RETRANCA ALL BEERS O fotógrafo Alexandre Battibugli mergulha no primeiro bungee jump comercial do mundo. À esquerda, uma das novas microcervejarias de Wellington
O SENHOR DOS TONÉIS uma saga tão radical quanto etílica pelos incríveis cenários cinematográficos da nova zelândia
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Breiller Pires | foto — Alexandre Battibugli 54
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irigir do lado direito é só a primeira semelhança. Beber – muita – cerveja talvez seja a apropriação de comportamento mais recente, não menos sensível. Os neozelandeses guardam boas doses da influência da cultura inglesa, que ditou a colonização de um dos lugares mais remotos da Terra e, provavelmente, o último a ser habitado pelo homem, no século 13. Some-se a isso a receptividade dos maoris, etnia nativa que corresponde a 15% da população do país. Por ser jovem e distante, a Nova Zelândia se estabeleceu como uma espécie de curadoria do que há de melhor por todos os cantos, da Inglaterra ao lado mais ocidental do planeta. E essa máxima, definitivamente, se aplica à cerveja. Sim, cerveja. Belezas naturais, esportes radicais e bungee jump continuam sendo parte do roteiro obrigatório. Mas o boom das cervejarias artesanais é um fenômeno recente que merece ser apreciado. Desde 2011, quase uma centena delas abriram as portas na Nova Zelândia. Atualmente, mais de 300 marcas de cerveja circulam por suas duas grandes ilhas. Nesse ponto, entra a capacidade dos kiwis – como o neozelandês costuma se referir a seus compatriotas – de combinar e adaptar as mais diversas especiarias do mundo. Em uma mesma cerveja, é possível encontrar ingredientes de várias nacionalidades. Café colombiano com cevada belga. Banana brasileira com malte holandês. PLAYBOY desbravou um exótico circuito cervejeiro, sem abdicar, obviamente, do traçado clássico que consagrou a Nova Zelândia como o destino perfeito para os amantes de aventura. Na realidade e na fantasia. A SOCIEDADE DA BREJA Embora não seja a capital, Auckland, que fica na Ilha Norte, é a maior e mais populosa cidade da Nova Zelândia. É, acima de tudo, a porta de entrada do PLAYBOY
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margens do porto tem diversos restaurantes, que exibem no cardápio desde garrafas importadas a pints de chope local. Um dos cartões-postais é a Sky Tower, torre de 328 metros de altura onde se pode degustar sabores da Moa [que se acha no Brasil pela moabeer.com.br], a cervejaria artesanal do país, no jantar harmonizado do restaurante panorâmico. As opções, entretanto, não fogem muito ao gosto da velha pilsen que estamos acostumados a tomar no Brasil. Para molhar o bico com as melhores qualidades do lúpulo é melhor pegar a estrada. Alugar um carro é uma pedida econômica para desbravar o restante da Ilha Norte em direção ao sul. Uma ressalva: se beber, não dirija, mesmo, sobretudo em mão inglesa! A primeira parada fica a 160 quilômetros de Auckland. A cidade de Matamata abriga um cenário artificial criado exclusivamente para as gravações das trilogias O Senhor dos Anéis e O Hobbit. Não por acaso, Hobbiton, que materializa o condado com as 44 tocas dos hobbits, foi construída com materiais permanentes sobre uma encosta e já recebeu mais de 1 milhão de visitantes. Em setembro de 1998, o patriarca da família Alexander bebericava sua caneca de cerveja assistindo a uma partida de rúgbi, esporte mais popular da Nova Zelândia, quando ouviu duas batidas na porta da sala. Era Peter Jackson, cineasta e diretor das trilogias. Ele havia sobrevoado a fazenda dos Alexander no dia anterior. Depois de oito meses de negociação, a família concordou em emprestar o terreno para a construção do cenário. Pelo capricho dos detalhes, como hortas naturais e o varal com roupas estendidas, Hobbiton parece uma vila de verdade. Quem viu os filmes adaptados da obra de J. R. R. Tolkien se sente dentro da história. Boa parte da fazenda segue ativa, produzindo leite e com um rebanho de 13 mil ovelhas. Além da visita padrão, o condado organiza eventos personali-
Auckland (acima) é a porta de entrada da Nova Zelândia. Ao lado, a taberna The Green Dragon, em Hobbiton, serve cervejas inspiradas no filme O Senhor dos Anéis. Não muito distante dali, em Rotorua (à direita), a atração é o circuito off road no meio da floresta
país. As rotas aéreas que desembocam no aeroporto internacional dão a dimensão do isolamento geográfico. São necessárias três horas de voo para percorrer os 2 153 quilômetros que separam Auckland de Sydney, na Austrália, que também fica na Oceania. Para o Japão, 12 horas. As principais cidades da Europa estão a 24 horas. Do Brasil, o caminho mais fácil é 56
pelo Pacífico, via Santiago. A viagem dura cerca de 17 horas. Mas o que pega mesmo é a diferença de fuso, geralmente de 15 horas. Meio cosmopolita, meio bucólica, a cidade logo se mostra ideal para abrir os trabalhos etílicos, a conta-gotas, até nos ambientarmos aos ponteiros adiantados do relógio. Não demanda esforço achar uma boa cerveja em Auckland. O calçadão às 57
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Apresentações de danças típicas do povo maori, passeios de trem por cenários selvagens e esportes radicais fazem parte da rota de turismo tradicional na Nova Zelândia. Mas, aos poucos, a cerveja kiwi se consagra como elemento da cultura local. Em Wellington, um tour de degustação explora cervejarias artesanais da capital
Rotorua, em Urenui, avistamos o portão do Mike’s, um modesto empreendimento familiar que fabrica cervejas orgânicas desde 1989. Ron Trigg, um sul-africano corpulento e bonachão, toca o negócio com uma pegada bem caseira. Segundo ele, apesar dos seus 19 rótulos, incluindo tipos sazonais e até um uísque, o segredo da cerveja artesanal reside na simplicidade. “Pro-
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1. Bossa Nova (Wellington) 7,7% A remissão ao Brasil e o rótulo colorido já ganham nossa simpatia. Mas é, de fato, saborosa.
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2. RIP (Urenui) 8% Cerveja escura da boa. Apesar da sigla mórbida, o nome significa “robust imperial porter”.
3. Alchemist (Christchurch) 4,6% Cor avermelhada e aroma complexo, variando entre frutada e maltada. Bastante cremosa.
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duzimos poucas garrafas e só usamos ingredientes naturais. Essa é a base da nossa tradição”, diz. Sempre no fim de outubro, Trigg promove sua não menos tradicional Oktoberfest, regada a música, comidas alemãs e as principais cervejas da casa. Destaque para as carameladas, achocolatadas, de baunilha e a RIP (8%), que leva café brasileiro e possui amargor suave. Nos fundos da cervejaria há uma trilha para a praia, de onde se pode avistar o topo do Taranaki, vulcão de 2 518 metros de altitude que serviu de cenário para o filme O Último Samurai, por sua semelhança com o monte Everest. A última parada na Ilha Norte é a capital, Wellington, com 400 mil habitantes e ares de cidade interiorana. O Beer Tour é indispensável. Em uma tarde, percorremos dois bares e duas
FOTOS: ALEXANDRE BATTIBUGLI; [1], [2] E [3] DIVULGAÇÃO
zados. “Recebemos casamentos, reuniões de executivos e até gente que vem só para beber”, explica o cicerone Russell Alexander. Beber na terra de hobbits, anões e elfos? Por que não? O desfecho do tour é na taberna The Green Dragon, que produz quatro variedades de cerveja, servidas em tonéis de carvalho. A de maçã, cítrica, 5% de álcool, cai bem com o clima rústico do lugar. Mas, se tiver de bater volante no resto do dia, a escolha segura é a Frogmorton, sem álcool e feita de gengibre. A primeira caneca é por conta da casa. Ainda no sentido sul, Rotorua, a 67 quilômetros de Matamata, tem um quê de parque de diversão. Você pode se enfurnar em uma bola gigante cheia de água, que desce quicando morro abaixo – faz parte da arte neozelandesa de inventar “esportes” radicais –, explorar o Rio Waikato de rafting ou dirigir um 4x4 em um circuito no meio da floresta. Mas Rotorua também é fundamental para entender o simbolismo da cultura maori no país. O parque Te Puia, projetado sobre uma imensa nascente termal em atividade, concentra exposições da arte indígena, um farto jantar com pratos típicos e apresentações do haka. O rito tribal ficou mundialmente conhecido por meio dos All Blacks, a seleção de rúgbi da Nova Zelândia, que o encena antes das partidas. Passada a noite da comilança, hora de zarpar rumo à costa oeste, repleta de praias de areia escura, propícias para o surfe, e às cervejarias mais excêntricas do percurso. À beira da estrada costeira, a 270 quilômetros de
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SERVIÇO
cervejarias artesanais. E o principal: degustação de todos os tipos de chope e rótulos inclusa. No Garage Project, que abre o passeio, algo nos soa familiar. A Bossa Nova (7,7%), inspirada em coquetéis brasileiros, é frutada, com sabores de manga e abacaxi que se sobressaem. Difícil não eleger pelo menos três favoritas de cada lugar, entre opções de cervejas viva, bock e puro malte holandês. Os bares servem tira-gostos, e as lições do mestre cervejeiro podem descambar para um animado papo de boteco.
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MOEDA Dólar neozelandês (1 dólar
NZ vale cerca de 2,30 reais) TRANSPORTE As estradas da
Nova Zelândia apresentam boas condições e são pouco movimentadas. Alugar um carro vale a pena, apesar da mão inglesa, que pode confundir um pouco no início. É necessário ter carteira internacional de habilitação. Para quem deseja dispensar o volante, trechos de avião só compensam em grandes distâncias. Há várias opções de ônibus e transporte fretado. Hobbiton, por exemplo, oferece pacotes com vans saindo de Auckland e Rotorua.
ATRAÇÕES HOBBITON (Matamata) hobbitontours.com A partir de 20 REAIS (para crianças) e 150 REAIS (adultos) TE PUIA (Rotorua)
FOTOS: ALEXANDRE BATTIBUGLI; [1] DIVULGAÇÃO
SE BEBER, NÃO SALTE De Wellington para a Ilha Sul da Nova Zelândia é um pulo. Considerada a capital das microcervejarias kiwis, Nelson fez fama pela qualidade de seu lúpulo e pelo Marchfest, um grande festival da bebida realizado anualmente, em março. Mas por lá nossa sede de cevada é momentaneamente substituída pela adrenalina de testar o primeiro bungee jump comercial do mundo, em Queenstown. A plataforma é uma ponte a 43 metros de altura do Rio Kawarau. Para um principiante, é aconselhável estar sóbrio antes de encarar o desafio. Enquanto um dos instrutores amarra a corda aos meus dois pés, comento que deveria ter tomado uma (ou duas) para criar coragem para o salto. Ele diz não recomendar, dadas as “cenas cômicas” protagonizadas por alguns aventureiros ébrios. Inicia-se então uma contagem regressiva de três segundos que parece se arrastar por três horas. Dá vontade de desaparecer, de fugir, de implorar por uma cerveja, um conhaque, um último desejo. A queda livre não dura dois segundos. A sensação, porém, é de morte iminente, seguida de um alívio regozijante ao sentir o tranco da corda no calcanhar. Existem ainda outras três possibilidades de salto: pular de costas, ser puxado somente depois de mergulhar no rio ou se jogar com outra pessoa no cangote. As cordas aguentam um peso superior
IDIOMAS Inglês e maori
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Acima, o barco a jato rasga os vales de Queenstown a mais de 120 km/h. Ao lado, a Oktoberfest é um dos chamarizes da cervejaria Mike’s, dirigida por Ron Trigg. Abaixo, um safári 4x4 pelos Alpes da Ilha Sul
tepuia.com Visita cultural ao parque e à nascente termal, incluindo jantar maori, por 250 REAIS OGO (Rotorua) ogo.co.nz
Uma descida na bolha gigante a partir de 80 REAIS MIKE’S BEER (Urenui)
organicbeer.co.nz CAPITAL CRAFT BEER TOUR (Wellington)
wellingtonsightseeingtours.com Tour por bares e cervejarias com degustação e petiscos: 310 REAIS AJ HACKETT BUNGY (Queenstown)
a 200 quilos. Há pedidos de casamento à beira da ponte, acredite. Queenstown é o paraíso das modalidades radicais esdrúxulas. Do esqui na neve a um trajeto pelos cânions do Rio Shotover em barcos que alcançam mais de 120 km/h e manobram em 360 graus, a surra de vento gelado, como a experiência pode ser definida no inverno, foi testada por personalidades 60
como a duquesa Kate Middleton e o príncipe William. Se sobrar tempo, deixe a saideira para Christchurch, a leste da Ilha Sul. As ales encorpadas da Cassels & Sons, de aroma forte, bem ao estilo inglês, harmonizam perfeitamente com as paisagens dos Alpes que aparecem tanto em O Senhor dos Anéis quanto em As Crônicas de Nárnia. Um final feliz, com cerveja.
bungy.co.nz O salto simples sai por cerca de 450 REAIS SHOTOVER JET (Queenstown)
shotoverjet.com O passeio de barco rápido custa 300 REAIS Há pacotes promocionais para grupos e famílias CASSELS & SONS (Christchurch)
casselsbrewery.co.nz Além das cervejas, as pizzas rústicas são um atrativo da casa