c a m i n h o s a t a d o s
Mergulhada em terras desconhecidas, lido com a novidade que me parecia inerente ao meu ser. O sangue que me corre nas veias é fruto de longas histórias – de luta e de festa; as já escritas e as que vêm sendo continuadas –, sem fim. E então, permeio em possíveis infâncias não vividas por meu pai.
¹ ZANFORLIN, Sofia. Entre arcaísmos e modernidades imaginadas: Nordeste em cena nos textos da mídia. Fronteiras – estudos midiáticos. v. 10, n. 1, p. 23-28, jan/ abr. 2008.
“O Nordeste é comumente tomado como um lugar único, de uma identidade homogênea, ignorando assim as particularidades culturais existentes entre os nove estados que compõem a região. Resta pouco espaço para outra visão que não seja por meio da miséria, de pessoas de rostos e corpos franzinos cobertos por uma pele tão rachada quanto o solo. No mesmo caminho segue a produção factual sobre a questão, dentre documentários e matérias jornalísticas: o tema da migração e das supostas conseqüências que acarreta, aí incluído o inchaço das cidades do Sudeste, é alternado com matérias cujo enfoque recai sobre o exotismo cultural da região. Salientamos que as imagens de miséria, de descaso, de desterro, de falta de perspectiva e de atraso se repetem descontextualizadas de nenhuma perspectiva histórica, econômica, social ou política.”¹
O que vem a ser o Nordeste brasileiro? Nosso imaginário carregado de estereótipos reducionistas acerca da região reproduz um discurso pautado no atraso e na ignorância. Esta paisagem é percebida nas clássicas obras literárias brasileiras do início do século passado, que, ao mesmo tempo, procuravam valorizar a cultura nordestina e ainda mantinham um discurso inerte no tradicionalismo conservador do “cabra macho”, da seca, da fome e das dificuldades. O historiador Durval Muniz de Albuquerque Jr. em seu livro “A Invenção do Nordeste e outras artes” (1999) elucida a concepção articulada que existe na construção de uma representação caricata desse lugar:
² SOUZA, Kelly Patrícia N. O nordeste através da ficção: análise da representação do nordeste através da personagem Socorro em "Cheias de Charme". 2015. p. 15. Trabalho de Conclusão de Curso (Bacharel em Comunicação Social) - UFPB, João Pessoa, 2015. [Orientador: Prof“. Drª. Glória Rabay]. Disponível em: <http:// www.ccta.ufpb.br/cj/ contents/tcc/o-nordesteatraves-da-ficcao-analiseda-representacao-donordeste-atraves-dapersonagem-socorro-emcheias-de-charme.pdf>. Acesso em: 21 Jun. 2019. (1999, apud SOUZA, 2015, p.15)
“O Nordeste é uma produção imagético-discursiva formada a partir de uma sensibilidade cada vez mais específica, gestada historicamente, em relação a uma dada aréa do país. [...] A região Nordeste, que surge na ‘paisagem imaginária’ do país, no final da primeira década deste século, substituindo a antiga divisão regional do país entre Norte e Sul, foi fundada na saudade e na tradição. [...] O Nordeste não é um fato inerte na natureza. Não está dado desde sempre. Os recortes geográficos, as regiões são fatos humanos, são pedaços de história, magma de enfrentamentos que se cristalizaram, são ilusórios ancoradouros da lava da luta social que um dia veio à tona e escorreu sobre este território. O Nordeste é uma espacialidade fundada históricamente, originada por uma tradição de pensamento, uma imagística e textos que lhe deram realidade e presença. [Concluindo primeiramente que] [...] o Nordeste é uma invenção recente na história brasileira, não podendo ser tomado como objeto de estudo fora desta historicidade, sob pena de se cometer anacronismos e reduzi-lo a um simples recorte geográfico naturalizado.”²
Mas por que ainda consumimos e reproduzimos esse imaginário? A mídia ainda exerce grande influência nisso por meio do cinema, de telenovelas e de campanhas para agências de turismo, por exemplo, e essa reprodução parece ser lucrativa à medida em que o exotismo sociocultural se faz atrativo e envolvente às pessoas. Lidar com esse tipo de imaginário, portanto, é estratégico. O Nordeste, na verdade, está em toda parte desta região, do país, e em lugar nenhum, porque ele é uma cristalização de estereótipos que são subjetivados como característicos do ser nordestino e do Nordeste. Estereótipos que são operativos, positivos, que instituem uma verdade que se impõe de tal forma, que oblitera a multiplicidade das imagens e das falas regionais, em nome de um feixe limitado de imagens e falas clichês, que são repetidas ad nauseum, seja pelos meios de comunicação, pelas artes, seja pelos próprios habitantes de outras áreas do país e da própria região.³
³ SOUSA, João Eudes P.; MARCOLINO, Rafaela Ricardo S. A representação da identidade regional do Nordeste na telenovela. Temática. v. 12, n. 6, p. 98-99, jun. 2016. (ALBUQUERQUE, 2001, p. 307 apud SOUSA; MARCOLINO, 2016, p. 98-99)
Isto posto, construir e propor narrativas que estimulem a discussão desta temática faz-se necessário. E sendo assim, convido leitor a revisitar as fotos desta publicação para que possamos estimular novas interpretações, associações e reflexões do que pode vir a ser, ou não, o Nordeste do país. Ressalto ainda que as fotografias são resultado de um recorte específico da região e consequência do contato com o território, a cultura, o ensino e as pessoas4, por meio do olhar de uma mulher paulista e moradora da capital mineira.
4 Isso foi possível graças ao Programa de Mobilidade Acadêmica, oferecida pelas Universidades Federais, que possibilita ao aluno da graduação a realização de estudos em outras Instituições Federais de Ensino Superior – IFES do país em determinado período de tempo. Neste caso, realizei dois semestres de Mobilidade no curso de Design na Universidade Federal de Pernambuco (Campus Agreste - CAA), na cidade de Caruaru.
As imagens coletadas e apresentadas neste fotolivro foram fruto de um ano de morada na cidade pernambucana de Caruaru entre meados de 2017 e meados de 2018. Neste período, conheci parte de minha família paterna e materna, naturais de Pernambuco e residentes do mesmo estado, que se espalha de sertão até litoral. O encarte presente no miolo desta publicação foi desenvolvido para guiar e fazer referência ao que foi registrado em cada imagem. Ele se configura como peça fundamental na concepção do projeto. Aproveite e explore-o!
Ficha técnica Orientação Clarice Lacerda Fotografia, texto e projeto gráfico Brenda Laura Revisão de texto Lucas Alves Revisão editorial Amanda Piva Ana Letícia Rodrigues Letícia De Martino Lucas Alves
ca m i nh o s a t a d os foi composto na fonte ArnhemFine em corpo 10pt e impresso em papel Pólen Bold 90g/m² com tiragem única na gráfica ÁsterGraf, localizada em Belo Horizonte – MG, em julho de 2019.
Legenda das imagens (por ordem de aparição) Caminhos atados (capa) Detalhe de formação rochosa em Sítio Arqueológico do Vale do Catimbau, Buíque – PE Partindo, entre sombras Castelo Armorial, São José de Belmonte – PE Vários Chicos Rio São Francisco, Piranhas – AL Varal Barra do Silva – PE Vizinho Floresta – PE Mesa Barra do Silva – PE Calçada Povoado de Gigante, Saloá – PE Reforma Capela de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro Juazeiro do Norte – CE Memória gráfica em fachada Fachada de residência, Triunfo – PE Casa, frontal Barra do Silva – PE Acervo Catimbau Ateliê do Mestre José Bezerra, Vale do Catimbau, Buíque – PE Módulo em onda Museu de Padre Cícero, Juazeiro do Norte – CE Módulo em cubo Museu de Padre Cícero, Juazeiro do Norte – CE
Castelo em desencanto Detalhe da fachada de castelo, Pesqueira – PE Sapato Inscrição em parede, Centro Histórico de Olinda – PE A caminho de Caboclinhos 7 Flexas no FIG (Festival de Inverno de Garanhuns), Garanhuns – PE Enérgico Apresentação do bloco Caboclinhos 7 Flexas no FIG, Garanhuns – PE Seu João no São João São João de Caruaru – PE Linear Chapada do Araripe – Pernambuco, Ceará e Piauí. Campinho Ouricuri – PE Dominó Praça central, Triunfo – PE Riacho Cemitério, Floresta – PE Quirino Barra do Silva – PE Estrada Exu – PE Destaque, Escola Estadual Barra do Silva – PE Retorno Praça Coronel Fausto Ferraz, Floresta – PE
B r end a L a u r a B e l o Ho r i zo nt e, 2019