Soberano
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Soberano Curso de Jornalismo da UFSC Atividade da disciplina de Edição Professor: Ricardo Barreto Edição, textos, planejamento e editoração eletrônica: Brenda Thomé Serviços editoriais: O Estado de S. Paulo, Youtube, O Globo, Jornal Pequeno, Blog do Décio, Revista Caras, Blog Geração Editorial Impressão: Gráfica Postmix Junho de 2012
Obra revela bastidores do poder de Sarney Grande reportagem mostra que influência do presidente do Senado se infiltra em estruturas básicas do Estado
H
onoráveis bandidos, o livro do experiente jornalista investigativo Palmério Dória, lançado em 2009, tem um título peculiar. Mylton Severiano, coautor do trabalho, explica: honoráveis bandidos são estas figuras batizadas por Karl Marx, que de tempos em tempos afrouxam as fibras do tecido social e conseguem levar gente honesta a ter vergonha de ser honesta. Este é o nome emprestado a José Sarney, a velha raposa política que mantém-se viva na vida política 53 anos após assumir seu primeiro mandato como deputado federal, em 1959. A narrativa amarra-se em torno de 2 de fevereiro de 2009, dia em que Sarney chegava pela terceira vez à presidência do Senado, enquanto seu filho Fernando era alvo de investigações por movimentar quantias milionárias de dinheiro vivo e sua filha Roseana acabava de perder as eleições para o governo do Maranhão, a base do poder do clã. A partir desse momento de crise para os poderes da família Sarney, o autor destrincha os vários jogos de poder e absurdos em
que estão envolvidos. Para compreender plenamente a importância dos episódios relatados no livro é necessário ter boa memória ou conhecimento sobre os acontecimentos políticos do país nas últimas décadas e, principalmente, nos últimos anos. Se o leitor for ignorante dessas questões, a leitura é também uma boa forma de começar a conhecê-las. Afinal, um cidadão atento deveria ao menos recordar alguns dos nomes como Roseana Sarney, Edison Lobão, Michel Temer, Renan Calheiros, Agaciel Maia e tantos outros políticos citados em falcatruas na obra e que povoam os noticiários nacionais de tempos em tempos. Apesar de ser um tanto confuso na sua cronologia, Honoráveis Bandidos traz à tona diversos casos de bastidor envolvendo toda a família Sarney, de total desconhecimento do público. A começar por características peculiares dos três filhos de José e Marly Sarney: Roseana, Zequinha e Fernando. Roseana, a mais velha e preferida do pai, atual governadora do Maranhão, é retratada como bocuda, desbocada, viciada em champanha e em jogos de azar. Zequinha é o peso a ser carregado, o ovelha negra, sem grande
Capa mostra político como mafioso
carisma político. Fernando, o caçula e preferido da mãe, ocupou importantes cargos em estatais envolvidas com a exploração de energia e é o grande empresário do clã. Mais curioso ainda é notar que Fernando e Roseana casaram-se com Teresa e Jorge Murad, que são irmãos. Palmério desvenda a força coronel do Maranhão desde o começo, quando José Sarney começou na vida política com a ajuda do pai, até o abominável
uso da máquina pública em benefício próprio. Há eposódios curiosos como a posse de um castelo milionário e medieval na Europa, não declarado ao fisco e maior até do que uma propriedade de uma das famílias mais ricas do mundo, os Onassis. Pessoas próximas revelam que José Sarney não gosta de tratar dos eus assuntos por telefone e manda recados através de pessoas de confiança para seus filhos para evitar grampos e interceptações. A capa do livro representa bem a visão do autor sobre Sarney: mostra-o como mafioso. O autor separa três pilares da constituição do poder da família: energia, terras e comunicação. No setor de energia e minérios, Sarney conservou afilhados políticos ou membros de sua família no comando de grandes estatais, como a Vale do Rio Doce, a Eletronorte, a Cemar e a Alumar, explorando essa influência para obter dinheiro e favores. Em se tratando de terras, há absurdos descritos no livro, como a posse de mansões que mais parecem museus, uma ilha inteira de 2500 hectares que deveria ser reservas ambiental, prédios públicos que passaram a ser
privados e até a venda de grandes terras do Maranhão para grandes grupos empresariais. Na comunicação, os Sarney são donos da Rede Mirante de Comunicação, afiliada à Rede Globo com sede em São Luís do Maranhão, dona de várias emissoras de rádio, televisão e também de jornais. E não precisam nem se preocupar com a concorrência, pois a repetidora do SBT está nas mãos de Edison Lobão, grande parceiro político de José Sarney. São 200 páginas de informações contundentes, passando por todos os períodos da vida dos Sarney, todos os mandatos, os escândalos, os jogos políticos e de influência, as operações policiais em que se envolveram. Um livro que não foi campeão de vendas à toa, pois perturba todo cidadão brasileiro que o leia ao desvendar a influência da família em vários setores do Estado. Incomodou, inclusive, o clã. Tanto que seu lançamento em 2009 no Maranhão acabou em um episódio de pancadaria e protestos, tudo a mando deles. A história dessa família ainda não terminou, mas o livro já é um bom começo para que todos possam enxergar a gravidade das suas atituides.
Lyssuel Calvet
O atual presidente do Senado completou 83 anos no dia 24 de maio. Em abril ele foi internado no Hospital Sírio Libanês em São Paulo com dores no peito e teve que passar por um cateterismo e uma angioplastia. Chegou até a ir para a UTI, seu estado de saúde era estável, mas acabou se recuperando e teve alta alguns dias depois. Com a idade avançada, ele bem sabe que a morte se avizinha, mas seu desejo não é ser imortal apenas na Academia Brasileira de Letras. Para garantir que sua memória se manteria viva, Sarney planejou até mesmo a construção de seu mausoléu e escolheu um belíssimo e oponente lugar. No Maranhão, é claro. No centro histórico de São Luís, ergue-se o Convento das Mercês, construído no século 17 e que já foi palco dos sermões de Padre Antônio Vieira. Em 1990, o então governador Epitácio Cafeteira deixou o cargo para disputar o Senado. O vice, João Alberto assumiu. E foi ele quem doou o prédio, com área de 6500 metros quadrados, tombado pelo Patrimônio Histórico, sede da Fundação da Memória da República, para o expresidente, que por alguma de suas mágicas transformou-o em Fundação José Sarney. No acervo da instituição figurava de tudo: livros de auto-ajuda, folhetos, fotos, documentos, objetos, tudo relacionado à figura do político. Havia até mesmo desenhos feitos pelos seus filhos quando crianças. No pátio, um busto do maranhense ilustre e uma enorme lápide de granito preto com três metros de largura e seis de comprimento, onde seria erguido o mausoléu.
Reprodução/Youtube
Senador quer garantir mausoléu em vida
Manifestantes jogam cadeiras e causam confusão em lançamento de livro
Autor hostilizado em São Luís Cripta seria construída no Convento das Mercês, na capital do Maranhão
Seria, sim, pois a Justiça Federal acatou um pedido do Ministério Público Federal no Maranhão que anulava a doação do Convento aos Sarney por ser inconstituicional uma pessoa passar a possuir uma propriedade pública. Em 2010 foram retirados o busto e a lápide da edificação. A Fundação José Sarney foi extinta depois de não conseguir mais doações em dinheiro para se manter por causa de um escândalo envolvendo o uso de verbas doadas pela Petrobrás para investimento em ações bancárias, algo proibido para uma instituição que se dizia sem fins lucrativos. Mas a situação fúnebre não poderia ficar assim. Roseana Sarney, governadora do estado do Maranhão, propôs em 2011 um projeto de Lei que criaria, novamente, a Fundação da Memória, no mesmo lugar onde funcionara, o Convento das Mercês.
Ela seria vinculada à Secretaria de Educação para que permanecesse no controle do Estado e teria como patrono o pai da governadora. A indicação de José Sarney para patrono foi contestada por políticos maranhenses, pois não é de prache, nem aceitável que essa pessoa ainda esteja viva ao receber tal honraria. Pouco depois, em novembro de 2011, todo o acervo da antiga Fundação José Sarney foi doado à Fundação da Memória “sem nenhuma conotação de culto a personalidade, mas de resgate e preservação da memória republicana”, diz o site josesarney.org. Se a última morada do coronel do Maranhão será lá, já não é certo. Mas quando o “presidente da transição democrática” falecer, provavelmente alguma medida rápida será tomada para que seu corpo não fique em um túmulo ordináro. Ao menos sua filha dá indicativos de que será assim.
Honoráveis Bandidos já está na sua 7ª edição, com mais de 100 mil cópias vendidas no país, sendo um grande sucesso do gênero jornalístico desde o seu lançamento em 2009. Mas isso não impediu que a sua recepção no Maranhão, estado que é a base do poder daqueles que são objetos do livro, causasse grande confusão. A convite de jornalistas de São Luís, os autores Palmério Dória e Mylton Severiano foram lançar o livro na capital maranhense em 4 de novembro de 2009 e tiveram dificuldade em encontrar uma livraria ou outro local do gênero que aceitasse promover o evento ou que tivesse o livro em suas prateleiras. Acabaram por conseguir que o Sindicato dos Bancários os recebesse. Em carta enviada à Fenaj (Federação Nacional dos Jornalistas), eles afirmam que o clima às suas chegadas no local estava esquisito. No lançamento, havia cerca de mil pessoas de várias idades e tudo corria normalmente até que um grupo de
cerca de vinte estudantes começou a gritar “mentira”, “viva Sarney” e impropérios contra o governador Jackson Lago, que foi derrubado pelos Sarney num golpe judiciário. Em seguida, as pessoas afastaram-se, abriu-se um clarão e um dos rapazes jogou uma cadeira na direção dos autores. Dali em diante, começou uma chuva de bolas de papel, ovos e pedras. Está tudo gravado e disponível na internet. Os seguranças do local expulsaram os baderneiros. Mesmo assim, 500 livros foram autografados. Foi registrado um boletim de ocorrência em que se alegava que a confusão foi criada por um grupo ligado a José Sarney. A prova, segundo Dória e Severiano, foi a identidade que uma das manifestantes deixou cair. Ana Paula Ribeiro era funcionária de Roberto Costa, secretário de Esporte e Juventude da governadora Roseana Sarney. O incidente se repetiu pouco depois no lançamento do livro na cidade de Impertatriz, mais ao sul do Maranhão .
“O poder que ele acumulou mantém-se à custa de sua inesgotável capacidade de nomear”