C O I SAS QU E AC O NTEC EM
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Inês Barata Raposo Susa Monteiro
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O SS RE IAN P K EX EN LB 7 GU 2O1
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IO O H ÉM PR QUIN A C AN SE B RD F O N
T Í T U LO O R I G I N A L
Coisas que acontecem © TEXTO
Inês Barata Raposo © I L U ST R AÇÃO
Susa Monteiro © E D I ÇÃO
Bruaá editora R EV I SÃO
Helder Guégués I M P R E S SÃO
Norprint, A Casa do Livro 1 . A E D I ÇÃO
Outubro, 2018 ISBN
978-989-8166-33-3 D E P Ó S I TO L E GA L
447082/18 Todos os direitos reservados. B R UA Á E D I TO R A R. Dr. Santos Rocha, 17 r/c 3080-124 Figueira da Foz bruaa@bruaa.pt | www.bruaa.pt
Inês Barata Raposo Susa Monteiro
C O I SAS QUE AC O NTEC EM
4—1
C O I SA S Q U E AC O N T E C E M
ÍNDICE
CA P Í TULO 1
. O FI M CO M E ÇA AQ U I
4
CA P Í TULO 2
. CA R N E I R I N H O S E O U T R O S A N I MAIS S E LVAG E N S
8
CA P Í TULO 3
. DE I TA , FA Z DE M O RTA
12
CA P Í TULO 4
. N A T E R RA DO S S O N H O S
16
CA P Í TULO 5
. DE S P E RTA - VA LO R E S DE FA M Í L I A
20
CA P Í TULO 6
. CE R E A I S CO M P E PI TAS DE FO R MIGA C R O CAN T E
24
CA P Í TULO 7
. E STA P É R O L A Q U E VO S DE I XO
28
CA P Í TULO 8
. T U DO B E M ?
34
CA P Í TULO 9
. A P R I M A PO B R E DA TO RT U RA
38
CA P Í TULO 10 . P R EVI SÃO DE CH UVA
42
CA P Í TULO 11 . CH A M A M A I STO SA L A DE CO NVÍVIO
46
CA P Í TULO 12 . A P R O F E SS O RA , A A LU N A E O CASAC O D E BOMBAZ IN E
50
CA P Í TULO 13 . M O M E N TO DRA M ÁT I CO AO S O M D E VIOLIN OS
56
CA P Í TULO 14 . A I GRA N DE Z A N GA
60
CA P Í TULO 15 . CO NVE RSAS DE CASA DE BA N HO
64
CA P Í TULO 16 . S U M Á R I O : A R EVO LU ÇÃO H O R M O N AL
68
CA P Í TULO 17 . CO LO R I R , O U N ÃO CO LO R I R
72
CA P Í TULO 18 . CA N T I N A , O U GRAVI TAÇÕ E S N O E S PAÇ O S ID E RAL
76
CA P Í TULO 19 . A Ú LT I M A N ÃO S E DÁ
80
CA P Í TULO 2 0 . S E T E M M E S M O DE S E R
82
CA P Í TULO 2 1 . LO GO PASSA É S Ó U M A FRAS E
86
CA P Í TULO 2 2 . A LGU M AS N OTAS S O B R E A J O
92
CA P Í TULO 2 3 . E STO U ( CÁ ) E M BA I XO
96
CA P Í TULO 24 . L A M E N TO DE S I LU DI R - VO S, M AS N ÃO MU ITO
102
CA P Í TULO 2 5 . S Ó M A I S U M A CO I SA
1 06
2—3
CA P Í T U LO 1
O F IM CO MEÇA AQU I
Esta história começa pelo fim. Não é um fim qualquer, é o fim de uma coisa má. O que só pode ser bom. Só estou a falar convosco porque a Sr.a Como-É-Que-Te-Sentes-Hoje me disse que iam compreender. Não levem a mal, mas não vos vou dizer quem sou. O meu nome, data de nascimento, cidade e essas coisas. Vou usar outras palavras para isso. De certeza que ou vivem ou já foram de uma cidade como a minha: pequena e aborrecida de morte. Onde eu vivo toda a gente se importa com tudo. Chamo-lhe a Cidade Mais Bege. Acredito que a história é mais importante que os nomes das personagens. Não é por acaso que a Princesa, da história da Princesa e da Ervilha, só é chamada Princesa. Tenho a certeza de que no cartão de cidadão da Branca de Neve aparece outro nome, mas ninguém se importa. Não vos interessa saber se nasci num dia quente de verão com a ajuda de uma ventosa; ou que o meu primeiro dente caiu em casa da avó e que fizemos juntas uma armadilha para tentar descobrir se a Fada dos Dentes era verdadeira (não era). Ao pé do que importa, este tipo de informação só vai servir para vos matar de tédio. 4—5
C O I SA S Q U E AC O N T E C E M
Se esses dias fossem assim tão importantes, estavam nos livros da escola. Não me lembro de estudar o que Gandhi fez numa sexta-feira à tarde qualquer quando tinha a minha idade. Tanto pode ter ido pôr umas sandálias a arranjar no sapateiro, como ter sujado a túnica a mudar um pneu de uma bicicleta. A verdade é que só estudamos o que acontece em dois ou três dias da vida das pessoas interessantes. As coisas que importam são mais simples que a nossa biografia – salvo para as mães, que vão sempre jurar que o dia em que nascemos foi o mais importante da história da humanidade, mas isso é diferente. Tudo o que precisam de saber sobre mim também cabe num dia. Um dia que não precisou de ser alegre ou triste para ser marcante. É possível que tenha sido as duas coisas ao mesmo tempo e eu nem dei conta. A vida é muito assim. Aconteceu à beira das férias de verão. Havia um ano que eu e a minha ex-melhor amiga não nos falávamos. Podemos tratá-la por Jo. Esta espécie de livro é um pouco sobre ela. Bem-vindos ao fim da I Grande Zanga.
O F I M C O M E ÇA AQ U I
6—7
C O I SA S Q U E AC O N T E C E M
CA P Í T U LO 2
CARNEIRINHO S E O U T RO S ANIM AIS SELVAGE N S
Entendo o ridículo que é dizer que vou falar sobre o dia mais marcante da minha breve e assombrosa vida e logo de seguida atirar-vos com um capítulo com a palavra «carneirinhos» no título. Três coisas: 1. Os adolescentes divagam. 2. Certas coisas podem começar pelo fim. A palavra «socos», ou
«rir», por exemplo. 3. Não há um terceiro ponto, mas uma lista só com dois pontos não é bem uma lista, pois não? O meu dia (quase tão importante que por pouco não levou letra maiúscula) começou comigo a contar carneirinhos. Ou seja, a primeira coisa que fiz no dia 25 de junho foi mesmo tentar adormecer quando já passava da meia-noite. A culpa de eu ainda não estar a dormir era dos meus pais: estavam a ter um Dia de Tempestade. Estes dias não têm nada que ver com o homem que aponta o Sol e as nuvens num mapa cheio 8—9
C O I SA S Q U E AC O N T E C E M
de píxeis na televisão. Acontecem em qualquer altura, mesmo no verão, e tão de repente como um pacote de leite azeda. Nos Dias de Tempestade, os meus pais ficavam na cozinha a tentar dominar os trovões que vinham do ralo do lava-loiças, relâmpagos do frigorífico, cheias da máquina da loiça, terramotos da máquina da roupa. Era o caos. Nem eu nem a mana nos atrevíamos a sair do quarto enquanto não acabasse o temporal. O pai e a mãe tinham de gritar com os eletrodomésticos para os acalmar. Às vezes atiravam um prato para o chão só para assustar o micro-ondas. Era tão duro que a mãe chorava de cansaço no final e o pai tinha de sair para apanhar ar fresco. Foram as máquinas no trabalho da mãe que começaram esta revolução. Ganharam-lhe no braço de ferro e ficaram com o lugar dela na fábrica. Ajudou muito que os robôs não precisassem de férias ou consultas médicas. Sem emprego, a mãe começou a passar os dias metida num fato de treino a cirandar pela cozinha, com manchas de pasta de dentes no casaco e o mesmo par de meias vários dias seguidos. Suponho que os eletrodomésticos se fartaram de a ter sempre por perto. Os Dias de Tempestade começaram pouco depois. Agora imaginem-me a tentar adormecer enquanto os meus pais domesticavam aquela parafernália toda na cozinha. Não estava fácil. Tinha lido num blogue que, quando não temos sono, o melhor é sairmos do quente dos lençóis e deitarmo-nos no chão. A ideia é que o nosso corpo fique tão gelado que só pense em voltar para a cama e nos deixe dormir em paz. A noite estava amena, o truque não parecia funcionar.
C A R N E I R I N H O S E O U T R O S A N I M A I S S E LVA G E N S
Estava eu deitada em cima do tapete à espera quando vi uma meia embrulhada em cotão debaixo da cama. Já não via aquela meia desde o Natal, era urgente salvá-la. Assim que a puxei pela ponta, percebi que não era a única coisa perdida debaixo do estrado. Agarrada à minha meia com padrão de raposinhas vinha uma pulseira de missangas. Era uma das pulseiras da Jo. Ali perdida havia meses. Sacudi e guardei a pulseira no bolso da mochila. O pó foi comigo para a cama; nem me importei com os espirros, já tinha desistido de agarrar o sono. Era cedo para traçar um plano, mas soube logo que queria levar a pulseira comigo para a escola no dia seguinte. Talvez devolvê-la à Jo, mas como? Não nos falávamos desde a I Grande Zanga. Tinha de ser eu a ceder? E se ela me odiasse? Poderia rir-se na minha cara. Adormeci sem respostas.
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CA P Í T U LO 1
CARNEIRINHO S E O U T RO S ANIM AIS SELVAGE N S
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nada sobre a vida. Por isso, nos casos raros em que sei alguma coisa, faço questão de não dizer a ninguém. Há certos perigos em partilhar pensamentos profundos quando se tem uma colónia de acne acampada na testa – não é por acaso que vos estou a falar em regime de anonimato.
” ISBN 978-989-8166-33-3
P R É M I O B R A N Q U I N H O DA F O N S E CA | E X P R E S S O / G U L B E N K I A N 2 0 1 7 | v e n c e d o r m o d a l i d a d e j u v e n i l
“
Dizem que os adolescentes não sabem