| ESSENCIAL | ESTILO REVOLUÇÃO NA ALFAIATARIA Oswald Boateng conta que sua paixão pelos ternos começou na escola. "Amo uniformes. Eles têm muito valor e simbologia."
O MAGO DO TERNO
F OTO S D I V U L G A Ç Ã O
Ozwald Boateng coloca seu DNA africano e a cultura da Cool Britannia a serviço da renovação da alfaiataria masculina tradicional. E agora vai fazer o mesmo com os uniformes da British Airways. O céu é o limite. Por Juliana Resende
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COXIA No backstage do desfile, últimos arremates e, mais abaixo, moodboard
Para Boateng, “estilo é pertencimento” – identidade com uma época, um grupo e consigo mesmo. No caso do estilista, fica claro que ele se apropria do DNA colorido de seus antepassados da África – continente com o qual mantém um estreito intercâmbio. Em maio deste ano, Ozwald Boateng lançou, em Nova York, sua primeira coleção feminina, com um desfile-manifesto celebrando os 100 anos do renascimento do Harlem, também conhecido como o Novo Movimento Negro. Sua meta (ele prefere “instinto”): “Revolucionar a alfaiataria”. Ele conversou sobre isso com a GQ Brasil, exclusivamente. POR QUE ACHA QUE FOI O ESTILISTA ESCOLHIDO PARA CRIAR OS NOVOS UNIFORMES DA BRITISH AIRWAYS? Tenho bom conhecimento das tradições e, com respeito a elas, também sei modernizálas – é minha especialidade.
OLHOS DE LINCE Look do desfile do Harlem e, à direita, Ozwald Boateng definindo casting
E
sguio e focado, o estilista britânico filho de imigrantes de Gana Ozwald Boateng é uma das faces mais sofisticadas da Cool Britannia – a onda de otimismo, orgulho e renascimento da cultura jovem e pop britânica, resgatada dos anos 60, que oxigenou o Reino Unido e o mundo na década de 90 com o Britpop. Foi quando o estilista que mais parece um modelo usava ternos amarelos e gravatas azuis “walking down Portobello Road” – onde abriu seu primeiro ateliê-loja. A mistura de africanos, caribenhos e latinos dava o caldo que fez de Notting Hill um lugar famoso bem antes do filme com Julia Roberts e Hugh Grant. “Esse mix de culturas me inspirou demais”, admite o designer de 52 anos, conhecido como o homem que tornou a Savile Row – berço londrino da alfaiataria e da quintessência da elegância masculina – novamente sexy para homens jovens que prezam um bom terno, sem ser (e parecer) careta. Um terno que um típico bloke inglês, como o cineasta Guy Ritchie, adora – Boateng assina o figurino do melhor longa dele, Jogos, Trapaças e Dois Canos Fumegantes (1999),
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TENHO BOM CONHECIMENTO DAS TRADIÇÕES E,
COM RESPEITO A ELAS, TAMBÉM SEI MODERNIZÁ-LAS – É MINHA ESPECIALIDADE
entre outros –, mas que também faz a cabeça de nomes como Spike Lee (o roxo usado no Oscar 2019 é by Boateng). “A Savile é britânica. Um homem de terno, feito por um alfaiate, é muito britânico. Se conseguisse subverter a tradição desta rua, conseguiria influenciar essa ‘britanicice’ com o objetivo de modernizá-la”, reconhece. Foi esse olhar diferente, ousado e com um pé na sua ascendência afro, além do corte preciso (que afina a silhueta) que fizeram a fama de Ozwald Boateng entre descolados e conquistaram o respeito dos maiores e mais exigentes alfaiates da Savile Row e do mundo, como Giorgio Armani, muso inspirador de Boateng, que confessou ser um fã do negro gato no documentário Why Style Matters (2009), em que a BBC4 filma o encontro dos dois. O criador conta que a sua paixão pelos ternos começou na escola (no Reino Unido, meninos e meninas usam blazers em sala de aula). “Amo uniformes. Eles têm muito valor e simbologia. Quando era pequeno, era um dos únicos negros na classe. Amava meu terninho”, lembra. Talvez essa devoção explique por que ele ganhou da Burberry a concorrência para criar o novo uniforme da British Airways em 2019, a fim de celebrar o centenário da companhia aérea.
QUAL FOI O OBJETIVO DE SEU DESFILE NO HARLEM, EM NOVA YORK? Quis celebrar a estética black, confiança e força da cultura negra, mesclando as minhas raízes afro com a cultura afro-americana. A ideia foi fazer uma coleção unissex em que os modelos parecessem pessoas reais.
O BAILE TODO Boateng com amigos no desfile do Harlem. Entre eles, Roman Marley, Jamie Foxx, Idris Elba, Dapper Dan e Omari Hardwick
VOCÊ JÁ ESTEVE NO BRASIL, NÃO? Eu amo futebol. Fui ao Brasil para a Copa do Mundo de 2014. Mas viajei de cidade em cidade para ver os jogos e foi rápido demais. Fiquei abismado com a diversidade racial e cultural de vocês. Gostaria de voltar com mais tempo e quero muito ir à Bahia – acredito que deva ser uma parte da África. A África está em toda parte, não é mesmo? Adoraria lançar minha marca no Brasil. Meus ternos e camisas iriam encontrar o ambiente ideal – colorido e tropical. Acho que teríamos clientes fiéis. Mas para isso acontecer precisamos de um bom parceiro comercial. JÁ SE SENTIU INTIMIDADO POR RACISMO? Nos anos 80, não se falava abertamente sobre racismo. Na moda então, era raro. Estava tão acostumado a lidar com o preconceito – cresci presenciando muita tensão e conflitos raciais em Londres. Além de ser negro, também era filho de imigrantes. Mas meus pais sempre me encorajaram. Decidi continuar e nunca deixei que isso me paralisasse.
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