombas de efeito moral atingindo centenas de manifestantes que agiam pacificamente, inclusive crianças. Uma estudante de 20 anos foi acertada por estilhaços no olho esquerdo, e dias depois teve a perda da visão diagnosticada. Prisões arbitrárias de jovens e até o ataque a lideranças políticas – o senador Lindbergh Farias, o deputado federal Paulo Teixeira e o ex-ministro Roberto Amaral foram atingidos no ato em São Paulo – integraram o cenário de abusos por parte da Polícia Militar paulista sobre os manifestantes contra o governo Temer. Em outro ato na Avenida Paulista, em 18 de setembro, uma cena chocante de policiais reprimindo o trabalho de uma vendedora ambulante se espalhou pelas redes sociais, gerando indignação e rechaço à postura opressiva da polícia militarizada.

O QUE DIZEM AS ESTATÍSTICAS g

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De acordo com a mais recente edição do Anuário Brasileiro de Segurança Pública (2015), a cada três horas uma pessoa é morta pela polícia no país. Já a taxa de mortes de policiais em serviço é de em torno de uma por dia. Ainda segundo o Anuário, “o número de mortes decorrentes de intervenção policial representa 5% do total de mortes violentas intencionais”. Perto de 666,5 mil policiais e guardas municipais compõem as forças de segurança pública no país. Desse efetivo total, 64% são policiais militares. Outros 18% são policiais civis, 15% guardas municipais, 2% policiais federais e 1% policiais rodoviários federais. A cada 100 mil habitantes, 1,5 pessoa é morta no Brasil por um policial militar ou civil, em serviço ou fora de serviço. Um total de 3.022 pessoas foram mortas pela polícia no ano de 2014, aumento de 37% em relação a 2.203 em 2013.


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CONECTANDO

CONECTANDO é um projeto criado pelo Brasil Observer que busca fomentar experiências de comunicação ‘glocal’. Em parceria com universidades e movimentos sociais, nosso objetivo é fazer com que pautas locais atinjam uma audiência global. Para participar e/ou obter mais informações, escreva para contato@brasilobserver.co.uk

Potencial narrativo infinito O movimento de publicações independentes no Brasil efervesce Por Helen Brüseke

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Não que seja inédita a maneira independente de publicar trabalhos escritos. João Cabral de Melo Neto, quando servia na Espanha, já possuía uma Minerva em casa e imprimia de modo deliberadamente esquemático ensaios sobre Miró, escritos de Mário de Andrade, e disso sustinha a maneira usual de se colocar à disposição dos leitores sem mediações que tirassem dele margens de lucro. O movimento de publicações independentes no Brasil efervesce há pelo quatro anos de modo crescente e se coloca em diversos formatos, caracterizando assim um movimento amplo e heterogêneo. Essa afirmação da maneira como se produz arte gráfica e visual impressa resiste há muito tempo através das fanzines, xerocadas e trocadas entre grupos em universidades para difundir ideias, revoltas, motes e afetos. No entanto, a difusão veloz de informações e emparelhamento de tendências estéticas e discursivas deslocou o foco dos fanzines para produções mais expressivas, mesclando autenticidade e experimentalismo em novos formatos, suportes e gêneros textuais. Em 2012 houve a organização da Feira Plana, em São Paulo, que reuniu expositores de diversos lugares divulgando historietas em HQ, zines, cartões, pôsteres, manuais, livros, cadernetas etc. Percebeu-se que existia uma demanda efetiva para consumir ideias manuais e disso surgiram outras tantas feiras cujo foco se dá em publicações independentes, como acontece na Feira Dente, realizada em Brasília desde 2015, organizada pela lovelove6, Augusto Botelho, Daniel Lopes, Lucas Gehre, Lívia Viganó e Tais Koshino.

Em conversa com lovelove6, conhecida pelos seus trabalhos ‘Garota Siririca’, ‘Batata Frita Murcha’ e ‘Ética do Tesão na Pós-Modernidade’ I e II, a autora e ilustradora conta que o movimento de feiras ajuda pessoas que já fazem parte desse círculo a se tornarem também autores. Ela realizou junto a amigos a Feira Dente, declara ter sido uma experiência muito satisfatória, porém precisa ser ajustada às perspectivas que os próprios organizadores têm em relação a público, local, divulgação. Conta também que o público da edição feita neste ano se concentrou mesmo no segundo dia. A Feira Dente premia autores, ilustradores e artistas em dinheiro com a entrega do Dente de Ouro. Rachel Denti, ilustradora e designer residente em Brasília, também participou pela primeira vez como expositora da Feira Dente na edição deste ano. Ela relata que esse movimento ajuda pessoas a tomarem coragem de divulgar seus trabalhos, ao passo em que o consumo de cultura na sua cidade carece de muitos incentivos, porque esse é um movimento de certo grupo para ele mesmo. Rachel também lembra a questão das gráficas, por onde seus trabalhos inevitavelmente passam. Lembra-se de sua experiência na escola de design onde estudou em Den Haag, na Holanda, e de a escola dispor de duas máquinas RISO, de impressão de alta demanda, que no Brasil se concentram em cidades como São Paulo, Rio de Janeiro, Salvador, Recife e Belo Horizonte. Mas reforça que esse é um movimento que toma proporções agora e que pode motivar novas diretrizes em

áreas para a qual se volta a cena independente de publicações, sobretudo a de impressão. Os temas circulantes em zines caracterizam o que há de mais singular nesse movimento. A lovelove6 trabalha pautas em torno da sexualidade, libertação e empoderamento feminino, agenda essa que tem se tornado muito mais acessível pelos debates circulantes na internet. Já Rachel diz ter seu trabalho pautado em confronto consigo mesma, trazendo aspectos subjetivos da sua vida e sua relação de auto-percepção com o mundo. O potencial narrativo é infinito e pode ser colocado da forma como os autores acharem melhor frente às suas próprias maneiras de compor ideias e propor trocas de experiências. Lívia Aguiar alimenta carinhosamente um diário de viagem online, ‘Eu sou à Toa’, e participa de feiras gráficas quando pode. A encontrei na Faísca, em agosto, feira produzida pelo BDMG cultural, na qual estava expondo uma série em A4 impressa em RISO sobre suas viagens pelo oriente quase inexplorado. Quando Lívia falou um pouco mais sobre a ideia por trás dessa série de viagens (Camboja, Laos e Vietnã), disse que produziu com amigas e foi feito meio em cima da hora porque tiveram a ideia de participar de uma feirinha de rua mesmo. O trabalho dela retoma experiências de crescimento exploradas em suas diversas viagens pelo mundo. Os zines, livretinhos e mapas revelam sobreposições, escaneamento de materiais orgânicos, folhas e flores, além de cores e pedaços soltos de pensamento, impressões, anotações.


brasilobserver.co.uk | Outubro 2016 17

Francisco Costa/I Hate Flash

Ao falar de amigas que estiveram junto à ela nesse processo, remete à uma característica muito comum na organização de feiras e de zines. São idealizadas normalmente em conjunto, imbuídos de intuição e força de vontade, financiadas pelos próprios bolsos sem mediações governamentais ou empresariais, não contam com ISBN ou formalidades editoriais. Porém nem tudo é intuição e fluidez, porque os organizadores dos eventos Faísca, Dente e Plana se predispõem à entornos burocráticos, pois organizam eventos em espaços públicos, precisam pensar no ambiente que possam chamar mais atenção de consumidores que não estão inseridos nesse meio, o tal do público espontâneo, como colocou lovelove6. Esse cenário é motivador e refrescante, já que novas pautas de discussão são colocadas como conteúdo, tendências de tratamento de imagem, de apresentação visual, e nos colocam mais diretamente com quem efetivamente produz e vende. Além de nos tornarmos mais abertos para essa nova formação de processos editoriais, alimentarmos e difundirmos a ideia de que as narrativas não precisam vir acompanhadas de superprodução, de qualidade impecável. Ainda que existam muitos trabalhos com arte finalização/ acabamento, visão de produto de alta qualidade, o zine xerocado têm seu lugar de destaque. Interessante a ser notado é que como vivemos em meio ao rápido consumo de informações, o cenário independente propicia que essa seja a maneira de entendimento das produções, uma vez que os zines são consumidos quase que instantaneamente pelo apelo visual que carregam. Esse cenário tem se ampliado para aqueles que possuem editorinhas, revistas sazonais, quadrinhos que costumavam ser divulgados em revistas de grandes editoras, mas que estas, por sua vez, acabaram fechando por conta de mudanças nesse mercado de informação também nos últimos cinco, seis anos. Reaver o modo de distribuição e venda é importante para quem participa de feiras, mas o foco está na produção de conteúdo e na apresentação de algo que não seria aceito pelo grande mercado editorial já conhecido.

Feira Dente


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Cinema molotov D Estaríamos à espreita do nascimento de um novo cinema marginal? Por Tiago Di Mauro

Diante de tudo que tem ocorrido na política brasileira, é impossível não notar o ativismo participativo de todos os setores artísticos do país. Durante o período da ditadura civil-militar, de 1964 a 1985, a resistência artística que fez mais barulho foi certamente a de músicos e cantores, o que culminou, por exemplo, na prisão e posterior exílio de Caetano Veloso e Gilberto Gil em Londres. Entretanto, neste momento de golpe parlamentar consumado no Brasil, é importante frisar as ações de profissionais ativistas do cinema nacional. O clímax se deu no momento em que o elenco do filme “Aquarius”, de Kleber Mendonça Filho, selecionado a concorrer a Palma de Ouro no Festival de Cannes 2016, protestou com cartazes no tapete vermelho da exibição do filme na França, com dizeres como “O Brasil está experimentando um golpe de estado”. Com Sônia Braga à frente, retomando seu posto de musa do cinema nacional, o diretor e seu elenco protagonizaram um momento emblemático na história das artes no Brasil. As razões são sabidas, mas quais são suas possíveis consequências? E por que a maioria dos diretores e produtores de cinema do Brasil apoiou o manifesto? Quando o golpe civil-militar de 1964 aconteceu, o Brasil vivia um momento de extrema efervescência no cinema. O Cinema Novo, com sua estética inovadora e provocativa, projetava o cinema nacional a níveis jamais alcançados, participando de festivais de todas as partes do mundo

e alcançando um prestígio que persiste até hoje. Logo adiante, na década de 1970, o cinema brasileiro vivenciou um paradoxo, pois era financiado pelo mesmo governo que o censurava, através da recém-inaugurada Embrafilmes, empresa estatal criada para produzir e distribuir cinema. Com isso, o cinema nacional perdeu força como meio de profusão de ideias revolucionárias e de reflexão social, dando espaço para as famosas Pornochanchadas, filmes de cunho cômico erótico e superficiais em suas narrativas. Ficou a cargo do Cinema Marginal, com filmes de baixíssimos orçamentos, confrontar o regime e, por meio de suas alegorias narrativas, denunciar os disparates e injustiças da ditadura, mas sem muito alcance de público. A força crítica do cinema nacional se enfraqueceu. Só com a abertura política da década de 1980 que resurgiram as temáticas que ilustravam o regime civil-militar e as mazelas sociais brasileiras. O Ministério da Cultura foi criado apenas em 1985, pelo então presidente José Sarney. Antes, as atribuições dessa pasta eram de autoridade do Ministério da Educação, que de 1953 a 1985 era conhecido por Ministério da Educação e Cultura. Em 1990, porém, sob o governo de Fernando Collor, a cultura e o cinema sofrem uma nova baixa com extinção da Embrafilmes e com a transformação do jovem Ministério da Cultura em Secretária da Cultura. O ministério foi restituído em 1992, pelo presidente Itamar

Franco, inaugurando uma fase conhecida como Cinema da Retomada (19922003). Mais adiante, no final do governo Fernando Henrique Cardoso, em setembro de 2001, cria-se a Ancine, agência estatal com autonomia administrativa e financeira cujo objetivo é fomentar, regular e fiscalizar o cinema do Brasil. Em 2003, durante o governo Lula, a Ancine passa a ser vinculada ao Ministério da Cultura, que deixa de atender a demandas específicas de fomento e passa a pensar em políticas culturais, tendo como ministros durante esse período Gilberto Gil e Juca Ferreira. Desde 1992, ano que teve apenas um filme brasileiro produzido, o cinema nacional apoiado pelo Ministério da Cultura vem crescendo ininterruptamente com enorme liberdade temática. Em 2015, de acordo com o informe anual publicado pela Ancine, o país alcançou o patamar de 172,9 milhões de espectadores nas salas de cinema, um aumento de 11,1% em relação a 2014. Os dados mostraram ainda que o público de filmes brasileiros, em relação ao total de espectadores, passou de 12,2% em 2014 para 13% em 2015, além de uma produção de 128 longas nacionais no ano passado. O Brasil tem alcançado uma marca inédita de consumo de sua própria cultura. Um mercado pulsante, ativo, bilionário e que, de repente, durante a gestão interina do presidente Michel Temer, viu a extinção, no dia 12 de maio de 2016, do Ministério da Cultura. Uma ação que gerou reação instantânea: a ocupação


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Reprodução

CINEMA BRASILEIRO NO LONDON FILM FESTIVAL A edição deste ano do London Film Festival, de 5 a 16 de outubro, traz quatro longasmetragens e dois curtas brasileiros em sua programação: Aquarius, de Kleber Mendonça Filho (14 e 16 de outubro) g Don’t Call Me Son, de Anna Muylaert (12 e 13 de outubro) g The Ornithologist, de João Pedro Rodrigues (10, 11 e 12 de outubro) g The Space in Between – Marina Abramović and Brazil, de Marco Del Fiol (14 e 16 de outubro) g The Girl Who Danced With the Devil, de João Paulo Miranda Maria (12 de outubro) There is land!, de Ana Vaz (9 de outubro) g

MARIA GADÚ

DOMINGO 23 DE OUTUBRO

* Para mais informações acesse www.bfi.org.uk/lff

Sem dúvida um dos talentos mais marcantes da nova cena musical brasileira Caetano Veloso

Elenco do filme “Aquarius” se manifesta em Cannes

das sedes do Ministério da Cultura em capitais do Brasil por músicos, bandas, cantores, atores, atrizes e poetas, além do manifesto em Cannes. Desde então toda e qualquer oportunidade de se contrapor ao governo Temer se fez necessária, a ponto de o Ministério da Cultura ser reinstaurado. Infelizmente, tarde demais para conter a revolta de uma preocupação que vai além da extinção da pasta. Qual será a gestão que a pasta vai receber? Seria essa reintrodução uma estratégia para manter aparências enquanto se desmantela o ministério? O atual Ministro da Cultura, Marcelo Calero, não tem encontrado paz. Confrontou a audiência e abandou o Festival de Cinema de Petrópolis quando foi chamado de golpista. São guerrilheiros de frente, além de Kleber Mendonça Filho, cineastas como Jorge Furtado, Henrique Dantas e Claudio Assis. E chama atenção a atuação de três mulheres com três filmes-projetos que retratarão o processo do impeachment e golpe sofrido pela ex -presidenta Dilma Russeff: Maria Augusta Ramos, Petra Costa e Anna Muylaert. O confronto entre o Ministério da Cultura e Kleber Mendonça Filho se fez ainda mais agressivo quando da seleção do filme brasileiro que representaria o país numa vaga para concorrer ao Oscar de melhor filme estrangeiro em 2017. Anna Muylaerte e Gabriel Mascaro retiraram a candidatura de seus respectivos filmes, “Mãe Só Há Uma” e “Boi Neon”, para privilegiar a escolha de “Aquarius”.

Mas, no final, o selecionado foi “Pequeno Segredo”, de David Schurmann, o que acarretou denúncias de Kleber Mendonça Filho sofrer perseguição política. Com um cenário de cineastas engajados contra o novo governo; um contingenciamento de verbas investidas em cinema – 2,4 bilhões de reais em 2016 contra 3,3 bilhões de reais em 2015; e a extinção e a reinstauração do Ministério da Cultura com um ministro que não exerce simpatia para com a maioria da classe artística, é inevitável não haver preocupação com o gerenciamento do futuro do cinema brasileiro. Já existem especulações sobre a possível volta de uma censura a projetos que venham a tratar do impeachment como golpe, ou lidar com quaisquer outros assuntos que não estejam alinhados aos interesses do novo governo. De qualquer maneira, com a expansão dos meios de distribuição de produtos audiovisuais e o barateamento de câmeras de filmagem e equipamentos de produção, mesmo diante de uma censura temática, o cinema brasileiro se fortaleceu suficientemente para gerar independentemente seus próprios produtos. Estaríamos à espreita do nascimento de um novo cinema marginal? Naturalmente será uma pena caso o processo de expansão seja estagnado, em duas décadas poderíamos estar concorrendo em níveis de distribuição com outros mercados, como o do cinema Alemão, Mexicano, Russo ou da Coreia do Sul. Quem viver verá.

Seu novo disco transcende as expectativas trazendo sonoridades inovadoras, transbordando musicalidade e lirismo O Globo

ANTÓNIO ZAMBUJO

TERÇA-FEIRA, 29 DE NOVEMBRO UNION CHAPEL COMONO.CO.UK


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COLUNISTAS FRANKO FIGUEIREDO

Vamos pedir compaixão

Franko Figueiredo é diretor artístico e produtor associado da Companhia de Teatro StoneCrabs g

E

Em Alicante, na Espanha, um homem na casa dos cinquenta anos, vestindo terno, segura uma placa em que se lê “não tenho casa, preciso de ajuda”. Em Londres, na entrada da estação de metro Holloway Road, um jovem dorme no chão e uma mulher, ao passar, dá-lhe um copo de chá do Costa. Em Paris, muitos mendigos andam pelas ruas, alguns velhos, alguns jovens; a maioria das mulheres com lenço na cabeça e as mãos em oração. Em Roma, um senhor idoso, na casa dos oitenta, veste um terno velho, seu corpo curvado pelo tempo; ele segura um bandolim que mal pode tocar. Essas imagens cortam meu coração, mas só dei dinheiro para o último, o velho com o bandolim. E me questiono: por quê? Quando vim pela primeira vez ao Reino Unido, fui encorajado a não dar esmolas para pedintes na rua. O país tinha um robusto sistema de bem-estar social e uma eficiente rede de organizações que fornecia o apoio necessário para os moradores de rua. Fazia sentido então. Atualmente não se pode deixar de notar o crescente número de pessoas em situação de rua em Londres e em outras grandes cidades britânicas. O atual governo conservador parece determinado em destruir todo o suporte aos mais necessitados. Nem as instituições de caridade estão dando conta. No Brasil, o sistema de proteção social adotado na última década trilhou um longo caminho para ajudar as pessoas a encontrar trabalho e educação, apesar de a imprensa em geral e muitos brasileiros acreditarem que a maioria das pessoas que recebem benefícios está se aproveitando dos mesmos indevidamente. O mesmo ocorre no Reino Unido; a imprensa e o governo conservador tentam reduzir o sistema de bem-estar social com o argumento de que é usado de forma abusiva. No Reino Unido, a polícia metropolitana e a instituição de caridade Thames Reach, que funciona tanto a nível nacional quanto internacional, dizem que há provas contundentes a mostrar que as pessoas que pedem dinheiro nas ruas da Inglaterra o fazem para comprar drogas pesadas e bebidas alcoólicas – 80% pediriam esmola para suportar algum vício. Ainda que o dado possa ser verdadeiro, acredito que nem todos os moradores de rua estão lá por opção. Quem se lembra do filme ‘The Fisher King’, no qual um professor de história, interpretado pelo falecido Robin Williams, acaba se tornando um morador de rua em Nova York? Ele certamente não estava nas ruas por escolha própria. Há muito preconceito em relação às pessoas nessa situação. Dizem que são viciadas, ou que não querem trabalhar, ou que são mentalmente doentes, ou que de alguma forma ficaram presas nas rachaduras do sistema, ou que são preguiçosas. Todas

Robin Williams em ‘The Fisher King’

essas suposições podem ser verdadeiras ou não para a próxima pessoa que você encontrar mendigando nas ruas. Atos de caridade são praticados há séculos e envolvem dar ao próximo em um ato de virtude tanto bens materiais quanto recursos subjetivos (educação, por exemplo), de forma gratuita. Tais práticas existem em várias religiões e regiões do mundo. No judaísmo, islamismo, budismo, cristianismo, hinduísmo e até mesmo nas sociedades seculares modernas, a caridade é uma parte importante de nossa humanidade compartilhada. O desejo de ajudar aqueles que estão em necessidade é inerente a cada um de nós. A ajuda humanitária é muito necessária em nossos tempos contemporâneos; pessoas estão sendo retiradas de suas casas, cidades estão sendo bombardeadas, casas destruídas e países devastados. Os políticos e os fomentadores da guerra parecem ter perdido qualquer senso de compaixão ou de caridade. A ganância alimenta a crise de refugiados. Li recentemente que o Profeta, no Islã, é conhecido por ter dito que “até mesmo cumprimentar seu irmão com um sorriso no rosto é caridade. A caridade é uma necessidade para todo muçulmano”. Com isso, ele foi questionado: “E se uma pessoa não tiver nada?”. O Profeta respondeu: “Deve trabalhar com suas próprias mãos para seu benefício e então doar parte dos lucros”. Em seguida, foi questionado novamente: “E se a pessoa não for capaz de trabalhar?”. O Profeta afirmou: “Deve ajudar as pessoas pobres e necessitadas”. E de novo: “E se a pessoa não puder fazer isso?”. “Deve instar os outros a fazer o bem”. “E se também não puder fazer isso?”. “Deve não fazer o mal. Isso também é caridade”, disse o Profeta. No Budismo, acredita-se que quanto mais uma pessoa der sem pedir algo em troca, mais rica irá se tornar. No cristianismo, as pessoas são encorajadas a “dar por amor e não por obrigação”. A caridade também é entendida como um ato nobre no hinduísmo, a ser feita sem expectativa de qualquer recompensa. Mas por que, afinal, é tão difícil ser caridoso? Por que nos limitamos aos nossos

Reprodução

Não podemos mudar o mundo da noite para o dia, mas podemos dar pequenos passos para torná-lo menos desigual

mundinhos? Estamos preocupados apenas com a despesa do supermercado? Como vamos pagar o próximo copo de cerveja? Como vamos manter nosso estilo de vida? Como vamos ser capazes de manter nossos confortos em idade mais avançada? O capitalismo está nos dividindo; o consumismo está avançando e nos transformando em monstros de nós mesmos. Queremos mais, mais e mais; mas falhamos em dar, dar de coração aberto, sem má vontade. Lembro-me de ‘I Love Piaf ’, um curto musical sobre a vida da grande cantora francesa Edith Piaf, por Jacques Pessis, atualmente em exibição em Paris. Piaf nasceu e viveu nas ruas de Paris até se tornar famosa. Ela é frequentemente retratada como alcoólatra e usuária de drogas pesadas, mas na verdade ela sofria de artrite, por isso precisava de injeções de morfina. Dizem que as pessoas ao seu redor costumavam roubá-la e que ela sabia disso, mas não se importava. Ela gostava de dar a eles. Não podemos mudar o mundo da noite para o dia, mas podemos fazer pequenos gestos para torná-lo mais igual. Poderíamos, ao menos, nos lembrarmos de que o morador de rua também é um ser humano. Cumprimentá-lo. Sorrir. Dar-lhe nosso total respeito e não assumir que sabemos o que é melhor para ele, que sabemos qualquer coisa sobre seu passado ou presente, ou que podemos prever seu comportamento. Compaixão confirma o valor humano. Compaixão escuta. Compaixão vê cada morador de rua como um ser humano, uma pessoa importante. Abrace sua compaixão, veja a pessoa e escolha sua ação: você pode decidir dar-lhe dinheiro, ou uma passagem de ônibus, ou alimento, ou apenas conversar. Cito alguém que eu conheci em um fórum on -line; não me lembro de seu nome, mas senti que ele realmente tocou no cerne da questão: “É errado colocar um sinal que aponta para um grupo de pessoas como ‘menos que as outras’, uma mensagem que é a essência do ‘não dê dinheiro aos mendigos’... É como dizer ‘não alimente os animais’. Ao fazer isso, estamos tirando toda sua dignidade humana”.


brasilobserver.co.uk | Outubro 2016 21

HELOISA RIGHETTO

Votar pode ser um ato feminista Um projeto político feminista é construído com afeto, com sororidade, visando o empoderamento Quando comecei o canal Conexão Feminista no YouTube (projeto que toco com a amiga Renata Senlle, que mora em São Paulo), minha ideia era falar de feminismo de maneira leve, para ser entendida não apenas por mulheres que já compreendiam o feminismo e se sentiam feministas, mas também por aquelas que não entendem o movimento. Queríamos mostrar que o feminismo não é um rótulo negativo, mas uma luta constante que beneficia toda a população. Começamos compartilhando nossas próprias experiências com o machismo, falamos das nossas inspirações e aspirações como feministas e, aos poucos, nossa voz foi ganhando terreno. Passamos a receber mensagens de amigas felizes por se descobrirem feministas, assim como links para artigos e sugestões de pauta para os bate papos ao vivo. A sensação de darmos voz para outras mulheres que nunca antes tiveram a oportunidade de lutar contra o machismo é maravilhosa, e nos fez entender a importância da palavra representatividade. Representatividade significa termos mais mulheres em todas as esferas da sociedade. De diretoras de filmes hollywoodianos a reitoras de universidades, de palestrantes em conferências a médicas em hospitais, de jogadoras de futebol a fazendeiras. Afinal, se não vemos ou interagimos com mulheres no nosso dia a dia, como é que passamos a mensagem para as próximas gerações de que somos merecedoras dos mesmos direitos dos homens? E se eu, mulher branca, cis, hétero e de classe média, não me sinto representada, o que dirão as mulheres negras, pobres, de minorias étnicas, trans, deficientes… onde elas estão? A luta feminista é também uma luta por representatividade, e há muito que podemos fazer por isso. Começando pelas eleições municipais. Votar, pelo menos no contexto atual, é um ato feminista. Pesquisa divulgada no início de 2016 pela Secretaria de Políticas Para Mulheres revelou que apenas 13% dos vereadores são mulheres. O número é próximo nas prefeituras: 12%. Ou seja, onde há poder, onde há uma chance concreta de fazer algo que genuinamente re-

sulte em mudanças positivas para as mulheres, somos sub-representadas. E muitas dessas mulheres que hoje ocupam os cargos políticos apenas replicam comportamentos machistas, afinal elas são também vítimas de uma sociedade patriarcal e enxergam nesse poder que lhes é dado a chance de pertencerem a esse ciclo machista. É, para elas, um passaporte para a igualdade, mas que não traz resultados coletivamente. No Brasil pós-golpe, eleger mulheres é mostrar que nosso papel não se resume ao ideal de “bela, recatada e do lar”. Somos mais da metade da população e precisamos que os cargos políticos reflitam isso. Nossos líderes atuais não são apenas machistas, são misóginos. Além de não trabalharem para o país alcançar a igualdade de gênero eles também se esforçam para aniquilar as poucas conquistas feministas (como acesso a pílula do dia seguinte e métodos contraceptivos e direito ao aborto em casos de estupro), violando direitos humanos e calando a voz das mulheres. A boa notícia é que existem muitas candidatas (a vereadoras e prefeitas) feministas. Essas candidatas não escondem seu ativismo. Ao contrário: o feminismo é pautado desde o começo da campanha, não é velado nem negociado em troca de cargos, votos e favores. Há muito que fazer a nível municipal: criação de creches com horários flexíveis para que mães possam trabalhar tranquilas, implementação do parto humanizado nas maternidades, garantia de atendimento e abrigos para mulheres que precisam de ajuda para saírem de relacionamentos abusivos, fiscalização de paridade salarial em cargos públicos e privados. Um projeto político feminista é construído com afeto, com sororidade, visando empoderamento. E empoderamento feminino é beneficial para todos, independentemente de gênero. g

Heloisa Righetto é jornalista e escreve sobre feminismo (@helorighetto – facebook.com/conexãofeminista)


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Monica O’May explica por que o norte de Londres é uma das regiões mais bonitas da cidade

Suporte a brasileiros que chegam a Londres para estudar, morar ou fazer turismo. Passeios guiados e roteiros personalizados. Londres de ponta a ponta. (www.inlondonlondon.com) WhatsApp: +447720879247 Instagram: london.london.guia

G

Grande parte do charme de Londres é resultado de sua diversidade cultural. O bacana é se misturar à aparente confusão da cidade mais internacional do mundo e sentir a sua energia. Caminhar pelas ruas e absorver os aromas, ouvir as músicas, observar os costumes, o jeito de ser do londrino e dos imigrantes que aqui vivem. Tudo é fruto de uma mistura fascinante de povos, credos, culinária, moda, arquitetura. É surpreendente a quantidade de diferentes idiomas que escutamos diariamente nas ruas, restaurantes, ônibus, lojas e metrô. Embora o inglês seja o idioma oficial, fala-se mais de 300 línguas em Londres! Sem querer ser bairrista, já que moro na região, North London é para mim uma das áreas mais bonitas da cidade. Aqui temos uma perfeita mistura do que existe de melhor em Londres, com um toque countryside. Para quem tem tempo, recomendo passeios por Highgate, Muswell Hill, Belsize Park, Hampstead, Camden, Primrose Hill, St John’s Wood. Uma das caminhadas mais gostosas de fazer quando tem sol é ao longo do Regent’s Canal. Costumo ir de Camden até Little Venice pela beira do canal, passando por Primrose Hill, Regent’s Park e Abbey Road. Durante o percurso há várias atrações inesperadas, mas essas eu guardo apenas para os turistas com quem faço os roteiros aqui em Londres! Quem acha muito puxado ir a pé, há alternativas: bicicleta, caiaque, barcos e punting, barquinhos tipo gôndolas, com um remador numa ponta e um músico na outra – romântico, não? Já vi muita noiva de branco e noivo de fraque fazendo esse passeio. Tem gosto para tudo! Aliás, o que não se vê em Londres? Se você já conhece Londres e quer fugir dos passeios óbvios, sugiro começar por Hampstead.

Apesar de ser um dos bairros mais caros da cidade, com casas avaliadas em até 20 milhões de libras, você não paga nada para caminhar por suas ruelas e becos cheios de lojas, cafés e pubs. Entre eles, destaco três: Holly Bush, Spaniard’s Inn e Flask Tavern, este último sendo o que tem a melhor comida. Também tem um trailer que vende o melhor crepe da cidade. Sempre com filas gigantes. Sabe quem já viveu aqui? George Orwell, Charles Dickens, Byron, Keats, Coleridge, Agatha Christie, entre outros. A casa onde viveu o poeta romântico John Keats, aliás, é hoje um museu e centro literário. Outro local que vale a pena ser visitado é a Burgh House, com museu e café, em um lugar simplesmente lindo. Da estação de Hampstead Tube Station, dá para ir a pé até o parque Hampstead Heath, o maior e mais belo de Londres, com mais de 170 espécies de aves, esculturas de Henry Moore, vistas panorâmicas da cidade e vários lagos muito bem aproveitados durante o verão – sim, aqui também faz calor! Também vale super a pena conhecer a Kenwood House, uma mansão neoclássica com muita história para contar que fica bem ao norte do parque. A entrada é de graça. E lá estão obras de Rembrandt (um de seus autorretratos, inclusive), Vermeer, Turner e Van Dyck. Os filmes Um Lugar Chamado Notting Hill e Belle, por exemplo, tiveram várias cenas gravadas na Kenwood House. Se a fome bater, dá para almoçar no café do parque, que tem desde comidas quentes e sanduíches até os famosos bolos ingleses, sem esquecer o delicioso chá. Bem ao lado tem uma lojinha que vende vários itens para quem gosta de jardinagem, andar de bicicleta e fazer piqueniques. Mas isso é só um aperitivo do que Hampstead e outros bairros no norte de Londres têm para oferecer.

Back Lane, Hampstead

Keenwood House

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Encontrando seu Norte

Laura Nolte/Flickr

LONDON BY


Moelock/Flickr

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Camden Town Christopher Cha n/Flickr

Little Venice

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Hampstead Heath Park


24 brasilobserver.co.uk | Outubro 2016

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