Vila dos Meninos: 100 anos de história da casa do Santos Futebol Clube

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Agora chegou a hora de homenagear esse lugar que abrigou, revelou e consagrou tantos jovens talentos – uma tradição do clube do qual ela foi testemunha. E não há melhor maneira de fazer isso do que registrar e eternizar esses momentos dando voz a ela mesma.

vila dos meninos

Nela foi realizada a primeira partida do futebol profissional no Brasil. Dali foi feita a primeira transmissão intermunicipal ao vivo de um jogo pela televisão. Lá, o Santos marcou seu gol 10 mil e se tornou o primeiro clube do mundo a alcançar essa marca. Também foi na Vila que o melhor jogador de todos os tempos, Pelé, foi apresentado ao mundo. E onde ele se despediu.

breno frança

Em 2016, a Vila Belmiro completou 100 anos de existência. Desde a sua inauguração num amistoso em 12 de outubro de 1916 até hoje, muitos acontecimentos marcantes ocorreram nessa que é a sede oficial do Santos Futebol Clube.

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100 anos de história da casa do Santos Futebol Clube


breno franรงa vila dos meninos

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100 anos de história da casa do Santos Futebol Clube

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Autorizo a reprodução e divulgação total ou parcial deste trabalho, por qualquer meio convencional ou eletrônico, para fins de estudo e pesquisa, desde que citada a fonte.

Reportagem Breno França Orientação Eun Yung Park Revisão Júlia Barreto Projeto gráfico e capa Thiago Quadros

Catalogação na Publicação Serviço de Biblioteca e Documentação Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo Dados fornecidos pelo(a) autor(a) França, Breno dos Santos Vila dos Meninos: 100 anos de história da casa do Santos Futebol Clube / Breno dos Santos França. – São Paulo: B. S. . França, 2017. 232 p. Trabalho de Conclusão de Curso - Departamento deJornalismo e Editoração/Escola de Comunicações e Artes / Universidade de São Paulo. Orientadora: Eun Yung Park Bibliografia 1.Futebol 2. Santos Futebol Clube 3. Vila Belmiro 4. Santos I. França, Breno dos Santos II. Park, Eun Yung Título.

CDD 21.ed. - 070

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Breno dos Santos França

Vila dos Meninos: 100 anos de história da casa do Santos Futebol Clube

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo para obtenção do título de Bacharel em Comunicação Social - Habilitação em Jornalismo Área de Concentração: Livro-reportagem Orientador: Profa. Dra. Eun Yung Park

São Paulo 2017 5


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Dedico este livro a meus pais, Edna e Reinaldo, e a minha irmã, Laís, pelo carinho e pelo esforço com os quais me criaram, me permitindo sonhar. Agradeço aos meus amigos, em especial Mene, Gui, Max e Thi, e a minha namorada Julia, pelo incentivo que me deram em diversos momentos, me ajudando a continuar. Obrigado também a minha professora e orientadora Eun Yung Park, pela insistência e pelos conselhos que me fizeram melhorar. E finalmente à Vila Belmiro, ao Santos Futebol Clube, ao futebol e aos esportes em geral que me fizeram sofrer e vibrar, torcer e gorar, sorrir e chorar, para então me apaixonar.

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introdução

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campo do santos

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procura-se um campo

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a primeira vez

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proibido ser campeão

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para todo mundo ver

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estádio urbano caldeira

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tentando se encontrar

60

para colher, tem que plantar

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um sonho que se realiza

85

reino do futebol

97

não tentem fazer isso em casa

1 02

um time do mundo

1 13

o mundo aos nossos pés

1 36

cessar-fogo

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só pelé

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vila dos meninos

163

trabalho de formiga

169

meninos da fila

182

ano novo, receita velha

193

bobeou, dançou

2 03

centenários

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referências bibliográficas

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notícias e artigos

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vídeos

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livros

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introdução

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Dizem que o que faz desse esporte chamado futebol apaixonante é sua capacidade inigualável de nos surpreender. E devo admitir que ao longo dos anos de minha existência, pude perceber e comprovar isso. A surpresa que viradas históricas, gols antológicos e dribles desconcertantes podem proporcionar é fundamental para que o futebol tenha se tornado a modalidade mais popular do planeta. Existe uma certa magia encantadora na capacidade que alguns seres humanos têm de controlar uma bola com os pés e colocá-la com precisão no destino escolhido. Esse esporte é, de uma certa forma, a rendição de nossos tão valorizados olhos aos nossos tão sacrificados pés. O futebol é a arte inesperada das partes subjugadas de nós mesmos. Com tempo para adquirir um pouco de prática, captei inúmeras vezes o momento exato em que corações desavisados foram arrebatados por esse fascínio que o futebol exerce sobre as pessoas. Corações dando conta de que estão apaixonados tarde demais para voltar atrás. Sob minha perspectiva única, hoje sou capaz até de adivinhar algumas das surpresas que o futebol gosta de reservar aos seus amantes. Em grande parte porque tive 11


paciência para ver o tempo passar e deixar suas marcas na história do Santos – o time de futebol de quem eu, por razões óbvias, mais vezes fui testemunha. Quando me dei conta disso, quis contar para o mundo inteiro. E algumas vezes estive bem perto de conseguir. As pessoas vinham até mim com interesse verdadeiro. Mas sempre dispostas a falar e nunca a ouvir. Sem alternativas, guardei rancor desse tal de futebol durante anos. Eu nunca entendi a renúncia das pessoas ao passado. Ele existe para ajudar a evitar futuros danos e merece ser valorizado. Admito, no entanto, que olhar pra trás nem sempre é um exercício fácil – como você também está prestes a descobrir. Se tantas vezes ele traz conforto, em outras, tem uma capacidade única de nos ferir. Mas registrar a história deveria ser um compromisso de todos com as próximas gerações. Contar-lhes nossos fracassos é uma maneira de impedir que cometam o mesmo erro. Contar-lhes nossas glórias é uma maneira de permitir que visitem as mesmas sensações. Em resumo, qualquer história merece ser contada. De seu início até o seu final. E como se estivesse numa escritura sagrada, este tornou-se meu compromisso nesta data tão especial. Agora é hora de tornar realidade um sonho, que alguém na minha idade, guardou por tempo demais. Por isso, nas próximas páginas, eu, que sempre fui figurante, serei narradora e protagonista. E espero que seja interessante até para quem não for santista. Eu tenho muitos nomes pelos quais você pode me conhecer. Uns carinhosos. Outros ofensivos. É comum para alguém como eu ter muitos apelidos em cantos, protestos e hinos.

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Aqui, vou escolher adotar um propositalmente provocador. E talvez até inédito. Um que te faça lembrar quantas vezes fiquei em segundo ou terceiro plano ao longo desses meus cem anos. Nas páginas a seguir, não espere ver o ponto de vista dos Meninos da Vila, mas sim, da Vila dos Meninos.

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campo do santos Eu já joguei em estádios lotados por todo o mundo, mas pelo jeito que a Vila Belmiro foi construída, jogar aqui é onde a gente mais sente a pressão da torcida!

— Raí, ex-jogador de futebol

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Foi um dia agridoce aquele 14 de abril de 1912. O vento de noroeste que ainda hoje invade a cidade, trazendo o bafo quente da praia e anunciando tempestade, naquele dia também trazia consigo presságios de festa e de tragédia. Na sede do Clube Concórdia, na antiga rua do Rosário, 18, atual rua João Pessoa, no centro de Santos, os 39 presentes não poderiam imaginar o que estava prestes a acontecer. Eles eram, em sua maioria, dissidentes do Sport Club Americano, a principal agremiação esportiva da cidade até então que, no entanto, acabara de se mudar para São Paulo, deixando muitos sócios órfãos para trás. Agora todos estavam ali reunidos por convocação de Francisco Raymundo Marques, Mário Ferraz de Campos e Argemiro de Souza Júnior, três dos maiores entusiastas do esporte santista, para fundar um novo club de foot-ball, uma modalidade que ainda engatinhava no país. Concorrendo com o cheirinho de pão da padaria A Suissa, que ficava na parte de baixo daquele sobrado humilde, e que, de hora em hora, invadia a sala de reunião, os presentes permaneceram firmes durante toda a tarde naquela Assembleia Fundadora. Firmes a ponto de sair 17


dali não só com um clube recém-fundado, mas com Sizino Patusca eleito presidente da nova entidade que, entre sugestões como Brasil Atlético, Euterpe e Concórdia, acabou sendo batizada pelo nome sugerido por Edmundo Jorge Araújo: nascia o Santos Foot-Ball Club. A nomenclatura em inglês, como era comum entre as agremiações esportivas contemporâneas, não negava a origem da modalidade introduzida no Brasil por Charles Miller em 4 de abril de 1895 e, durante muito tempo, praticada apenas por ingleses como ele. Além disso, fazia juz a uma intenção clara: montar um time que honrasse o nome da cidade e não a abandonasse jamais. Fundou-se hontem nesta cidade, sob os melhores auspicios o Santos Foot-ball Club com o elevado numero de 146 socios. A reunião de fundação desse club sportivo effectuou-se na sede do Club Concordia tendo começado as 2 horas da tarde com a presença de muitas sócios. Depois de escolhido o titulo acima, passou-se a eleição da nova directoria, que deu o seguinte resultado. Presidente, Sizino Patusca; vice-presidente, George Cox; 1º secretario, José G. Martins; 2º secretario, Raul Dantas; 1º thesoureiro, Leonel Silva; 2º thesoureiro, Dario Frota. Directores: Augusto Bulle, João Carlos de Mello, Henrique Tross, Raymundo Marques, Cicero F. da Silva e Jonnas de C. Pacheco.

— O Diário de Santos, Santos, 15 de abril de 1912

Mas não era só no nome que o novo Santos demonstrava suas origens. Fundado próximo aos terminais do maior porto da América Latina, a associação do clube com o mar nasceu no berço e foi representada logo no começo pelas cores oficiais originais: branca, dourada e azul. 18


O que ninguém esperava, porém, era que os dias de entusiasmo que sucederam à fundação do Santos tivessem que conviver com o luto das notícias que chegavam pelos aparelhos de rádio em todo o mundo. Mesmo num mar tão calmo quanto os da praia de Santos, há milhares de quilômetros dali, no mesmo oceano Atlântico, naufragava o navio, até então, “mais seguro do mundo”. Era como se dois gigantes dos mares não pudessem coexistir numa mesma dimensão. E no mesmo dia em que o Santos foi fundado, o Titanic foi afundado. Procura-se um campo

A herança de um gigante como aquele poderia representar uma espécie de maldição, mas o que se viu foi um clube que desde o começo demonstrou apetite para honrar a tradição e respeitar o luto das famílias das mais de 1.500 vítimas do acidente marítimo. Assim, o clube começou a treinar, jogar e até vencer algumas partidas num campo na rua Aguiar de Andrade, atual avenida Perimetral, no bairro do Macuco. Como o próprio nome diz, o terreno que ficava no perímetro que separava cidade, linha do trem e porto não tinha lá a melhor localização possível e, por também não contar com as dimensões mínimas exigidas à época, o time foi impedido de disputar jogos oficiais ali, dando início a uma verdadeira peregrinação pela cidade. Foi então que o clube se viu obrigado a estrear oficialmente num campo que pertencia, na época, ao Clube Atlético Internacional, mas que depois passou a ser propriedade de uma… igreja! Diante de tanta sacralidade, o Santos Foot-Ball Clube fez uma estreia abençoada contra o Santos Athletic Club, conhecido até hoje como Clube dos Ingleses, num terreno na 19


tradicional e central avenida Ana Costa, onde mais tarde seria erguida a Igreja Coração de Maria. Era um lindo dia de sol, uma tarde de mormaço e céu azul que permitiu a todos os presentes acompanharem plenamente uma bela partida de futebol. Melhor para Arnaldo Silveira e Adolpho Millon Júnior, que marcaram os gols da vitória por 3 a 2, naquele 15 de setembro de 1912, e abriram a contagem dos mais de 12 mil gols que o Santos ainda faria em sua história. Ao apito final do juiz, os últimos raios de sol daquele domingo ainda iluminavam os torcedores enquanto eles tomavam os bondes de volta para casa espalhando a alegria pela primeira vitória por toda a cidade. Era dia de festa nas praças e nas esquinas, nos cortiços e nas mansões, nos bares e nos bordéis do centro de Santos. E foi justamente a alegria desses torcedores a responsável pela popularização dos jogos daquele time. No ano seguinte, o Santos se tornou o primeiro time de fora da capital paulista a ser convidado para participar do Campeonato Paulista, mas o custo da viagem e a inexperiência dos jogadores fez com que a equipe abandonasse a competição antes mesmo do fim. Não sem antes saborear uma vitória sobre outro estreante no campeonato. Aquele que viria a se tornar o seu maior rival. No primeiro confronto da história entre Santos e Corinthians, vitória santista por 6 a 3. A renúncia ao estadual, porém, não fez com que o Santos perdesse popularidade na cidade, pelo contrário. Já tendo abandonado o azul e o dourado pela dificuldade de encontrar uniformes nessas cores e acatado a sugestão do diretor Paulo Peluccio ao adotar oficialmente o conjunto de shorts branco e camiseta listrada verticalmente em preto e branco como uniforme oficial, o Santos dedicou-se exclusivamente ao campeonato municipal e conquistou de forma invicta 20


já em 1913 o primeiro título de sua história. Era o começo da história vitoriosa do “glorioso alvinegro praiano”.

O Santos com Durval Damasceno; Pilar e Ernani; Pereira, Ambrósio e Ricardo; Adolpho Millon, Haroldo Cross, Willian, Urbano Caldeira e Arnaldo Silveira em preto e branco, tais quais as fotos da época.

O título fez com que os jogos da equipe passassem a chamar a atenção de ainda mais pessoas. Em 1914, a temporada do Santos contou apenas com alguns amistosos, mas todos eles apresentaram uma boa média de público. Já em 1915, o clube voltou a participar do campeonato santista e a vencê-lo. A conquista consolidou a equipe como principal representante do esporte na cidade. E a modalidade que chegou à Baixada Santista apenas treze anos antes por Henrique Porchat de Assis atraía cada vez mais curiosos, de modo que os dirigentes santistas sentiram a necessidade de procurar novos campos para a equipe atuar. 21


Aquele campo no terreno da futura igreja até contava com algumas arquibancadas de madeira onde jogo após jogo mais gente se apinhava para ver as partidas, mas além da capacidade limitada, o gramado irregular atrapalhava o bom andamento do espetáculo. Decidido a se mudar, o Santos primeiro jogou num terreno na avenida Conselheiro Nébias. Na sequência, testou um outro lote novamente na avenida Ana Costa. Mas nada parecia ser bom o suficiente. Naquele momento, o Santos encontrava um problema com o qual ainda conviveria boa parte de sua história: o clube era maior do que sua estrutura permitia ser. O presidente da ocasião, Agnello Cícero de Oliveira, no entanto, resolveu tomar uma atitude ousada. Perante a limitação dos campos alugados, traçou um plano para a construção de um novo e adequado estádio de futebol na cidade. Imediatamente, montou uma comissão composta por quatro diretores do clube: Luiz Suplicy Filho, Harold Cross, Sebastião Arantes e Francisco Viriato Correa. Agora, eles seriam responsáveis por procurar opções de terrenos que pudessem comportar o novo patamar do Santos e seu sonho particular. As ações de Agnello logo deram resultado, mas no intervalo de menos de um ano entre a nomeação da comissão e a escolha do terreno, o presidente adoeceu e teve que passar o comando do clube para Álvaro de Oliveira Ribeiro, um senhor com formação em medicina que, após ter montado o departamento médico do Santos – o primeiro de um time de futebol no Brasil –, agora herdara a presidência e a responsabilidade de conduzir o parto do novo estádio. Entre as opções apresentadas ao novo presidente, alguns terrenos promissores se destacam no bairro do Campo Grande e nas suas proximidades, sobretudo na emergente 22


Vila dos Operários, um local que mais tarde viria a se chamar Vila Belmiro, em homenagem ao empresário, vereador e prefeito da cidade por dois mandatos que era dono de extensas propriedades na região: Belmiro Ribeiro de Morais e Silva. Todas as opções ficavam nas imediações da confluência dos canais 1 e 2. Eram loteamentos como os da atual Portuguesa Santista e da Beneficiência Portuguesa em Santos. Mas aquele que realmente fez brilhar os olhos do presidente pertencia à Companhia Santista de Habitações Econômicas, uma espécie de construtora de capital misto na época. Tratava-se de uma área de 16.650 m² entre as ruas D. Pedro I, Guarany, Tiradentes e Abolição, que ficava setenta centímetros acima do nível do mar e já contava com luz elétrica, rede de água e esgoto, além de possuir um grande diferencial: a possibilidade de usufruir de uma futura linha de bonde que contribuiria e muito para o acesso dos torcedores ao estádio. Afinal, estamos falando da tão charmosa quanto incipiente cidade de Santos no início do século XX. Não tardou muito e o acordo foi logo fechado. Em 10 de junho de 1916, o terreno passava para o nome do Santos em troca de um pagamento de sessenta e seis contos e seiscentos mil réis, algo em torno de R$ 9 milhões atualmente, a ser parcelado em dez anos. Nem precisou de tanto. O Santos quitou em seis. Parecia um negócio dos sonhos. E realmente era um sonho se tornando realidade para todos os santistas da época. Mas o dinheiro nunca foi a única forma de atribuir valor às coisas e, nesse caso, o preço que o presidente Álvaro pagou para tirar a casa própria do Santos do papel foi alto: a própria vida. Doente, mas determinado a dar ao clube um campo adequado para jogar custasse o que custasse, ele levou sua 23


missão ao pé da letra. De cama e inconsciente, já nos últimos dias de vida, lembrava-se do Santos nos breves momentos de lucidez. Diante de sua morte, porém, não havia clima para celebrar, e a minha apresentação para o mundo prevista para o dia 20 de agosto daquele mesmo ano teve que ser adiada. O destino tinha planos maiores para o meu nascimento.

A certidão original da compra do terreno recuperada e disponibilizada no Museu do Santos Futebol Clube. A primeira ve z

Doze de outubro nada mais era do que um dia normal no calendário de 1916, mas aquela foi a data especial marcada para a minha inauguração. Foi só em 1980 que o então presidente da República, general João Batista Figueiredo, 24


promulgou a lei que tornou o dia feriado nacional. Não graças ao Santos, é claro, mas graças a uma santa em especial, a padroeira do Brasil, Nossa Senhora de Aparecida. Coincidência maior, porém, veio antes. Em 1924, oito anos depois do meu próprio nascimento, uma outra lei foi sancionada tornando oficialmente o dia do meu aniversário também o Dia das Crianças. Dessa forma, eu que fui berço de tantos craques, faço a festa, todos os anos, junto com os meninos e as meninas que encontraram no meu colo o conforto de um verdadeiro lar. E se assim é até hoje, naquele ano, mesmo sem saber do que estava por vir, não foi diferente. Essas coisas de destino a gente não escolhe. Ao contrário do previsto, na inauguração, meu parco gramado não sentiu a dor das travas das chuteiras dos homens, mas sim o movimento leve dos pés descalços das crianças. Em razão das fortes chuvas que acometeram a cidade naquela quinta-feira feliz, a primeira partida oficial disputada aqui, no novo campo do Santos, teve que ser remarcada. Naquele dia, portanto, a única coisa que se viu foram os filhos de sócios e diretores, que, com sua inocência e disposição, brincavam de bola no barro e na lama que os adultos tanto evitavam. Com camisetas mais compridas do que seu dorso e bolas mais duras do que seus ossos, as crianças brincavam com o verdadeiro espírito do futebol numa molhada tarde de festa tão grande que não acabou no mesmo dia. Como era comum naquela época, a distância entre a minha inauguração e o “registro oficial” levou alguns dias. O suficiente para as chuvas cessarem e os 2 mil privilegiados que compraram ingressos por até 2 mil réis – algo em torno de cinquenta reais – retomassem a animação para acompanhar o grande match inaugural entre Santos e Club 25


Athletico Ypiranga, já no domingo, 22 de outubro de 1916. Eram homens de sapato e paletó e mulheres de vestido e chapéu que davam a dimensão do grande evento social que uma partida de futebol representava para a cidade na época.

No ingresso do primeiro jogo na Vila, a indicação do melhor meio de transporte, o bonde 17.

Assim como as nuvens que custavam a superar o obstáculo geográfico da Serra do Mar, uma grande expectativa pairava sobre a cidade. Comigo, obviamente, não era diferente. Eu queria estrear em grande estilo. A apresentação da marcha da Corporação Musical Humanitária abriu os trabalhos e foi sucedida pelo desfile das bandeiras e a entrada no gramado dos jogadores dos times “B” de ambas as agremiações. A partida preliminar começou pontualmente às 13h30 daquela tarde ensolarada de domingo, bem a tempo de permitir que as equipes principais adentrassem o campo de jogo pouco antes das 15h30, para por fim iniciar a partida principal. Eu estava tensa. 26


Meu gramado, assim como o cabelo de um bebê, ainda era ralo e tímido. A maior parte do campo era coberta por areia e uma camada de barro prensado. Ao redor, além de uma arquibancada e um coreto, apenas uma cerca de madeira e zinco separava-me da rua, o que permitia que muitos transeuntes desprivilegiados espiassem o que acontecia dali mesmo.

Arquibancada de madeira e cerca construídas onde hoje ficam as sociais.

Do lado de dentro, a tensão seguia evidente. Gritos estridentes eram ouvidos a cada arrancada pela lateral. Suspiros incontidos, a cada finalização equivocada. E burburinhos desconfiados, após cada passe errado. Até que Adolpho 27


Millon Júnior, um dos 39 fundadores do clube, responsabilizou-se por dar um pouco de alívio a toda aquela expectativa, marcando o primeiro gol que eu e meus convidados pudemos presenciar. Na sequência, Jarbas se encarregou de fazer o segundo. No segundo tempo, Formiga ainda descontou para o Ypiranga, mas era tarde demais para estragar a euforia pela primeira vitória do Santos na Vila, válida pelo Campeonato Paulista daquele ano: 2 a 1. Assim que o árbitro decretou o final do jogo, a tensão presente se dissipou completamente. O campo foi invadido pelos torcedores, que comemoraram a vitória lado a lado aos jogadores. Aos poucos, minhas arquibancadas se esvaziavam e o povo se espalhava pela cidade nos bondes e automóveis enquanto o sol dava lugar a lua no céu. A alegria tomava conta daquela tarde-noite de primavera. Foi a primeira vez que ouvi dizerem “Hoje, a Vila está em festa” e foi o marco inicial de uma história de vida fantástica – recordo-me com saudades. Mas se o meu nascimento foi memorável, o mesmo não posso dizer dos anos que se sucederam. E não se trata daquela perda de memória típica da primeira infância, e sim do fato desta primeira década de vida ter sido quase inteiramente esquecível em termos de resultados. Foi surpreendente, bella, enthusiastica e extraordinaria a pugna travada entre o valente campeão santista e o valoroso Ypiranga da capital. Antes da hora indicada para o encontro dos seguidos teams, ja a vasta praça de esportes do Santos começava a receber a fina flor da nossa sociedade e innumeros admiradores destas emocionantes lutas. Era bello, simplesmente bello, o aspecto que a vasta archibancada offerecia aos olhos do espectador. Grupos de senhoritas, trajando finas e elegantes 28


“toilettes”, imprimiam aquuelle local, com a sua alegria juvenil e um tanto nervosa, um encanto, uma belleza, um verdadeiro mimo. O “bar” optimamente installado e sob a direção de pessoal habilitado, cumpriu a missão de que estava encarregado com toda a paciencia. Momentos antes de iniciar o encontro dos segundos teams, a symphatica corporação musical “Humanitaria” tomou logar no elegante coreto e executou uma marcha vibrante, cujas notas despertaram na assistencia, calculada em 2000 pessoas, extraordinario enthusiasmo. Foi um momento pleno de anciedade e commoção. As gentis “torcedoras” deixavam transparecer bem claramente em seus bellos rostos a commoção que lhes ia na alma. A noite, em bondes especiaes offerecidos pela brava rapaziada do Santos, pelo seu enthusiastico consocio sr. Leite “Coalhada” foi feita uma passeata pelas ruas da cidade, entoando os seus hymnos sportivos. Ao passar por esta folha a alegre mocidade sportiva trouxe-nos a manifestação da sua alegria que agradecemos penhorados.

— A Tribuna, Santos, 23 de outubro de 1916

Proibido ser campeão

Verdade seja dita: os times formados pelo Santos não eram de todo ruim. Pelo contrário, eles até serviram de base para o primeiro título da Seleção Brasileira no SulAmericano de 1919. Era só que, se o Santos tinha se tornado o primeiro time de fora da capital a ser convidado para disputar o Campeonato Paulista, isto nunca significou que o Santos estava convidado também a vencê-lo. Nas palavras de um frequentador recorrente dos meus abraços, o jornalista Odir Cunha, naquela época, “era proibido ser campeão”. 29


Naquela época, uma discussão crescente a respeito da profissionalização do futebol estava sendo travada, mas o futebol ainda era uma modalidade amadora e, por isso, os campeonatos eram raros. Clubes como o Paulistano defendiam a permanência do amadorismo. Outros como Corinthians e Palestra Itália já pagavam jogadores clandestinamente para atuarem por suas equipes. Enquanto isso, times do interior como Santos e Guarani ficavam à margem da situação, preenchendo seus calendários com amistosos. Foram anos duros, quando bolas pesadas de capotão, preparação física quase inexistente, uniformes chamativos e grossos, além de quase nenhuma obediência tática se reuniam numa combinação lamentável. Não era de se estranhar que exceções, como a equipe do próprio Santos de Arnaldo, Haroldo, Ary Patusca e Millon, ficassem conhecidas por seu jogo de dominância e ofensividade. Ah, que maravilha! Aplicando a formação criada pelos ingleses com dois defensores, três jogadores no meio de campo e cinco mais adiantados, o Santos derrotava até mesmo as fortes equipes da capital, ganhando destaque na mídia esportiva enquanto aplicava goleadas e disputava o título cabeça a cabeça. Fazendo o que foi criado para fazer: jogar bola e encantar, o time chegou a ser terceiro colocado em 1917 e quarto em 1918, mas mesmo mantendo um ataque avassalador, foi sucedido por um hiato sem conquistas, o que só começou a mudar em 1926 quando o time conquistou pela primeira vez o Torneio Início Paulista: um campeonato diferente, disputado num único dia, com partidas curtas de vinte minutos – exceto a final, com uma hora de duração. O formato pouco convencional ajudou a competição a cair nas graças da torcida e, assim, o torneio tornou-se bastante tradicional (foi realizado continuamente de 1919 até 30


1932 e depois de 1935 até 1958), servindo ao Santos, pelo menos, para retomar o gosto pelas conquistas. Era o prelúdio da retomada de temporadas gloriosas. No ano seguinte, o Santos voltava a contar com uma equipe não só de boa técnica como também competitiva e eu, já com meus onze anos de idade, como quem troca os dentes de leite pelos definitivos, tinha trocado minhas cercas de madeira por muros de tijolos erguidos nas duas laterais. Estava chegando naquela idade em que a criança decide se vai gostar ou não de futebol de uma vez por todas. Ainda que, no meu caso, eu não tivesse muita escolha, a equipe daquele ano não deixou restarem dúvidas. Se hoje o Santos é o recordista mundial de gols marcados na história do futebol, reconhecido e cobrado pelo seu “DNA ofensivo”, foi naquela temporada que os primeiros traços desta personalidade apareceram. A linha ofensiva que viria a ser conhecida nacionalmente como o “ataque dos 100 gols”, porém, não surgiu da noite para o dia. A história começa antes, em 8 de abril de 1923, quando, em partida disputada em prol do Asilo dos Órfãos de Santos, o Santos empatou com o expoente time da cidade, Brasil Futebol Clube, e viu três jogadores adversários se destacarem: além de Omar, os irmãos Camarão e Siriri. Alguns meses depois, por ordem do já patrono do clube Urbano Caldeira, e em colaboração com José Caetano Munhoz – um grande garimpeiro de talentos do futebol de várzea da época –, o trio foi contratado pelo Santos e veio a estrear logo em seguida. Numa partida disputada em 27 de setembro daquele mesmo ano, contra a Seleção do Rio Grande do Sul, os três fizeram parte do time titular e Siriri teve atuação de gala, marcando os dois gols do Santos no empate em 2 a 2. 31


Ao lado deles, naquela ocasião estavam duas jovens revelações do clube que também seriam decisivas na temporada de 1927: Hugo e Araken Patusca. O primeiro tinha estreado dias antes, em 15 de agosto, numa partida amistosa contra a Portuguesa Santista, vencida pelo Santos por 1 a 0. Já o segundo, ah, este reservava uma história bem mais interessante. Me lembro de sua primeira aparição como se fosse ontem. Araken era filho do fundador e primeiro presidente do Santos, Sizino Patusca, primo do autor do primeiro gol oficial do clube, Arnaldo Silveira, e irmão de um dos primeiros grandes jogadores do time, Ary Patusca. Resumidamente, Araken vinha de uma família que já tinha tradição no jovem clube e até por isso as expectativas sobre seu futebol eram grandes. Jovem talentoso e muito promissor, tinha apenas quinze anos quando foi acompanhar um jogo-treino do time principal e viu um dos jogadores titulares da equipe, Edgar da Silva Marques, passar mal minutos antes do início da partida. Ainda como treinador da equipe, Urbano Caldeira estava lá de novo para colocar seu dedo no destino e chamar o garoto para “completar o time”. Qual não foi sua surpresa ao vê-lo marcar, naquele mesmo dia, quatro gols no empate por 5 a 5 contra o Paulista de Jundiaí. Mesmo com a atuação extraordinária, os dirigentes não permitiram que o jogador “queimasse etapas”, como se diz no mundo do futebol. Ele só foi estrear oficialmente na temporada de 1923, já com Siriri, Camarão, Omar e Hugo ao seu lado, marcando seu primeiro gol oficial em 7 de novembro. Em 1925, no entanto, foi emprestado ao Paulistano para ganhar experiência e participar da primeira excursão de um clube brasileiro à Europa, onde atuou ao lado de Arthur Friedenreich na França e ganhou o apelido dos 32


franceses de Le Danger (O Perigo) graças ao seu oportunismo na frente do gol. Por conta dessa ausência, Araken não estava presente quando outro jogador da lendária linha ofensiva de 1927 chegou aqui. Observado e indicado pelo ex-goleiro do Santos, Alzemiro Ballio, João Evangelista veio da Portuguesa Santista e estreou pelo alvinegro praiano em 22 de março daquele ano, anotando dois dos cinco gols santistas na vitória inapelável diante da Associação Atlética das Palmeiras. Com Siriri, Camarão, Omar, Hugo, Araken Patusca e agora Evangelista, a primeira grande formação da história do Santos estava quase completa. Eu disse quase. O último elemento a desembarcar em Santos para completar o esquadrão só chegou mesmo na temporada de 1927. Já consagrado artilheiro do Paulistão em três edições consecutivas (1923, 1924 e 1925) pela Associação Atlética São Bento, Feitiço tinha passagens por diversos clubes e até um título paulista no currículo. Apesar disso, meses antes de ser contratado pelo Santos, tinha decidido abandonar o futebol e trabalhava como carreto na cidade de São Paulo. Eram tempos distantes esses em que um jogador de futebol profissional da qualidade de Feitiço ainda dividia suas atenções com uma atividade “comum” já que o esporte não dava tanto dinheiro. Felizmente, Feitiço voltou atrás quando soube do interesse do promissor clube do litoral e estreou com a camisa alvinegra em 3 de abril de 1927, anotando um dos gols na vitória do time por 3 a 2 sobre o Palestra Itália. Naquela ocasião, porém, Feitiço não teve ao seu lado todos os companheiros com os quais se consagraria, algo que só foi acontecer em 21 de abril, na partida de inauguração de um estádio-irmão: São Januário, no Rio de Janeiro. 33


Seria injusto dizer que naquela ocasião o Santos deu o pontapé inicial na sua brilhante temporada porque a equipe paulista fez de tudo na partida, menos dar pontapé. Com um futebol vistoso que encantou os espectadores e a mídia da capital federal, o Santos venceu o anfitrião Vasco da Gama por 5 a 3, com gols de Evangelista (2), Feitiço, Omar e Araken Patusca, fato que fez o time cruz-maltino pedir uma revanche alguns dias depois e sofrer nova derrota, dessa vez por 4 a 1. O Santos F.C. era um inferno de pernas e cabeças, controlando a pelota com malÍcia e classe. O estádio cruz-maltino novinho em folha, regurgitava, na febre dos grandes acontecimentos. Washington Luiz lá estava, pela primeira vez num campo de futebol. Era então, presidente da república. Havia um objeto de desejo no campo, um troféu oferecido ao triunfador, ao qual a torcida e todos presentes esbugalhavam os olhos de desejo.

— O Mundo Esportivo, Rio de Janeiro, 1927

O time retornou a Santos com embalo e confiança sobrando. O que os jogadores daquela equipe – já considerada sensação do país – praticavam em jogos e treinamentos era obsceno. Desse modo, duas semanas depois do amistoso no Rio de Janeiro, o Santos estreava no Campeonato Paulista com status de favorito a um título inédito. A partida marcada para o dia 3 de maio era justamente contra o mesmo adversário da minha inauguração, o Ypiranga. Bandeiras já tremulavam na arquibancada e a bandinha puxava gritos de incentivo ao Santos. Os presentes se deliciaram com os lances dos jogadores santistas que, se venceram apertado o clube paulista na minha inauguração, 34


anos antes, por 2 a 1, dessa vez faziam diferente. Com uma atuação magistral de Araken que foi às redes sete vezes e estabeleceu seu recorde pessoal de gols numa mesma partida, o Santos anotou 12 a 1, obrigando o menino que atualizava o placar manual a improvisar os dígitos duplos. Entre tanta comemoração pelos sete de Araken, dois de Feitiço, além dos gols de Hugo, Camarão e Evangelista, houve quem perdesse não só a conta, mas também alguns lances que nunca mais poderão ser vistos, já que naquela época as partidas não passavam nem perto de serem gravadas, muito menos repetidas. Sorte de testemunhas oculares como eu que ainda tenho tudo guardado nas retinas. Às vezes, no apagar das luzes, aproveito o campo vazio para encenar as jogadas mais marcantes da minha memória. E este ainda é um dos meus dias preferidos. Dez dias depois, o Santos entrou em campo para aplicar mais uma goleada: 10 a 1. E na rodada seguinte, 4 a 2. E então sequência de vitórias por 11 a 2, 5 a 2, 11 a 3, 9 a 3. Ninguém tratava a bola com mais carinho do que o Santos e eu, feliz feito uma criança que ganha um bocado de doces, fazia questão de amaciá-las com minhas redes para que elas gostassem e nunca mais quisessem sair de lá. Bons tempos em que as coisas não paravam de dar certo. As vitórias se empilhavam. Os gols eram contados em dúzias. O ataque santista parecia imparável. E seria mesmo, se eventos externos não começassem a influenciar a campanha da equipe. O primeiro episódio aconteceu no mesmo São Januário, no Rio de Janeiro, quando o goleiro santista Tuffy e o atacante Feitiço foram convocados para defender a Seleção Paulista contra a Seleção Carioca e se envolveram numa confusão que sobrou até para o presidente da república. 35


Tudo começou com a marcação de um pênalti duvidoso para os cariocas aos 29 minutos do segundo tempo. Os jogadores em campo se revoltaram contra o árbitro e se recusaram a continuar a partida até que o presidente Washington Luiz, presente nas tribunas do estádio, percebeu o impasse e ordenou que o jogo recomeçasse, para então ouvir de Feitiço uma das frases mais folclóricas do futebol brasileiro: “Diga ao presidente que ele manda no país. Na seleção paulista, mandamos nós”.

Uma das formações históricas do Santos FC. Em pé: Osvaldo, Júlio, Alfredo, Aristides, Athiê e Amorim. Agachados: Siriri, Camarão, Feitiço, Araken e Evangelista.

A partida, de fato, nunca foi reiniciada, mas a ousadia dos jogadores santistas não passou impune. Chefe da delegação e presidente do Santos, doutor Antonio Guilherme 36


Gonçalves era adepto do estilo rigoroso e resolveu punir os jogadores, suspendo-os dos jogos do Santos. Ele alegou que o Santos era um time de técnica e disciplina e que, portanto, não podia compactuar com a insubordinação de seus jogadores. Autor da frase “penso que, no Santos, mais vale uma atitude do que um campeonato”, ele não fazia ideia de que estava sendo instrumento de mais uma premonição na história do clube. Há quem diga que a decisão de suspender os jogadores tratava-se apenas de uma jogada política para agradecer à Confederação Brasileira de Desportos (CBD, atual CBF) por ter reconhecido a Associação Paulista de Esportes Atléticos (APEA) como a principal liga do futebol paulista. Não tenho certeza. O que eu sei é que, por um motivo ou por outro, nem Tuffy, nem Feitiço voltaram a jogar pelo Santos naquele ano, e o time perdeu sua invencibilidade, quebrando a sequência de goleadas que vinha aplicando. O revés por 4 a 1 frente ao Palestra Itália, em São Paulo, no entanto, não foi suficiente para macular a campanha do time. Foram treze partidas disputadas na primeira fase do campeonato, nas quais o Santos marcou 93 gols e venceu doze vezes. Dez vitórias e oitenta gols anotados bem aqui, diante dos meus olhos, no calor de meus braços. Eram gols marcados de todos os tipos. Patusca ocupava o meio de campo e surpreendia os zagueiros adversários aparecendo de surpresa na grande área para finalizar as jogadas. Feitiço era exímio finalizador e já tinha inventado o chute de bico de chuteira quando percebeu também que cabecear a bola de cima para baixo dificultava a defesa do goleiro. Já Camarão abusava da sua velocidade pela ponta-direita e tinha chutes tão potentes que mais pareciam mísseis. Com força, velocidade e técnica, era 37


difícil parar o bombardeio. O arsenal de gols era intenso e parecia inesgotável. No quadrangular final formado por Santos, Corinthians, Guarani e Palestra Itália, tudo começou muito bem para nós. Mesmo com as ausências impostas pelo próprio presidente, vitória longe de casa sobre o Guarani por 4 a 2. Na partida seguinte, o Corinthians desceu a Serra do Mar com um esquema bastante defensivo para tentar brecar o ímpeto do ataque santista, o que conseguiu em grande parte do tempo. Mas Evangelista se encarregou de marcar o gol da vitória magra antes do fim do jogo: 1 a 0. Faltava apenas uma partida para o título inédito e apenas dois gols para o centésimo. Por ter a melhor campanha até então, o Santos teve o direito de me escolher para receber a partida na qual jogaria pelo empate contra o abastado Palestra Itália. E, mais uma vez, tudo começou muito bem para nós. Logo após o apito inicial, Siriri avançou com a bola, driblando os adversários e anotando o primeiro gol da partida aos 23 segundos. O título parecia estar na mão de um time que precisava só empatar. Mas foi então que “entrou em campo” o senhor Anthero Mollinaro Santos. Não gosto nem de lembrar que este indivíduo tinha Santos no nome. Argh! Contra um Palestra acuado que só conseguiu contra-atacar o Santos aos 11 minutos de jogo, só mesmo o juiz para dar jeito. Primeiro, um pênalti inexistente foi marcado para o time da capital, mas nosso goleiro Athié defendeu. Aos 25, depois de um impedimento escandaloso, Mollinaro mandou o jogo correr e o atacante palestrino, constrangido, empurrou a bola para rede e empatou: 1 a 1. Torcedores e jogadores ficaram indignados, mas cientes de que o empate ainda dava o título ao Santos, seguiram em frente. Logo depois, aos 38, o Santos estufa a rede 38


pela segunda vez, o que me fez tremer tamanha a euforia dos torcedores presentes. O juiz, no entanto, anula o gol alegando um impedimento inventado e provocando reclamações exaltadas no intervalo. Para se livrar da pressão, Mollinaro ameaça os jogadores santistas de expulsão e na volta para o segundo tempo, continua sua operação. Nos primeiros instantes da etapa final, Evangelista aparece cara a cara com o goleiro adversário, quando é travado por trás e cai. O juiz marca falta, mas do santista. Aos 17, Siriri invade a área e é derrubado pelo beque palestrino novamente, mas o árbitro só sorri e manda o jogo seguir. Seis minutos depois, com o time do Santos enervado, o Palmeiras faz boa jogada e encontra o seu segundo gol: 2 a 1. Em resposta, a equipe alvinegra, valente, vai ao ataque, e vê Omar invadir a área para logo depois ser puxado pela camisa até cair no chão. O árbitro de novo não marca nada e a paciência da torcida se esgota de vez. Veja bem, eu era jovem e tinha a expectativa de ver o primeiro título do Santos tão de perto. Aquele dia tinha tudo para ser mágico. Mas o que acabei vendo foi um confronto dos torcedores indignados com a polícia. Uma briga generalizada que paralisou a partida por 19 minutos de pura pancadaria. Houve até sangue derramado naquele dia em que os meus sonhos de menina se chocaram pela primeira vez com a realidade dos fatos da vida adulta de uma moça. Na volta, o Palmeiras reagiu melhor ao ocorrido e se aproveitou do nervosismo ainda presente entre os jogadores do Santos para ampliar o placar para 3 a 1. O título tinha escapado, mas um objetivo ainda podia ser alcançado: na bacia das almas, no mais puro desespero, Camarão marca para o Santos o centésimo gol da equipe na competição e o árbitro, acuado, encerra o jogo 4 minutos antes do tempo 39


regulamentar. Sem dar chance para mais nada. O Palestra Itália era campeão na Vila, mas o Santos fazia história. Até hoje a média de 6,25 gols por partida é recorde mundial de competições oficiais. Nem Pelé seria capaz de conduzir o Santos àquela marca novamente. Ao mesmo tempo que empregava a velocidade, empregava também, em idêntica dosagem, a técnica. A linha de frente agrupado por Omar, Camarão, Feitiço, Araken e Evangelista, além de Hugo e Siriri, era, ao mesmo tempo, “escola” e “fabrica” de gols. Ao mesmo tempo que dava lições de como produzir um perfeccionista jogo ofensivo, realizava gols aos cachos, demonstrando, dessa maneira, a pratica do que existia quase teoricamente.

— O Mundo Esportivo, Rio de Janeiro, 1927

As palavras podiam até não apagar a dor, mas davam um baita orgulho. 40


Na época, os cronistas esportivos adoravam criar nomes e botaram apelidos em mim e no próprio Santos. Enquanto eu fui chamada de“espantalho”em razão, segundo eles, do medo que os adversários tinham de vir jogar aqui, o Santos ficou conhecido, pelas palavras do jornalista Carlos Gonçalves, do jornal O Globo, como o “campeão da técnica e da disciplina”, justamente como seu presidente gostava de falar. O conforto da manchete não apagou a dor pela derrota, mas deixou marcas de orgulho para sempre na história do Santos, eternizadas anos depois por Carlos Henrique Roma, autor do hino oficial do clube. Para todo mundo ver

Apesar de previsível, a maldição premeditada pela frase de doutor Gonçalves seguiu nos anos seguintes, assim como os recursos extra-campo dos times da capital, impedindo o Santos de ter qualquer pretensão maior no campeonato estadual. Ninguém duvidava que o alvinegro praiano era o melhor time do estado e, quiçá, do Brasil, mas todos sabiam que invariavelmente alguma coisa aconteceria para impedir o título santista. A predileção não era sem razão: por falta de uma competição interestadual, os amistosos entre equipes paulistas e cariocas eram os únicos parâmetros para que a mídia pudesse especular quais eram as melhores equipes do país e no período entre 1925 e 1931, o Santos ostentou um retrospecto de oito vitórias, dois empates e apenas duas derrotas para seus adversários paulistanos e fluminenses. Ainda assim, o título paulista não vinha e o clube seguia fazendo tudo que podia para chegar o mais longe possível na competição. Entre 1928 e 1929, o time seguiu empilhando gols, 41


recordes e… vice-campeonatos. Foram dois anos seguidos perdendo para o Corinthians por uma margem pequena e com decisões duvidosas. Ora por parte da arbitragem. Ora por parte da própria organização. Assim, o Santos, lentamente, passou a perder o interesse pela competição. Era hora de encarar algumas transformações. Ainda tenho vergonha de admitir, mas em 1928, então com doze anos, eu estava entrando na puberdade e, depois de receber uma espécie de primeira final de campeonato, percebi que era hora de crescer, dando a uma grande reforma. As arquibancadas cobertas que ocupavam apenas a parte central do gramado foram ampliadas e passaram a se estender por toda a lateral do campo. Do lado oposto e atrás de ambos os gols, estruturas inteiramente novas surgiram e deram novos lugares para os torcedores ocuparem. Até mesmo meu tradicional portão principal foi reformado. Como o típico estirão dessa idade, de repente eu estava crescendo e amadurecendo. As mudanças foram tantas que a diretoria se viu obrigada a marcar uma espécie de reestreia para mim. E no dia 28 de julho de 1928, o Santos entrou em campo para golear o São Cristóvão (RJ) por 4 a 0 e marcar uma nova fase. Empolgado com minha estrutura nova e entediado com as mazelas do Campeonato Paulista, o time foi procurar adversários novos e acabou os encontrando fora do Brasil. Eu até já tinha recebido visitantes estrangeiros antes, mas dessa vez tudo parecia diferente. Era 24 de abril de 1929. O Desportivo Barracas, da Argentina, excurcionava pela América Latina, aproveitando-se de sua posição de destaque no cenário sul-americano, e resolveu incluir uma parada em Santos. Apesar das derrotas por 6 a 2 e 3 a 1, para o Dublin, do Uruguai, em 1917, e de uma terceira 42


derrota para o Combinado Nacional/Wandereres, também do Uruguai, por 2 a 1, em 1918, a cidade se via novamente naquele clima de expectativa para este confronto internacional. Não à toa, o jornal Folha da Manhã descreveu o ambiente da seguinte forma: Dir-se-ia não se tratar de um dia útil, de trabalho, mas sim um domingo, tal a formidável concorrência que afluiu hoje ao campo do Santos, onde se realizou o grande jogo internacional entre o Santos e o Barracas, jogo esse que despertou em toda a cidade um invulgar interesse, bastando dizer-se que os grandes estabelecimentos da cidade, inclusive os bancários e mesmo a Cia.Docas, encerraram seus expedientes as 15 horas. O entusiasmo era formidável e as arquibancadas do Santos apresentavam um majestoso aspecto, assumindo o jogo de hoje todas as características de um grande acontecimento esportivo.

— Folha da Manhã, São Paulo, 1929

Com expedientes encerrados mais cedo e grande anúncio nas mídias locais, os presentes superaram os milhares e a tensão de tanta gente acabou sendo transmitida também para os jogadores em campo. Felizmente, porém, Feitiço aprontou das suas e aos 23 minutos do primeiro tempo marcou o gol que deu ao Santos sua primeira vitória internacional. Depois de finalmente conseguir aliviar a pressão pelo êxito diante dos estrangeiros, o Santos seguiu tranquilo seu caminho. Em 1930, ano da realização da primeira Copa do Mundo entre seleções, a equipe alvinegra tinha tudo para emprestar o seu ataque arrasador para a Seleção Brasileira, como já vinha fazendo nos anos anteriores, mas 43


se vocês costumam reclamar da CBF hoje em dia, não serão capazes de imaginar o que era a CBD naquela época. Os dirigentes cariocas, bairristas, decidiram permitir a convocação para o mundial apenas de jogadores que atuavam no Rio de Janeiro. A única exceção feita acabou sendo justamente Araken Patusca. Mas só porque este, brigado com a diretoria do Santos devido às recorrentes punições aplicadas ao elenco pelo rigoroso presidente, encontrou uma brecha para ser emprestado ao Flamengo e, portanto, poder atuar no mundial. A decisão da CBD não poderia ser mais absurda. A equipe santista era notadamente o celeiro dos melhores jogadores da época. Para se ter uma ideia, o retrospecto do Santos nas 25 partidas disputadas aqui na Vila naquele ano foi de quatro empates e 21 vitórias, incluindo a mais emblemática delas em 30 de julho de 1930. Ironicamente, o jogo acabou acontecendo justo na data da final da Copa do Mundo, disputada entre Argentina e Uruguai, no estádio Centenário, em Montevidéu. Partida qual, a Seleção Brasileira, já eliminada, ouviu apenas pelo rádio. Enquanto isso, bem aqui, na “desconhecida” Vila Belmiro, o Santos recebia a Seleção Francesa (outra eliminada precocemente da Copa) e aplicava impressionantes 6 a 1 para o mundo todo ver. A chegada dos europeus ao litoral, como já podia se imaginar, abalou a rotina da cidade. Homens e mulheres curiosos se amontoaram em frente ao hotel em que a delegação ficou hospedada antes de se dirigir ao estádio. A imprensa não falava de outra coisa. E os franceses, impressionados, sentiam-se acolhidos... Mas só até entrarem em campo.

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Os jornais Folha da ManhĂŁ e A Tribuna deram como destaque em seus cadernos de esportes a primeira vitĂłria internacional do Santos na Vila.

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Depois de vencer o México por 4 a 1 no dia 13 de julho e perder para a Argentina por 1 a 0 no dia 15, os franceses foram eliminados da Copa e vieram ao Brasil enfrentar o Santos. Esperava-se uma vitória fácil, mas o que se viu foi um show de Feitiço (4) e Mário Seixas (2). Os rivais descontaram com gol de Delfour e reclamaram com os dirigentes santistas. Segundo eles, “tinham marcado um amistoso contra um clube brasileiro e não contra a própria seleção”. Foi preciso levá-los até a sede oficial na rua Itororó, 27, no centro da cidade, para desfazer o mal-entendido. Mostraram-lhes as fotografias penduradas na parede de Athié; Aristides e Meira; Osvaldo, Roberto e Alfredo; Omar, Camarão, Feitiço, Mário Sérgio e Evangelista; para convencê-los de que se tratava apenas de um clube. Era o Santos. Não o Brasil. Mas poderia ter sido. O Santos ontem, derrotando o selecionado francês que tão bela figurava fez no torneio mundial de montevidéu, abjugou não só para as suas cores como também para as do nosso país – um triunfo altamente expressivo. A sua vitória principalmente alcançada ontem, ecoará certamente por esse mundo a fora, e o coloca entre os mais pujantes grêmios.

— A Plateria, São Paulo, 31 de julho de 1930

O ano seguinte também nos proporcionou muitas emoções. Enquanto o Santos continuava procurando adversários internacionais, eu estava completando quinze anos de vida e não poderia ter tido festa de debutante melhor. Como quem ganha um voto de confiança, foi a primeira vez que me apresentei ao grande público… à noite.

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Apesar do destaque na mídia, o goleiro Athié, à esquerda, e o atacante Feitiço, à direita, não foram convocados pela CBD para a Copa de 1930.

Confesso que nem me lembro direito da partida – eu estava completamente embasbacada. Meus olhos brilhavam como estrelas no céu daquele 21 de março de 1931, iluminando as estrelas no gramado graças às quatro torres de refletores instaladas e inauguradas em amistoso contra a seleção da cidade. Era um dia de grande festa em Santos e me enchia de orgulho saber que tudo aquilo era por mim e para mim. Às 20h, já com o céu totalmente escuro, o árbitro autorizou o começo da partida, que terminaria empatada em 1 a 1 com gols de Camarão, pelo Santos, e Manoel Cruz, pela seleção santista. Pouco importava. Ao longo dos noventa minutos de jogo, mesmo com a bola rolando no gramado, 47


era impossível não encontrar pelo menos uma testemunha olhando para cima, para as luzes, e não para a bola. Ainda estava entusiasmada com a novidade quando, no mês seguinte, recebemos a poderosa equipe uruguaia do Bella Vista. Em excursão pelo mundo, a equipe que emprestou sete de seus jogadores para a seleção bicampeã olímpica (1924-1928) e campeã mundial (1930) estava invicta. Mas eu, que aproveitava meu quase anonimato no mundo do futebol para pregar peças, estava disposta a ajudar o Santos a surpreender os uruguaios.

A Vila, debutante, toda iluminada pela primeira vez recebendo uma partida à noite em 21 de março de 1931.

O jogo em 23 de abril de 1931 começou bastante equilibrado. Os uruguaios demonstravam porque eram considerados a sensação do futebol mundial, mas quem abriu o placar foi o Peixe com Camarão: 1 a 0. A equipe rival, 48


porém, muito experiente, seguiu inabalável e o craque do time, “El Manco” Castro – assim chamado por não ter uma das mãos –, dominava o meio de campo, com envolventes troca de passes entre seus companheiros, até que empatou a partida: 1 a 1. E assim encerrou-se o primeiro tempo. No intervalo, a chuva que castigava torcedores, jogadores, jornalistas e a mim deu uma trégua. E todos puderam ver o jovem Natinho, que entrara no lugar de Vitor, fazer sua estreia e ser justamente o responsável por um chute de fora da área que estufou a rede e deu a vitória antes improvável ao Santos por 2 a 1. Não se tratava de um feito qualquer. Os uruguaios eram considerados os melhores do mundo à época, de modo que, enquanto os torcedores santistas comemoravam a vitória, o jornal Diário de São Paulo descreveu a partida: O Santos acaba de escrever uma das mais belas páginas de sua história esportiva. Ontem à noite, em seu campo, levou de vencida o fortíssimo quadro uruguaio que sob o nome de Bela Vista, havia, há dias, infligido ao selecionado paulista uma derrota que ecoara dolorosamente em todo o Estado. O público esportivo, entretanto, nutria grandes esperanças de que os nossos valorosos visitantes ainda viessem a conhecer a verdadeira força do futebol paulista. O Santos Football Club é afamado pela forma com que geralmente atua frente aos conjuntos estrangeiros que nos visitam, mesmo quando estes são considerados quase invencíveis. E ainda desta vez, o grêmio à cuja testa se encontra o Dr. Guilherme Gonçalves, confirmou merecer plenamente a confiança que nele depositam aqueles que ansiavam por ver reabilitado o nome do futebol local. Os 49


componentes da turma vencedora, assim como aqueles que com tanto acerto a organizaram tornaram-se dignos de administração e da gratidão não só do povo de São Paulo, como do Brasil inteiro.

— Diário de SP, São Paulo, 24 de abril de 1931

Mais do que o Brasil, a notícia se espalhou pelo mundo. Meu anonimato começava a ficar comprometido e eu, boba, ficava toda orgulhosa. Pela manchete de grandes jornais internacionais, sabia-se que o mesmo Santos que tinha batido a seleção francesa em 1930 agora derrotava a base dos campeões mundiais, naquela mesma acanhada e prepotente vila.

A equipe uruguaia, à direita, era repleta de jogadores da seleção campeã mundial, mas mesmo assim não foi páreo para o time do Santos.

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O episódio, porém, serviu como marco de encerramento extra-oficial do time que encantou espectadores pelo país inteiro mesmo sem ter conquistado o título paulista. Os meus meninos começaram a se separar pouco a pouco de mim e eu, inocente de tudo, não sabia lidar direito com aquelas despedidas todas. Araken e Siriri já tinham deixado o Santos e, cunhados que eram, se uniram após a Copa do Mundo de 1930 para participar da primeira equipe da história do São Paulo da Floresta – equipe que mais tarde se tornaria o São Paulo Futebol Clube que vocês conhecem hoje. Eles não estavam mais no time quando Camarão encerrou sua carreira em 1932, depois de anotar 150 gols em 270 partidas, 185 deles aqui, na Vila, o recorde da época. Feitiço ainda estava, mas não tardou muito para sair também. Seduzido por uma proposta do Corinthians, o artilheiro das últimas três edições do Campeonato Paulista e, até então, maior goleador da história do Santos (216 gols) e da minha própria história (162), subiu a serra para jogar na capital. Até o presidente Antonio Guilherme Gonçalves estava chegando ao fim de seu mandato. Mesmo tendo comandado o clube durante um período em que mais vezes venceu (87), mais marcou gols (331) e que mais acumulou pontos (140) no futebol paulista, ele se despedia com quatro vice-campeonatos e nenhum título estadual. Era o fim do “ataque dos 100 gols”, do “campeão de técnica e disciplina” e do maior time da história do amadorismo, já que, no ano seguinte, aqui na Vila mesmo, Santos e São Paulo da Floresta entraram em campo em 12 de março de 1933 para realizar a primeira partida da história do futebol profissional no Brasil.

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A notícia de que o mesmo time que tinha batido a seleção francesa agora tinha batido também a base da seleção uruguaia correu o mundo.

Foi um final de semana tão histórico quanto triste. Pouco me lembro do jogo além do fato de que Araken Patusca, atuando com a camisa do São Paulo, marcou dois gols e deu uma assistência na goleada aplicada sobre o Santos por 5 a 1. Logo ele, um autêntico Menino da Vila, era agora o responsável pelo desgosto na véspera de um acontecimento ainda mais infeliz, que mudaria para sempre a minha história e a do Santos: em 13 de março de 1933, morria, aos 43 anos, aquele que lançou Araken para o mundo. Morria Urbano Vilella Caldeira Filho.

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estádio urbano caldeira O meu maior medo é enfrentar o Santos na Vila Belmiro, porque lá o bicho pega, é muito mais tensão, muito mais influência do que o Morumbi ou qualquer outro estádio lotado! — Vanderlei Luxemburgo, técnico de futebol

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Urbano Caldeira nasceu na ilha de Desterro, atual Florianópolis, em 9 de janeiro de 1890. Alguns anos depois se mudou para São Paulo com a família e começou a trabalhar como analista em escritórios de contabilidade. Um caiçara como ele, porém, logo ouviu o chamado do litoral e pouco tempo depois se mudou para a Baixada Santista para trabalhar como escrituário na alfândega de Santos. Dali foi fácil conhecer e se apaixonar pelo clube para quem Urbano dedicou os últimos vinte anos de sua vida até morrer vítima de uma pneumonia. Nesse período, foi protagonista de inúmeros episódios marcantes na história do Santos, atuando como zagueiro, treinador, dirigente, advogado e até árbitro de uma partida em 22 de outubro de 1929 entre Santos e Palestra Itália, quando o principal, Francisco Guerra, sentiu-se mal no intervalo, e ambas as equipes confiaram no conhecimento das regras e na honestidade de Urbano para conduzir a segunda etapa do jogo vencido pelo Santos por 4 a 3. Infelizmente, a APEA não teve a mesma percepção e cancelou o segundo tempo, dando como resultado final o placar do intervalo de 2 a 2. 57


Em relação a mim, Urbano esteve envolvido desde o começo. Ninguém nunca se preocupou e me tratou com tanto carinho quanto ele. Como quem cuidava de uma criança, cortava meu cabelo e colocava para dormir: ele foi visto inúmeras vezes plantando árvores, aparando o gramado e apagando os refletores do estádio depois dos jogos noturnos. Mas para que eu existisse, em primeiro lugar, Urbano também atuou ativamente nos bastidores. Mesmo sem ser nomeado para a comissão que procuraria terrenos para o futuro novo estádio do Santos, Urbano foi quem apresentou a primeira opção, meses antes da proposta oficial dos dirigentes encarregados, o que levou o presidente Agnello Cícero de Oliveira a corrigir um erro e finalmente incluí-lo no grupo. Anos depois, ele também garantiu os fundos necessários para que eu me mantivesse de pé, criando uma campanha de arrecadação chamada “adesões dos que querem o bem ao Santos F.C.”, tão bemsucedida que o prazo para quitação da dívida foi antecipado em quatro anos. Mas nem só de grandes feitos era alimentada a devoção de Urbano. Ele também se importava com detalhes e sugeriu, numa assembleia realizada em 25 de julho de 1915, a alteração do nome do próprio Santos de Foot-Ball Club para Football Club. Uma troca aparentemente insignificante, mas que foi acatada por unanimidade pelos demais diretores e que levou o Santos a ser conhecido pela sigla SFC e não mais SFBC, conforme descrito pelo próprio Urbano na ata daquela reunião:

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Por minha indicação, fica estabelecido que o nome do club até então “Santos Foot-Ball Club” fique sendo “Santos Football Club” havendo a supressão da letra B na bandeira e no escudo. — Urbano Caldeira, em registro na ata da assembleia do dia 25 de julho de 1915

Homem abnegado, dono de honestidade e dedicação ímpares, Urbano também foi jogador do Santos, apesar de não ter sido brilhante: atuou em 44 partidas e fez apenas dois gols. Mas se o posicionamento dentro de campo não era seu forte, fora dele soube como poucos estar no lugar certo e na hora certa. Estava em campo, jogando, na conquista do primeiro título da história do Santos. Estava na reunião em que foi votada a mudança do nome do clube e também na que decidiram procurar terrenos para o novo estádio. Estava no banco de reservas, como técnico, para lançar Patusca, o primeiro grande Menino da Vila, e contratar Siriri, Camarão e Omar para aquela linha ofensiva inesquecível. Urbano estava por perto até quando teve que recuperar troféus do Santos doados pelo então presidente Malaquias Guerra Júnior para a campanha da Revolução Constitucionalista, em 1932. Como quem cumpria uma missão de vida, ele estava em toda parte, na hora em que era chamado. Mas a partir de agora, não estaria mais. Sua morte e, mais do que isso, sua ausência, causaram grande comoção na cidade e os dirigentes logo perceberam que uma história de tanta devoção não poderia ser simplesmente esquecida. Foi então que, numa assembleia realizada onze dias depois do falecimento de 59


Urbano, seus ex-colegas chegaram a uma conclusão óbvia: ninguém tinha se dedicado mais à minha criação e nascimento do que ele, e uma homenagem, mais do que cabível, fazia-se necessária. Assim, por conta de sua morte, aquele homem solteiro e solitário ganhou o que nunca teve durante a vida inteira: uma herdeira. E a herança era nada além de seu próprio nome. Foi assim que, de 24 de março de 1933 em diante, eu, que em tantas outras oportunidades faria as vezes de um caldeirão urbano, passei a me chamar oficialmente Estádio Urbano Caldeira. Tentando se encontrar

Um busto, muitas memórias, seu nome na parede e saudades. Aquilo foi tudo que Urbano deixou para trás. Entre minutos de silêncio angustiados e um luto sem tamanho, o Santos foi procurando forças para se reerguer após aquele meu batizado tardio. Mas não foi fácil. Na temporada de 1934, parecia que era proibido ser feliz. Os gols marcados (60), foram mais raros do que os sofridos (64). As vitórias conquistadas (11) vieram em menor quantidade do que as derrotas (14). Em algum lugar do céu, Urbano via tudo aquilo angustiado por não poder fazer nada. Era hora de chamar um velho conhecido e tentar colocar as coisas de volta em seus respectivos lugares. Depois que Araken Patusca deixou o Santos para disputar a Copa do Mundo de 1930 e nunca mais voltar, o alvinegro e sua revelação seguiram caminhos diferentes. O Santos, no litoral, teve algumas vitórias heroicas sobretudo contra times estrangeiros, mas, no geral, viveu luto e melancolia. Enquanto isso, Araken, na capital, participou de campanhas vitoriosas e conheceu muita alegria. Mas 60


desde o episódio infeliz na véspera da morte de Urbano, Santos e Araken sentiram que era hora de fazer alguma coisa a respeito dessa antiga parceria. A saída do presidente Antonio Guilherme Gonçalves, de quem Araken ainda era desafeto, ajudou, mas foram as brigas políticas internas no próprio São Paulo que selaram o destino do eterno menino de volta pra Vila. Em 1935, Araken voltou ao Santos. Araken voltou para mim. No seu retorno, eu ainda lhe era familiar. Ele conhecia os meus corredores e o meu cheiro, o lugar dos quadros e o melhor chuveiro; era como estar em casa novamente, mas o próprio Araken já não era mais o mesmo. Artilheiro da equipe por cinco temporadas seguidas entre 1924 e 1928, Patusca agora vivia fase menos goleadora. Naquele ano, foram apenas quatro gols marcados. Um deles, porém, foi responsável por dar ao Santos aquilo que o clube ainda não tinha: o tão sonhado título paulista. O ano de 1935 foi para recuperar o ânimo dos torcedores santistas. Numa campanha praticamente impecável, o time tinha conquistado sete vitórias, empatado duas vezes e sido derrotado apenas uma. Mas o Corinthians, o único rival a vencer a equipe do Santos, era o adversário da final e tinha campanha ainda melhor, o que levou o jogo para o Parque São Jorge. O artilheiro Sacy, autor de quinze gols naquele ano, não estava numa noite muito feliz, e o Corinthians pressionava em busca do gol que abriria o placar. Mas os corintianos não sabiam que aquele dia estava destinado ao protagonismo de Araken. Quando o capitão santista Neves desarmou o adversário, a bola sobrou nos pés do craque e ele, sem pensar muito, fez o que sabia fazer de melhor: enfiou um lançamento no meio da defesa rival e deixou o atacante 61


Raul livre para deslocar o goleiro e fazer 1 a 0. A torcida santista presente fez a festa e o time da casa sentiu o golpe. Dali até o final do primeiro tempo, o Santos cadenciou o jogo e não correu grandes riscos. No intervalo, os santistas ficaram ressabiados: será que o título escaparia novamente? Depois de chegar tão perto da taça quatro vezes, será que algo poderia acontecer para impedir a conquista inédita de novo? No segundo tempo, a responsabilidade era toda do Corinthians, mas o Santos não recuou e continuou dominando a partida, trocando passes e fazendo o tempo passar. Quando a equipe corintiana por fim entendeu a estratégia santista e começou a equilibrar as ações, veio o golpe fatal. Aos 17 minutos da etapa final, Mário Pereira roubou a bola e passou para Sacy, o ponta disparou pela lateral e cruzou na área, e, com o desvio de Raul na primeira trave, Araken apareceu sozinho na marca do pênalti para estufar as redes com um chute potente, raivoso, um chute que foi quase um desabafo: 2 a 0. Os minutos restantes foram apenas protocolares. Os jogadores santistas controlavam o jogo e os corintianos começavam a se desesperar. Alguns chegaram a distribuir pancadas que não foram revidadas por parte dos caiçaras. Aos 45 minutos, apito final. O Santos finalmente era campeão paulista, e a torcida ia à loucura. Na descida da Serra do Mar, torcedores e jogadores se misturavam dentro dos vagões do trem que fazia a ligação entre São Paulo e Santos pela velha estrada de ferro e comemoravam a grande façanha lado a lado. Araken, o bom filho, tornava a sua casa para dar ao Santos a glória que nenhum time do interior havia conquistado até então. Desde que o Campeonato Paulista começara, apenas 62


agremiações da capital o tinham vencido. Por isso mesmo, a comemoração naquele dia não foi do Santos. Foi de Santos. Com a chegada da delegação e dos poucos torcedores privilegiados ao litoral, a cidade inteira saiu nas ruas para celebrar e o jornal A Tribuna narrou assim: Logo que os radios annunciaram a victoria final, as ruas começaram a movimentar-se, como se qualquer coisa de anormal e estranho houvesse acontecido. Em pouco tempo, a praça Ruy Barbosa, em frente ao “Café Paulista”, estava repleta de pessoas, e à medida que se aproximava a hora da chegada da delegação, o publico ia aumentando. Tomaram-se preparativos para que a recepção fosse condigna. Duas bandas de musica esperavam os campeões. Estenderam-se cartazes na rua do Commercio, por onde deveriam passar os jogadores. De tudo se cuidou com carinho. Todos se interessavam pelo brilhantismo da chegada do alvi-negro. Não havia clubismo. Elementos de todos os grêmios se faziam representar na estação da inglesa. Era uma victoria do Santos e da cidade de Santos. — A Tribuna, Santos, 18 de novembro de 1935

Mais tarde fui descobrir que a conquista, além de tirar um peso enorme das costas de jogadores e dirigentes, também serviu para evitar um desastre. Isto porque, se a gestão anterior era marcada pela técnica e pela disciplina, a do atual presidente, Carlos de Barros, era um pouco diferente. Anos mais tarde, Mário Pereira, jogador daquele elenco, revelou que os torcedores tinham levado ao estádio um galão de gasolina e, por ordem do presidente, ateariam fogo na arquibancada se o Santos fosse roubado novamente. Pelo sim ou pelo não, o que se sabe é que o árbitro Heitor 63


Marcelino não comprometeu o resultado, o Santos fez valer o seu jogo dentro de campo e a tragédia nunca se concretizou. O que se viu naquele dia foi só festa.

Os capitães Jaú e Neves, lado a lado com o árbitro Heitor Marcelino antes de uma partida limpa que terminou com o título do Santos no Parque São Jorge.

O título paulista de 1935 deu grande ânimo para todos os santistas. Eu inclusa. Havia a expectativa que aquela conquista, mais do que o título em si, havia representado uma abertura para uma nova fase na história do clube, uma fase na qual o Santos poderia, sim, vencer o Campeonato Paulista. Mas bastou o primeiro jogo da temporada seguinte acontecer para que todos se lembrassem que a realidade era muito mais difícil do que viramos o ano imaginando. Num jogo amistoso que era para ser de festa, em 26 64


de janeiro de 1936, um Santos desfalcado perdeu para o Palmeiras por 3 a 1. Bilu, o treinador da época, chegou ao vestiário esbravejando, batendo a porta e chutando o que via pela frente. Ele sabia que a conquista era enorme, mas não admitia que os jogadores ficassem vislumbrados, ainda mais tendo em vista o jogo seguinte. Num trocadilho com o nome do clube, os jogadores do Estudiantes de La Plata, time argentino muito talentoso, foram apelidados pelos cronistas portenhos de Los Professores da Argentina. E, de fato, os hermanos davam uma aula de futebol a cada partida. Do defensor ferrenho Rodriguez ao centro-avante artilheiro Fuertes, todos tratavam bem a bola e a equipe, que contava até com os irmãos Roberto e Raul Sbarra no meio de campo, tinha sido base da Seleção Argentina no Mundial de 1934 e na Copa América de 1935. No dia 30 de janeiro de 1936, porém, os professores eram “apenas” os adversários do Santos que, a despeito dos predicados da equipe argentina, não ficava muito atrás em termos de reconhecimento sul-americano. Na verdade, a qualidade técnica de ambas as equipes despertou grande interesse entre os jornalistas e os torcedores locais. Esperava-se que aquela que seria a primeira partida internacional do Santos pós-profissionalização do futebol fosse um jogo de belas jogadas e muitos gols. E como quem segue uma cartilha, Santos e Estudiantes não decepcionaram e atenderam às expectativas… pelo menos no primeiro tempo. Com arquibancadas lotadas e um clima muito hospitaleiro, a torcida começou apoiando e os brasileiros começaram em cima. Patusca e Mário Pereira trocavam passes de maneira envolvente no meio de campo, arrancando suspiros 65


das arquibancadas. Raul e Junqueira usavam toda a sua velocidade e provocavam verdadeiras espichadas de pescoço dos presentes quando chegavam nas linhas de fundo do gramado para tentar um cruzamento. O Santos tabelava dentro da área em busca do primeiro gol quando um dos zagueiros argentinos errou o bote e cometeu pênalti. Cheio de personalidade, o capitão Neves assumiu a responsabilidade: pediu a bola, efetuou a cobrança e abriu o placar, para delírio de toda a Vila. Logo depois, aproveitando rebote do goleiro adversário em chute de longe, Raul teve a chance de ampliar o marcador e não desperdiçou. Com seu faro de artilheiro, estava no lugar certo que a bola sobrou para empurrar para rede e marcar: 2 a 0. A vantagem confortável, porém, acomodou os santistas e os professores viram a chance de equilibrar a partida. Mesmo sem criar tantas chances claras de gol, a equipe contava com os arremates precisos de seu atacante Fuertes, autor de três gols de maneira quase consecutiva. Não houve tempo nem para que a torcida e o time se recuperassem entre o arremate no alto entre os dois zagueiros do primeiro gol, o chute de fora da área mesmo bem marcado do segundo e o desvio de cruzamento rasteiro do terceiro. De uma hora para outra, o Santos estava em desvantagem no placar: 3 a 2. O banho de água fria nos torcedores presentes foi choque para os jogadores. A equipe campeã paulista se via desafiada e resolveu voltar a jogar sério. Não tardou muito para que Raul empatasse novamente a partida e Sacy, num jogo eletrizante, marcasse o quarto gol bem a tempo do fim da – ufa! – primeira etapa. Em 45 minutos de futebol, os milhares de espectadores viram sete gols e muitas alternâncias no placar: 4 a 3. 66


Acima, a equipe santista toda de branco; abaixo, a equipe argentina com camisetas listradas em branco e vermelho.

O jogo quente como o mês de janeiro no litoral brasileiro, porém, cobrou seu preço no segundo tempo e a correria da primeira metade não voltou a campo com os jogadores após o intervalo. Como sabemos, as partidas de futebol mais emocionantes para os torcedores são as mais desesperadoras para os treinadores que, no geral, preparam seu time para ter o controle das situações do jogo. Bilu era um desses e aproveitou o cansaço e o calor para fazer valer sua vontade: exigiu que o Santos ficasse com a bola, uma vez que tinha a vantagem no placar, e fizesse os argentinos correrem atrás. Dito e feito. Sem dar mais nem uma mísera chance de gol para Fuertes e companhia, o Santos conquistou uma saborosa vitória em casa. Agora sim, a comemoração do título estava devidamente brindada com uma grande partida de futebol aqui, na Vila. 67


Mas a conquista do título de 1935 somada à vitória sobre os argentinos teve um efeito devastador no time. Os jogadores passaram a se achar imbatíveis e as tentativas de Bilu de colocar os pés do time novamente no chão pareciam cada vez mais ineficazes. O Santos levou a temporada inteira de forma errante, entre goleadas e reveses. Sem disciplina, humildade e comprometimento, faltou fôlego e sobraram desculpas quando o time terminou a competição daquele ano numa frustrante quarta colocação. Bilu disse que o trabalho não era mais para ele e se despediu. No seu lugar, o ex-atacante Camarão assumiu a equipe em 1937, mas ele tinha entrado numa fria e não sabia: dali em diante, águas turbulentas aguardavam o Santos. Com o time desestabilizado e duas trocas de presidente, o clube viveu uma temporada apagada e ainda se despediu de seu grande ídolo: aos 32 anos de idade, Araken Patusca deu seu último adeus aos gramados depois de impressionantes 182 gols marcados – incluindo aquele do título! – em 196 partidas disputadas com a camisa do Santos. O roteiro para o começo da temporada já era conhecido: mais uma vez o time enfrentaria uma equipe estrangeira. Dessa vez, o campeão paraguaio Libertad, que excursionava pela Argentina e pelo Brasil, chegava a Santos já sabendo da minha tradição como anfitriã que ajudava o time nas suas emboscadas contra invasores estrangeiros. Mas os guaranis tinham um plano: aproveitar a falta de entrosamento de uma equipe cheia de caras novas para quebrar essa escrita. Em vão. Os mais de 15 mil espectadores que vieram até mim gostaram de quase tudo que viram. Tudo, porque o Santos compensou a falta de coletividade com força de vontade e venceu o Libertad por 2 a 0. Quase, porque também 68


presenciaram a inesperada despedida de mais um grande jogador: Mário Pereira. Conhecido como “Perigo Loiro”, ele já tinha sido decisivo na campanha do título de 1935, mas estava parado há mais de um ano por conta de um problema no joelho esquerdo. No intervalo, porém, diante de um empate sem gols, Mário pediu para entrar e o treinador Camarão não teve escolha: colocou o Perigo em campo. Na volta ao gramado, bastou que os primeiros torcedores avistassem as madeixas douradas balançando no trote de aquecimento na beira do gramado para que o tédio que pairava nas arquibancadas se dissipasse: Mário estava de volta e, a partir dali, todas as atenções estavam voltadas pra ele. No segundo tempo, não havia mais Santos e Libertad; o que todos queriam ver – e viram! – era um desfile de passes e dribles de Mário. Dominando o meio de campo, os paraguaios não sabiam como pará-lo e bastaram 6 minutos de jogo para que ele fosse às redes: 1 a 0. O meia santista parecida encantado. Ou seria endiabrado? Gastava a bola, tocava de letra, distribuía o jogo. Talvez tivesse pressa para demonstrar toda aquela vontade de jogar acumulada nos meses em que ficou machucado, longe do campo. Talvez pressentisse que sua participação seria tão rápida quanto derradeira. Antes dos 15 minutos da etapa final da partida, Mário cai no gramado e a mesma arquibancada que antes vibrava, agora temia. Um silêncio absoluto e tenso tomou conta de mim. É ele mesmo? Será que foi grave? Foi o mesmo joelho? Sim, sim, sim. O pior tinha acontecido. Mário saiu de campo carregado e aplaudido. E nunca mais voltou a jogar. Dentro de campo, os jogadores do Santos, ainda sem tomar pleno conhecimento da gravidade da lesão, tiveram presença 69


de espírito para seguir no jogo e até para marcar mais um gol, o que rendeu ao clube o título de primeiro brasileiro a derrotar todos os campeões da América Platina (Argentina, Uruguai e Paraguai). Num misto de alegria e lamentação, os torcedores retornaram para casa com a esperança de que essa temporada pudesse ser melhor do que a última.

Santos Futebol Clube, o bicho papão das Américas.

De-si-lu-são. Não só a temporada de 1938 do Santos foi terrível, como os anos que se seguiram também. Camarão deixou o comando do time, sem muito sucesso, no final de 1939. No ano seguinte, quem dava adeus era o presidente José Martins e depois dele vieram outros que também não deixaram saudades. O Santos ia, literalmente, mal das pernas. Os santistas andavam pelas ruas da cidade com a cabeça baixa, 70


ouvindo provocações dos torcedores da capital. Não havia ânimo nem para retrucar. Não havia esperança de que algo pudesse voltar a dar certo. Eu mesma estava desiludida, abandonada, triste… Em 1941, o ponto alto da temporada foi uma goleada sobre o Coritiba por 10 a 3. Não pelo resultado, é claro – os torcedores santistas já tinham aprendido a não criar falsas expectativas –, mas pela estreia de um ídolo que, apesar de ter jogado durante muitos anos sem companheiros a altura, entraria para a história do clube: Antoninho, o “arquiteto da bola”. Naquela noite específica, porém, o responsável pelas maiores alegrias da torcida era outro estreante: o atacante Carabina, que marcaria trinta gols naquela temporada, tinha começado com o pé direito (1) e continuado com a cabeça (5), marcando seis gols na vitória santista sobre os paranaenses. Mas aquela noite de 20 de maio foi, mais uma vez, o único suspiro de um ano sem conquistas e sem façanhas. Ao final de mais uma temporada deprimente, os dirigentes decidiram romper a inércia e perceberam que era hora de fazer alguma coisa. O problema, meus amigos, é que nada está tão ruim que não possa piorar. Em 1942, sob o comando de Aristóteles Ferreira, o Santos resolve dar uma “repaginada” nos seus uniformes, escudo e bandeira. Não sei se por superstição ou gosto estético, mas não era difícil encontrar pessoas que defendiam as mudanças e, assim, o conselho não teve problemas para aprovar as medidas. A partir daquele ano, o tradicional brasão criado em 1925 e bordado nas camisas desde 1927, composto por uma faixa diagonal com as letras iniciais do clube, SFC, além das onze faixas verticais representando os onze jogadores do time, seria substituído por um brasão simples 71


com as letras SFC entrelaçadas num fundo branco. E o uniforme principal, o tradicional com sua listras verticais em preto e branco, seria alterado para listras horizontais.

O Santos, descaracterizado, com uniforme e escudo novos, criados em 1942.

Ao longo dessa vida toda, eu nunca aprendi nada sobre moda. Confesso. Mas me parecia uma ideia ruim mudar os símbolos da instituição. E os meses que se seguiram realmente mostraram que era. Não só o futebol do Santos não melhorou, como os torcedores, além de aguentar resultados patéticos, agora também tinham que engolir um time descaracterizado. Em 1943, não consigo me lembrar de um único acontecimento marcante. Em 1944, porém, já me lembro: foi o ano de começar a faxina! 72


Começamos aposentando o “novo” escudo. Depois foi a hora de dizer adeus ao próprio presidente, dono da ideia. E já com Antônio Ezequiel Feliciano da Silva à frente do clube, nos livramos também das faixas horizontais, recuperamos nossa identidade e nos reencontramos com a nossa verdadeira tradição, chegando ao fim de uma fase tenebrosa. Era hora de fazer mudanças boas de verdade. Para colher, tem que pl antar

O Carnaval daquele ano foi cedo e os bailes da cidade ficaram agitados enquanto o estádio ficava vazio. Eu não podia culpá-los. Se fosse depender do time para encontrar um pouco de alegria, parecia que os santistas iam morrer de tanto esperar. Porém, sortudos aqueles que vieram até mim em 27 de fevereiro de 1945. Nesta data, o ex-goleiro do Santos, Athié Jorge Coury, foi empossado presidente do clube e encarregado da missão de colocar o time de volta no rumo das conquistas. E ele pretendia fazer isso de uma maneira muito simples, de um jeito que se demonstrou eficaz diversas vezes ao longo da história do Santos: dar espaço no time para que os meninos jogassem. Athié tinha claro na cabeça que as mudanças que precisavam ser realizadas eram estruturais e não cosméticas como uma troca de escudo ou de uniforme. E ele chegou à conclusão de que a melhor forma de fazer isso era começar por mim. Desde 1931, naquela belíssima noite na qual meus refletores foram acesos pela primeira vez, que eu não passava por uma reforminha. Para ser bem sincera, em 1939 um minúsculo trecho de arquibancadas foi inaugurado atrás de um dos gols, mas não era nem algo digno de nota. Agora, porém, era para valer: todas as arquibancadas de madeira na lateral da rua Dom Pedro I começavam a ser 73


substituídas por estruturas de concreto, bem mais resistentes e seguras. Para quem não via novidades há décadas, aquilo era redescobrir a alegria de viver. Mas a expansão da minha capacidade era apenas o primeiro passo de um plano ainda mais ambicioso de Athié. Com a inauguração do estádio municipal Paulo Machado de Carvalho, o Pacaembu, em 1940, os times da capital começaram a faturar alto com bilheteria, de modo que estava ficando cada vez mais difícil para equipes do interior e do litoral competirem em pé de igualdade com os grandes investimentos feitos pelo Trio de Ferro. Sabendo disso, o presidente também tomou medidas para ampliar o número de sócios contribuintes do clube e, claro, aumentar a arrecadação. Em 14 de julho de 1946, com as arquibancadas novas já inauguradas, uma verdadeira multidão veio até mim. Alguns correram para a praia de manhã cedo e chegaram ao estádio ainda com o corpo salgado. Outros encerraram o expediente mais cedo e vieram ainda com a roupa do trabalho para a torcida. Uns vieram de chinelo. Outros de sapato social. E todos eles juntos estabeleceram o meu novo recorde de público: mais de 20 mil pessoas. Foi preciso colocar bondes extras em circulação para dar conta do fluxo de pessoas e pela primeira vez se viu algo parecido com um congestionamento nas ruas ao meu redor. A cidade redescobria o clima especial de um jogo do Santos e, ainda que o resultado de 3 a 2 em favor do São Paulo tenha sido frustrante, tamanho apoio da torcida ao time naquela noite indicava que as coisas estavam voltando para os eixos. Athié, porém, sabia que ainda havia uma defasagem no orçamento do Santos e que, se o clube quisesse continuar competindo com os rivais paulistanos, era preciso fazer mais. Assim, o presidente convenceu seus conselheiros de 74


que era uma boa ideia aceitar a proposta que o time tinha recebido de fazer uma grande excursão pelo norte e nordeste do país entre as temporadas de 1946 e 1947. Acabado o Campeonato Paulista daquele ano, o time ainda teve tempo de realizar dois amistosos antes de embarcar para um período de dois meses com quinze jogos marcados. A ideia era enfrentar os principais adversários de Pernambuco, Rio Grande do Norte, Ceará, Maranhão e Pará, apresentando seus jogadores a novos públicos e fazendo algum dinheiro com as bilheterias. A viagem deu mais certo do que se imaginava. Quando o time retornou a São Paulo, já em fevereiro de 1947, trazia na bagagem não só o dinheiro arrecadado e uma legião de novos fãs, como o título de Rei do Norte e Nordeste por parte da crônica esportiva, graças à sequência invicta de doze vitórias e três empates que a equipe estabeleceu durante toda a viagem. Foram 52 gols marcados, apenas dezessete sofridos e a reconquista da confiança também dentro de campo. Com mais dinheiro entrando nos cofres, era finalmente a hora de investir no time. Depois de três anos de mandato colocando a casa em ordem, Athié agradeceu à contribuição do técnico argentino Abel Picabéa, até hoje o estrangeiro que mais vezes comandou o Santos, e contratou para o seu lugar um técnico de primeiríssima linha, o campeão paulista no ano anterior pelo Palmeiras: Osvaldo Brandão. Ele era conhecido por ser exigente e extrair o máximo de cada jogador. Na sua chegada ao Santos, Brandão trouxe métodos de treinamentos evoluídos que aumentaram sensivelmente o nível técnico que os jogadores apresentavam em campo. Seu grande potencial, porém, não 75


estava atrelado a esquemas táticos ou à preparação física. Brandão era, acima de tudo, um motivador, e funcionava muito bem como um paizão para os jovens jogadores santistas. Contando com talentos promissores como Artigas, Expedito e Nenê; outros já experientes como Leonídio, Alfredo Ramos, Odair Titica e, sobretudo, o líder do time, Antoninho, Brandão impôs ao time do Santos, conhecido por características como técnica e velocidade, a raça. Se os times da capital se mostravam cada vez mais capacitados e estava ficando difícil concorrer, o Santos precisava, como se diz no mundo do futebol, “igualar na vontade”. Nos três anos que se sucederam, a história foi a mesma. O Santos entrava no Campeonato Paulista desacreditado, empilhava goleadas e grandes vitórias, comandadas na maioria das vezes pelo “Arquiteto da Bola”, mas acabava sempre sendo prejudicado de maneira lamentável pela arbitragem. Pênaltis não marcados, impedimentos escandalosos validados e acréscimos ad infinitum – o que no palavreado dos boleiros pode ser traduzido por “até empatar”! Ainda assim, a equipe se provava novamente forte e competitiva. Sob a tutela de Brandão e a liderança técnica de Antoninho, o Santos voltou a protagonizar partidas memoráveis, como na ocasião de 26 de agosto de 1948 quando, mesmo perdendo por 4 a 0 para o Comercial de Ribeirão Preto, reuniu forças para não desistir do jogo e acabou virando o placar com cinco gols de cabeça do atacante Odair, em atuação histórica. Mas depois do título de um forasteiro em 1935, episódios tenebrosos voltaram a acontecer para “ajudar” a campanha dos times da capital. Para se ter uma ideia do nível de falcatruas protagonizados pelos jogadores no período, 76


tornou-se popular um método que eu mesma, indiretamente, acabei fazendo parte. Como você pode imaginar, o gramado naquela época não era lá de dar inveja aos cavalos do Jóquei Clube. Sobretudo nas judiadas pequenas áreas, onde os goleiros gostavam de pisar, pular, deitar e rolar durante os jogos. Cientes disso, os atacantes adversários desenvolveram uma técnica especial: na ocasião de uma cobrança de escanteio, enchiam a mão com um punhado de areia ou de terra e jogavam nos olhos do goleiro tão logo a bola era alçada na área. Com a condescendência da arbitragem, confusões como essa resultavam em gols absurdos validados.

Responsável por recuperar a autoestima dos santistas, Brandão fez história nos times da capital e foi ídolo do Palmeiras e do Corinthians.

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Tendo que lutar contra tudo isso, o Santos foi tão longe quanto pôde. No triênio em que Brandão esteve no banco de reservas da Vila, foram dezoito partidas oficiais disputadas contra o “Trio de Ferro” da capital, sendo onze vitórias, quatro empates e apenas três derrotas. Nem isso, porém, foi suficiente para o título voltar à Baixada, e Brandão se despediu no começo de 1951, tendo conquistado o vicecampeonato em 1948, o quarto lugar em 1949 e o terceiro em 1950, mas acima de tudo, tendo reconquistado a confiança e o orgulho dos santistas. A saída de Brandão, de fato, deixou o Santos um pouco abalado, mas o time não perdeu o rumo. Em 1951, a equipe contou com vários comandantes temporários; até mesmo Antoninho, o craque do time, aproveitando-se de sua liderança no elenco, foi um deles. Porém, o mais duradouro foi Niginho, que estava no comando em 17 de junho daquele ano, quando o Santos enfrentou pela primeira vez uma equipe do continente europeu. Se os uruguaios eram novamente vistos como os melhores do mundo graças ao bicampeonato mundial conquistado meses antes em pleno Maracanã, no Rio de Janeiro, os ingleses ainda eram considerados os inventores do futebol. Por causa disso, enfrentar uma equipe inglesa era motivo de muita curiosidade para os torcedores do Santos, sobretudo sabendo que o Portsmouth, adversário da vez, era o atual bicampeão da terra da Rainha. Mas aqui era o que se descobriria a terra do Rei e a confiança resgatada nas temporadas anteriores estava em alta. Torcedores fiéis tiveram que disputar espaço com diversas pessoas que procuraram ingressos apenas por empolgação. No fim das contas, tudo se justificava: depois de dezesseis partidas internacionais, o Santos tinha criado uma 78


reputação a zelar contra os gringos e com os europeus não tinha porque ser diferente. Certo? Mais do que isso. Quem esperava um confronto equilibrado, acabou pagando para ver um passeio. Os ingleses não viram a cor da bola e o placar final demonstrava a superioridade do time do Santos em toda a partida: 4 a 0, gols de Ivan, Cento e Nove, Odair e Tite. Mais uma vez, a tradição internacional estava mantida.

Não deu nem pro cheiro: os ingleses, criadores do futebol, aprenderam na Vila como realmente se joga bola.

Baqueou em Vila Belmiro o Portsmouth. Reeditou o Santos, ontem as suas grandes jornadas de glórias no cenário esportivo nacional, quando levou de vencida esquadrões categorizados como o Rampla Juniors, do Uruguai, os onze argentinos do Barracas, a seleção francesa e o conjunto do Bela Vista, então integrado por oito 79


campeões olímpicos. As vitorias de extraordinária repercussão internacional e que criaram para o campo de Vila Belmiro a fama de “alçapão” foram ontem lembradas por ocasião de cortejo contra o Portsmouth. O triunfo que se traduziu pela contagem de 4 a 0, reflexo fiel da superioridade do alvinegro santista em todo o transcurso do prélio. Trouxe motivos de intenso júbilo aos afeiçoados praianos. Pondo em prática jogo rápido, superando com autoridade o sistema defensivo dos ingleses, o Santos se impôs desde os minutos iniciais como vencedor provável da peleja, enquanto a sua retaguarda firme e vigilante, não era superada pelas tentativas dos avantes ingleses. — Folha da Manhã, Santos, 19 de junho de 1951

Mas se o primeiro confronto contra times europeus demorou quarenta anos para acontecer, o segundo não tardou nada. Nem um mês depois do jogo contra os ingleses, o Santos entrava em campo novamente para enfrentar, agora, o Estrela Vermelha, tradicional equipe da Iugoslávia, e, para variar, outra vitória incontestável: 3 a 0. O sucesso nos amistosos, porém, não se repetiu no Campeonato Paulista, e a equipe terminou aquela edição, que já invadia o ano de 1952, apenas na quinta posição – o que acendeu um sinal de alerta para o presidente. Athié decidiu mais uma vez buscar um treinador consagrado para dirigir o Santos e trouxe Aymoré Moreira para o lugar de Niginho. O problema, porém, não foi de todo resolvido, e o Santos repetiu a colocação do ano anterior no Campeonato Paulista. Apesar disso, aquele ano se revelaria de grande importância na história do Santos por conta de duas estreias tão despretensiosas quanto históricas. 80


Primeiro foi a vez de Luiz Alonso Perez, o Lula. Técnico, até então, das categorias de base do clube, ele foi chamado para comandar a equipe principal em partida disputada em 3 de junho, contra o São Paulo, no Pacaembu. Isto porque o novo treinador, Aymoré, fora emprestado para o comando da Seleção Paulista, que faria um amistoso dali a alguns dias. Quem viu a vitória por 1 a 0 da equipe santista comandada por aquele senhor de sandálias à beira do campo não podia imaginar que se tratava da primeira vez no profissional do treinador mais longevo e vitorioso da história do futebol brasileiro. Dias depois, em 29 de junho, foi a vez de outra figura lendária na história do Santos estrear: Zito. Menino, mas dono de uma personalidade forte, ele viu olhares desconfiados na arquibancada quando o treinador resolveu colocá-lo em campo. Novamente, era difícil imaginar que se tratava da estreia do capitão da equipe mais vitoriosa de todos os tempos. Naquela noite, ele era apenas mais um em campo na vitória do Santos sobre o Madureira, do Rio de Janeiro, por 3 a 1. Mas as estreias – definitiva no caso de Zito e pontual no caso de Lula – não foram tão comentadas naquele ano. O que ficou muito marcado foi um episódio revoltante e lamentável que ocorreu dali a alguns meses. Considerando a invasão de campo em massa, devo admitir que a punição que sofri até que foi branda: pela primeira vez em mais de quarenta anos, o Santos foi impedido de mandar um jogo nas minhas dependências. Por sorte, o estrago foi minimizado, já que a equipe conseguiu locar o estádio Ulriso Mursa, de propriedade da Portuguesa Santista, que fica a poucos metros de distância daqui, e vencer o XV de Jaú por 3 a 0. O estrago que nem eu, nem ninguém 81


conseguiu evitar foi o que o árbitro fez numa partida disputada em 28 de setembro de 1952, pelo Campeonato Paulista, contra o Corinthians. Foi uma sucessão de “erros” da arbitragem. Três pênaltis favoráveis ao Santos não marcados. Um gol em impedimento do adversário validado. E uma série de inversões de faltas e risos cínicos que fizeram a torcida se revoltar. Com as arquibancadas lotadas de torcedores ávidos por assistiram ao clássico com o maior rival, os ânimos já estavam mais exaltados do que o normal. E quando a operação do juiz começou a se desenhar, não houve alambrado que segurasse a fúria de dezenas de torcedores que invadiram o gramado e correram atrás do soprador de apito que, com a vitória do Corinthians por 3 a 2 sacramentada, teve que ficar preso por horas dentro do vestiário até que os ânimos se acalmassem de novo. O episódio serviu para reforçar, uma vez mais, a indignação do presidente. Na temporada seguinte, Athié novamente dava sinais de seu apetite insaciável. Ele não podia se conformar com a seca de títulos e com a superioridade financeira e técnica das equipes da capital. Por isso, decidiu que era hora de fazer ainda mais investimentos dentro e fora de campo. Desde 1945, quando ele assumiu o clube, eu, já uma mulher vaidosa, comecei a me sentir mais valorizada. Primeiro vieram as arquibancadas de concreto paralelas à rua Dom Pedro I. Depois, em 1950, foi a vez de erguer um novo grande lance de arquibancadas, dessa vez ao lado das cadeiras sociais e de costas para a rua Princesa Isabel, além de um ginásio poliesportivo que fica abaixo delas. Agora, em 1953, era hora de inaugurar uma obra ainda maior: com ampliação e melhorias das arquibancadas atrás do gol de 82


entrada, Athié ia, aos poucos, aumentando minha capacidade e tornando-me cada vez mais bonita. As tais melhorias, porém, mereciam um time à altura. Como nós sabemos, de nada adianta ter um belo estádio como eu se o time não colaborar. E eu confesso que fui muito feliz com o time daquela fase. Chegaram Del Vecchio, Feijó, Walter Marciano, Álvaro e Vasconcelos para ajudar a formar uma equipe que brilharia dali a alguns anos. Em 1953, o Santos venceu dezenove partidas em casa, empatou três e perdeu apenas quatro vezes. No total, foram 138 gols marcados e 96 sofridos em 54 jogos. Nenhum título importante foi conquistado, mas todos sabiam que o resultado não viria de uma hora para outra. A ausência de título não significava necessariamente que o time estava no caminho errado. O pensamento que norteava o clube na época era de que “para colher, tem que plantar”. E o Santos estava plantando. Sendo assim, na temporada seguinte, mais investimentos foram feitos: o volante Urubatão foi contratado e entrou para o time fez a primeira excursão internacional da história do Santos. Athié entendia que era hora de dar mais experiências aos meninos e também aproveitar a chance de arrecadar uma graninha extra para justificar tantos reforços e aliviar um pouco a pressão da torcida e dos dirigentes de oposição. A essa altura, confesso que fiquei com um pouco de ciúmes. Não era fácil ver o time nascido e criado aqui alçando voos tão altos. Quando a equipe retornou da série de oito jogos na Argentina, eu podia sentir um clima diferente. Eu sabia que aquele tinha sido o primeiro passo para a expansão de um novo horizonte, o marco inicial de um novo Santos, internacional. O medo, porém, era de que esse novo clube pudesse perder suas origens e, assim, acabar se 83


perdendo pelo caminho, matando aquilo que tinha de bom. Nessa hora, porém, Athié mostrou-se novamente um homem de visão e escolheu um novo treinador que conhecia e respeitava a história do Santos, mas que também era capaz de conduzir o time a este novo patamar que pleiteava. Foi assim que Lula finalmente foi alçado das categorias de base ao cargo de treinador da equipe principal. Um cargo que não deixaria mais vago por longos anos. Quando ele estreou em 5 de junho de 1954, numa vitória por 3 a 2 contra o Botafogo, porém, a campanha da equipe no ano não era nada boa. Até ali, o Santos tinha disputado 25 partidas e vencido apenas dez. Naquele dia, foi preciso que Lula desse uma injeção de moral na equipe no vestiário antes da partida. Ele usou do prestígio que tinha de sobra dentro do clube para fazer com que os jogadores “corressem por ele”, como se diz nos vestiários. Assim, o que se viu em campo foram jogadores com raça e disposição que ainda não tinham sido vistas naquela temporada. Inclusive num outro dia importante daquele ano: 23 de maio de 1954. Digamos que naquele dia, apesar de ser conhecido por “Canhão da Vila” graças à violência do seu chute destro, Pepe não estreou com o pé direito. Então com dezenove anos, o menino de talento promissor desde as categorias de base entrou no gramado do estádio do Pacaembu, já no finalzinho do jogo contra o Fluminense, válido pelo Torneio Rio-São Paulo daquele ano, mas pouco pôde fazer para evitar a derrota por 2 a 1. Na semana seguinte, apesar da atuação discreta, a contusão de vários jogadores titulares fez com que o garoto tivesse uma nova chance de constar nos “onze iniciais” em partida contra o Guarani, disputada, dessa vez, aqui na Vila. 84


Mas, novamente, nem o ponta, nem ninguém, teve uma partida memorável e o resultado foi de 0 a 0. Para ser sincera, dois jogos abaixo da expectativa foram o suficiente para que centenas – se não milhares – de jogadores perdessem a oportunidade de suas carreiras seja aqui no Santos, ou em qualquer outro clube de futebol do mundo. A sorte de Pepe (e a nossa) foi que os maus resultados colaboraram justamente para que Lula se tornasse o treinador e este, por sua vez, conhecia e confiava no talento do seu pupilo das categorias de base. Com Lula no banco e Pepe no campo, o Santos conseguiu ensaiar uma reação na temporada. Foram vinte vitórias, quatro empates e só mais oito derrotas dali até o final do ano, fazendo com que o Santos terminasse o Campeonato Paulista em terceiro, à frente do São Paulo, e com que Lula, Pepe e companhia ganhassem o apoio da diretoria e da torcida para chegar mais longe na temporada seguinte. Quem sabe até conquistar os títulos com que o clube tanto sonhava. Um sonho que se realiz a

Em 1955, mais uma melhoria significativa foi feita nas minhas instalações. A área reservada aos sócios do clube, que ainda era de madeira, foi finalmente substituída por estruturas de concreto. Em conjunto com isso, uma nova marquise também foi erguida, o que resultou nos primeiros acentos cobertos do estádio e também serviu para abrigar os refletores daquele lado do campo; o gramado ganhou uma visibilidade bem melhor distribuída e duas das torres de iluminação do estádio puderam ser desativadas. Pouco a pouco, eu ia assumindo as características pelas quais você me conhece hoje. Com uma nova Vila para chamar de sua, o time realizou alguns amistosos e jogou partidas válidas também pelo 85


Torneio Rio-São Paulo de 1955 antes de embarcar para sua segunda excursão internacional, dessa vez para o Peru. A viagem mais uma vez se mostrou bastante proveitosa. Com 27 gols marcados e apenas cinco sofridos em oito jogos, a equipe começou a compreender o estilo de jogo imposto pelo técnico Lula e encontrou um equilíbrio entre ataque e defesa que se mostraria decisivo na disputa do Campeonato Paulista de 1955. Àquela altura, o torneio já tinha se tornado uma verdadeira obsessão de todos os santistas. O primeiro e único título já completava vinte anos e, agora, uma geração inteira de torcedores já não sabia o que era e o que representava aquela conquista. Com os erros de arbitragem, as manobras da federação e a defasagem financeira do clube em relação aos seus rivais, o título parecia algo cada vez mais distante, algo proibido. Sobretudo para mim que, na única oportunidade que tive de presenciar o jogo decisivo da competição, acabei vendo pancadaria ao invés de festa. As inúmeras tentativas de jogadores, técnicos e presidentes de reconduzir o Santos às glórias pareciam insuficientes, ineficazes, inúteis. Os santistas cultuavam seus ídolos, mas viviam de saudades de um ano cada vez mais distante em que Araken Patusca tinha nos dado àquilo que tínhamos de mais precioso em nossa história. Mas o que Lula, Zito, Pepe, Del Vecchio, Formiga, Manga, Tite, Feijó, Urubatão, Hélvio, Ramiro, Vasconcelos, Álvaro, o presidente Athié Jorge Cury e nenhum outro santista podiam imaginar era que aquele campeonato representaria o começo de uma nova fase. A mais brilhante fase da história do Santos. Difícil de imaginar, em grande parte porque a campanha começou num modorrento 0 a 0. Depois de quase um mês sem atuar, no hiato entre o retorno da excursão ao Peru 86


e o primeiro jogo oficial do campeonato, o time não teve ritmo e não resistiu ao forte calor que acometia a cidade. Com um jogo lento e preguiçoso, houve quem cochilasse nas arquibancadas. O técnico Lula, porém, não podia admitir aquilo e deu o chacoalhão que a equipe precisava antes da próxima partida contra a Ponte Preta, de modo que o Santos recuperou a boa forma e goleou por 6 a 3, para dar início a uma bela arrancada. O formato de pontos corridos adotado pelo campeonato há algumas temporadas tinha ajudado a minimizar os erros de arbitragem e outras interferências externas. Agora, como o campeão era decidido na somatória de pontos, todos os jogos eram igualmente importantes, o que diminuía o peso dos clássicos, onde a maioria das falcatruas aconteciam. Sendo assim, ainda que o temor de ser prejudicado nos confrontos diretos contra Corinthians, São Paulo e Palmeiras permanecesse, caberia ao Santos construir uma margem de segurança para os rivais através dos outros jogos da competição. E foi exatamente isso que a equipe procurou fazer. Depois do duelo contra a Ponte Preta, o time embalou vitórias contra Taubaté e Corinthians, fora de casa, antes de retornar para o litoral e vencer outras seis partidas de forma consecutiva, o que lhe rendeu a liderança do campeonato. A primeira derrota, para o Guarani, só conheceu o Santos já na penúltima rodada do primeiro turno, de modo que a equipe se reabilitou no jogo seguinte contra a Portuguesa e chegou à metade da competição à frente de todos os outros adversários. No segundo turno, a expectativa da torcida já era bem maior e Lula ordenou aos seus comandados que o time não tirasse o pé do acelerador. Assim, o Santos seguiu atropelando quem viesse pela frente. Se longe de casa a equipe até 87


encontrava alguma dificuldade, aqui, na Vila, era uma máquina de fazer gols. Os artilheiros Del Vechio e Vasconcelos marcavam em quase todas as partidas e não se cansavam de comemorar. Zito e Urubatão ajudavam a proteger a retaguarda. Pepe se desdobrava em muitos pelas pontas. E Barbosinha segurava quase tudo que chegava até o seu gol. Dava gosto de ver o Santos novamente. Mas tudo aquilo não era o suficiente para fazer a equipe sobrar na competição. Na virada do turno, o Santos tinha 22 pontos, contra 21 do Corinthians, 19 do Palmeiras e 18 do São Paulo. A torcida seguia confiante, mas teve sua fé abalada numa noite histórica: derrota por 8 a 0 para a Portuguesa de Desportos, até hoje a maior derrota da história do clube. Seria preciso dar uma resposta rápida se o time não quisesse desperdiçar mais uma boa chance de ser campeão. Por isso, o técnico Lula e o presidente Athié apareceram com novidades no duelo seguinte, disputado aqui na Vila, em 20 de novembro de 1955, contra o Guarani, justamente o primeiro algoz daquela campanha. Enquanto Lula promoveu mais uma estreia história, a de Pagão, Athié contratou uma charanga para que a torcida permanecesse animada durante todo o jogo. A estratégia deu muito certo e o Santos, embalado pelas marchinhas entoadas pela torcida com o apoio da bandinha, goleou por 5 a 0 e se reabilitou no campeonato. Na sequência, porém, uma nova derrota, dessa vez para o São Paulo, por 3 a 1, fez o time perder a liderança do campeonato. A torcida não podia acreditar que mais uma chance seria desperdiçada e, portanto, resolveu acreditar no time e empurrá-lo. Há relatos de que mais de quinhentos torcedores saíram de Santos e se deslocaram até o interior do estado 88


para empurrar o time contra o XV de Jaú na rodada seguinte. Pés quentes, eles viram mais um triunfo do Santos, dessa vez por 3 a 0. O resultado levou o time para os 32 pontos na tabela de classificação, mas a vitória do Palmeiras manteve a equipe alviverde na liderança do campeonato com 33, dando ainda mais importância para o duelo seguinte: justamente Santos e Palmeiras, aqui, na Vila. A importância do clássico fez com que as novíssimas emissoras de TV da época se interessassem pela partida. Talvez inspiradas pelo contexto da Guerra Fria e sua corrida espacial, TV Tupi e TV Record travavam uma batalha particular pelas transmissões dos melhores eventos do calendário nacional. E, após inovarem com novelas, telejornais e programas de auditório transmitidos ao vivo, a competição agora chegava aos jogos de futebol. Depois de conseguir reproduzir localmente algumas partidas, a Record tinha saído na frente nessa disputa e transmitido uma partida em São Paulo, ao vivo. Como resposta, a Tupi resolveu ser mais ousada e reuniu tecnologia para fazer a primeira transmissão intermunicipal de um jogo. Sendo o clássico entre Santos e Palmeiras, no topo da tabela, a melhor ocasião pra isso. Dias antes do jogo, o movimento já era grande. O próprio trabalho dos funcionários da TV virou pauta de matérias, dada à curiosidade das pessoas e a publicidade sobre o evento. Técnicos uniformizados corriam para lá e pra cá, manobrando caminhões e passando cabos por todos os lados, enquanto eu, desconfiada, acompanhava tudo aquilo sem saber direito o que estava acontecendo. Já no grande dia, fui acordada bem cedo para dar início aos trabalhos. Nunca tinha visto tamanha antecedência para um jogo de futebol. Conforme as horas iam passando, 89


mais pessoas chegavam e mais a expectativa aumentava. Era hora da Vila entrar no ar. Ainda havia certo receio de que a transmissão pela TV afastasse o público do estádio, mas televisões ainda eram objetos raros naquela época. Sendo assim, o público compareceu em grande número para ver o jogo e todos aqueles equipamentos com seus próprios olhos. Direto de uma cabine de transmissão improvisada numa salinha acima das arquibancadas, o narrador Milton Peruzzi comandou a equipe de transmissão e pôde narrar dois gols do Santos ainda no primeiro tempo, para grande festa e histeria do público presente e dos torcedores que acompanhavam pela TV. Na etapa final, o Palmeiras chegou a diminuir com gol de pênalti de Elzo, dando contornos dramáticos para aquela grande partida. Del Vecchio, porém, não deu muito tempo para o friozinho na barriga e marcou o gol que deu números finais ao placar, 3 a 1, com a vitória e a liderança de volta ao Santos. O burburinho daquele jogo embalou o pedido de presentes de muitos torcedores, já que era quase Natal. O campeonato, porém, alheio a feriado, festa, presente ou a qualquer coisa do tipo, seguia. No próprio dia 24 de dezembro, o Santos entrou em campo para enfrentar o Jabaquara, num clássico local que paralisou a cidade, para fúria dos comerciantes, que viram o movimento do comércio diminuir por conta da partida. O Jabuca, como é carinhosamente chamada a equipe caiçara, tinha sido convidado pela Federação para participar daquela edição e nem de longe tinha a mesma força que o esquadrão montado pelo Santos. Sendo assim, a equipe alvinegra não teve dificuldade para vencer a partida por 2 a 0 e ficar em situação muitíssimo confortável na disputa pelo 90


título. Restando três partidas para o Santos contra apenas duas do Corinthians, novo segundo colocado, o time precisava de apenas mais uma vitória para não ser mais alcançado pelos concorrentes e conquistar de novo o título, depois de tanto tempo. A expectativa cresceu quando os torcedores olharam para a tabela e viram que o próximo confronto era contra o modesto São Bento, de São Caetano do Sul. Apesar de ainda restarem duas rodadas que com certeza invadiriam o ano de 1956, o Santos tinha a chance de vencer por antecipação e acabar com a angústia de todos os seus torcedores apaixonados naquele confronto marcado para 31 de dezembro, no estádio Anacleto Campanella. A afobação e a ansiedade, porém, bateram no jovem elenco do Santos e a equipe acabou derrotada por 2 a 0, obrigando os santistas a guardarem parte dos fogos de artifício para um outro dia. Longe de mim ter torcido contra o Santos naquele dia, a espera já era demais, mas confesso que não achei aquela derrota de todo ruim; afinal de contas, as duas últimas partidas marcadas no calendário seriam com o mando de campo do próprio Santos. Isso significava que, depois de perder o título para o Palestra Itália, na decisão de 1927, e conquistar seu único título paulista, até então, no Parque São Jorge, em 1935, talvez fosse a hora de comemorar a conquista junto comigo. O adversário da vez, porém, seria o próprio Corinthians, o atual campeão, atual vice-líder e um adversário dificílimo por motivos tanto esportivos e quanto políticos. No ano anterior, os dois alvinegros tinham se encontrado quatro vezes e estabelecido um retrospecto de uma vitória santista, um empate e duas vitórias corintianas. 91


Dessa vez, só a vitória interessava ao Corinthians, o único que ainda poderia tirar o título do Santos, o que fez com que os adversários descessem a serra e chegassem à Vila como franco-atiradores. A pressão e a responsabilidade era toda do Santos. No banco de reservas corintiano, Osvaldo Brandão sabia disso e usou toda sua experiência, inclusive aquela acumulada em passagem recente pelo Santos, para mostrar os atalhos do meu gramado para os rivais. O jogo, porém, começou da melhor maneira possível para a equipe peixeira. Aos 5 minutos de partida, Álvaro colocou a bola na rede a abriu o placar. Aos 38, Feijó ampliou para 2 a 0 fazendo os santistas coçarem as mãos na expectativa pelo título: um empate bastava. Mas qual não foi a surpresa dos mais de 11 mil presentes quando o Corinthians buscou o empate ainda no primeiro tempo. Com gols de Cláudio, aos 41, e Paulo, aos 43, o placar era de 2 a 2 quando o juiz determinou intervalo. Durante aqueles 15 minutos, foi possível “ouvir o silêncio”. Por mais que o resultado ainda desse o título ao Santos, a maneira como o time tinha tomado dois gols fulminantes deixava todos apreensivos. Inclusive os jogadores. Para o segundo tempo, o time voltou a campo abatido, acuado, tentando jogar para proteger o placar que ainda lhe era favorável. Mas o Corinthians percebeu e foi para cima. Não tardou muito para que a pressão adversária surtisse efeito. Aos 17 do segundo tempo, Paulo foi à rede novamente e deu números finais ao placar: 3 a 2 para o Corinthians. Festa adiada mais uma vez. O sofrimento não tinha fim. Na rodada final, era tudo ou nada. Ou o Santos vencia o Taubaté ou teria que encarar o Corinthians numa melhor de três com sua confiança extremamente abalada. Ciente disso, o técnico Lula resolveu mexer no time. Sacou 92


Barbosinha, Zito, Alfredinho e Vasconcelos e promoveu a entrada de Manga, Urubatão, Negri e Pepe. Apesar das mudanças, o roteiro parecia o mesmo do jogo contra o Corinthians. O estádio estava lotado, a expectativa de todos era alta e o adversário também era treinado por um ex-treinador santista – desta vez, Aymoré Moreira. Nem mesmo o gol de Álvaro no começo do jogo – de novo – tranquilizou os torcedores. O placar magro era mais do que o time precisava, mas depois de 20 anos de espera era difícil não se desconcentrar pensando no título que estava mais perto do que nunca. Os adversários já sabiam que esse era o ponto fraco da equipe e, no retorno para o segundo tempo, pressionaram o time do Santos até que o atacante Berto recebeu passe de Durval, fez uma finta no seu marcador e chutou forte no canto direito de Manga para empatar o jogo e calar a Vila inteira. O Santos se mostrava dono de um time, uma torcida e um estádio que não sabia mais ser campeão. Com o público todo calado, coube ao meia argentino Negri, que havia entrado no time naquele jogo para substituir o suspenso Vasconcelos, romper o silêncio. Seus berros exigiram que o Santos voltasse a fazer aquilo que sabia: jogar no ataque. E Negri foi atendido. Seja pela pressão ou pelo desespero, o fato é que depois do gol, o Santos voltou a dominar a partida e foi recuando cada vez mais a última linha de marcação da equipe adversária. O time alvinegro, porém, precisava de um herói que não tivesse medo dos fantasmas do passado; a história do Santos mostra que essa é a hora de confiar nos meninos: por inocência, ingenuidade ou falta de respeito mesmo, eles não sabem as consequências de seus atos ou não se importam e por isso mesmo acabam rompendo fronteiras 93


que os demais achavam que existiam. O encarregado da noite não podia ser outro: um jovem inconsequente e talentoso chamado Pepe. Aos 20 anos de idade e menos de um no profissional, Pepe recebeu a bola na ponta esquerda, driblou um adversário puxando para o meio, dividiu com o segundo no que muitos juram ter sido uma falta não marcada pelo árbitro João Etzel e justificou o apelido que carregava de “Canhão da Vila” soltando um tiro fulminante de perna direita para superar o goleiro Floriano e estufar a rede. Era gol de Pepe. Era gol do Santos. Era o gol do tão esperado título. A equipe não recuou mais. Manteve-se no ataque e exigiu outras boas defesas do goleiro rival. Quando o árbitro por fim encerrou a partida, explosão. O grito de campeão entalado há 20 anos na garganta do Santos ecoava novamente. E eu, no auge dos meus quase quarenta anos, descobria o que era aquilo pela primeira vez. Os torcedores invadiram o gramado, levantaram seus heróis nos ombros e o mais comemorado era, claro, o menino Pepe. Entre pulos, lágrimas e corridas sem rumo, muita gente perdeu o sapato, a camisa, a vergonha de dizer que era santista e que o Santos era o novo campeão. Os torcedores irmanaram-se. Dessa ou daquela classe. Ricos ou pobres. Todos juntos se abraçaram, se beijaram e sambaram no mesmo ritmo, como se fosse um único corpo. Moças, velhos, crianças, saltaram para o campo com faixas bandeiras […] dando vida ao campeão de 1955. — A Tribuna, Santos, 15 de fevereiro de 1956

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Álvaro abriu a contagem e Pepe fechou. Festa do título na Vila.

Com o primeiro título conquistado dentro de casa em janeiro, o ano de 1956 se definiu como um novo marco na história do Santos e da minha própria. Dali em diante, aquele time campeão não só seria mantido, como melhoraria – e muito – para dar aos torcedores as maiores glórias que eles poderiam imaginar. Começava a verdadeira fase do Alçapão da Vila, o terror de todos os adversários. Em grande parte também pela chegada de um jovem jogador altamente recomendado por aqueles que já tinham o visto jogar: chegava ao Santos Edson Arantes do Nascimento, o futuro Rei Pelé. 95


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reino do futebol A Vila Belmiro com 20 mil sufoca mais que o Maracanã com 80 mil, parece que os torcedores estão gritando do nosso lado! — Juninho Paulista, ex-jogador de futebol

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Após a conquista do título paulista de 1955, a cidade foi tomada por uma alegria contagiante. Bastava caminhar pelas ruas do centro ou dar uma volta de bonde pela cidade para perceber se tratar de uma torcida orgulhosa do time que tem. Nos sobrados, bandeiras penduradas nas janelas. Nos restaurantes, flâmulas pregadas na parede. Nos muros, pinturas duvidosas do nosso brasão. Nas bancas, manchetes e fotos do time campeão. E no rosto da gente em todos os cantos, o sorriso quase esquecido de quem viu tão de perto um título do Santos. Todos os dias o roteiro era o mesmo. Antes de cada treino, ao passo que os jogadores iam chegando, o movimento ia aumentando e os meninos corriam para lá e para cá em busca de um autógrafo de seus ídolos. A animação era grande porque, para a maioria deles, aquele era o primeiro título que tinham visto. Dentro de campo, o técnico Lula sabia aproveitar o ânimo extra muito bem. E no melhor estilo “em time que está ganhando, não se mexe”, Lula tinha a intenção de continuar seguindo à risca a cartilha que tinha recolocado o Santos no rumo das glórias.

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O que o comandante não esperava era que uma notícia que se espalhou rapidamente pelos meus bastidores atrapalharia seus planos. O boato, que logo foi confirmado, era de que Waldemar de Brito estava a caminho de Santos trazendo um novo jogador para fazer testes na equipe. E segundo o ex-atacante da Seleção Brasileira, seu pupilo obrigaria Lula a arranjar um lugar para ele no time. Jogadores novos fazendo testes era algo bastante comum na época e, portanto, havia quem achasse que Waldemar tinha exagerado na descrição do menino que descobriu enquanto era treinador das categorias de base do Bauru Atlético Clube, no interior de São Paulo. O time do Santos ia bem, tinha acabado de ser campeão paulista e, antes mesmo de começar a edição seguinte do torneio, teve tempo para conquistar o seu primeiro título internacional, derrotando o Nacional (URU), o Boca Juniors (ARG) e o Newell’s Old Boys (ARG) em torneio promovido pela Federação Paulista de Futebol naquele ano. Para ganhar uma vaga de titular naquela equipe, portanto, o garoto teria que ser realmente algo de extraordinário. Quando Waldemar e seu acompanhante chegaram ao meu portão principal, todos já estavam prontos para recebê-los. O ex-jogador agradeceu o carinho, mas tratou logo de ir avisando que, desta vez, ele não era o protagonista. Tinha saído de Bauru e viajado durante horas para apresentar um menino que, garantia e reforçava, fazia misérias com a bola no pé. O craque dizia para quem quisesse ouvir que o garoto era o futuro melhor jogador do mundo. Mineiro, nascido em Três Corações, Minas Gerais, em 20 de outubro de 1940 e portanto ainda com quinze anos de idade, era difícil acreditar que aquele moleque tímido era mesmo tudo isso que estavam dizendo. A indicação de um 100


ex-jogador de tamanha experiência, porém, contava a seu favor e Lula, também acostumado a lidar com garotos, resolveu dar uma chance a ele. Depois do aquecimento do dia e de alguns exercícios específicos, o treinador organizou um coletivo de titulares contra reservas. Deu algumas orientações, corrigiu o posicionamento dos jogadores e quando se deu por satisfeito, já no final da atividade, começou a fazer algumas alterações na equipe. Pegou uma porção de coletes que carregava nos ombros e começou a distribuí-los. Um para cá, outro para lá, até que caminhou com suas famosas sandálias de dedo na direção do menino que acompanhava tudo do lado de fora com muita atenção. Queria eu ter ciência do que estava acontecendo naquele momento. Confesso, teria prestado mais atenção. Mas não podia esperar grande coisa daquele garoto, já que estava acostumada a ver alguns dos melhores jogadores do país na época treinarem e jogarem ali todos os dias. Foi só Lula se aproximar dele e acenar com um colete nas mãos, porém, que o moleque não olhou mais para trás. De repente, toda a timidez extra-campo se dissipou: ele pegou o uniforme, vestiu e passou correndo por Lula, rumo ao meio de campo, já pedindo para receber a bola. Não sei dizer se ele chegou a recebê-la antes, mas me recordo que, depois de se movimentar de um lado para o outro do campo, estava no bico direito da grande área quando recebeu um lançamento alto. Um jogador comum nem dominaria aquela bola, mas ele matou no peito. Um jogador acima da média deixaria ela cair no chão e tocaria de lado, mas ele emendou um chapéu no marcador e ficou livre. Um craque esperaria o goleiro sair e tocaria no contrapé, mas Pelé chutou de cobertura e fez a bola correr pelo barbante, 101


fazendo aquele barulho macio de bola na rede. Nascia ali um dos casos de amor mais famosos de todos os tempos. Depois desse lance, os jogadores mais experientes resolveram dar um corretivo na ousadia do garoto. Zito, Formiga, Ivan e Hélvio pegaram Pelé, cada um por uma perna e braço, e jogaram o garoto para fora do campo em tom de brincadeira. Onde já se viu ser tão abusado? Como eles descobririam mais tarde, carregá-lo dessa forma seria mesmo o único jeito de fazê-lo parar. Lula nem precisou exercitar seu olhar clínico para jovens talentos. Depois daquele golaço, não restavam dúvidas de que Pelé deveria permanecer no clube. Waldemar voltou para Bauru, mas para Pelé não tinha mais volta: ele e o Santos tinham sido apresentados um para o outro e tinha tido amor à primeira vista. O menino era mesmo uma coisa de louco. Garoto endiabrado com a bola no pé. Mas o Santos era repleto de craques e Lula custou a dar uma vaga para aquele tal de Pelé. Foram necessários alguns meses de treino até que surgisse a primeira chance. Mas todos já sabiam que para ele mostrar o que sabia, precisava de apenas um lance. A oportunidade veio num amistoso realizado em 7 de setembro de 1956. O jogo contra o Corinthians de Santo André, no estádio Américo Guazzelli, no ABC Paulista, já estava dominado pelo Santos quando Lula resolveu chamá-lo no banco de reservas. O garoto entrou em campo no final da partida, mas ainda teve tempo de marcar o sexto gol do Santos na goleada por 7 a 1. No dia da independência do Brasil, o país inteiro conhecia aquele que seria justamente seu novo rei.

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Não tentem fazer isso em casa

Mas enquanto Pelé dava seus primeiros passos no futebol profissional, o Santos caminhava a passos largos para a conquista de mais um estadual. Quando chegou novembro, as pessoas começaram a se dar conta de que já não lembravam quando tinha sido a última derrota do Santos no Campeonato Paulista. E de fato a sequência invicta era um orgulho da equipe santista. Da vitória sobre o Taubaté, em 15 de janeiro, até aquela noite em 28 de novembro, foram exatas 24 partidas sem perder na competição. Uma invencibilidade inédita que rendeu ao Santos a conquista da Taça dos Invictos – uma espécie de homenagem concedida pelo jornal A Gazeta Esportiva aos times que estabelecessem a maior sequência sem derrotas na competição. Depois da vitória por 2 a 0 contra o São Paulo e a quebra do recorde, o Santos ainda ampliou a marca para 26 partidas antes de conhecer sua primeira derrota na competição. Os 4 a 0 sofridos para o Corinthians foram doloridos, mas não passaram incólumes por Lula, que deu uma bronca de fazer tremer o vestiário após o jogo. Ao que me parece, surtiu efeito. O time emplacou nova sequência de seis vitórias e se aproximou do final de mais um campeonato brigando cabeça a cabeça pelo título, dessa vez com o São Paulo. A Federação Paulista tinha conseguido organizar o campeonato de modo que, pela primeira vez, o torneio tinha tudo para ser encerrado dentro da mesma temporada. Porém, ao final da última rodada, Santos e São Paulo terminaram com campanha idêntica de 28 vitórias, quatro empates e três derrotas. Assim, por ordem do regulamento, um jogo extra foi marcado para o dia 3 de janeiro de 1957, no Pacaembu. E mesmo longe de casa, saindo perdendo por 103


2 a 0, o time foi buscar a virada e bicampeonato com uma vitória por 4 a 2. Era o Santos confirmando a boa fase e começando uma hegemonia que ainda se expandiria pelo Brasil. E pelo mundo. A equipe que antes era vista como um amontoado de meninos agora era tratada como um verdadeiro esquadrão, mas dessa vez, quase um ano depois de chegar à Santos, Lula finalmente encontrou espaço no time para tornar Pelé, aos dezesseis anos, um dos titulares. Vestindo a camisa de número 10, Pelé foi artilheiro do Campeonato Paulista, com dezessete gols, logo em sua primeira participação, abrindo o que seria a maior sequência de artilharias consecutivas da história. Mas nem com as atuações de Pelé o Santos teve uma temporada brilhante. O quarto lugar no Torneio RioSão Paulo e o vice-campeonato paulista não foram suficientes, porém, para acabar com a lua de mel entre torcida e time. Uma prova disso é que em 1957 foi criado o que viria a se tornar o futuro hino oficial do clube. Veja bem, naquela época não existia nem a ideia de torcidas organizadas. A relação que os torcedores tinham com o jogo e, consequentemente, comigo era muito mais casual. Se na minha inauguração, lá em 1916, era de bom tom usar terno, paletó e sapato, nesta fase muitos tinham a Vila como uma extensão de suas casas. Para sentir o cheiro do gramado molhado, sentar no concreto áspero das arquibancadas e saborear um pacotinho de pipoca enquanto assiste ao jogo não era necessário pagar muito nem fazer grande planos. O povo vinha até mim com seus chinelos gastos e suas roupas surradas. Com um trocado no bolso para o picolé do menino e o sorriso no rosto do passeio em família. Naquele lugar democrático que eram minhas arquibancadas, empregados e patrões se sentavam lado a lado, 104


como iguais, para torcer pelo time do coração. Ali, os gritos e os cantos se davam de maneira espontânea. Nada ensaiado ou premeditado. Era de ocasião. Nessa fase, um jogo de futebol era a diversão que todos tinham acesso e, no caso do Santos, duas músicas eram as favoritas da torcida. A primeira, uma antiga marchinha de carnaval da década de 1930, dava o tom de como futebol e samba caminhavam lado a lado. A segunda, bem mais recente, tinha sido criada por Mangeri Neto e Mangeri Sobrinho após o título paulista de 1955 e se chamava “Leão do Mar”. Nela, confundida até o hoje com o hino oficial, os torcedores comemoravam o fato do Santos ser “o novo campeão”. Mas o caráter pontual daquela canção motivou Carlos Henrique Paganetto Roma, filho e irmão de futuros presidentes do clube, a compor uma canção que chamou carinhosamente de “Sou alvinegro da Vila Belmiro”. Nos versos que só se tornaram hino oficial em 1996 por sugestão do conselheiro Júlio Teixeira Nunes, Carlos Henrique homenageia o “passado e o presente só de glórias”, relembrando a fase em que o time era conhecido por jogar “com técnica e disciplina” e brada em seu verso mais famoso que “nascer, viver e no Santos morrer é um orgulho que nem todos podem ter”. De maneira direta ou indireta, a canção realmente embalou o Santos de novo e o ano de 1958 não só seria histórico para a equipe santista como para a própria Seleção Brasileira. Com três grandes contribuições alvinegras, Zito, Pelé e Pepe, o Brasil foi à Suécia para conquistar um título mundial inédito e para Pelé estabelecer um recorde inatingível até hoje: o campeão mundial mais novo da história das Copas. Aqui, em terras tupiniquins, a ausência do trio permitiu que Lula fizesse alguns testes que se revelariam melhor do que a encomenda. Se Pelé já tinha sido precoce ao estrear 105


nos profissionais com seus quinze anos e dez meses, o que dizer de Coutinho, o mais novo a jogar nos profissionais do Santos: catorze anos, onze meses e sete dias. OS JOGADORES MAIS JOVENS A ESTREAR NO SANTOS

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Jogador

Idade

Data

Jogo

Coutinho

14 anos e 11 meses

17/05/1958

Santos 7 x 1 Sírio Libanês-GO

Pelé

15 anos e 10 meses

07/09/1956

Corinthians-SA 1 x 7 Santos

Gabriel

16 anos e 4 meses

16/01/2013

Santos 4 x 0 Barueri

Edu

16 anos e 6 meses

03/03/1966

Portuguesa 1 x 2 Santos

Clodoaldo

16 anos e 8 meses

05/06/1966

Olímpico-SC 0 x 2 Santos

Sérgio Manoel

16 anos e 8 meses

29/11/1989

Santos 2 x 1 Náutico

Victor Andrade

16 anos e 8 meses

06/06/2012

Santos 1 xt 1 Fluminense

Diego

16 anos e 10 meses

20/01/2002

Santos 3 x 0 América-RJ

Araken Patusca

16 anos e 10 meses

04/02/1923

Paulista 4 x 1 Santos

Joel Camargo

16 anos e 11 meses

01/09/1963

Ferroviária 4 x 1 Santos


Já contando com o retorno dos craques, o Santos estreou no Campeonato Paulista aplicando sonoras goleadas: 6 a 0 sobre o XV de Piracicaba; 10 a 0 sobre o Nacional; 8 a 1 sobre o Guarani e novamente contra o Ypiranga, além dos 9 a 1 contra o Comercial da capital. Vitórias esmagadoras que vi de perto. Goleadas que deixavam os narradores e os torcedores sem voz de tanto gritar gol. Eram jogos incríveis, repletos de jogadas absurdas. Na chuva ou no sol. No frio ou no calor. Nada abalava o jogo do Santos. Do goleiro Manga ao ponta-esquerda Pepe, passando por Zito, Dorval, Jair Rosa Pinto e um ainda adolescente, mas já campeão mundial, Pelé, todos sabiam o que fazer com a bola no pé. Não era de se surpreender que o Santos foi campeão paulista pela quarta vez, com uma rodada de antecedência. Foi uma campanha avassaladora na qual o time marcou 143 gols tão difíceis de acreditar pela quantidade quanto pela qualidade. Mas destes, 58 merecem destaque por um motivo especial. Todos eles foram marcados por só um jogador: ele mesmo. Mais um recorde absoluto e precoce estabelecido por Pelé e que nunca sequer passou perto de ser igualado por qualquer outro jogador. Não havia uma maneira mais glamorosa de conquistar o primeiro título com a camisa do Santos. O doce sabor dos títulos, das vitórias e dos gols acabaram por viciar Pelé e companhia de modo que eles não queriam mais parar. Na temporada seguinte, o Santos entrou em campo 99 vezes (um recorde que chega a ser constrangedor de tão exagerado) e Pelé aproveitou para conquistar números tão exorbitantes quanto. Se em 1927, o Santos de Siriri, Camarão, Omar, Hugo, Araken Patusca, Evangelista e Feitiço ficou famoso por ser o “Ataque dos 100 gols”, dessa vez, Pelé sozinho foi responsável pela façanha. Entre o amistoso contra o Sport Boys-PER, em 4 de janeiro, e o jogo 107


contra o Bahia, válido pela Taça Brasil, em 30 de dezembro, Pelé foi às redes cem vezes e comemorou boa parte dos gols já com seu salto e soco no ar característicos. Foram gols marcados de todos os tipos: uns com um simples desvio de cabeça, outros após arrancadas de sessenta metros, alguns driblando o time inteiro, outros completando uma jogada de um companheiro de equipe. Pelé e o Santos davam show, e não à toa o clube recebeu o convite para fazer sua primeira excursão internacional. Como quem acompanhava uma turnê de uma banda de rock, multidões se deslocavam para assistir ao Santos daquele menino Pelé que fez absurdos na Copa do Mundo. Com quatro derrotas, cinco empates e incríveis treze vitórias, algumas delas sobre equipes como a Internazionale de Milão-ITA (7 a 1) e o Barcelona-ESP (5 a 1), o Santos deixou sua marca para sempre no Velho Continente. O Santos acumulou méritos para receber dos seus aficionados e de todos quantos acompanham a sua brilhante trajetória, os mais calorosos aplausos pela campanha cumprida em campos da Europa e que lhe valeu novas glórias, além de mais realçar-lhe o prestígio internacional. O Santos Futebol Clube, podemos afirmar tranquilamente, tornou-se no Velho Mundo, como fora na anterior excursão pelas Américas, um legítimo representante do virtuosismo brasileiro, enfim um digno delegado do “soccer” campeão mundial. — A Tribuna, Santos, 1959

Em meio há tantos gols de Pelé, era de se imaginar que o mais bonito de sua carreira também saísse nessa temporada. Mas fico zangada de me lembrar que apesar 108


de fazer tantas partidas, o Santos jogou muito pouco na Vila naquele ano, me fazendo perder momentos memoráveis como aquela partida do dia 2 de agosto de 1959 realizado no simpático estádio Conde Rodolfo Crespi, pertencente ao Juventus da Mooca-SP, e localizado na acanhada rua Javari em São Paulo. Não há sequer gravações para provar. Ou elas nunca existiram ou se derreteram nos incêndios que acometeram os estúdios das TVs Tupi e Record, as duas únicas emissoras que transmitiam futebol à época. Eu também não vi, mas pela minha experiência, não recomendo duvidar. Daquele dia, restam apenas algumas imagens e o relato de testemunhas, certamente em maior número do que o estádio é capaz de comportar. Segundo o que me consta, Pelé fazia atuação apática no primeiro tempo finalizado em 0 a 0 e por isso mesmo começou a ser provocado pela torcida. Irritado, ele resolveu voltar com tudo no segundo tempo e, assim, comandou a vitória santista por 4 a 0. Dos quatro, ele marcou três, incluindo o que encerrou a partida. Quem comia os famosos amendoins do estádio errou o buraco da boca ao vê-lo dominar um lançamento longo e, sem deixar a bola cair no chão, chapelar três zagueiros e o goleiro em sequência, antes de completar de cabeça para as redes. Um gol tão bonito quanto místico, que lhe rendeu um busto no estádio. Um gol feito uma única vez, mas descrito inúmeras vezes, incluindo o relato feito pelo cronista esportivo Adriano Neiva de Motta e Silva, conhecido como De Vaney, no jornal A Tribuna, de Santos: No capítulo dos gols magistrais, o que Pelé assinalou, domingo, na rua Javari, há que ter um realce especial. 109


Lances existem que, pela sua formosura técnica, a gente os traz gravados nos olhos, de regresso à casa. Esse, o de Pelé, 4º do Santos F. Clube ante o Juventus, é o gol que se fixou na alma, no espírito, no coração, no sentimento inteiro de quem o viu surgir em meio de dois crepúsculos: o do dia, que se findava aos poucos, e o da partida, que se extinguia lentamente. Gols tenho eu os visto, magníficos, para mais de meia centena deles. Vi Friendereich, a matreirice em pessoa, derrubar os uruguaios de 19 com aquele tento-histórico que deu ao Brasil o seu primeiro título. Vi Nilo Murtinho Braga, furacão em feitio de gente, sacudir redes argentinas em vesperais de ouro. Vi Feitiço, pólvora seca em cada chanca, estraçalhar malhas escocesas com quatro petardos no dia em que os do Motherwell tombaram por 5 x 0. Vi Leônidas da Silva, todo de borracha, arrasar metas polonesas em concepções estupendas, dignas da magia que se continha em seus pés. Vi Heleno de Freitas, uma ofensa em cada chute, arrebentar cidadelas imbatíveis, em cotejos decisivos. Vi Carvalho Leite, um rompeaço em cada arremate, vencer guardiões famosos em tiros devastadores. Vi Petronilho de Brito, um poema em cada lance, esconder a bola no fundo dos arcos inimigos como menino que brinca de chicote-queimado. Vi gols de todos os feitios, desde o que explode no fundo do retângulo como bomba de canhão, até o que chia ao contacto dos barbantes encerados como azeite de alto custo em frigideira de ouro. Mas gol com aquele que Pelé presentou o mundo do futebol, domingo, na Moóca, eu creio que ninguém viu coisa igual até hoje. O gol de Pelé fez lembrar, até, a anedota do cidadão que após olhar demoradamente para a girafa, no jardim zoológico, comentou: “Isso não existe”. — A Tribuna, Santos, 1959 110


De tudo já foi feito para tentar reconstituir o gol mais bonito da carreira de Pelé, do qual só há registros em fotos.

Depois de “chapelar” três zagueiros e mais o goleiro, Pelé tocou para rede de cabeça. 111


Muitos anos mais tarde, Pelé foi homenageado com um busto e uma placa no estádio do Juventus em alusão ao gol mais bonito de sua carreira.

Percebo agora o quanto é difícil dar uma real dimensão do tamanho e da capacidade de Pelé e de toda aquele conjunto do Santos. Seus feitos tinham algo de inigualáveis e de banais ao mesmo tempo. Se por um lado os números, os recordes e as próprias jogadas eram impressionantes e totalmente inexplicáveis; por outro, a facilidade e a frequência com que o time formado por Manga; Mourão e Pavão; Formiga, Ramiro e Zito; Dorval, Jair Rosa Pinto, Coutinho, Pelé e Pepe protagonizava façanhas davam a impressão aos espectadores que tudo aquilo que faziam era simplesmente comum. Seria justo se os jogos do Santos transmitidos pela televisão viesse com uma legenda de “não tentem fazer isso em casa”. 112


O gol antológico de Pelé entraria para a história, mas o show tinha que continuar. Hoje, olhando em retrospecto, percebo que a vida merecia uma pausa contemplativa para cada um dos lances geniais atuados por aqueles jogadores, mas eles aconteciam em ritmo e quantidade tão absurdas que a gente vivia quase anestesiado pelo olhar, sem saber direito a dimensão de tudo aquilo que estava acontecendo. Quatro dias depois Pelé e companhia estavam em campo novamente para golear seus adversários. E três dias depois, de novo. E de novo. E de novo. Dias após dia. Jogo após jogo. Sempre jogando de maneira incansável até que o Santos terminou a temporada ostentando placares como os 7 a 3 contra o Palmeiras, os 8 a 0 sobre o América e os 12 a 1 sobre a Ponte Preta, além, é claro, de títulos e recordes, como o de número de gols numa mesma temporada: 342. O time tinha batido na trave de alguns títulos, é verdade. Mas a qualidade das apresentações do Santos não deixava margem para dúvidas de que estava no caminho certo. No entanto, o presidente Athié Jorge Cury e o técnico Lula concordavam que ainda dava para melhorar e, entre chegadas e partidas, o Santos aprimorou mais ainda a já vitoriosa equipe do quinquênio 1955-1959, dando partida no que seria a década de ouro do futebol brasileiro. Nos anos seguintes, o Santos começaria vencendo um estadual e terminaria parando uma guerra. Foram tantos títulos acumulados que é quase impossível contar. Um time do mundo

Multiplique a emoção de ser campeão paulista por sete, a emoção de ser campeão brasileiro por seis a emoção de ser campeão continental por três e some à de ser campeão do 113


mundo duas vezes. Isso sem falar nos inúmeros recordes quebrados, gols marcados e homenagens concedidas ao clube e a seus jogadores por seus feitos espalhados por todos os lugares do mundo. Foi, sem dúvidas, o período mais glorioso do Santos Futebol Clube. Por outro lado, talvez tenha sido o momento em que mais vezes estive longe do time. No começo, foi difícil se despedir de jogadores como Del Vecchio (que mais tarde retornaria), Vasconcelos, Ramiro, Jair Rosa Pinto e Manga. Uns foram negociados. Outros simplesmente se aposentaram. Todos deram espaço para a chegada de craques como Calvet, Mauro Ramos de Oliveira, Mengálvio e, pouco depois, Lima e Gilmar dos Santos Neves. Muitos deles já consagrados em outros times, mas que se juntaram e se entrosaram com a espinha dorsal do Peixe que já contava com Zito, Dorval, Coutinho, Pagão, Pelé e Pepe, além do retorno de Formiga e Tite. Dando forma à equipe mais vitoriosa da história do futebol mundial. Sem o risco de cometer nenhum exagero. Não sou dessas. O ano de 1960 começou com excursões pela América do Sul, pela Europa e até pela África, quando o Santos fez seu primeiro jogo no continente ao passar pelo Marrocos. Cada vez mais o clube dava sinais de que tinha se tornado o que se chamaria hoje em dia de “uma marca global”. Se aquilo era excelente para as finanças do clube, para mim era um tremendo esforço. Eu precisava me acostumar com a ideia de que agora, aquele time criado por Francisco Raymundo Marques, Mário Ferraz de Campos e Argemiro de Souza Júnior com a intenção de se tornar um representante fiel da cidade no futebol, tinha se tornado tão grande que passara a ser um time do mundo. Ao imaginar o Santos jogando para plateias muito maiores do que eu era capaz de receber, é claro que batia ciúmes, 114


raiva, algumas vezes, até inveja. Mas não se engane torcedor, ainda não havia nada no mundo que se comparava com o charme e o sabor de ser campeão com a Vila lotada. Nada se comparava com o torcedor que fica tão próximo do gramado que ao esticar a mão é quase capaz de roubar a bola do lateral. Com o cheirinho do churrasco pré-jogo na rua Princesa Isabel que invade pelo portão sete até chegar ao gramado sem dar mais de vinte passos. Com o calor e a umidade da cidade litorânea que anuncia a chuva de verão ao final de cada tarde, sem falhar. Com o som do s de Santossss que ressoa cada vez que o locutor informa pelo auto-falante. Com a pressa de quem atravessa o canal 1 e o canal 2 a passos largos, já ouvindo o barulho que vem das arquibancadas apinhadas de gente. Com a pressão sobre o adversário que pega a estrada e desce a Serra e que chega ao estádio ainda com os ouvidos entupidos. E com a alegria e o orgulho do povo de uma cidade que tinha criado um time que agora dominava o mundo. Por isso, cada gol, cada vitória e cada título tinha seu sabor. Se teve uma coisa que esses anos todos assistindo futebol me trouxeram foi a consciência de que cada triunfo tem o seu valor e é por isso que aquele título paulista de 1960 foi tão valorizado. O quinto título foi tão comemorado quanto o primeiro e quanto seriam todos os demais que estavam por vir. A conquista deu ao Santos o direito de disputar novamente o equivalente ao Campeonato Brasileiro da época. E como o campeão paulista já entrava direito nas semifinais da competição, o Santos estava mais uma vez a quatro jogos do seu primeiro título nacional. Era uma oportunidade que não podia ser desperdiçada. O confronto contra o América-RJ, então campeão carioca, porém, se mostrou 115


mais difícil do que o imaginado e mesmo depois de vencer por 6 a 2 na capital carioca, o time foi surpreendido em casa e derrotado por 1 a 0, forçando um terceiro jogo de desempate entre as equipes. Dessa vez, porém, Lula não deixou seus comandados cochilarem e o Santos reassumiu o comando do confronto goleando por 6 a 1 e se classificando para sua segunda final em três edições de torneio nacional. Melhor do que isso: o adversário seria novamente o Bahia, garantindo ao time a oportunidade de disputar uma revanche da final de 1959. Para começar o confronto com o pé direito, o Santos já começou ganhando o sorteio que garantiu ao time o direito de disputar o jogo de volta como mandante e a mim o privilégio de vê-lo conquistar uma taça que permanecia inédita na sua galeria. Depois de um empate por 1 a 1 em Salvador, o Santos se viu dependendo de apenas uma vitória simples para ficar com o título brasileiro, mas era inevitável pensar no confronto de dois anos antes quando o time deixou escapar o título contra aquele mesmo Bahia. A sorte, porém, é amiga dos corajosos e a vantagem de contar com muitos jovens no time é que, como eu já disse, por falta de medo, responsabilidade ou juízo mesmo, eles acabam fazendo coisas que a maioria de nós julga impossível. E a julgar pelos feitos que ele manteve até o final de sua carreira, Pelé seria um menino em espírito para sempre. Foram deles os três primeiros gols que colocaram o Santos em vantagem de 3 a 0 com pouco mais de meia hora de jogo. Para fechar a conta, Coutinho ainda anotou mais dois e Florisvaldo descontou para o Bahia já aos 45 do segundo tempo, sem efeito. Àquela altura já tinha quem não estava mais nem olhando para o jogo de tanto comemorar 116


e quem ainda olhava a cena atrapalhada pelas lágrimas incontidas de saber que era testemunha ocular de um Santos que se tornava campeão brasileiro pela primeira vez. A conquista serviu não só para trazer a nova taça para a Vila como para confirmar o notável saber público de que o Santos era o melhor time do país e mais: confirmar o Santos como representante brasileiro na disputa do torneio mais importante do continente no ano seguinte: a temida e cobiçada Taça Libertadores da América.

Os jornais de todo país estamparam que o Santos era o novo campeão brasileiro.

Para fazer jus ao novo patamar que o time alcançava, era justo que seu estádio não ficasse para trás, certo? E foi assim que, naquele mesmo ano, eu também passei pela minha última grande reforma. Depois de já ter trocado o portão principal em 1960, foi a vez de construir um segundo andar inteirinho de arquibancadas na lateral da rua Dom Pedro I, além de substituir por concreto os últimos 117


lugares de madeira que ainda resistiam atrás do gol de fundo, na rua José de Alencar, e desativar as duas últimas torres de refletores em troca da instalação de luzes na nova marquise, a exemplo do que já tinha sido feito do outro lado do campo em 1955. Ampliada e modernizada, eu estava finalmente preparada para a festa do aniversário de cinquenta anos de história do Santos, mas eu não era a única. Inspirados por tantas novidades, os jogadores também ganharam motivação extra para tornar a temporada de 1962 a mais vitoriosa de um clube na história do futebol. Devo confessar que tenho uma quedinha pela Taça Libertadores da América. Ela surgiu com muito charme no começo da década de 1960 ainda com o nome de Copa dos Campeões da América, mas ficou ainda mais sedutora quando foi rebatizada para Libertadores em homenagem aos principais líderes da independência das nações da América do Sul: José Artigas, Simón Bolívar, José de San Martín, José Bonifácio de Andrada e Silva, D Pedro I, Antonio José de Sucre e Bernardo O’Higgins. Não poderia haver nome mais apropriado para um torneio que de fato libertava os times sul-americanos dos limites continentais; isto porque, tradicionalmente, o campeão da competição se credencia para ser o representante das Américas no campeonato mundial. Era a primeira vez que o Santos participava do torneio e pela frente teria que encarar algumas das melhores equipes do mundo, já que Europa e América do Sul sempre foram celeiros das grandes forças do futebol mundial. O time, porém, já tinha bastante experiência internacional e a própria diretoria soube traçar o planejamento para que os jogadores estivessem preparados para as 118


adversidades. A estreia estava marcada para fevereiro, mas mesmo antes disso a equipe já se mostrava ansiosa pela competição e abriu mão de disputar o Torneio RioSão Paulo daquele ano para se preparar fora do país e evitar um repeteco do “vexame” do Bahia em 1960 (eliminado na primeira fase) e o “quase” do Palmeiras em 1961 (derrotado pelo Peñarol-URU na final). A série de amistosos em diversos lugares do continente deu certo e o Santos soube lidar tanto com a pressão adversária quanto a falta de pressão atmosférica na altitude de 3.637 metros que enfrentou na estreia em La Paz contra o campeão boliviano, Deportivo Municipal: grande vitória por 4 a 3. Na volta, três dias depois, as equipes já estavam no nível do mar de Santos para realizar a partida válida pela segunda rodada e demonstrar como o nível do futebol do time era superior até mesmo ao placar da primeira partida. Resultado: goleada por 6 a 1. Na sequência, enfrentou o Cerro Porteño-PAR e empatou por 1 a 1, o que não deixou o técnico Lula nada feliz. A cobrança foi tão grande que os jogadores ficaram assustados. A resposta precisava ser imediata. E foi. Numa partida memorável e histórica, o Santos aplicou impiedosos 9 gols a 1 nos campeões paraguaios para estabelecer uma das maiores goleadas já registradas até hoje na história da competição. O Santos estava devidamente classificado para a próxima fase. Os duelos a partir de agora seriam eliminatórios, mas só aconteceriam depois da Copa do Mundo, que, coincidentemente, aconteceu no Chile, país do próximo adversário do Santos. Dessa forma, os jogadores santistas convocados para a seleção, entre eles Zito, Pepe e Mauro Ramos de Oliveira, puderam conhecer o país de perto antes do 119


confronto sul-americano. Quanto retornaram ao clube, os três sabiam que a experiência acumulada poderia ser decisiva no duelo, ainda mais considerando que Coutinho e Pelé estavam machucados. E depois que o Universidade Católica abriu o placar no primeiro jogo no Chile e o Santos empatou, a experiência e a liderança de Zito foram fundamentais para suportar a pressão e trazer para o Brasil a vantagem de jogar por uma vitória simples para se tornar finalista. Zito e companhia sabiam que essa Vila cinquentona não lhes decepcionaria. O estilo de jogo brigado que se estabeleceu na partida desde o apito inicial do árbitro até poderia assustar os torcedores mais nervosos nas arquibancadas, dando a entender que os chilenos, adeptos do jogo aguerrido, teriam uma certa vantagem. Mas eu já era uma veterana e os jogadores do Santos sabiam que mais cedo ou mais tarde a qualidade técnica brasileira se estabeleceria. E coube ao mesmo Zito, frio na primeira partida e calculista na segunda, marcar o gol da vitória por 1 a 0 que garantiu a festa por toda a cidade pela primeira final internacional da história do clube. O adversário: o mesmo Peñarol-URU que tinha derrotado o rival Palmeiras no ano anterior. O time uruguaio era mesmo de se botar respeito. Atuais bicampeões sul-americanos e campeões mundiais em 1961, o Peñarol chegava a sua terceira final em três edições: 100% de aproveitamento. Enquanto isso, o Santos participava pela primeira vez e com um time cheio de meninos que mal tinham tirado a carteira de motorista; alguns deles ainda vinham treinar com uma bicicleta, outros pegavam carona com os mais velhos do elenco. O talento de todos, porém, era inegável; restava fazê-lo prevalecer. 120


A primeira partida foi marcada no Uruguai e os meninos santistas se mostraram muito bem preparados ao não se intimidarem com as mais de 55 mil vozes que empurravam o Peñarol num estádio Centenário, em Montevidéu, vestido de amarelo e preto, e fizeram logo 2 a 0, ainda no primeiro tempo. Os uruguaios, porém, eram “casca grossa” ou, como dizem hoje em dia,“sabiam sofrer”, de modo que ainda descontaram o marcador diminuindo a enorme vantagem santista. Em vão, pois os brasileiros voltaram para casa com a vitória por 2 a 1. Quando soube do resultado, vibrei. Aquilo significava que um empate bastava para o Santos se tornar campeão continental. Eu, como sempre, estaria lá dando todo o apoio e o suporte necessários para que a equipe conquistasse mais uma taça inédita, mas havia quem estivesse decidido a impedir o sonho alvinegro de se tornar realidade, mais precisamente, o juiz chileno Carlos Robles. As arquibancadas estavam lotadas naquela noite de quinta-feira, 2 de agosto de 1962. Os torcedores tinham acordado bem cedo tamanha era a expectativa pela partida, para não citar aqueles que nem sequer conseguiram dormir. Também, pudera, o Santos estava muito perto do que seria o maior título de sua história, bem no ano do 50º aniversário. Era a chance de ser o primeiro time brasileiro de conquistar um título internacional. Algo que o próprio Palmeiras havia desperdiçado antes. Mas, além da opção festa, também estava prevista a opção guerra já que o árbitro da partida era o mesmo que tinha desagradado bastante os jogadores santistas no confronto em Montevidéu. Os torcedores sabiam disso e alguns deles se amontoaram na porta de entrada do vestiário da arbitragem para pressionar o chileno que apitaria a partida. Mas quando a bola finalmente 121


rolou, as coisas já não começaram muito bem. Aos 11 minutos de jogo, Coutinho foi agarrado pelo zagueiro Lescano dentro da área e a torcida pediu pênalti. O juiz não deu e ouviu o coro de ladrão das arquibancadas enquanto, nas cabines de imprensa, o comentarista Mário Garcia classificou o lance como “indecoroso. O senhor Robles já começou pessimamente”. Sem dar tempo de reação, ainda na esteira da indignação santista, o atacante uruguaio Spencer tratou de abrir o placar aos 15 minutos do primeiro tempo: 1 a 0, Peñarol. O Santos, porém, já tinha mostrado que tinha mais bola do que os uruguaios e reagiu rápido com gols de Dorval, aos 19, e Mengálvio, aos 36 minutos do primeiro tempo, ambos em chutes fortes que não deram chance de defesa ao goleiro Maidana. No intervalo, o placar marcava resultado favorável ao Santos: 2 a 1. No intervalo, o clima era de alegria e expectativa. Um nervosinho gostoso que reside na entrada do estômago e provoca calafrios ou suadouros a depender do indivíduo em questão. É, porém, uma das sensações mais desejadas do futebol. Afinal de contas, é sinal de que seu time está participando de alguma coisa grandiosa. Como os santistas já sabiam e ainda voltaria a sentir na pele, o pior que pode acontecer para um time não é perder, e sim nem participar. Não era o caso daquela noite. Mas foi só o segundo tempo começar para que a ansiedade se tornasse frustração. Aos 3 minutos da etapa final, um lance vergonhoso. Enquanto Joya se preparava para realizar a cobrança de escanteio, Sacía, o capitão uruguaio, usou do velho recurso de jogar areia nos olhos do goleiro Gilmar, impedindo que o arqueiro bicampeão mundial com a Seleção Brasileira fizesse a defesa na cabeçada de, sempre ele, Spencer. Os jogadores do Santos, sobretudo o goleiro, reclamaram 122


muito e a torcida já começava a perder a paciência. Mas o Sr. Robles não queria nem saber, validou o gol e mandou o jogo recomeçar. Como o placar ainda dava vantagem ao Santos, os jogadores não viram alternativa e resolveram seguir em frente. A maré, no entanto, não estava mesmo para o Peixe e Sacía, o mesmo do punhado de terra, anotou o terceiro do Penãrol logo na sequência, após cometer falta em Calvet sumariamente ignorada pelo árbitro. Aí foi a gota d’água. Quando a torcida já inquieta viu o placar manual ser alterado para 3 a 2, qualquer controle foi perdido diante do assalto que estava em execução em pleno gramado da Vila diante de mais de 20 mil testemunhas. Todo tipo de coisa foi arremessado em campo: cuspe, sapato, chapéu, copo, parafuso, garrafa... Há dúvidas sobre se algo acertou de fato o árbitro, mas a verdade é que o ambiente ficou tão tumultuado que não só o trio de arbitragem se protegeu voltando aos vestiários como a partida ficou paralisada por intermináveis uma hora e 25 minutos. Foram momentos de terror que ainda hoje me assombram. Quando os árbitros finalmente voltaram ao gramado, o clima ainda era hostil, mas o cronômetro indicava apenas 6 minutos do segundo tempo e assim o jogo foi reiniciado. Enquanto o tumulto seguia nas arquibancadas, dentro de campo cada decisão da arbitragem era questionada até que, aos 22 minutos do segundo tempo, Pagão fez o que muitos duvidavam: substituindo Pelé, ele acerta um chute belíssimo de fora da área e empata o jogo: 3 a 3. O resultado dava o título ao Santos, mas os ânimos não se acalmaram. Logo após o gol, uma nova garrafa é arremessada em campo e desta vez não deixa dúvidas: acerta em cheio a cabeça do bandeirinha Domingo Massaro. Enquanto este 123


recebe atendimento médico e Zito jura que a garrafa foi arremessada pela torcida do Penãrol, a partida fica paralisada por mais dez minutos antes de ser reiniciada uma segunda vez. Àquela altura, eu só queria que o jogo terminasse para que todos pudessem comemorar o título e para evitar que algo ainda pior acontecesse. Aos 40 minutos, porém, um novo incidente. O zagueiro santista Mauro Ramos de Oliveira derrubou um atacante uruguaio fora da área e cometeu falta, mas o juiz se equivocou novamente e marcou pênalti. Depois de muitas reclamações, como poucas vezes vi na vida, o juiz resolveu voltar atrás e, na sequência, antes mesmo do tempo regulamentar ser esgotado, encerra a partida. Por um momento, os jogadores ficaram sem entender mais uma marcação do árbitro, mas depois a ficha caiu: fim de jogo, 3 a 3, o Santos era campeão da Libertadores naquela que ficou eternizada como a “Noite das Garrafadas”.

No dia seguinte, a partida foi manchete em todos os jornais. O Estado de São Paulo, 3 de agosto de 1962 124


Capitães do Santos, Zito, e do Peñarol, Sacía, se cumprimentam frente ao árbitro Carlos Robles, no estádio Centenário, em Montevidéu, pela primeira partida da final da Libertadores de 1962.

O Santos, todinho de branco, recebe o Penãrol, na Vila Belmiro para a segunda partida da final da Libertadores de 1962. 125


Jogador do Peñarol carrega garrafa arremessada em bandeirinha, ao fundo.

A comemoração teve tudo que era de direito: jogadores dando volta olímpica, torcida tomando conta das ruas e a imprensa estampando manchetes no continente inteiro contando que o Santos era o campeão da América. Dois dias depois, porém, a divulgação da súmula finalmente veio confirmar os rumores: era tudo mentira. Segundo o relatório enviado à Confederação SulAmericana, o árbitro Carlos Robles tinha encerrado a partida logo após o terceiro gol do Penãrol, alegando falta de garantias de seguranças para prosseguir com o jogo e só retomou o confronto após longa paralisação em caráter amistoso. Com o resultado oficial sendo mantido em 3 a 2, era o fim da festa do inédito título continental invicto do Santos na Vila. Foi o estopim para longos dias de batalhas jurídicas. O Santos simplesmente não aceitava o resultado e a forma 126


como todos foram enganados pelo árbitro. A Confederação, no entanto, não quis saber, não aceitou nenhum dos recursos santistas, confiou na versão do árbitro e marcou uma partida de desempate. Desta vez, porém, o jogo não seria nem em Montevidéu, nem em Santos, mas no estádio Monumental de Núñez, em Buenos Aires, na Argentina. Para não dizer que os protestos santistas foram totalmente inúteis, o Santos acabou conseguindo duas coisas. A primeira foi quanto à exigência de que um árbitro distante de qualquer polêmica fosse escalado para a partida, resultando na contratação do holandês Leo Horn. A segunda, porém, foi mais importante: com a morosidade do processo, o Santos ganhou tempo para que Pelé retornasse de lesão e ficasse à disposição do técnico Lula. Com o time completo pela primeira vez desde a fase de classificação pré-Copa do Mundo, o Santos entrou em campo em 30 de agosto de 1962 com Gilmar, Lima, Mauro, Calvet e Dalmo; Zito e Mengálvio; Dorval, Coutinho, Pelé e Pepe, comandados por Lula, para encarar o Peñarol de Maidena, Lezcano, Cano e González; Gonçálvez e Caetano; Rocha, Matosas, Spencer, Sasía e Joya, comandados por Béla Guttmann. Mas se na segunda partida, os torcedores santistas jogaram tudo que puderam em campo, dessa vez quem jogou tudo que pôde foram os próprios jogadores. O que argentinos viram da arquibancada e todo o resto do continente pela televisão foi um verdadeiro passeio santista. Logo aos 11 minutos, a defesa uruguaia sucumbiu perante a grande pressão exercida pelo Santos, e Coutinho, o artilheiro daquela Libertadores, driblou dois zagueiros, chutou cruzado e viu Caetano tentar salvar, mas acabar mandando a bola para o fundo da rede: 1 a 0. Com a vantagem no placar, o Santos recuou seus pontas Pepe e Durval e usou a 127


experiência para desgastar o adversário enquanto apostava nos contra-ataques puxados por Pelé e o próprio Coutinho. Na primeira etapa, isso foi suficiente para não correr riscos na defesa. Na segunda, isto resultou em mais gols. Aos 3 minutos, Pelé limpou a marcação na entrada da área e bateu forte, sem chance de defesa: 2 a 0. O Santos estava com a mão na taça, mas mesmo com o Peñarol acusando o golpe, sem reação, Pelé foi impetuoso e fez mais um no minuto final da partida: 3 a 0. Resultado incontestável. Vitória maiúscula. Do novo, verdadeiro e legítimo campeão da América.

Agora, sim! O Santos era campeão da América pela primeira vez.

O título comemorado em duas partes foi marcante na história do Santos. A conquista inédita de um time brasileiro na Copa Libertadores, no mesmo ano em que o Brasil se sagrava bicampeão mundial servia para coroar o novo status do futebol brasileiro. Mas se na Seleção Pelé, Pepe, 128


Zito e companhia já tinham chegado no topo do mundo, agora era chegada a hora de conquistá-lo também com a camisa do clube. E a Libertadores, como eu disse, era só o passaporte para chegar lá. Para conquistar o título mundial, o Santos teria que passar também por ninguém menos do que o campeão europeu. Ainda hoje, o velho continente reúne o suprassumo do futebol e naquela época não era tão diferente. Acostumados a praticar esse esporte a mais tempo, os europeus tinham mais experiência e estavam na vanguarda dos esquemas táticos e das estratégias de jogo, mas nunca puderam copiar o talento dos jogadores sul-americanos, sobretudo, dos brasileiros. Assim, a Taça Intercontinental, precursora do atual Mundial de Clubes da FIFA, colocaria o campeão europeu e o campeão sul-americano frente a frente mais uma vez. Era a vez do Benfica, do craque português Eusébio, enfrentar o Santos do gênio Pelé. O primeiro jogo foi marcado para 19 de setembro de 1962, uma quarta-feira à noite. O que não ficava mais do que duas semanas da final continental disputada na Argentina. Mas foi então que recebi um duro golpe. Pensando no maior público, na renda e também nas boas relações com a CBD, o Santos, no entanto, levou o confronto para longe de mim e disputou o jogo no gigantesco estádio do Maracanã, vencendo a partida por 3 a 2, com gols de Pelé aos 31 do primeiro tempo; Coutinho, aos 19 e Pepe, aos 41, do segundo tempo, enquanto Santana marcou duas vezes, aos 14 e aos 42, para descontar. Com o placar apertado e o gol marcado no fim, os portugueses saíram derrotados, mas animados do Maracanã. Confiantes numa vitória simples em Portugal, a diretoria do Benfica anunciou e iniciou a venda de ingressos para 129


a partida de desempate, aquela que seria realizada apenas se o Santos fosse derrotado no segundo jogo. Quando os jogadores brasileiros ficaram sabendo, porém, inflamaram-se os ânimos. Era um absurdo. Uma falta de respeito. A tradução máxima do sentimento de “já ganhou”. E o que os portugueses não sabiam era que não existia nenhuma razão concreta para aquilo como eles imaginavam. Pelo contrário. O que o mundo inteiro viu na noite de 11 de outubro de 1962 foi uma das mais impressionantes atuações de um time e de um jogador na história: era o Santos de Pelé. Quem o viu jogar de perto tantas vezes como eu vi, sabe: Pelé era incrível quando estava num dia normal. Mas quando era provocado, ficava infernal. E naquela noite, Pelé tinha sido desafiado. Nos vídeos ainda hoje reprisados de maneira incansável nas salas do novo Memorial das Conquistas, testemunhas relatam e imagens eternizam uma partida magistral do jogador mais completo que já existiu no auge de sua forma. Taticamente, Pelé entendia o jogo e enxergava os espaços como poucos. Fisicamente, era um atleta privilegiado. Mas tecnicamente, nunca houve e ouso dizer que nunca haverá um ser humano mais preparado e destinado para jogar futebol. Ele começou humilde com um gol de carrinho, aos 17 minutos do primeiro tempo, que demonstrou toda sua determinação em marcar. Dez minutos depois, recebe passe de Zito e fintou o primeiro marcador, deixando-o estatelado no chão, antes de driblar mais dois adversário e arrematar com força para o gol, sem chances de defesa. Na segunda etapa, bastaram 3 minutos para que uma belíssima trama ofensiva resultasse novamente em bola na rede. Lima passou para Pelé, Pelé driblou dois, deu mais um drible da vaca no terceiro e cruzou na medida para Coutinho, sem sair do 130


lugar, completar para o gol. Tudo isso já faria daquela uma das melhores atuações de Pelé em toda a sua carreira, mas o melhor ainda estava por vir. Demonstrando todo seu potencial, Pelé protagonizou uma das jogadas mais marcantes de toda sua carreira. Ele parecia estar em outra velocidade, outra frequência ou sintonia se comparado ao resto dos jogadores. Mesmo seus companheiros de time, que conviviam com ele todos os dias, admitiam que tinham dificuldades para antever o que Pelé iria fazer. Em mais um lance genial, o garoto que parecia uma marionete dos deuses dá mais uma drible da vaca no seu marcador e, não satisfeito, aplica uma caneta desmoralizante no mesmo jogador na sequência. Saindo livre na área para chutar forte com a perna esquerda, ver o goleiro espalmar, e já estar lá, no lugar certo, na hora certa, para pegar o rebote do próprio chute e fazer 4 a 0. A partir daí era como se nada mais tivesse importado. Pepe ainda chegou a marcar o quinto gol num bate-rebate dentro da área entre defensores completamente desnorteados com a simples presença de Pelé. E os portugueses Eusébio e Simões ainda descontaram só para deixar o placar mais bonito e volumoso: 5 a 2. No apito final, Pelé tinha dado o mundo ao Santos. E o Santos tinha dado ao mundo, Pelé. No retorno ao Brasil, não existem palavras para descrever a festa. O Brasil tinha comemorado o título mundial pela Seleção meses antes, mas nunca tinha visto um clube brasileiro ser campeão mundial, e a simples presença de Pelé já era motivo para muita expectativa e festa. A cidade de Santos, então, estava completamente paralisada, contemplativa, pensando: que time é esse que nós acabamos de criar? 131


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O time do Benfica achou que teria chances, mas não viu a cor da bola. O jogo terminou com Pelé e os demais jogadores comemorando o título mundial do Santos.

Para completar a festa e coroar a temporada perfeita, o Santos conquistou mais uma vez o título paulista e Pelé foi artilheiro novamente. Mas interessava ao time também conquistar a título brasileiro, já que era o único que faltava na temporada. O desafio, porém, não seria dos menores. Do outro lado, na grande decisão, o Santos teria que enfrentar o time de um outro gênio do futebol. Se o Santos tinha Pelé, o Botafogo tinha Mané. Mesmo preparada e ansiosa, não tive o privilégio de sediar nenhuma das partidas da decisão e o Santos teve que superar a distância de casa para vencer a primeira partida por 4 a 3 em São Paulo e sair em vantagem na decisão. No jogo de volta, porém, o Botafogo, comandado por 133


Garrincha, fez valer o incentivo de mais de 100 mil pessoas presentes no Maracanã naquele dia para vencer por 3 a 1 e forçar um confronto de desempate. Não dava nem pra lamentar. Assistir àquelas duas equipes em campo era um espetáculo bonito demais, e um terceiro jogo entre elas era uma sorte de retinas privilegiadas, já que “Santos e Botafogo” na década de 1960 era o mais próximo que poderíamos chegar da mais sublime representação da arte no futebol. O título, porém, não poderia ser deixado de lado e só uma equipe poderia conquistá-lo. Sendo assim, melhor que fosse o Santos. O confronto ficou conhecido como “o maior jogo do mundo”, afinal de contas seria disputado novamente no “maior palco do mundo” por uma equipe que tinha acabado de se tornar “a campeã do mundo”. E ninguém melhor para protagonizar os principais lances da partida do que “o melhor jogador do mundo”. Se Pelé tinha sido discreto na competição até então, na final fez valer o ingresso comprado. Com gols de Dorval, aos 25 minutos, e Pepe, aos 40, o time paulista foi para o intervalo vencendo por 2 a 0, o que já era, até então, uma vantagem considerável. Mas nos vestiários Lula deu a ordem para que os jogadores não tirassem o pé do acelerador e na volta para o segundo tempo, o Santos continuou o atropelamento. Coutinho teve tempo de deixar o seu aos 8 minutos antes que Pelé assumisse completamente o controle: com gols dele aos 29 e aos 34 do segundo tempo, o Santos fez 5 a 0 e sagrou-se bicampeão brasileiro. Era o que faltava para que 1962 fosse colocado para sempre na história do clube como o ano inesquecível, a temporada perfeita.

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O “Maior Jogo do Mundo” não foi o ápice da temporada do Santos. Dá pra acreditar?

Do Paulista ao Mundial, o Santos não tinha encontrado um só adversário que fosse capaz de ficar no caminho entre ele e suas conquistas. O Rei do Futebol, chamado assim desde o ano anterior pela imprensa francesa, tinha conquistado, uma a uma, todas as joias de sua coroa e agora, junto aos seus companheiros, transformado a mim, sua casa, o novo, verdadeiro e único Reino do Futebol. Tamanho reconhecimento, porém, só aumentava a expectativa e a responsabilidade do time. Agora, o mundo inteiro estava de olho no espetáculo que o Santos tinha para apresentar. E devo dizer que na década que estava por vir, o que não faltou foi gente disposta a pagar para levar o 135


Santos para realizar suas façanhas pelos quatro cantos do planeta. Como vocês vão perceber em breve, isso chegou a desviar o foco do time, que abriu mão de disputar competições importantes diversas vezes em troca de excursões e arrecadações. Mas em 1963 ainda houve tempo para continuar conquistando títulos; na configuração da mais nova monarquia do futebol, eu era o reino, Pelé era o rei e sempre sobrava para o goleiro adversário ser o bobo da corte. O mundo aos nossos pés

No ano seguinte, tudo começou como havia terminado. Com praticamente a mesma equipe da temporada passada, o Santos teve o benefício, enquanto atual campeão, de entrar direto na semifinal da Taça Libertadores da América e o adversário mais uma vez seria o Botafogo de Garrincha. Com o jogo marcado para o Pacaembu, porém, o Santos saiu perdendo já aos 24 minutos do segundo tempo e viu Pelé empatar apenas no último lance da partida: um resultado ruim que poderia significar a desclassificação precoce da competição em caso de derrota no jogo de volta no Rio de Janeiro. Mas o Santos, caiçara que era, se sentia em casa quando jogava na capital carioca. A brisa que vem do mar, o calor do litoral brasileiro e quiçá até o jeito malandro e despojado que santistas e cariocas compartilham fizeram com que o Maracanã, um primo maior e mais novo, fosse, por vezes, a casa do alvinegro praiano naquela década. Naquele dia, não foi diferente. A mim, restava comemorar o fato de ter sido a primeira, porque era fato consumado de que eu não era mais a sua única casa. E bastou pouco mais de meia hora de jogo para que Pelé fizesse de Mário Filho, Urbano Caldeira e, por consequência, uma extensão de seu reinado. Com gols do rei aos 11, 136


15 e 33 do primeiro tempo, o Santos foi para o intervalo já com uma vantagem enorme. Lima ainda marcou aos 36 da segunda etapa para dar números finais ao placar (4 a 0) e fazer do Santos, novamente, o representante brasileiro na final da Libertadores. O resultado conquistado no Maracanã animou os dirigentes santistas e o presidente Athié Jorge Cury, como sempre um visionário, resolveu levar o primeiro jogo da decisão com mando do Santos para o gigante carioca de novo. Sendo assim, restava a mim apenas fazer parte da preparação da equipe para a grande decisão, dessa vez contra a tradicional equipe argentina do Boca Juniors. A estratégia dos santistas deu certo por pouco. Depois de abrir 3 a 0 no placar, o Santos sofreu dois gols e muita pressão, mas conseguiu garantir a vitória que lhe deva o direito de empatar para conquistar o bicampeonato sul-americano. Para a partida de volta, porém, os argentinos mostraram que também sabiam fazer um verdadeiro caldeirão e o Santos teve que encarar, além dos onze argentinos em campo, mais de 85 mil enlouquecidamente apaixonados nas arquibancadas de La Bombonera. O que dizer então quando Sanfillippo abriu o placar com 1 minuto de jogo e reduziu a vantagem do Santos à nada? Pepe, um dos tantos craques daquele time do Santos, disse: 1×0 gol de Sanfilippo, aquela galera toda, o estádio quase vindo abaixo, campo ruim, adversário forte, adversário que dava pancada, que sabia jogar, tudo contra, só que tinha uma coisa... era o Santos que estava do outro lado. — Luis Macia, o Pepe, ex-jogador do Santos

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Contra tudo e contra todos, o Santos mostrou que o gol não tinha sido resultado da incrível pressão argentina, mas do mero acaso, e a resposta veio tão rápido quanto o chute de Coutinho, aos 5 minutos, que empatou o jogo. O gol que colocou o Santos novamente em vantagem na disputa pelo título, este sim, teve efeito prático no clima do jogo. Os argentinos não podia acreditam que tinha feito de tudo para ter uma chance contra aquela equipe do Santos, mas que agora, de nada adiantava. Reunindo a habilidade e a ousadia dos meninos com a experiência e a liderança dos mais velhos, o Santos passou a dominar o jogo, controlar a partida, até que Pelé marcou de novo aos 37 do segundo tempo, na reta final da partida, para garantir o título novamente ao Santos, novamente na Argentina. Se antes tinha sido no estádio do River Plate, agora fora diante do temido, mas superado Boca Juniors.

Na Argentina, o Santos se recuperou e foi buscar o bicampeonato da Libertadores. 138


A rotina de desafios, conquistas e comemorações, porém, não podia mais parar. Tão festejado quanto o próprio título continental, o que os santistas mais comemoravam era o fato de poderem disputar o título mundial de novo, dessa vez contra o Milan-ITA. E o primeiro jogo seria em pleno Giuseppe Meazza, o famoso San Siro, em Milão, diante de mais de 50 mil espectadores esperançosos depois de ver a equipe italiana superar adversários fortíssimos como o Benfica de Eusébio, o craque português, e o Real Madrid de Di Stéfano, o craque argentino. E a esperança logo virou festa quanto o time italiano conseguiu derrotar o esquadrão santistas mesmo com dois gols de Pelé, por 4 a 2, garantindo uma vantagem imensa para a partida de volta. Do lado de cá, o frio subiu pela espinha quando, não bastasse o resultado adverso, também se confirmou a notícia de que Calvet, Zito e Pelé estariam fora do segundo e mesmo de um eventual terceiro jogo por motivo de contusão. Do lado de lá, os milaneses já davam declarações cheias de confiança antes da partida. Imagine, portanto, o que eles diriam se pudessem ter sido entrevistados logo depois que o Milan abriu uma vantagem de 2 a 0 ainda no primeiro tempo, em pleno Maracanã lotado, com mais de 150 mil pessoas esperançosas de que, de alguma forma, aquele time mágico do Santos seria capaz de encontrar uma forma de derrotar os europeus… No futebol, porém, acontecem coisas que são difíceis de explicar até para mim, uma senhora com cem anos de experiência nesse jogo. Eu tento me convencer de que o Santos encontrou seu caminho por razões lógicas, mas só consigo explicar o que aconteceu de uma forma: minhas preces foram ouvidas. De repente, no mais claro sinal de que Alguém estava lá ouvindo meus pedidos, o tempo virou e o jogo também. 139


No intervalo da partida, o céu de brigadeiro que iluminava o Rio de Janeiro deu lugar a nuvens bastante carregadas que castigaram a cidade maravilhosa e, obviamente, também o gramado do Maracanã, de modo que, no retorno para o segundo tempo, os jogadores do Santos fizeram daquela água toda um atalho para o reencontro com seu verdadeiro futebol. Naquela época, se a distância financeira e, portanto, técnica entre times sul-americanos e europeus não era tão grande, estes ainda tinham uma grande vantagem em relação a nós no que dizia respeito ao preparo físico e à organização tática. No caso do Milan, ainda somava-se a isso uma defesa bastante sólida, tipicamente italiana, que mal dava chances aos adversários. O Santos, porém, tinha uma capacidade enorme de se adaptar e bastou o primeiro sinal de força dentro de campo para que a torcida nas arquibancadas também tivesse a desculpa perfeita para pular, se esquentar e empurrar o time para cima dos adversários. E, curiosamente a fagulha que incendiou o jogo de baixo de tanto água veio justo dos pés de Almir, o encarregado de substituir Pelé, que acertou um belo chute de fora da área que estourou na trave do goleiro Ghezzi ainda no primeiro minuto de jogo. A partir daí, só deu Santos. Os italianos que tinha jogado em piloto automático praticamente todo o confronto até então ficaram assustados com a reação da equipe e começaram a descobrir que aquele esquadrão não dependia apenas da inspiração de Pelé; era, na verdade, o melhor time do mundo, e estava disposto a defender o seu lugar. Com o Santos fazendo pressão, a reação imediata dos italianos foi apelar para as faltas, mas o Santos tinha um canhão chamado Pepe que, em falta que ele mesmo sofreu 140


e cobrou, finalmente vazou a meta adversária e diminuiu o placar para 2 a 1. Não muito tempo depois, Almir aproveitou uma sobra de cruzamento na área para empatar: 2 a 2. Aos 17 minutos do segundo tempo, Lima acertou mais um belo chute de fora da área para colocar o Santos na frente do placar pela primeira vez: 3 a 2. E antes do final da partida, Pepe praticamente repetiu o lance do primeiro gol para dar números finais ao placar: 4 a 2. O Santos estava vivo na disputa pelo título. A terceira e última partida de desempate marcada para dali a dois dias não aconteceu sem antes rolar muitas trocas de farpas. Na realidade, era apenas uma extensão da violência que marcou presença dentro de campo de ambos os lados, com a condescendência do árbitro argentino Juan Brozzi. Neste jogo, porém, ele fez questão de mostrar que não aceitaria uma pancadaria novamente e expulsou um jogador de cada lado ainda no primeiro tempo, de modo que as duas equipes, já bastante tensas pela importância do resultado, ficariam ainda mais temerosas e precavidas. Mas foi justo num erro, um pênalti cometido pela sólida e respeitada defesa italiana, que o Santos abriu o placar e controlou o jogo dali até o final, com uma frieza e dedicação impressionantes, para conquistar o bicampeonato mundial, o primeiro em território nacional. Não foi um jogo bonito, repleto de jogadas plásticas, mas a conquista do Santos sem a ajuda de Pelé serviu para dar mais valor aos demais jogadores do time. Era ótimo poder contar com o Rei do Futebol, mas nem só dele era feita aquela equipe fabulosa. Do goleiro Gylmar ao ponta-direita Pepe. Do capitão Zito, ao menino Coutinho. Do treinador Lula ao reserva Almir. O Santos mostrava ao mundo que tinha bola para estar no topo. E do topo não queria mais 141


sair. O mundo estava novamente aos nossos pés, mas todos se perguntavam se, afinal, havia lugar melhor para se estar do que aos pés daqueles jogadores do Santos. Por 1 a 0, resultante da cobrança, por Dalmo, de uma penalidade máxima cometida por Maldini sobre Almir, aos 30 minutos do primeiro tempo, o Santos venceu o Milan e conquistou o bicampeonato mundial interclubes.’ ‘No momento em que terminou a partida, serpentinas foram lançadas de todos os cantos do estádio, onde os espectadores faziam verdadeiro carnaval, agitando lenços brancos, soltando foguetes e cantando. — O Estado de S. Paulo, São Paulo, 1963

Com o status de melhor time do mundo confirmado e a equipe mantida para a temporada seguinte, era natural que os jogos do Santos passassem a atrair cada vez mais torcedores e curiosos. 1964 tinha tudo para ser mais um ano brilhante na história do clube, mas tantas conquistas fizeram com o que o Santos passasse a “andar com um alvo nas costas”, de maneira que todos os times agora queriam dar um pouco a mais para tentar vencer os bicampeões mundiais. O que, de fato, acabou acontecendo. No primeiro torneio da temporada, o Santos até manteve vivo o sonho de passar mais um ano com grandes conquistas quando viu acabar o Torneio Rio-São Paulo dividindo o título da competição com o Botafogo. Fato que aconteceu por falta de datas disponíveis no calendário para fazer a disputa em melhor de três jogos para desempatar a campanha das equipes como o regulamento previa. Logo depois, porém, a decepção que o Santos há mais de anos não dava aos seus torcedores acabou acontecendo. 142


Na Itália, o Santos conquistava o segundo título mundial de sua história.

Se a equipe nunca tinha sido derrotada na história da Libertadores, a não ser na polêmica“Noite das Garrafadas”, dessa vez o gosto amargo veio logo em dose dupla, nas semifinais da competição, contra o Independiente-ARG. Com placar de 3 a 2, no Maracanã, e 2 a 1, em Avellaneda, 143


o Santos não só se despediu precocemente da competição continental como se viu privado da chance de defender o título mundial e, quem sabe, conquistar o tri. O baque foi tão grande que obrigou time e diretoria a darem um passo atrás. O que, de certa forma, foi bom e ruim para mim. Depois de aproveitar a boa fase para jogar tantas vezes longe de casa em busca de públicos maiores do que conseguia na cidade, o Santos agora voltava para casa em busca do reencontro com os seus melhores resultados. Quando o ano invadiu agosto e as senhorinhas já rasgavam a folhinha do mês oito dos seus calendários de parede, o Santos realizava apenas a terceira partida aqui na Vila. Mas nem mesmo as eliminações e o tempo distante foram capazes de diminuir a procura pelos jogos do time. Porém, a tristeza pelas derrotas e pela eliminação não se comparavam àquela que ainda estava por vir: o momento mais triste, doloroso e vergonhoso de toda a minha história. Era 20 de setembro de 1964 e eu já tinha batido duas vezes o meu próprio recorde de capacidade de torcedores nos jogos dos Santos. Naquele clássico contra o Corinthians, porém, válido pelo Campeonato Paulista, 32.986 torcedores compareceram para ver Pelé e companhia atuando contra seu principal rival e maior vítima. Eles não sabiam, porém, que as vítimas de um episódio bastante infeliz seriam algumas delas mesmas. O clima, como sempre, era de muita festa e expectativa. Os bares e ambulantes espalhados pela região faturavam alto com o grande movimento, e momentos antes da partida começar uma grande confusão começou a se estabelecer em alguns de meus portões, tudo porque muita gente com o ingresso na mão ainda aguardava do lado de fora para entrar. Quem entrava, porém, tinha 144


dificuldades para encontrar um único lugar vazio para se estabelecer, de modo que cada cantinho das minhas arquibancadas estava simplesmente tomado por torcedores que se penduravam e se esticavam em busca de um ângulo que lhes permitisse ver as jogadas de Pelé e companhia. Alguns, é verdade, já se devam por satisfeito de ver metade ou menos do campo, dado que, bem, ainda existem alguns pontos cegos espalhados por aí. Quando o árbitro Armando Marques autorizou o começo da partida, não foram necessários mais do que sete minutos de jogo para que o meu alambrado atrás do gol de fundo na rua José de Alencar cedesse, fazendo com que centenas de pessoas desabassem numa verdadeira avalanche humana. A partida, é claro, foi imediatamente paralisada e todos se voltaram para atender os feridos. O caos e o desespero, porém, tomaram conta das pessoas que achavam que a arquibancada inteira estava desabando. Era possível ver pessoas se jogando do segundo andar, de uma altura de mais de cinco metros, para tentar evitar que desabassem umas sobre as outras. O cenário era aterrorizante. Devastador. De dentro do campo, alguns jogadores tentavam acalmar os torcedores enquanto outros ajudavam as unidades médicas a socorrer os feridos. As ambulâncias eram poucas para fazer o transporte dos pacientes até os hospitais mais próximos e as forças policiais eram quase inúteis diante de tamanho desespero generalizado. Com a partida dada por cancelada, as pessoas começaram a sair do estádio, mas muitos ainda procuravam por notícias de parentes, amigos, pais, filhos, mulheres e idosos perdidos no meio da confusão.

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181 pessoas ficaram feridas, mas nenhuma morreu, no dia que a Vila recebeu seu maior público, mas o alambrado cedeu e a partida precisou ser cancelada.

No final do dia, entre escoriações leves e fraturas graves, 181 pessoas ficaram feridas, mas, felizmente, nenhuma delas faleceu. Diante das cenas de terror que foram vistas dentro de mim, era algo que poderia ser considerado um verdadeiro milagre. Ainda mais considerando que, apenas alguns dias depois, a maioria das vítimas voltou ao estádio para agradecer os socorros prestados pelos jogadores e tentar esquecer um episódio que deixou marcas e mudou a maneira como eu me preparei para cada espetáculo dali em diante, para sempre. Até como tentativa de voltar a dar uma alegria aos seu torcedores depois de tamanho susto, o Santos reuniu forças para terminar conquistando mais um Campeonato Paulista e também mais uma Taça Brasil. Os três títulos 147


conquistados na temporada, porém, não apagaram as chagas da eliminação na Libertadores, e a diretoria decidiu que era hora de fazer algumas mudanças. Nomes importantes como o do lateral Carlos Alberto Torres foram agregados ao elenco, enquanto outros valores saíram do clube. A expectativa era de que o Santos pudesse voltar a conquistar o principal título do continente e lutasse contra os gigantes europeus pelo título mundial, mas os planos santistas foram frustrados pelo fortalecimento de outras equipes e um calendário completamente maluco. Num dia que deveria ser lembrado como um dos mais vergonhosos da história do futebol brasileiro, a completa falta de traquejo político entre a CBD e a Conmebol obrigou que o Santos tivesse duas partidas marcadas para o mesmo dia 31 de março de 1965: uma delas, contra o Peñarol, pela semifinais da Libertadores, na Argentina; e outra contra o Palmeiras, pelo Torneio Rio-São Paulo, no Pacaembu. Dessa maneira, a diretoria, mesmo tendo feito tamanho investimento, foi obrigada a dividir o elenco, mandando os titulares para o país vizinho e os reservas para a capital paulista. Seja pela falta de peças de reposição, seja pela falta de entrosamento, o resultado não poderia ter sido mais desastroso: além de tomar a maior goleada do clássico ao ser derrotado para o Palmeiras por 7 a 1, o Santos também acabou eliminado pelo Peñarol, na prorrogação, quando os jogadores santistas, sem poderem ser substituídos, já não aguentavam mais correr. A revolta e a indignação mudaria para sempre o rumo da história do Santos. Perdida a chance de disputar novamente o título mundial e cansado das picuinhas políticas e da desorganização que atrapalhava o futebol brasileiro, o clube decidiu procurar outras formas de sustentar o elenco cravejado 148


de jogadores preciosos e buscar o reconhecimento pelo espetáculo apresentado. Ao final daquele ano, o Santos seria outra vez campeão paulista e da Taça Brasil, de modo a garantir o direito de disputar a edição seguinte da Taça Libertadores, mas as divergências com a organização do torneio e o fato da equipe emprestar vários jogadores à Seleção para a Copa de 1966 fez com que a diretoria do clube simplesmente se recusasse a participar não só da edição de 1966, como da de 1967 e de 1969, em troca de convites muito mais lucrativos para viajar e se apresentar pelo mundo inteiro. A decisão foi difícil, mas não tão polêmica à época quanto é hoje à luz da história. Se por um lado, a equipe ganhou fama internacional e conseguiu arrecadar muito mais dinheiro para manter os grandes jogadores que tinha, por outro, há quem diga que o Santos perdeu a chance de se tornar um dos maiores vencedores dos títulos continental e mundial. Os argumentos não faltam de ambos os lados, mas uma coisa é certa: se mesmo jogando no Brasil a equipe já passava tempo demais longe de mim, com tantas viagens na agenda, o afastamento entre o time e seu estádio só cresceu. Ninguém negava que eu era a verdadeira casa do Santos, mas naquela época o clube funcionava como um verdadeiro embaixador do futebol brasileiro; Pelé e companhia eram considerados astros internacionais e onde quer que o time ia, multidões iam atrás. Assim, na temporada de 1966 e nas seguintes, o Santos viveu pelo mundo. E eu, completando meus cinquenta anos de vida, me dei conta de que o auge talvez já tivesse passado. Cessar-fogo

Nos anos seguintes, as conquistas do Santos em território nacional sofreriam um baque. Bastante dedicado às 149


viagens ao exterior, o clube fez mudanças importantes em seu time e viu equipes quebrarem sua sequência de títulos: como o Palmeiras no Campeonato Paulista e o Cruzeiro no Brasileiro. Eram novas forças surgindo na esteira do grande sucesso que o futebol brasileiro vivia, em grande parte, graças às contribuições do Santos tanto enquanto time quanto em empréstimos para a Seleção. Mas a medida do sucesso da equipe se daria de outras formas. Com a chegada de Edu e Clodoaldo, o time também viu a despedida de jogadores como Zito, Mauro Ramos de Oliveira e Dorval, além do próprio treinador Lula: até hoje o mais longevo e vitorioso treinador da história do futebol brasileiro. A temporada de 1968 marcou um novo momento do time do Santos. Pelé e Pepe, os meninos de outrora, agora estavam entre os mais experientes e seriam responsáveis por dar a segurança necessária para os novos valores santistas. Enquanto isso, fora de campo, decisões importantes foram tomadas para resgatar parte das glórias que haviam se perdido. Naquele ano, a diretoria resolveu fazer uma mudança no uniforme santista. E a julgar pelos acontecimentos relatados na década de 1940, você pode imaginar o quanto eu era avessa a interferências nas tradições. Aquela, porém, era diferente: o Santos decidiu incluir duas estrelas douradas acima do seu escudo, representando os dois títulos mundiais conquistados em 1962-1963. Um feito exclusivo entre os times brasileiros até então, motivo de muito orgulho entre os santistas e fato que agora estaria tatuado em mim e bordado no uniforme de todos os jogadores. A diretoria, porém, talvez tivesse a ideia de incluir mais uma estrela se tivesse esperado mais alguns meses. Isto porque, depois de voltar a conquistar o Campeonato Paulista e a Taça Brasil, o Santos seguiu abrindo mão de 150


participar da Libertadores, mas se interessou por uma nova competição que estava surgindo: a Recopa dos Campeões Intercontinentais de 1968. A competição, que se propôs a reunir todas as equipes que haviam sido campeãs intercontinentais até então: Santos [2], Peñarol [2], Internazionale de Milão [2], Real Madrid e Racing-ARG, acabou sendo vencida pelo Santos, após vitória contra os italianos na Itália e posterior desistência da partida de volta. A terceira taça intercontinental que veio para a galeria de troféus do clube poderia significar a volta do gosto pelas “competições oficiais”, mas o Santos estava dedicado a feitos maiores que entrariam não só para a história do futebol, como para a história da humanidade. Como eu gosto de dizer, o futebol tem uma capacidade única de nos surpreender. Em algum momento no tempo ele transcendeu o aspecto esportivo e se transformou numa verdadeira arte, um resultado improvável do que o corpo humano consegue fazer com uma esfera inflada de ar. Os jogadores eram, portanto, artistas, e naquela época o Santos reunia, sem dúvida, os melhores artistas do mundo. Não à toa, ver o Santos jogar era um evento aguardado em qualquer lugar do mundo e muitas vezes foi utilizado até como plataforma política por governantes brasileiros e estrangeiros no melhor estilo pão e circo. Se internamente a equipe atravessou um pequeno hiato de conquistas, internacionalmente o Santos tinha se tornado um clube tão respeitado que mesmo hoje, décadas depois, ainda é lembrado como o detentor do maior time da Terra. Outros times podiam ser campeões. Outros times podiam até derrotar o Santos. Mas só o Santos tinha o Rei. Só o Santos arrastava multidões por onde passava. Só o Santos era capaz de parar uma guerra. 151


Durante mais uma das excursões do Santos pelo mundo, dessa vez pela África, o time descobriu que, naquela época, bem como hoje, diversas guerras civis estavam acontecendo no continente como resultado de uma colonização tardia e cruel. Não era diferente na Nigéria e no Congo, dois países pelos quais o Santos pretendia passar e nos quais foi declarada trégua entre os combatentes para que todos pudessem ver o Rei jogar. O primeiro episódio aconteceu quando o Santos, após jogar em 19 de janeiro de 1969, na cidade de Brazzaville, na República do Congo, viu que precisava atravessar o rio Congo para chegar até a cidade de Kinshasa, na República Democrática do Congo, na qual jogaria no dia 21 de janeiro de 1969. Acontece que os dois países de nomes tão parecidos estavam de lados opostos da Guerra Fria e o rio era justamente a trincheira da batalha entre os dois territórios que tinham rompido relação diplomática, comerciais e de transporte. Para proporcionar a segurança da delegação santista, porém, um cessar-fogo foi declarado e permitiu-se, excepcionalmente, que uma barca enviada de um Congo para outro fosse recebida com grande festa pelas pessoas e retornasse em segurança para seu próprio território sem nenhum incidente extraordinário ter sido registrado. Afinal de contas, imagine só a alegria das pessoas que, acostumadas a viver entre tiroteios e bombardeios, agora poderiam ver a atuação do maior time do mundo com seus próprios olhos. É bem verdade que foi só a equipe deixar o país que os conflitos foram retomados, mas o Santos precisava seguir viagem pois tinha outros compromissos e outras missões humanitárias a cumprir. Dessa vez, na Nigéria. 152


Lá, o Santos tinha um amistoso marcado contra a seleção local, mas o jogo realizado em 26 de janeiro de 1969 deu tão certo que o governo local resolveu convidar o time para uma segunda partida no país. Agora, na cidade de Benin. O que o Santos não sabia quando topou era que Benin era uma cidade bastante perigosa, foco dos conflitos entre uma guerrilha armada que defendia a família do rei exilado pela coroa britânica e as forças “oficiais”. Novamente, porém, a vontade de ver o Santos jogar era uma das poucas coisas em comum entre os dois grupos, que foram capazes de declarar uma trégua nas hostilidades pelo menos enquanto a delegação alvinegra estivesse no local. Hoje, imagino que uma situação como essa seria inimaginável. E mesmo naquela época, confesso que tive calafrios e noites de insônia ao imaginar que corri o risco de nunca mais ver meus pupilos e suas façanhas de perto. Mas o Santos precisava aproveitar a sua força e a capacidade que nenhuma outra agremiação esportiva jamais teve na história para levar um pouco de alegria para aqueles que tinham tão poucos motivos para sorrir na vida. Não querer dividir esse privilégio com eles seria não só egoísmo como crueldade. E para dizer a verdade, nunca houve e nunca haverá um momento na história em que as cores do uniforme santista estiveram tão bem representadas, já que como quis seu criador: o preto representava a nobreza e o branco, a paz.

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Na NigĂŠria e no Congo, o Santos de PelĂŠ interrompeu conflitos e reuniu inimigos para assistir uma partida de futebol.

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Só Pelé

Quando o Santos retornou ao Brasil, era apenas o começo da temporada de 1969 que, como você já sabe, acabaria contando com a conquista de um inédito título internacional, além do próprio Campeonato Paulista. Mas foi num jogo do novo Campeonato Brasileiro, agora chamado de Torneio Roberto Gomes Pedrosa, que o Santos viveu outro grande momento de sua história e o responsável por ele só podia ser um: Pelé. Naquela época, o rei já era bicampeão mundial pela Seleção e pelo clube, já tinha conquistado fama no mundo inteiro, quebrado todos os recordes e feito gols de todos os tipos – inclusive aquele que todos disseram que ele não fez. Mas Pelé queria mais e agora perseguia uma marca tão inédita e absurda quanto seu talento: fazer o milésimo gol de sua carreira. Eu vivia esperançosa de que o feito histórico poderia acontecer aqui, mas você já sabe que eu não estava na fase mais afortunada da vida. O Santos jogava pouco aqui. E minhas esperanças diminuíram quando Pelé chegou ao 999º e foi jogar na Bahia. Pela própria média de gols que levaram o rei até essa marca absurda, era difícil de apostar que Pelé passaria em branco. Mas o que ele não contava, nem ninguém no estádio da Fonte Nova, era que após já ter vencido o goleiro, um zagueiro da equipe do Bahia tiraria a bola em cima da linha para ser vaiado por toda a torcida, esperançosa de ser testemunha do feito histórico. Mas não deu. E sobrou para o Vasco. Talvez Pelé nem tivesse se importado. Apesar da expectativa da mídia e da torcida ter virado uma pressão extra, o rei talvez estivesse satisfeito de poder fazer o milésimo no maior palco do mundo: o Maracanã. O jogo já estava empatado em 155


1 a 1, naquele dia 19 de novembro de 1969, e só se falava de como Pelé faria o gol. Era só o rei tocar na bola e o som das arquibancadas mudava, os flashes das câmeras fotográficas disparavam um atrás do outro e todos pensavam “pode ser agora”, “vai ser agora”. Mas não acontecia nada. O jogo era daqueles bem mornos, para ser sincera. Só uma coisa era pior do que a expectativa frustrada por aquele gol que não saía: a atuação do zagueiro vascaíno Renê. Ele já tinha sido responsável pelo gol contra que deu o empate ao Santos, quando Pelé invadiu a área e o zagueiro cometeu pênalti. Era a deixa que todos precisavam para que ninguém perdesse o momento exato do feito. Os vascaínos reclamaram, mas a arbitragem não voltou atrás. O goleiro Andrada chegou a abraçar Pelé de maneira amigável, mas agora os dois eram mais adversários do que nunca: Andrada era o único ser humano capaz de impedir Pelé de alcançar o milésimo e parecia também ser o único que queria isso; tinha medo de ficar marcado para sempre como o goleiro do gol mil.

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De pênalti, no Maracanã, Pelé marcou seu milésimo gol e deu início a uma grande invasão de campo por parte de fotógrafos e repórteres.

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Alguns preciosos e longos segundos se passaram até que tudo estivesse pronto e o árbitro Manoel Amaro de Lima finalmente autorizasse a cobrança. Pelé estava de costas para o gol quando o juiz apitou. Não tinha tomado muita distância, se virou, caminhou para bola, acelerou, freou, chutou: gol. Mil vezes gol. Só Pelé. O gol de Pelé, já no final da temporada de 1969, marca também o encerramento da década mais gloriosa do Santos e do futebol brasileiro. Ao final do ano, outros jogadores da lendária escalação que conquistou dois títulos mundiais, dois títulos da Libertadores, cinco brasileiros, oito paulistas e diversas outras pequenas taças ao redor do mundo resolvem se despedir do clube. Com tantas despedidas, o Santos se viu obrigado a iniciar mais uma reformulação de seu elenco, mas ainda contava com alguns dos melhores jogadores do país. No entanto, o time viveria de lampejos e aquilo seria muito pouco para quem tinha brilhado de maneira tão intensa durante tanto tempo. Com a saída do presidente Athiê Jorge Cury, responsável por manter durante tanto tempo a unidade e o controle das finanças do clube, as excursões altamente rentáveis também foram diminuindo. A preocupação ficava maior quando os torcedores santistas mais atentos começaram a perceber que Pelé estava chegando ao final de seu carreira. Já sem o mesmo vigor de antes e notando a evolução técnica e tática dos adversários, Pelé ainda era capaz de lances geniais, mas desequilibrava cada vez menos as partidas. Quando o Rei finalmente anunciou que não jogaria mais pela Seleção, todos sabiam: o fim estava próximo. Aliás, o último título de sua carreira seria também um título dividido. Depois de um erro na contagem dos pênaltis na partida derradeira entre Santos e Portuguesa, o árbitro 158


declarou o Santos campeão, mas ainda havia a possibilidade da Portuguesa virar o placar. Como não houve condições de voltar atrás, os tribunais decidiram dividir o título paulista de 1973 entre as duas equipes. Na temporada seguinte, o Santos não teve a mesma força e tão logo deixou a disputa do título, Pelé começou a receber diversas homenagens até que, no dia 2 de outubro de 1974, eu tive o privilégio de receber um acontecimento tão triste quanto marcante: o jogo de despedida do Rei do Futebol. Era uma quarta-feira e, portanto, o jogo seria de noite, o que fez com que todas as emissoras de rádio e TV que cobriam futebol passassem o dia inteiro falando dos feitos e recordes de Pelé. Reportagens especiais foram feitas e jornalistas do mundo inteiro estavam presentes no meu gramado aquele dia. A ordem não dita entre todos os jogadores do Santos era tentar passar a bola para Pelé marcar um gol. E isto quase aconteceu quando Pelé, com 1,74 metros de altura, aproveitou sua grande impulsão para vencer o zagueiro Oscar, de 1,86 metros, e desviar o cruzamento de Wilson Campos para o gol. O jovem goleiro Carlos, porém, defendeu a cabeçada sem problemas e frustrou os torcedores. Foi a única chance de Pelé no jogo. Breve jogo. Já que, ainda aos 21 minutos do primeiro tempo, o rei caminhou em direção ao centro do gramado e pediu a bola para o volante Léo Oliveira. Quando recebeu, pegou as bolas com a mão e ajoelhou no centro do gramado. Depois de tantas vezes ser aclamado por seus súditos, agora era o próprio Rei que se ajoelhava para agradecer e se despedir. Pelé foi cumprimentado por alguns, antes de se levantar, tirar a camisa e começar uma volta olímpica pelo meu gramado. Lágrimas escorriam nas arquibancadas. Gritos de 159


“Fica!” eram puxados em vão. O Rei estava partindo. E eu não conseguia me recompor. Depois que Pelé foi para os vestiários e nunca mais voltou, a partida continuou e o Santos até conseguiu vencer por 2 a 0. Mas naquele dia eu estava vacilante. Meus refletores apagaram duas vezes durante o segundo tempo, interrompendo a partida. Os jogadores adversários queriam acabar com o jogo, mas o árbitro Emídio Marques de Mesquita soube entender a situação. Era difícil controlar a emoção. O Reino do Futebol estava órfão. Estava acabado. Era o fim.

Ainda no primeiro tempo, Pelé pediu a bola no meio do campo, se ajoelhou e se despediu do futebol.

A partir dali, os torcedores santistas só tinham mesmo motivos para chorar. Depois da despedida de Pelé, outros jogadores também partiram e esta Vila que vos fala ficou cada vez mais claudicante. É bem verdade que a torcida apoiou. Frequentava o estádio e apoiava o time. Mas o próprio time não se apoiava. Nas temporadas seguintes, o Santos não passou nem perto de conquistar títulos. As excursões ao redor do mundo 160


tambÊm acabaram definitivamente. Muito pouco tinha restado do time glorioso que dominou o mundo, conquistou glórias e se tornou o primeiro a atuar em todos os continentes do globo terrestre. Era preciso juntar os pedaços. Era preciso encontrar um caminho. Mais o Santos fez mais do que isso: encontrou uma receita de sucesso para sempre. A fonte da juventude.

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vila dos meninos O pior lugar para se jogar é lá, porque tem muita pressão. Dizem que o estádio é pequeno, mas o Santos consegue achar espaço e ir com a bola. — Elias, jogador de futebol

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É bem verdade que não há como se preparar para a perda de um jogador como Pelé. Mesmo hoje quando jogadores são formados como se fossem peças numa linha de montagem é possível condicioná-los fisicamente para aguentar intensas maratonas, é possível ensinar-lhes a dominar todos os fundamentos técnicos do jogo, é possível até prepará-los para se adaptar a praticamente qualquer esquema tático, mas é impossível reproduzir o talento, a mágica, a arte de jogar bola que ainda faz do futebol o futebol. Isso nasce com o indivíduo e é restrito a alguns poucos. Sorte e azar daqueles que podem contar com esses raros exemplares da espécie humana, mas que depois de provar a delícia desse fruto tem que aprender a seguir a vida sem ele. No caso do Santos, porém, os dirigentes tinham caprichado na dose de despreparo, de modo que a despedida de Pelé não representou apenas uma perda técnica dentro de campo, mas também um a avalanche de problemas fora dele. Casos de corrupção na diretoria foram revelados. Negócios ruins feitos no passado cobraram seu preço. 165


Salários atrasados passaram a ser recorrentes. E os herdeiros do time do Rei não viram um centavo de herança da fase mais gloriosa de um time no futebol mundial. Como maior exemplar das trapalhadas desse período, o Santos comprou o pomposo, mas deficitário, Hotel Balneário, frente à praia, no glamoroso bairro do Gonzaga, novo centro comercial da cidade, e até chegou a transferir sua sede social aqui da Vila para o empreendimento singular. Mas não demorou muito para que o negócio se mostrasse uma tremenda furada: o clube não conseguiu quitar as parcelas da compra e teve que revender o edifício, perdendo muito dinheiro e aumentando ainda mais a crise pela qual o Santos atravessava.

Num mal negócio, o Santos comprou e revendeu alguns anos depois o luxuoso hotel Parque Balneário, no bairro do Gonzaga. 166


RECORDES DE PÚBLICO NA VILA BELMIRO Público Mandante Placar Visitante

Data

Competição

32.986

20/11/1964

Campeonato Paulista de 1964

Santos

0–0

Corinthians

31.662

Santos

0–5

Palmeiras

15/02/1976

Taça Governador do Estado de São Paulo de 1976

31.172

Santos

0–2

Guarani

18/10/1978

Campeonato Paulista de 1978

Campeonato 15/05/1980 Brasileiro de 1980

31.146

Santos

0–0

DesportivaES

30.779

Santos

0–1

Ponte Preta 02/04/1979

Campeonato Paulista de 1978

29.801

Santos

2–1

Francana

14/04/1979

Campeonato Paulista de 1978

29.746

Santos

0–0

Paulista

07/09/1978

Campeonato Paulista de 1978

28.800

Santos

2–1

Palmeiras

30/07/1961

Campeonato Paulista de 1961

Santos

1–1

Guarani

Campeonato 16/03/1983 Brasileiro de 1983

28.457 Santos

0–0

São Bento

08/10/1978

28.529

Campeonato Paulista de 1978 167


Mais do que tristeza, mais do que decepção, a sensação que os santistas compartilhavam era de um tremendo vazio. Naquele meu gramado, onde antes se via tanta vida, tanta energia e tanto talento, agora restavam fantasmas de um time preso ao passado. Ainda mais depois que, para tentar sanar as dívidas, as gestões que se sucederam tiveram que vender os jogadores mais promissores da equipe, afastando ainda mais o clube de qualquer conquista. Mas poucas coisas unem mais as pessoas do que compartilhar decepções e fracassos. Quando o outro expõe suas fraquezas, parece que algum tipo de instinto de compaixão e empatia se desperta em nós. E é por isso que nesta fase o vazio de meu peito contrastava com arquibancadas nunca antes tão cheias. Depois do episódio de superlotação em 1964, em 15 de fevereiro de 1976, recebi com sucesso 31.662 torcedores, estabelecendo o recorde de público justamente numa partida em que fomos testemunhas de uma das piores goleadas que o Santos sofreu em casa em toda a história: 5 a 0 para o Palmeiras. Um sinal dos tempos. O time que chegou a ter a maior torcida do Brasil no final da década de 1960 em meio ao auge de Pelé e companhia ainda lotava estádios, mas aos poucos perdia forças. A imagem que ficava do Santos agora era a de um menino que economizou durante muito tempo e finalmente conseguiu comprar um milk-shake, mas, tomado pela ansiedade e pela alegria de desfrutar de tal delícia, foi com sede demais ao pote. Agora, restava-lhe o desespero de sugar o ar do copo vazio pelo canudinho, fazendo aquele barulho irritante que ecoa pela lanchonete anunciando que o que é bom dura pouco e que a melhor parte já tinha ficado para trás. 168


A este menino cabia carregar o fardo de sua irresponsabilidade e inexperiência, mas tamanha desilusão também significava um tremendo potencial a ser trabalhado. E foi apostando nesse potencial que o Santos resolveu novamente dar chance aos meninos, que renderiam ao clube um dos poucos motivos para sorrir em meio a anos de apoio incondicional e frustrações. Trabalho de Formiga

Depois de tanto tempo com o presidente Athié Jorge Cury a frente do clube, a disputa política nos bastidores do Santos nunca esteve tão acirrada quanto em meados da década de 1970. Mesmo com a má fase do clube, grupos políticos de visões antagônicas, torcidas organizadas em nascimento e até mesmo ex-jogadores do clube tentavam influenciar os rumos da equipe, sempre com a intenção de vê-la outra vez no caminho das vitórias. Tudo isso, porém, gerava um clima de grande instabilidade que ficou evidente nas eleições presidenciais realizadas no começo de 1978. Quando o empresário Rubens Quintas, candidato da oposição, assumiu o comando do clube após a gestão de Modesto Roma, seu discurso era de mudança. Famoso por seu perfil austero, disciplinador e rígido, Quintas tratou de cortar as regalias de jogadores e funcionários e logo se envolveu em polêmicas com o elenco. Mesmo sendo eleito com votação expressiva e grande apoio dos torcedores, o presidente despertou desconfianças quando resolveu afastar o ex-jogador e então treinador Ramos Delgado, além de alguns atletas do time, por atos de indisciplina, para então contratar um promissor treinador que despertava na Portuguesa Santista chamado Francisco Ferreira de Aguiar, o Chico Formiga. 169


Sem dinheiro para reforços e tendo perdido alguns jogadores de véspera, Formiga encontrou no Santos um cenário de terra arrasada. Em conversa com o então presidente Rubens Quintas e o vice-presidente de futebol, o ex-zagueiro Zito, Formiga chegou à conclusão de que não restaria outra coisa a fazer a não ser promover a entrada dos garotos da categoria de base no time principal. O trabalho seria árduo. Muitos dos garotos não passavam dos 18 anos e haviam chegado a Santos por volta dos 13. Alguns deles, não raramente, moravam desde então, bem aqui, nos alojamentos construídos de baixo das minhas arquibancadas de concreto, que nada ofereciam de conforto. Um ambiente quase fechado, úmido, onde dezenas de garotos passavam todo o tempo em que não estavam treinando ou estudando. Era para lá que iam quando terminavam os treinos, onde conviviam, conversavam, aprontavam das suas e também onde dormiam em quartos com três ou quatro beliches. Isso quando conseguiam... No verão, o calor e a umidade eram tamanhos que alguns deles pegavam seus colchões, traziam para cima das arquibancadas e dormiam ao relento do céu estrelado, torcendo para que um vento pudesse refrescá-los e para que a chuva não lhes pegasse de surpresa. No inverno, porém, não havia muito o que fazer a não ser calçar dois ou três pares de meia e esperar que sobrassem cobertores capazes de protegê-los do frio. Agora, porém, a realidade deles seria outra: não teriam mais que se preocupar com as oscilações climáticas, com o ambiente fechado ou com o espaço reduzido demais para tamanha energia típica da idade. Sua preocupação agora seria desafiar algumas das principais equipes do estado. Formiga, no entanto, sabia que não poderia lançar mão de todos os meninos ao mesmo tempo. Colocar os garotos 170


para jogar de uma vez poderia resultar num desastre que faria com que a equipe perdesse a confiança e nunca mais a recuperasse. Como alternativa, o treinador resolveu dar um passo de cada vez. Primeiro, colocou os meninos para treinar junto com o time principal, a fim de que eles se acostumassem com o ambiente. Percebendo o entrosamento entre eles, passou a trazer alguns deles para os jogos e foi aos poucos dando oportunidades. Começou promovendo a entrada de Juary, Nilton Batata, João Paulo e Rubens Feijão. Depois foi a vez do futuro craque Pita integrar o elenco principal. Ao longo do tempo, a confiança foi aumentando e vieram também Zé Carlos, Toninho Vieira, Cardim, Claudinho e Célio. Eles se juntaram a jogadores mais experientes como Clodoaldo, Aílton Lira, Nelsinho Batista, Neto, Antônio Carlos e Gilberto Sorriso, formando uma equipe interessante, mas ainda despretensiosa. Apesar de sempre presente para apoiar o time, a torcida andava desconfiada. Quando o Campeonato Paulista finalmente começou, já em 20 de agosto de 1978 e prometendo se arrastar até meados do ano seguinte – no que se tornou a edição mais longa da história –, ninguém colocava o Santos entre os candidatos ao título. Nos botecos do centro da cidade, corintianos falavam com orgulho do time comandado pelo Dr. Sócrates, além de Zé Maria, Wladimir e companhia. Nas bancas de jornal, são paulinos se encontravam para compartilhar o entusiasmo com a equipe liderada por Waldir Peres, Serginho e Zé Sérgio. Nas praças e nas praias, também havia quem apostasse nas equipes de Campinas, tanto o Guarani quanto a Ponte Preta, que revelaram grandes jogadores como Careca, Zenon, Renato, Dicá, Lúcio, Carlos, Oscar, entre outros. Ninguém, no entanto, poderia imaginar que o time do Santos tomaria forma tão rápido. 171


Quem via os treinamentos tão de perto como eu, porém, percebia que havia muito talento naquela equipe. Dali até apostar no que estava por vir era uma longa estrada, é verdade, mas os resultados nos jogos começaram a aparecer e chamar a atenção. Na estreia do campeonato, um empate com o então campeão Corinthians surpreende a todos e abre caminho para uma sequência de treze jogos sem perder que anima a torcida. Foram resultados expressivos como os 5 a 0 sobre o Comercial aplicados aqui na Vila e os 3 a 1 contra o São Paulo em pleno Morumbi que credenciaram de antemão a equipe à fase final da competição. Com a vaga já assegurada para a disputa do título, o time passa a jogar o segundo turno ainda mais leve e começa a encantar a torcida para além dos resultados. Os gols passam a ser comemorados com dancinhas ensaiadas entusiasmadamente nos vestiários, nos alojamentos e na concentração da equipe. Os meninos caem na graça da imprensa por sua irreverência e esta, por sua vez, faz manchetes das vitórias do Santos “em ritmo de discoteca”, fazendo do time com o lema ‘canta, dança e joga’ a nova sensação do futebol paulista. Quando em fim chega a última etapa, o entrosamento da linha ofensiva formada por Claudinho, Juary e João Paulo, alimentada pelos passes de Zé Carlos, Toninho Vieira e Pita, e sustentada pela defesa com Nelsinho Batista, Joãozinho, Antônio Carlos e Gilberto Sorriso, além do goleiro Flávio, é tamanho que fica difícil parar o Santos. Contando com os principais artilheiros da competição, o time vê o Corinthians ficar pelo caminho e avança às disputas das semifinais da competição contra o atual campeão brasileiro Guarani, enquanto São Paulo e Palmeiras decidem entre si a outra vaga. Mas se Serginho Chulapa precisou da prorrogação para 172


marcar o gol solitário que deu a vaga ao tricolor paulista no clássico paulistano, o Santos decidiu quem seria o representante do interior na grande decisão com facilidade ao despachar os campeões brasileiros da época por 3 a 1. Restava, agora, a grande final, em melhor de três partidas contra o São Paulo. O problema: todos os jogos seriam realizados no estádio do Morumbi, casa do adversário. Apesar de absurdo, o regulamento era assim. A fim de garantir a presença de um público maior, a Federação não se importava de dar vantagem esportiva a alguma das equipes, sobretudo se tratando de um time da capital. Restava a mim torcer à distância e preparar a festa que seria feita caso o time conquistasse o título, dentro ou fora do alçapão. Aqueles meninos, porém, não faziam cerimônia e já tinham provado que não se intimidavam com a pressão adversária. Na primeira partida da decisão, disputada já em 20 de junho de 1979, o time saiu atrás, mas logo reagiu com gols de Juary e Pita e conquistou a vitória de virada por 2 a 1 diante de mais de 80 mil torcedores, garantindo a vantagem de jogar por mais dois empates para conquistar o título. Quatro dias depois, as duas equipes se reencontravam para a segunda partida e o Santos, um time de meninos, demonstrava uma frieza digna de um time de veteranos que sabia jogar com o resultado a seu favor. As condições ficaram ainda melhores quando Célio abriu o placar no final do primeiro tempo, obrigando o São Paulo a jogar toda a segunda etapa de maneira muito agressiva em busca de, no mínimo, um empate que ainda lhe deixaria vivo no campeonato. O que acabou acontecendo aos 44 minutos do segundo tempo com o gol de Zé Sérgio. A partida derradeira foi então realizada no dia 28 de junho de 1979. Naquele dia, o Morumbi mais uma vez recebeu 173


grande público. Mais de 70 mil torcedores. A vantagem, porém, era toda do time do Santos, já que bastava um empate para garantir o título. Mas ela começou a escapar bem cedo quando Zé Sérgio abriu o placar com menos de 30 minutos de jogo e o São Paulo ainda ampliou no começo do segundo tempo. A derrota levaria o jogo para a prorrogação, na qual o Santos teria novamente a vantagem de jogar pelo empate, já que, nesse caso, o regulamento previa que a melhor campanha do Santos seria o critério de desempate. Restava ao time que tanto encantava pelos gols que marcava e pelo futebol ofensivo que apresentava “fechar a casinha”. Foi exatamente isso que a equipe fez.

Demorou, mas chegou: já em meados de 1979, o Santos conquistava a grande taça do Campeonato Paulista de 1978. 174


Aproveitando-se o fôlego de seu time jovem, o Santos tocou a bola durante toda a prorrogação, cansando o adversário e oferecendo poucas oportunidades. Um gol colocaria tudo a perder. Mas o gol nunca saiu. O que saiu foi o primeiro título da história do Santos pós-Pelé e a consagração da primeira geração oficial dos Meninos da Vila. A festa que começou em pleno estádio do Morumbi, calando a maioria da torcida tricolor, se espalhou pela cidade de São Paulo. Na avenida Paulista, torcedores do Santos se reuniram na expectativa de ver os jogadores passando por lá com a taça de campeão. A verdadeira festa, porém, estava marcada aqui na Vila. Os jogadores desceram a serra e foram recebidos já na entrada de Santos por uma multidão que aguardou eles subirem num caminhão de bombeiros para percorrer o trajeto que traria não só os meninos de volta para casa, mas também a 14ª taça do Campeonato Paulista. Uma taça que transmitia uma mensagem clara: há vida após Pelé. A conquista do título deu fôlego para a gestão de Rubens Quincas. Com o crédito do título paulista de 1978 conquistado já em meados de 1979, o presidente seguiu sem fazer grandes contratações ao mesmo tempo em que pensava em novas fontes de renda. Ele foi um dos idealizadores da loteria esportiva federal, um dos primeiros a defender a venda de espaço de patrocínio nos uniformes do time e até sugeriu à Federação Paulista de Futebol a utilização do horário das 18h para os jogos, já que segundo ele “no verão o pessoal quer ir para a praia de dia e de noite que ir para o cinema”. O jogo nesse intervalo, portanto, faria com que o futebol do Santos não precisasse concorrer com os filmes e as praias da cidade. As medidas adotadas fora de campo, porém, não resultaram em mais êxito no gramado. Mesmo resistindo às 175


propostas e mantendo junto o time jovem e talentoso, o momento mais próximo de uma conquista que o Santos chegou nos anos seguintes foi o vice-campeonato paulista de 1980 quando, numa revanche de 1978, o time perdeu para a poderosa equipe do São Paulo nas finais. Sem novas cartas na manga para colocar as finanças do clube em dia, o presidente teve que se desfazer de alguns jogadores importantes, o que resultou em campanhas angustiantes em 1981 e na derrota nas eleições presidenciais no ano seguinte. E se o novo presidente Milton Teixeira compartilhava a função de empresário com o antecessor, sua gestão seria inteiramente diferente. Dono de um grande complexo educacional na cidade, Milton foi mais do que um presidente para o Santos: foi um mecenas. Colocando dinheiro do próprio bolso no clube e pedindo ajuda financeira a empresários da região e até a ex-jogadores, Milton contratou atletas veteranos de potencial já comprovado em outras agremiações, como Serginho Chulapa, Paulo Isidoro, Toninho Oliveira, Dema e Lino. Devo confessar que era uma época em que as memórias afetivas do passado ainda estavam muito presentes em mim. Cada desembarque de um desses craques nos meus portões, portanto, era como reviver a esperança da chegada de um novo Pepe, um novo Coutinho ou mesmo de um novo Pelé. Tratavam-se, porém, de jogadores bem mais experientes, alguns deles até identificados com outras torcidas. Chulapa, por exemplo, já tinha disputado uma Copa do Mundo e se consolidado como o maior artilheiro da história do São Paulo. O discurso de quem chegava, porém, era de que honraria as cores do Santos. O próprio Serginho foi um dos poucos 176


que fez um discurso mais apaixonado, revelando que era torcedor do Santos desde criança e que, portanto, jogaria com amor à camisa. Ele chegou a prometer que seria artilheiro já no seu primeiro ano pelo clube e levou a torcida à loucura quando cumpriu a promessa em dose dupla marcando 22 vezes pelo Campeonato Paulista de 1983 e outras 22 vezes pelo Campeonato Brasileiro do mesmo ano. Não dava para negar. A equipe tinha subido de patamar e agora estava entre as melhores do Brasil. A torcida sabia disso e, apesar de ter acabado com o vice-campeonato em 1983, lotou os estádios nos jogos do time e estabeleceu a maior média de público entre os paulistas numa edição de Campeonato Brasileiro, com 49.306 pagantes por jogo. Mas se Serginho e companhia garantiam no ataque, ainda faltava um nome de peso para garantir na defesa. Sendo assim, o presidente Milton Teixeira resolveu dar mais uma de suas cartadas e fez uma investida para trazer o goleiro uruguaio Rodolfo Rodriguez para assumir a posição na equipe santista. Sabendo do potencial de seu arqueiro, porém, o NacionalURU dificultou a negociação e pediu alto por ele. Foi então que a diretoria do Santos resolveu recorrer a Pelé. O Rei foi convencido de que o investimento valia a pena e resolveu emprestar algo em torno de 120 mil dólares para que o clube finalmente fosse capaz de trazer o jogador para a Vila. O retorno não demorou muito a aparecer. Mesmo dentro de um clube famoso pelos gols que fazia, Rodolfo Rodriguez foi responsável por marcar a memória dos torcedores santistas com defesas espetaculares em sequência, tendo sido a maior delas ocorrida bem aqui, numa partida válida pelo Campeonato Paulista contra o América de São José do Rio Preto, no dia 14 de julho de 1984. 177


As arquibancadas não estavam lotadas. Eram apenas 8.046 torcedores presentes numa tarde de sábado nublada como manda o roteiro dos momentos épicos. O Santos já vencia por 1 a 0, com gol de Serginho Chulapa, e o América pressionava a defesa santista em busca do gol de empate ainda no primeiro tempo, quando num chute perigoso de fora da área a bola vem quicando no gramado bastante irregular que eu tinha à época em direção ao gol defendido por Rodolfo Rodriguez. Do alto de seus 1,91 metros, Rodolfo se atira no canto e desvia a bola como pode, de modo que ela pega no pé da trave, passa por trás de suas costas e segue viva na pequena área. O centroavante do América, esperto, se joga de carrinho na intenção de entrar com bola e tudo, mas Rodolfo se recupera a tempo de demonstrar coragem ao dividir com as travas da chuteira do adversário e impedir o gol novamente. Desnorteado por algumas frações de segundo, o goleiro se localiza e se recupera mais uma vez a tempo de pular com velocidade para, no ar, desviar o chute à queima-roupa de um terceiro jogador americano dentro da pequena área, fazendo com que a bola por fim se afastasse um pouco do gol. A defesa do Santos, porém, cochila e, como se estivesse assistindo incrédula a sequência de defesas, dá espaço suficiente para que um outro americano domine a bola e ajeite para um quarto chute que vem de trás, de novo no canto esquerdo de Rodolfo, que novamente se joga e faz a defesa, para então ver mais um jogador americano chutar e vê-lo defender pela quinta vez consecutiva, no mesmo lance. Só então a zaga santista consegue se recuperar e cortar para escanteio, dando fim à única sequência de defesas da história a receber uma placa de homenagem, além de ser narrada e premiada também pelo jornalista Léo Batista, da TV Globo: 178


Agilidade, reflexo e sorte são qualidades fundamentais para um grande goleiro e o uruguaio Rodolfo Rodriguez demonstrou ontem, no jogo com o Santos, seu time, quando derrotou o América pelo Campeonato Paulista, que usa e abusa dessas três qualidades. Ágil como um gato, conseguiu desviar a bola atirada contra o seu gol. Ela foi se chocar contra a trave, um lance de sorte para Rodolfo que, caído, mostrou então o seu extraordinário reflexo defendendo por duas vezes consecutivas os chutes à queima-roupa dos atacantes do América. Por essas qualidades que o transformaram num dos maiores goleiros do mundo, Rodolfo Rodriguez foi escolhido o goleiro do Fantástico! — Léo Batista para o programa Fantástico da TV Globo em 15 de julho de 1984

Como o próprio goleiro brinca ao dizer: “sorte de quem estava lá”. Exceção feita, é claro, aos atacantes americanos, que juraram que “Rodolfo era maior do que o gol”, um comentário justo para um uruguaio que, a essa altura, ainda não tinha sido vazado com a camisa do Santos e só sofreria mesmo dezenove gols, dali até o final do campeonato, dando a segurança necessária na retaguarda para que o ataque formidável do Santos brilhasse. Foi o que aconteceu. Numa campanha invicta dentro de casa e com apenas três derrotas no total, o Santos chegou à última rodada precisando de apenas um empate contra o Corinthians para garantir mais um título. Era dia 2 de dezembro, o jogo estava marcado para o estádio do Morumbi, mais de 100 mil pessoas lotaram as arquibancadas na expectativa de ver um grande espetáculo, mas o time do Santos, mesmo contando com o potencial de Serginho Chulapa, 179


àquela época já com quinze gols marcados na competição, agora era outro. Eu explico.

Recém-chegado do Uruguai, o goleiro fez uma sequência de defesas que lhe rendeu uma placa de homenagem.

O ano de 1984 foi diferente para todos nós, torcedores santistas. Não há como negar. Mesmo líder da competição, o placar mais elástico que o Santos tinha aplicado sobre um adversário tinha sido um 3 a 0 em três ocasiões diferentes. Os gols marcados também não eram de impressionar tanto. E o próprio fato do lance mais lendário da campanha 180


ter sido uma sequência de defesas do seu goleiro dava o tom de um time que ganhava, mas nunca encantava. Com uma contagem que já ultrapassava os 8 mil gols marcados na história do clube, repleto de lances geniais protagonizados por diferentes craques santistas, os torcedores agora, se acostumavam também com os “gols feios” extremamente comemorados de Chulapa. Serginho não era autor da frase de Dadá Maravilha, mas costumava se defender dizendo: “não existe gol feio, feio é não fazer gol”.

Serginho Chulapa foi o grande artilheiro e líder daquela equipe campeã paulista de 1984 e sempre comemorava cada um de seus gols enfaticamente.

E foi um desses gols feios marcados por ele, sozinho, dentro da pequena área, após o goleiro corintiano falhar em cortar o cruzamento, o gol do título que fez com que a torcida santista inteira também comemorasse entusiasmadamente o 15º Campeonato Paulista conquistado pelo Santos. Mas os santistas teriam comemorado com ainda 181


mais despudor se soubessem que o que estava por vir a partir dali era o maior período sem conquistas expressivas da história do clube. Meninos da fil a

Todos os títulos merecem o seu lugar na história. E aquele título paulista de 1984, na verdade, pode ter sido o último título estadual realmente importante na história do clube. Mas eu devo lhes confessar que o sentimento de angústia, indignação e tristeza que acompanhou todos os santistas nos dezoito anos sem títulos que se sucederam àquela conquista acabaram contaminando um pouco a minha visão daquele título. Passei anos acreditando que aquela taça que até hoje está guardada no meu memorial tinha alguma espécie de maldição. Em 1985, o Santos foi até o Japão e conquistou a Copa Kirim. Dois anos mais tarde, foi a vez de conquistar a primeira edição do Torneio Cidade de Marseille, na França, e mesmo em 1990, lá estava o Santos novamente do outro lado do mundo para conquistar a Super Copa Americana, na China. Todos títulos, por definição, internacionais, mas que não tinham legitimidade e expressão suficientes para acabar com a chacota dos adversários. Anos difíceis para a torcida. Anos difíceis para mim. Como maior representação física e maior patrimônio do clube, eu transmitia a verdadeira imagem da situação financeira e técnica do Santos: no auge dos meus setenta e poucos anos, eu estava definhando por dentro e por fora. Sem dinheiro para fazer sequer as manutenções mais básicas no seu estádio, o Santos me viu sentir os golpes do tempo. Como quem perdia o brilho no olhar ao ver tantos jogos ruins, meus refletores se recusavam a acender e às 182


vezes chegavam a falhar no meio das partidas. Como quem arrancava os cabelos diante de lances tanto bizarros, meu gramado era arrancado aos tufos e flertava ora com campos de várzea, ora com verdadeiros brejos. E como quem desenvolvia uma alergia às derrotas, brotavam em mim infiltrações, pichações, paredes descascando e até pontos em que minha estrutura fica aparente, carecendo de simples rebocos pelo qual não podíamos pagar. Foi então que o mais novo presidente já eleito da história do Santos, Marcelo Teixeira, filho do ex-presidente Milton Teixeira e herdeiro do complexo educacional criado pelo pai, teve uma ideia que demonstrava todo a sua inexperiência e que, por pouco, não me transformou em motivo de piada maior nas conversas de bar. Sua intenção era boa: ele não podia mais me ver naquele estado vexatório, mas entre a opção mais cara de me azulejar como lhe foi aconselhado e sua própria opção mais barata e prática, tentou defender a ideia de plantar trepadeiras em toda a minha fachada, o que me deixaria inteiramente verde! Veja só, as cores do rival Palmeiras. Uma ideia infeliz do jovem presidente que felizmente nunca prosperou. Mas se os santistas se livravam de uma furada ainda maior fora de campo, dentro dele a situação continuava uma calamidade total. No início dos anos 1990, os gols de Paulinho McLaren e Guga (artilheiros do Campeonato Brasileiro, em 1991 e 93, respectivamente) representavam a alegria máxima que um torcedor santista poderia comemorar. Ainda que ao longo de toda a década o Santos tenha ficado sempre em posições razoáveis no campeonato nacional, passava longe de empolgar e sonhar com o título. Exceção feita a 1995. Com esta velha Vila que vos fala decadente, um time que não disputava títulos há tanto tempo e uma torcida que 183


parecia incapaz de voltar a encher as arquibancadas, havia quem dissesse que o Santos tinha se apequenado e voltado a ser um clube qualquer. Mas, correndo o risco de parecer simplista e repetitiva, foi necessário que mais um presidente assumisse o clube disposto a repetir a receita certa. Investir nos garotos. Samir Jorge Abdul-Hak era conhecido por ser advogado de Pelé quando assumiu o clube e passou oficialmente a defender também os interesses do Santos. Durante sua gestão, o próprio Rei chegou a ocupar um cargo nas categorias de base do clube, em que atuava mais como motivador do que qualquer outra coisa, mas emprestava seu carisma e respaldo ao trabalho da nova diretoria que, por sua vez, aproveitou para investir mais uma vez nas categorias de base e no patrimônio do clube. Foi desse olhar para os meninos que o time comandado por Cabralzinho descobriu novamente uma geração que encantaria o país. Começando pelo goleiro Edinho, filho de Pelé, passando por jovens jogadores como Narciso, Marcelo Passos, Jameli e pelo craque Giovanni, o Santos voltaria a disputar o título nacional e conquistá-lo… moralmente. Isso porque, graças a uma atuação desastrosa por parte do árbitro Márcio Rezende de Freitas e do bandeirinha Evaristo de Souza na grande final, o Santos acabou perdendo o título para o Botafogo no Pacaembu após ter um gol impedido do Botafogo validado e um gol legal do Santos anulado. Foi um balde de água fria para os 30 mil torcedores presentes, para os outros milhões que acompanhavam pela televisão e para os jogadores que depois de terem feito uma campanha brilhante, inclusive revertendo um placar improvável de 4 a 1 para o Fluminense no primeiro jogo das semifinais, tinham visto o título tão aguardado escorregar de suas mãos. 184


Não restaram dúvidas de que o Santos era o legítimo campeão brasileiro.

De repente, o que era para ter sido o sétimo brasileiro do Santos acabou se tornando o segundo do Botafogo. E aquela geração aguerrida de 1995, repleta de jovens talentos e dona de um futebol bonito e envolvente que tinha tudo para ser considerada a segunda geração vitoriosa de Meninos da Vila, acabou ficando pelo caminho e deixando para toda uma geração de jovens torcedores que já há mais de dez anos não sabiam o que era soltar o grito de campeão o estigma de Meninos da Fila.

185


O dolorido revés e a frustração por continuar sem conquistas expressivas, porém, não fez o presidente Samir mudar de ideia. Talvez até por falta de opção, ele decidiu que todo dinheiro que entrasse seria investido na base e na infraestrutura do clube; só assim, sem imediatismo, o Santos teria uma nova chance de voltar a conquistar títulos. Eu não podia ser mais grata por isso. O ano de 1996 representou o meu octogésimo aniversário e a diretoria achou por bem que já era a hora de me garantir uma boa reforma. Foi assim que, na idade em que a maioria das pessoas já tem suas convicções consolidadas, eu acabei me reinventando para voltar a ser uma casa digna da história vitoriosa do Santos. Ainda que isso tenha me custado passar longos meses longe do time. Assim que o Campeonato Paulista daquela temporada terminou, mais uma vez sem conquistas para o Santos, as reformas começaram. Enquanto operários trabalhavam nas arquibancadas atrás do gol de fundo, na rua José de Alencar, que garantiria uma ampliação de 4 mil lugares na minha capacidade e fecharia completamente o anel de arquibancadas do estádio, engenheiros e jardineiros também trabalhavam na instalação da drenagem e da irrigação computadorizada de um gramado novinho em folha. Desse modo, o Santos só voltou a atuar aqui já em março de 1997, quando, em vitória por 2 a 0 sobre o Internacional pela Copa do Brasil, 15 mil pessoas compareceram para ver a nova Vila e o Santos de novo. Ainda que por fora eu ainda precisasse de reparos, por dentro as coisas começavam a voltar ao normal.

186


Em 1996, última parte da arquibancada era construída e Vila adquiria o aspecto que tem até hoje.

É verdade que o placar daquela noite não foi o suficiente para salvar o Santos da eliminação nos pênaltis na partida de volta em Porto Alegre na semana seguinte. Mas ainda que o Santos tenha conquistado o Torneio Rio-São Paulo daquele ano e a Copa Conmebol no ano seguinte, as duas competições já não desfrutavam da mesma relevância de outrora, de modo que foi um outro momento ocorrido aqui na Vila naquele mesmo ano que ficou marcado na minha memória. Santos e Bahia jogavam partida válida pelo Campeonato Brasileiro em 25 de outubro de 1997 numa noite de céu estrelado e muito calor que não prometia nada de muito interessante, tanto que apenas 5.440 pessoas compareceram para testemunhar junto a mim o que estava prestes a acontecer. O jogo se desenrolava normalmente, o Bahia tinha dado um 187


susto e saído na frente, mas o Santos já tinha reequilibrado a partida e pulado na frente do placar quando o árbitro Antonio Pereira da Silva indicou quatro minutos de acréscimo. Ao subir da placa, com o jogo praticamente definido, alguns torcedores nem esperaram a partida terminar e já foram se encaminhando para os portões do estádio na intenção de pegar menos fila nas barraquinhas de comida de rua e nos bares nas redondezas do estádio. Eles, porém, não arredariam o pé de onde estavam se soubessem que o improvável aconteceria. Sabendo que perder por um ou perder por muitos pouco importava, o Bahia se lançava ao ataque em busca do gol de empate quando o Santos recuperou a bola. O meio-campista Arinélson recebeu a bola no círculo central do gramado e chegou a dar uma volta completa no próprio eixo para se livrar da marcação, ficar de frente para o campo de ataque novamente e ver a defesa do Bahia bagunçada enquanto o atacante santista Caio Ribeiro se lançava como uma flecha, pedindo o passe que Arinélson dá de três dedos. A bola, porém, corre demais e o goleiro baiano Willian Andem se antecipa, sai da área e divide com o atacante santista, afastando parcialmente o perigo. Por sorte do Santos, porém, a bola cai no pé do lateral Dutra, que não pensa duas vezes e, sozinho, poucos metros à frente da linha do meio de campo, vê o goleiro fora do gol e resolve arriscar um chute de longe, daqueles em que o jogador “fatia a bola” e faz ela voar, rápida e rasante, na direção do gol. Ela deve ter viajado uns bons quarenta metros no ar. E fez todo mundo olhar para cima, inclusive uns quatro jogadores do Bahia que corriam desesperados para trás. Eles tentavam evitar em vão que ela fizesse o que fez: morrer no 188


fundo do gol principal da Vila, levando todos os espectadores à loucura. Um golaço. O gol chamou a atenção de todos. Inclusive de Pelé. O Rei pediu à diretoria que fizesse uma homenagem ao jogador. Afinal de contas, não é todo dia que se faz um gol desses. E como o pedido do Rei é uma ordem, não tardou muito para que uma placa fosse pendurada em minha parede em alusão à pintura de Dutra. O que ninguém sabia ainda na época é que aquele gol se tornaria ainda mais especial. Afinal de contas, foram tantos que todos já tinham mesmo perdido as contas. Mais de quinze anos se passaram até que numa reunião de historiadores do Santos, uma correção histórica precisou ser feita: o gol de Dutra não era só um gol de placa, era também o gol de número 10 mil da história do clube. Uma marca que nenhum outro clube no mundo tinha alcançado até então.

O Santos se tornou o primeiro time do mundo a alcançar a marca dos 10 mil gols marcados na história. 189


GOLS COMEMORATIVOS MÚLTIPLOS DE 1.000 Gol nº Jogador

Data

Jogo

Local

1.000

11/11/1928

Santos 3 x 2

Estádio Parque Campeonato

Corinthians

São Jorge

Santos 3 x 0

Estádio Campo Amistoso

Ypiranga-BA

da Graça, em

Siriri (2º gol)

2.000

Gradim

30/04/1939

(2º gol)

Competição

Paulista

Salvador

3.000

Odair

16/09/1950

(4º gol)

Santos 4 x 1

Estádio

Campeonato

Nacional

Comendador

Paulista

de Souza, em São Paulo

4.000

Pagão

26/05/1957

(1º gol) 5.000

Pepe

04/12/1960

(3º gol)

Santos 2 x 2

Estádio

Torneio Rio-

Fluminense

Pacaembu

São Paulo

Santos 6 x 1

Estádio Lauro

Campeonato

Taubaté

Joaquim de

Paulista

Moraes, em Taubat

6.000

Toninho

23/02/1965

Guerreiro

Santos 4 x 0

Independente-AR Olímpico de

(1º gol) 7.000

Pitico

Aílton Lira (1º gol)

15/04/1970

Caracas

26/10/1977

Santos 2 x 1 São

Estádio

Taça Cidade

Paulo

Palestra Itália

de São Paulo

Santos 3 x 1 Fast Estádio Vivaldo Campeonato Club

Lima, em Manaus

190

Torneio de

Caracas

(1º gol)

8.000

Estádio

Brasileiro


Gol nº Jogador

Data

Jogo

Local

Competição

9.000

24/05/1987

Santos 4 x 0

Estádio Fonte

Campeonato

Ferroviária

Luminosa, em

Paulista

Osvaldo (3º gol)

Araraquara

10.000 Dutra

25/10/1997

(3º gol) 11.000 Luís

25/09/2005

Alberto

Santos 3 x 1

Estádio Vila

Campeonato

Bahia

Belmiro

Brasileiro

Santos 3 x 4

Estádio Raulino Campeonato

Fluminense

de Oliveira, em Brasileiro

(1º gol) 12.000 Gabriel (4º gol)

Volta Redonda

01/02/2014

Santos 5 x 1

Estádio Vila

Campeonato

Botafogo-SP

Belmiro

Paulist

A placa pendurada na minha parede era mais fácil de corrigir do que uma tatuagem verdadeira, mas ainda levaria tempo para que o erro fosse descoberto. O que já se sabia que estava errado e precisava de correção imediata era o time do Santos. O presidente Samir, porém, fazia o que estava ao seu alcance e foi assim que deu seguimento às melhorias no estádio. Depois de um gramado e de arquibancadas novas, era chegada a hora de trocar também a iluminação. A inauguração se deu logo no começo do ano, antes da partida disputada contra o Palmeiras em 27 de janeiro de 1999, com uma solenidade de quase quinze minutos que contou com a participação de autoridades e torcedores, narrada assim pelo Diário do Grande ABC: Os torcedores do Santos – cada um recebeu um isqueiro na entrada – começaram a chegar bem cedo e quase 191


lotavam a Vila Belmiro às 20h20, quando foi iniciada a cerimônia de inauguração do moderno sistema de iluminação. Miriam Teixeira Oliveira cantou o hino oficial do clube e, em seguida, entraram em campo cerca de setenta jogadores uniformizados das equipes amadoras, formando quase um círculo completo no meio de campo. Ao final do hino, foram chamados ao centro de campo pelo serviço de alto-falante dirigentes do clube e autoridades municipais, dentre os quais o prefeito de Santos, Beto Mansur, recebido com grande vaia pelos torcedores. Eles acendiam e apagavam seus isqueiros com o estádio às escuras, quando foi pedido, pelo mestre de cerimônias, que fosse iniciada a contagem regressiva. E em seguida, o presidente Samir Abdul Hak acionou a chave simbólica do novo sistema de iluminação e os novos refletores começaram a ser acesos. A cerimônia foi encerrada com o descerramento de uma placa comemorativa da inauguração, e que será colocada num ponto de destaque do estádio. A cerimônia durou pouco mais de quinze minutos. Quando todos os refletores estavam acesos, houve uma queima de fogos do lado de fora do estádio, seguida de aplausos dos torcedores. Pelé já se encontrava no estádio da Vila Belmiro, mas não participou da solenidade de inauguração dos novos refletores. — Grande ABC, São Paulo, 27 de janeiro de 1999

Agora sim, eu estava preparada para entrar nu;m novo século. Um em que esperava que o Santos retomasse logo o rumo das conquistas. Um que eu esperava ser tão bom quanto o anterior. Mas que começou tão ruim quanto o anterior terminou.

192


Ano novo, receita velha

10, 9, 8, 7, 6, 5, 4, 3, 2, 1. A contagem regressiva marcou a virada de 1999 para 2000. Ainda que os historiadores insistam em dizer que aquele ano ainda era parte do século XX, para todos era a entrada não só em um novo século, mas em um novo milênio. No Santos, porém, a troca de calendário até trouxe mudanças, mas também trouxe figuras já conhecidas de volta. Depois da sua ideia de plantar trepadeiras na minha fachada, eu tinha criado uma certa aversão a Marcelo Teixeira e quando soube que ele tinha sido eleito novamente para a presidência do clube, fiquei horrorizada. Mais experiente, mas ainda bastante novo, Teixeira assumiu o clube após anos de saneamento financeiro e quitação de dívidas importantes na gestão de Samir. Agora, dizia ele, era hora de investir para trazer o Santos de volta ao rumo dos títulos. O desespero e a pressão já eram tão grandes que Marcelo Teixeira arriscou tudo. O presidente fez investimentos altíssimos para montar um time que muitos chamariam de “apelão”, tamanha a quantidade de craques que foram reunidos: primeiro Rincón, Marcio Santos, Carlos Germano, Dodô e Edmundo, depois Marcelinho Carioca, Viola, Cléber e Pittareli. A exemplo do (último) título em 1984, a intenção era clara: apostar em nomes já consagrados que fossem capazes de fazer o Santos ser campeão de novo. A qualquer custo. O que parecia um time perfeito no papel, porém, não funcionou dentro de campo. E assim o Santos acumulou novas frustrações ao perder o título paulista de 2000 na final contra o São Paulo e o de 2001, num gol no último minuto da semifinal contra o Corinthians, além de campanhas terríveis nas duas edições do Campeonato Brasileiro. Vendo o time se aproximar de duas décadas sem grandes conquistas, a 193


torcida não aguentou. Foram inúmeros episódios de tumulto e protestos até que os torcedores resolvessem tomar uma medida silenciosa e ao mesmo tempo gritante: passaram a pendurar as faixas de cabeça para baixo nas arquibancadas.

Mesmo jogando fora de casa e numa final como a de 2002, as faixas continuavam de cabeça para baixo.

Quando a temporada de 2002 começou e o Santos foi novamente eliminado do Campeonato Paulista, a diretoria, sem dinheiro, já não sabia mais o que fazer. Sem dinheiro para pagar pelos grandes craques de antes e com uma série de jogadores de pouca expressão no time, como Fábio Costa, André Luis, Léo, Renato, Elano, Paulo Almeida e Deivid, o presidente dá como última cartada a contratação do ex-treinador da seleção brasileira Emerson Leão, mas logo avisa: “não há dinheiro para contratações. Você vai ter que se virar com o que tem aí…”. 194


Leão então assume o comando do time com uma missão clara: evitar a todo custo o rebaixamento inédito do clube para a segunda divisão. Todos, de fato, esperavam pelo pior naquele ano. Os críticos novamente decretavam que aquele seria o fim do Santos grande que estávamos acostumados a ver, afinal de contas, a última conquista estava tão longe que as pessoas já nem se lembravam mais. Torcer para o Santos era um ato de pura loucura. Mas os quase dezoito anos que separavam o clube de seu último título era justamente a idade dos garotos que Leão viu jogar nas categorias de base. Ciente dos resultados promissores das equipes de juniores, o técnico do time principal foi procurar talentos que pudessem completar o elenco profissional, afinal de contas, lá era mesmo o único lugar onde ele poderia encontrar um “reforço” para a equipe. Mas Leão encontrou mais do que matéria-prima bruta: encontrou pedras preciosas, como a dupla incansável que atendia pelo nome de Diego e Robinho. Quando Leão avisou que não precisava mais de reforços, apenas de tempo para preparar a equipe, o presidente Marcelo Teixeira ficou desconfiado, mas pouco podia fazer. Tempo, porém, era algo que o time tinha: graças à desclassificação antecipada do Santos no Campeonato Paulista e à pausa no calendário nacional para a Copa do Mundo daquele ano, haveria de três a quatro meses de preparação para tentar salvar aquele time do fracasso iminente que todos apostavam. A única coisa que o novo técnico pediu para a diretoria foi marcar um amistoso contra a poderosa equipe do Corinthians, dias antes da estreia do Campeonato Brasileiro. Seria um teste de fogo para os meninos antes da competição. O time do Corinthians era comandando pelo técnico Carlos Alberto Parreira, repleto de jogadores experientes e 195


considerado um dos melhores do Brasil. Esperava-se, portanto, um verdadeiro massacre corintiano na Vila. Alguns defendiam que o Santos não deveria nem entrar em campo para não passar uma tremenda vergonha. Mas o que se viu foi exatamente o contrário: uma tarde em que a torcida santista gritou olé depois de tanto tempo e viu o time vencer por 3 a 1, com autoridade, sem tomar conhecimento do adversário. Foi a brecha para o começo de uma história emocionante. Quando o Campeonato Brasileiro começou, o Santos foi acumulando resultados inconstantes típicos da imaturidade do time nas mais diversas partidas. Ora ganhava e convencia, ora perdia e abandonava. O mesmo time que ganhava do Corinthians por 4 a 2, com direito a gol de bicicleta, era o que perdia do Internacional por 3 a 0 sem ver a cor da bola. Leão tentava botar ordem na casa, cobrando e orientando os meninos para que se mantivessem na linha e se controlassem dentro de campo. Ainda assim, a equipe só entrou na zona de classificação para a próxima fase na 13ª rodada e mesmo assim brigou para permanecer nela até o último minuto de jogo da última partida. Quando a classificação finalmente foi confirmada, já se sabia que o Santos, dono da pior campanha entre os classificados, enfrentaria o São Paulo, líder da competição. Só isso já foi motivo de tristeza para os torcedores mais pessimistas. Depois de tanto suar para se classificar, o Santos enfrentaria justo o até então melhor time daquela temporada para avançar para as semifinais. Mas foi aí que os garotos mostraram que realmente estavam dispostos a aprontar. Com a vitória por 3 a 1 conquistada no jogo de ida, bem aqui, e os 2 a 1 aplicados em pleno Morumbi, o Santos despachou a equipe de Ricardinho, Kaká, Reinaldo, Luís Fabiano e companhia e se credenciou para enfrentar o Grêmio nas semifinais. 196


Contra a aguerrida equipe gaúcha, o Santos teria agora que superar uma grande defesa caso quisesse voltar a disputar o título. Acontece que, numa ascensão impressionante, o time fez uma partida quase perfeita no jogo de ida disputado aqui na Vila e venceu por 3 a 0, abrindo grande vantagem para o jogo de volta. Sendo assim, mesmo com a derrota em Porto Alegre por 1 a 0, o Santos estava qualificado para Copa Libertadores do ano seguinte e para a grande final do campeonato, que seria disputada justamente contra o Corinthians. Na grande final, porém, as regras seriam outras: dois confrontos marcados para o estádio do Morumbi. Assim como em 1995, apenas duas partidas separavam o Santos do título que lhe tiraria da fila de uma vez por todas. Algo simplesmente inimaginável para uma equipe que tinha entrado no campeonato para não ser rebaixada e que agora estava tão perto de uma conquista tão importante, de novo, depois de tanto tempo. Pesava a favor do Santos o fato de não ter perdido nenhuma das três partidas anteriores contra o Corinthians naquela temporada. Pesava a favor da equipe da capital, porém, o fato de ter um elenco de jogadores muito mais experientes e preparados para momentos de grande pressão como os que uma final de Campeonato Brasileiro entre dois grande rivais locais prometia. Ambas as partidas teriam arquibancadas divididas igualmente entre as torcidas, mas no papel a primeira era de mando de campo do Santos, e os meninos assumiram o controle do jogo e passaram a pressionar a defesa adversária. Contando com uma atuação majestosa do jovem Diego, à época com apenas dezessete anos, mas demonstrando uma confiança de veterano, o Santos abriu o placar aos 15 197


minutos da primeira etapa e ainda teve tempo de ampliar já no finalzinho da partida para garantir uma vitória fundamental, magnífica, imponente e que agora rendia uma vantagem enorme para o último jogo que separava o time do título. Já se sabia que aqueles meninos eram abusados. E deles já não se podia duvidar de mais nada. Completamente anônimos para o mundo do futebol há alguns meses, Robinho e Diego formavam uma dupla alegre, talentosa e ousada. Mas se Diego tinha sido o grande nome da primeira partida, o que dizer sobre o que Robinho aprontou no jogo de volta? O Morumbi lotado de santistas e corintianos que dividiam as arquibancadas ao meio não precisou de muito tempo para ver um dos lances mais geniais e memoráveis da história do futebol brasileiro. Que inveja eu tenho de não ter sido palco daquela partida. Depois de ter provado para todo o país seu imenso talento, Robinho queria mais, e o experiente zagueiro Rogério, do Corinthians, acabou sendo a vítima. Sua especialidade era pegar a bola na lateral esquerda do gramado e partir em arrancada em direção ao gol, carregando ela em diagonal com muita técnica e velocidade. E foi exatamente aquilo o que o garoto de dezoito anos resolveu fazer. Depois de receber passe com liberdade naquela área do campo, Robinho olhou rápido para o gol e viu que entre ele e o goleiro Doni havia um defensor. Foi então que tomou fôlego e velocidade e começou a carregar a bola quando, de repente… 1, ele passa o pé direito sobre a bola sem tocá-la; 2, ele passa o pé esquerdo sobre a bola sem tocá-la; 3, pé direito; 4, pé esquerdo; 5, pedalada; 6, pedalada; 7 ele dá um toque, invade de área e recebe a falta do zagueiro adversário prontamente marcada pelo árbitro da partida, que acompanhava tudo de perto. Sete pedaladas numa final de 198


campeonato com estádio lotado e frente a uma das defesas mais sólidas e impenetráveis do país. Pedaladas que resultaram num pênalti, batido e convertido com toda a segurança pelo garoto, um lance provavelmente sem precedentes na história do futebol. Depois desse lance e com tamanha vantagem no placar, difícil imaginar que os deuses do futebol seriam tão cruéis a ponto de tirar o título do Santos. Ainda houve muito jogo. O Corinthians chegou a virar o placar. O Santos, porém, teve tempo para empatar novamente e passar a frente com um gol do lateral Léo para que, com a bola morta no fundo do gol corintiano, os santistas pudessem soltar o grito guardado por dezoito anos, tempo que esperaram para que Robinho, Diego e companhia nascessem, crescessem, se preparassem e finalmente dessem ao Santos a alegria de ser campeão mais uma vez. A conquista foi fundamental para o Santos e para mim. As faixas voltaram a ser colocadas do jeito certo no seu devido lugar. O Santos estava de novo, do jeito certo, no seu devido lugar. Mas aquela taça estava destinada a um novo lugar criado especialmente por mim para receber a ela e tantas outras conquistas do Santos. O título brasileiro de 2002 era a prova final da tradição santista. A segunda geração campeã dos Meninos da Vila mostrou para os torcedores e para os dirigentes que mais do que o DNA ofensivo, o Santos, clube com o maior número de gols da história do futebol, tem verdadeira vocação para revelar os grandes talentos do vitorioso futebol brasileiro. Em 2003, nem mesmo o vice-campeonato nacional e o traumatizante vice-campeonato da Libertadores impediram o Santos de sair do seu verdadeiro rumo. O próprio presidente Marcelo Teixeira, antes um cético em relação 199


Em 2002, 18 anos após o último grande título, o Santos de Diego e Robinho, abusado, desbancou os favoritos e conquistou o título brasileiro, com direito às eternas pedaladas. 200


às categorias de base, percebeu que era ali que o investimento deveria ser feito. E o fato de inaugurar o Memorial das Conquistas em 17 de novembro daquele ano, um dia após completar quarenta anos do bicampeonato mundial, obrigou todos os santistas a notarem através da história registrada naquelas fotos, vídeos, ingressos, revistas, livros e flâmulas expostas no mais novo museu santista abrigado aqui na Vila que o Santos sempre se encontrou nos momentos em que valorizou seu passado, mas olhou para o futuro e apostou na juventude, no talento e no objetivo máximo do futebol que é marcar gols. E na temporada seguinte foi mesmo necessário marcar muitos gols, muitos deles anulados equivocadamente pela arbitragem numa reta final de competição que o Santos precisou lutar contra tudo e contra todos para alcançar mais uma conquista. Já na segunda edição do Campeonato Brasileiro em formato de pontos corridos com turno e returno, o time novamente treinado por Vanderlei Luxemburgo enfrentou adversários dentro e fora de campo. Perseguido pelo presidente do Superior Tribunal de Justiça Desportiva, Luiz Zveiter, por conta de um fax enviado e publicizado no qual o clube defendia seu afastamento, o Santos começou sendo prejudicado pela arbitragem com uma série de anulações absurdas de gols inteiramente legais. Ao final da competição, foram contabilizados onze gols anulados injustamente, oito deles apenas do atacante Deivid, que mesmo terminando como artilheiro da equipe com 21 ao todo, aprendeu a só comemorar cada bola na rede depois de olhar para o bandeirinha e para o árbitro para confirmar a validação mesmo dos gols mais óbvios. A situação era tão absurda que o próprio técnico 201


Luxemburgo chegou a declarar na época: “Já avisei aos meus jogadores que temos de fazer dois gols para valer um”. Mas se os “erros” de arbitragem não estavam sendo suficientes para prejudicar o Santos, Zveiter resolveu tomar uma ação mais direta. Na reta final do campeonato, quando Santos e Atlético-PR brigavam cabeça a cabeça pelo título, o presidente do STJD resolveu dar uma forcinha ao time paranaense e puniu o Santos com extremo rigor após objetos como copos plásticos e rolos de papel higiênico serem atirados dentro do campo, obrigando a equipe a jogar cinco partidas como mandante a pelo menos 150 quilômetros de mim. Um desgosto. Uma humilhação. Um completo absurdo que me deixou revoltada. Como autoridade máxima do futebol brasileiro, porém, não havia para quem recorrer e o Santos foi obrigado a cumprir a punição. E o fez magistralmente, contando com o apoio da torcida em todos os cantos e acabar vencendo todos os jogos longe de casa. O fato se tornou ainda mais impressionante porque parte desses jogos foi disputado sem seu principal jogador graças a um episódio extra-campo ainda mais delicado: o sequestro da mãe de Robinho que durou incontáveis 41 dias e que obrigou o craque a ficar afastado do time durante seis jogos, retornando apenas na última rodada. Nada disso, porém, foi capaz de parar o Santos. Nem a arbitragem, nem a distância para mim, nem a ausência de Robinho foram problema para que, em 19 de dezembro de 2004, ainda cumprindo a punição da perda dos mandos de campo, o Santos superasse o Vasco por 2 a 1. Nem precisava de tanto. Com o empate do Atlético-PR na mesma rodada, o Santos conquistava seu segundo título brasileiro pós-Pelé, o segundo com Robinho, o oitavo da história do clube. Um 202


final feliz para um time, uma torcida e mesmo para mim, um estádio, que tanto sofreu naquela temporada.

Novamente liderado por Robinho, mesmo sem poder contar com o craque em algumas partidas e tendo que jogar longe de casa, o Santos foi campeão brasileiro em 2004. Bobeou, dançou

Na temporada seguinte ao título de 2004, Robinho e outros jogadores deixaram o clube para realizar o sonho de jogar na Europa por mais exposição e mais dinheiro do que eles eram capazes de ganhar aqui no Brasil. Suas contribuições para a consagração da segunda geração oficial de Meninos da Vila, porém, deixaram o rastro de um fenômeno difícil de explicar. Naquele mesmo ano, passei por uma nova reforma. Marcelo Teixeira, antes o presidente das trepadeiras, finalmente teve a chance de colocar em prática o plano inicial 203


de me revestir com azulejos nas cores do Santos, facilitando a minha manutenção e me dando a cara nova que o time já tinha neste século. Mas há quem jure que ele tenha aproveitado a reforma para também instalar em mim um para-raios de talentos. Eu costumo dizer que esse instrumento sempre esteve lá, mas era inegável que, após o sucesso de mais uma equipe de garotos no Santos, o clube por fim teve sua fama de dar chances aos meninos reconhecida. Uma proposta que a torcida abraçou inteiramente. E era por isso que dezenas, centenas, talvez milhares de jogadores tenham vindo buscar aqui no Santos, na Vila, o lugar que lhes abraçasse e lhes ajudassem a realizar o sonho de virar um jogador de futebol. Naquele ano, porém, com a inauguração do moderno Centro de Treinamento Rei Pelé, o time deixou de treinar todos os dias no meu gramado e, ainda que o CT seja há apenas alguns metros de mim, eu ficava cada vez mais distante do dia a dia do clube. Na década que estava começando, porém, eu veria tantos títulos de perto que nem dava para sentir saudades. Tudo isso porque, apesar de um breve hiato de conquistas nacionais e internacionais, o Santos resolveu correr atrás do saldo de títulos paulistas que seus adversários construíram no começo da história, quando estes eram amplamente beneficiados pela organização e pela arbitragem. Sendo assim, jogando de igual para igual, com times sempre competitivos por diferentes motivos, o Santos cansou seu torcedor de gritar “campeão paulista” em 2006, 2007, 2010, 2011, 2012, 2015 e 2016. Parte deles conquistada aqui na Vila e parte deles já contando com uma nova geração de jovens jogadores, liderados pelo mais novo raio que caiu aqui, mais um menino criado na Vila, um 204


discípulo de Robinho que acabaria superando seu próprio mestre, um garoto chamado Neymar. Apesar da conquista dos títulos paulistas em 2006 e 2007, o ano de 2008 tinha representado o maior risco que a equipe já tinha corrido de ser rebaixada em toda a sua história e, com as chegadas e partidas de vários jogadores do elenco, a expectativa para 2009 não era das melhores. Uma expectativa que foi confirmada aos poucos com a eliminação precoce no Campeonato Paulista e uma campanha ruim no Campeonato Brasileiro, o que resultou na não reeleição do presidente Marcelo Teixeira após uma década no comando do clube. No seu lugar, Luis Álvaro de Oliveira Ribeiro, o Laor, assumiu já contando com alguns jogadores pelos quais ele pretendia começar a montar um novo elenco. Entre eles duas revelações que estrearam naquele ano: Neymar e Paulo Henrique Ganso. Ambos tinham chegado ao clube bem cedo. Um por influência do pai, ex-jogador de futebol. Outro por influência do mentor, o ex-jogador Giovanni, que encontrou o menino na sua terra natal, em Belém, Pará, e resolveu trazer até Santos. Juntos, porém, eles tinham encantando nas categorias de base e já alimentavam os burburinhos de que seriam a nova geração de Meninos da Vila. Agora, eles ganhavam suas primeiras oportunidades no time principal ao lado de outros jovens jogadores como Rafael, Alex Sandro, Danilo, Wesley e André, além de mais experientes como Durval, Edu Dracena, Arouca e Marquinhos, sempre comandados pelo recém-chegado técnico Dorival Júnior. A cereja do bolo, porém, ainda estava para vir. O novo presidente queria que a nova geração de Meninos da Vila tivesse um mentor e aproveitou a má fase de Robinho no Manchester City-ING para conseguir o empréstimo do 205


ídolo mais recente de sua torcida. Laor tirou a sorte grande. O resultado da combinação de duas gerações distintas não poderia ter dado mais certo. O treinador Dorival Júnior, adepto do jogo propositivo, não teve pudor para escalar o time com os melhores atletas que tinha à disposição, ainda que isso resultasse numa equipe irresponsavelmente ofensiva. Com laterais que mais pareciam pontas, dois volantes que tinham bom passe e gostavam de sair para o jogo, meias de habilidade rara e atacantes velozes e inteligentes que se entendiam com um olhar, as estrelas do Santos brilharam intensamente. Os jogos do Santos eram uma loucura e uma diversão sem tamanho. Os placares elásticos de décadas passadas voltaram a ser recorrentes e o Santos registrou algumas das maiores goleadas da história, sobretudo, no Campeonato Paulista e na Copa do Brasil, quando goleou o Naviraiense por incríveis 10 a 0, ainda no dia 10 de março de 2010, numa belíssima noite de verão em Santos. Os passes criativos e o controle de bola genial de Paulo Henrique Ganso impressionavam o Brasil. Para não ficar para trás, a habilidade e a velocidade com que conduzia a bola e aplicava dribles de Neymar aterrorizavam os adversários. Robinho, por sua vez, destacava-se com sua técnica e com suas excelentes finalizações. E os três juntos lideravam o resto do time que, apesar de demonstrar excelência, precisava se esforçar para ficar no mesmo patamar que o jogo praticado pelos três. Mas tudo isso teria sido apenas uma boa lembrança se as goleadas, as jogadas espetaculares e, claro, as dancinhas marcantes de cada comemoração dos muitos gols marcados pelo Santos não resultassem em títulos. O time que encantava o país com sua alegria, ousadia e técnica soube 206


canalizar tudo isso para o caminho das conquistas e assim, nos seis meses em que jogaram juntos, Neymar, Ganso e Robinho deram ao Santos o primeiro de uma sequência de três títulos do Campeonato Paulista e mais o título inédito para o clube da Copa do Brasil, garantindo uma vaga na Taça Libertadores do ano seguinte. Após a Copa do Mundo disputada naquele ano, na qual Neymar e Ganso, apesar de muito jovens, chegaram a ter campanha para participar, Robinho, o único do trio que de fato foi convocado, arranjou espaço na Europa novamente e deixou o Santos mais uma vez. Assim como o técnico Dorival Júnior que, num desentendimento com Neymar, também acabou demitido pela diretoria. Já no ano seguinte, 2011, o Santos caminhava bem no Campeonato Paulista, mas tinha se colocado em situação muito delicada na fase de grupos da Libertadores sob o comando de Adilson Batista, de modo que a diretoria aproveitou a demissão do técnico Muricy Ramalho do Fluminense para trazer o profissional que recentemente havia sido tricampeão brasileiro à frente do grande rival São Paulo. Com sua chegada a Santos, eu vivia grande expectativa. Se a primeira geração de Meninos da Vila tinha sido importante para que o Santos conseguisse conquistar seu primeiro título pós-Pelé, se a segunda tinha sido fundamental para tirar o clube de uma seca de conquistas que durava dezoito anos, esta tinha a chance de, após quase cinquenta anos, voltar a dar o título da Libertadores ao clube que tinha batido na trave em 2003. Mas a campanha estava em perigo e uma derrota na estreia de Muricy poderia significar a eliminação definitiva da competição ainda na fase de grupos. Muricy, no entanto, era um treinador experiente, pragmático e consciente da capacidade daquele time. Se no ano 207


anterior o Santos tinha alcançado os títulos sem contar com muita preocupação defensiva, o treinador sabia que, na Libertadores, um campeonato muito mais difícil, apenas o talento de seus atacantes não seria suficiente; sua grande contribuição, portanto, foi conseguir equilibrar os setores do time para evitar que o Santos tomasse tantos gols quanto antes. Dito e feito. Em poucos dias, Muricy conseguiu resultados importantes que fizeram o time saltar de quase eliminado para classificado para as oitavas de final da Libertadores e bicampeão paulista. Isso mesmo, sem dar chances aos adversários, o Santos conquistava em 15 de maio de 2011, seu 19º título paulista, o segundo da geração de Neymar e Ganso, justamente aqui, na Vila, diante de seu maior rival, o Corinthians.

Em casa, o Santos conquistou seu 19º título paulista em 2011, sob a liderança de uma nova geração de Meninos da Vila. 208


A festa, porém, teve que durar pouco. O objetivo maior da temporada, a conquista da Libertadores, estava em aberto e, aos poucos, a competição ia se afunilando. Nas oitavas de final o Santos despachou o América-MEX com resultados apertados: 1 a 0 no primeiro jogo na Vila e um empate em 0 a 0 fora. Na fase seguinte, foi a vez de encarar o Once Caldas-COL, vencer fora de casa por 1 a 0 e novamente segurar o empate em 1 a 1 no jogo de volta para se tornar o único brasileiro entre as quatro melhores equipes da competição. Nas semifinais, o time saiu na frente do Cerro Porteño-PAR na última partida da campanha que fez aqui na Vila graças à vitória por 1 a 0 e arrancou um empate por 3 a 3 num grande jogo lá no Paraguai para finalmente voltar a disputar a grande final continental. Dessa vez, contra o adversário da sua primeira conquista, já há 48 anos: o Peñarol-URU. Na grande decisão, os santistas temiam pelo pior. Há muitos anos o clube não sabia mais o que era vencer uma Libertadores e a equipe uruguaia, apesar de não ser nenhum primor técnico, era muito mais experiente que o time do Santos. Os meninos criados nessa Vila que vos fala, porém, mostraram mais uma vez sua capacidade e não se intimidaram com a pressão do estádio Centenário, em Montevidéu, para garantir o empate em 0 a 0 no primeiro jogo, ficando a uma vitória por qualquer diferença, aqui no Brasil, para levantar a taça. A partida foi marcada para o estádio do Pacaembu, em São Paulo, já que a organização pedia uma capacidade mínima que eu já não comportava. A distância para a capital paulista, porém, não foi problema para os milhares de torcedores do Santos que criaram um verdadeiro mar branco em plena metrópole e fizeram grande festa antes, durante e… depois da partida. 209


O primeiro tempo foi tenso para ambos os lados. As equipes pareciam se respeitar muito e preferiram não correr riscos atacando e sendo surpreendida. Dessa forma, metade do jogo se passou sem grandes emoções além da tensão e do nervosismo que já dominava as arquibancadas. Mas bastou apenas um minuto do segundo tempo para que as peças extremamente talentosas do Santos encontrassem uma combinação perfeita. Ganso recebeu um passe e não precisou dominar, de letra deu apenas um toque na bola para a Arouca, que passava correndo, conduzir, passar por dois marcadores e rolar de lado para Neymar chegar batendo com precisão, também de primeira, entre o goleiro e a trave, balançando as redes do Pacaembu e fazendo a torcida na arquibancada explodir de alegria. 1 a 0. Atrás no placar, o Peñarol se viu na obrigação de se jogar ao ataque. Algo que tinha evitado durante todo o confronto justamente por reconhecer a qualidade técnica superior da equipe santista. Mas não havia outra alternativa. O Santos, enquanto isso, aguardava, sabendo que a desorganização defensiva da equipe uruguaia ia aparecer quando o time passasse a ocupar o campo de ataque e não mais o campo de defesa. Não deu outra. Aos 23 minutos do segundo tempo, Elano teve liberdade para dominar a bola bem no meio do campo, quando viu Danilo passar pela sua direita pedindo a bola. E recebeu. O jovem lateral santista já dominou tirando da marcação e bateu de pé esquerdo antes do corte do zagueiro uruguaio que chegava na cobertura, acertando um belo chute que entrou no mesmo canto do primeiro gol e provocou o mesmo canto do primeiro gol que vinha nas arquibancadas: ôôô, vamos ser tri, Santooos! Dentro de campo, o lateral Léo chegou a correr até um microfone e gritar na transmissão pela televisão: agora ninguém 210


tira. Nas arquibancadas, não era difícil encontrar pessoas chorando por ver a história acontecendo diante de seus olhos. E até nas tribunas, um emocionado e entusiasmado Rei Pelé vibrava com o gol e com a possibilidade de ver o seu clube ser campeão da Libertadores de novo. Algo que não acontecia desde que ele era o garoto da vez dentro de campo. O Peñarol chegou a diminuir o placar aos 34 do segundo tempo com um gol contra de Durval, que tentava cortar um cruzamento na área mas acabou enganando o goleiro Rafael. Um gol suficiente para dar contornos dramáticos aos minutos finais do jogo e um pouco de esperança aos torcedores uruguaios. Em vão. O Santos era o novo campeão. Foi só o árbitro apitar para que a ficha caísse. Aqui em Santos, a diretoria resolveu transmitir a partida no meu placar eletrônico, de modo que torcedores se reuniram e encheram as arquibancadas para ver o jogo daqui. E todos eles viram quando o Rei pisou no gramado para, em nome da organização do torneio, dar a taça que até então só ele tinha dado ao Santos e que agora tinha o nome do clube gravado pela terceira vez. No céu de Santos, fogos de artifício estouravam colorindo e iluminando as ruas da cidade, tomadas por carros que passavam buzinando, tocando alto o hino do clube e animando as pessoas que sacudiam nas janelas das casas e dos prédios a bandeira do Santos ou piscavam as luzes, compondo o cenário de uma cidade tomada por uma torcida que redescobria o sabor de ser o melhor time do continente e via em Neymar, Ganso, Muricy e companhia o sonho se tornando realidade novamente.

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Pelé foi ao gramado do Pacaembu para comemorar e entregar a taça do título de 2011; Neymar e Ganso trouxeram pra Vila Belmiro. 212


Centenários

No final daquele mesmo ano, o Santos foi ao Japão disputar o que poderia ter sido também o seu terceiro título mundial. Mas nem o talento de Neymar e Ganso, nem a organização tática de Muricy, nem nada foram capazes de evitar a derrota para a poderosa equipe do Barcelona, que revolucionava o futebol mundial com um novo sistema de jogo e contava com o melhor treinador e melhor jogador do mundo à época. Já no ano seguinte, os últimos suspiros da terceira geração de Meninos da Vila foram responsáveis por dar ao Santos o título da Recopa Sul-americana, competição disputada entre os campeões da Libertadores e da Copa Sulamericana, e o consecutivo tricampeonato paulista no ano do centenário do clube, um feito realizado apenas uma vez antes pela geração de Pelé na já distante década de 1960. Como tudo, porém, pouco a pouco aquele time também foi se desfazendo. Ganso entrou em confronto com dirigentes do clube e com a torcida antes de deixar o Santos pelas portas do fundo e se transferir ao rival São Paulo. Poucos meses depois, foi a vez de Neymar, já em 2013, se transferir para o mesmo Barcelona que tinha derrotado o Santos na final do mundial e elogiado seu talento promissor. Deixando para a diretoria do clube a missão de reconstruir o time novamente. O afastamento de Laor por problemas de saúde, no entanto, deixou o clube nas mãos do vice Odílio Rodrigues, que fez uma série de negócios “discutíveis” e torrando a maior parte do dinheiro ganhado com a venda de Neymar, Ganso e companhia. Assim, o novo presidente Modesto Roma Jr. assumiu o comando do clube, já no começo de 2015, logo precisou lidar com meses de salários atrasados e jogadores cancelando seus contratos através da justiça do trabalho. 213


A reconstrução precisava acontecer, mas ninguém esperava que ocorresse tão rápido a ponto do time conseguir se tornar campeão paulista dali a poucos meses. Mas foi assim que o Santos, liderado por jogadores experientes como Ricardo Oliveira, Elano, Renato e por mais uma passagem de Robinho pelo time, além de contar com novos talentos revelados pelo clube como Gabriel, Geuvânio, Alisson e Gustavo Henrique se reergueu. O título serviu de alento para uma temporada em que o Santos chegou a flertar com a zona de rebaixamento no Campeonato Brasileiro, mas conseguiu se recuperar a tempo de brigar por uma vaga na Libertadores e chegar à final da Copa do Brasil. Mesmo com o time obtendo bom desempenho esportivo, as condições financeiras do clube não melhoravam o suficiente, de modo que o Santos entrou no ano de 2016 sem poder fazer grandes investimentos. E 2016 era um ano muito importante. Era o ano do meu centésimo aniversário. Me conforta saber que tive o privilégio de ver o Santos ser campeão paulista novamente aqui tão perto. Ao derrotar o Osasco Audax por 1 a 0 em 8 de maio, com gol de Ricardo Oliveira, eu pude ver de perto mais uma taça ganhar seu lugar na minha memória. O time também se portou bem e brigou pelo título brasileiro até o fim da temporada, acabando na segunda colocação e conquistando uma vaga para a Libertadores do ano seguinte, mas isso foi depois do dia 12 de outubro. O feriado da padroeira do Brasil, o dia das crianças e o meu aniversário cairiam numa quarta-feira, de modo que a partida comemorativa pela data precisou ser realizada alguns dias antes, no sábado. Em alusão também ao primeiro título mundial do clube e como forma de homenagear um grande ídolo recente, o lateral-esquerdo Léo, que jogou nas duas equipes, 214


Com homenagens no gramado, arquibancadas lotadas e muito sol, a Vila completou seus 100 anos em amistoso do Santos contra o Benfica, adversĂĄrio do primeiro tĂ­tulo mundial.

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o Santos convidou a equipe portuguesa do Benfica para ser o meu adversário no amistoso de seu centenário. Com intensa queima de fogos, arquibancadas lotadas e várias homenagens, o dia transcorreu maravilhosamente bem. Com um clima agradável, Benfica e Santos empataram por 1 a 1, garantindo que ninguém saísse triste naquela data especial. Eu, em especial, estava radiante como o sol que iluminava a cidade toda. Dias depois, na data em que de fato eu atingia os meus cem anos, uma programação especial reuniu milhares de crianças para atividades em alusão ao nosso dia. Como uma boa senhora na minha idade, encher o gramado com a juventude das crianças era tudo que eu queria. Afinal de contas, durante todos esses anos, eu sempre fui a casa deles e eles a minha alegria. Naquela noite, porém, quando o sol de pôs, os portões foram fechados e as luzes foram apagadas, eu estava sozinha novamente. E fiquei a relembrar esses cem anos de histórias em que escrevi e que contei as vitórias mais saborosas e as derrotas mais dolorosas. Cem anos em que recebi e que abriguei alguns dos melhores jogadores e absolutamente todos os torcedores. Anos que vivi e que sonhei, que sorri e que chorei, que perdi e que ganhei, mas não deixei de me orgulhar nem por um segundo de ser o campo do Santos, o espantalho, o estádio Urbano Caldeira, o alçapão, o Reino do Futebol, o caldeirão ou simplesmente a Vila mais famosa do mundo.

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referĂŞncias bibliogrĂĄficas

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Notícias e Artigos

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Vídeos

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Livros

CUNHA, Odir. Time dos sonhos: A história completa do Santos FC. 2ª. ed. São Paulo: Verbo Livre, 2015. CUNHA, Odir; UNZELTE, Celso. Santos 100 anos, 100 jogos, 100 ídolos. Gutenberg: Rio de Janeiro, 2012. LIMA, E. Pereira. Páginas ampliadas: O livro-reportagem como extensão do Jornalismo e da Literatura. Campinas: Ed. da Unicamp, 1993. KNOPF, Lucas Faraldo. Impedimento: Machismo, racismo, homofobia e elitização como opressões no futebol. São Paulo: 2016. MANZANO, Fabio Ruivo. Terceiro sinal: Memórias do Theatro São Pedro. São Paulo, 2016. NASCIMENTO, Guilherme. Almanaque do Santos FC: 1912-2012. São Paulo: Magma Cultural, 2016. NORMAN, Mailer. A luta. São Paulo: Companhia de Bolso, 2011. RIZZATTO, Almir; SARTORI, Ted. Histórias da Vila Belmiro: 100 anos de magia do estádio santista. Santos: Realejo, 2016. TOSTÃO. Tempos vividos, sonhados e perdidos: Um olhar sobre o futebol. São Paulo: Companhia das Letras, 2016. 229


Este livro foi composto nas tipologias Gazette e Chalet e impresso em papel pólen soft 70g/m²

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