o d a g e l O copa da
ni Kita o n ia ço Adr ren por io Lou e En
Desde as “Jornadas de Junho”, a juventude brasileira não mais se aquietou frente ao que considera problema social do país. Se em 2013, a priori, as lutas estavam associadas às melhorias do transporte público, neste ano, as reivindicações difusas (saúde, educação, moradia, etc.) canalizaram-se no antagonismo à realização da Copa do Mundo da FIFA. Os manifestantes, dessa vez, saíram às ruas para denunciar os gastos excessivos dos governos com o evento privado transnacional, feito sem consulta pública, e os impactos em populações já marginalizadas.
De 25 de janeiro até 12 junho, data de abertura da Copa do Mundo, coletivos e entidades de esquerda organizaram 10 atos na cidade de São Paulo, para protestar contra a realização do evento esportivo. Reclamando melhorias nos serviços públicos e contestando as imposições da FIFA no Brasil, milhares de pessoas ousaram retomar as ruas, como fora feito em 2013, sob a palavra de ordem: “Não vai ter Copa”. Aparentemente, o movimento parecia mais simbólico do que efetivo a barrar o Mundial de Futebol, pretendendo dar visibilidade as reivindicações, principalmente com os holofotes da imprensa estrangeira que desembarcava no país. Porém, os discursos e as ações dos manifestantes atemorizaram radicalmente os governantes, que não titubearam em orquestrar forte repressão policial, inclusive testando novos métodos e equipamentos - sobrando também para os profissionais da imprensa. Nesses seis meses, uma série de direitos civis foi violada, como afirmaram organizações internacionais de direitos humanos. Militantes foram feridos e presos em nome dos lucros das grandes empresas envolvidas com a Copa, endossados por antigos ídolos do esporte bretão, como Ronaldo e Pelé, que contemporizaram a violência do Estado e a morte dos trabalhadores na construção dos estádios.
E a força das ruas era tão assustadora aos mandatários, mesmo tendo reunido no máximo cinco mil pessoas em um único ato (bem menos do que em 2013), que uma segunda narrativa foi forjada para contrapor aqueles que eram contrários a Copa: o “Vai ter Copa”. Seja pelos ideológicos ou pelos amantes do futebol, criou-se uma dualidade similar aos anos mais obscuros de nossa história recente: “Brasil, ame-o ou deixe-o”.
Esta reportagem em quadrinhos foi baseada no “9o ato - Se não tiver direitos, não vai ter Copa”, realizado no dia 31 de maio. Como a dinâmica dos protestos envolveram diversos protagonistas, pretendemos ilustrar aqui algumas das proposições dos manifestantes, que seguiram firmes aos seus objetivos até o dia do jogo de abertura na Arena Corinthians.
Theatro Municipal 31/05/2014, 15h
Chegamos ao ponto de encontro da manifestação, onde cerca de 200 pessoas pintavam cartazes, entregavam panfletos e se revezavam em um megafone durante a concentração do ato intitulado “Indignação Popular”.
A Copa nem começa e já acabou. Não tem dinheiro pra hospital.
Isso é realidade e não dá pra acreditar. Eu sou brasileiro, desculpa aí Neymar.
Reconhecemos um militante da corrente Território Livre, que está presente desde as primeiras manifestações contra a Copa. Pedimos para ele fazer um balanço da conjuntura política do momento.
Existe uma situação concreta para aliar as lutas econômicas dos trabalhadores, por salários e empregos, com uma luta política contrária aos governos, uma vez que se está descendo o cacete para fazer a Copa. O pessoal aqui está ciente dos riscos. Muita gente já foi presa ou está respondendo processo, mas ninguém vai sair das ruas por causa da repressão. Existe uma sensação de revolta que alguma hora vai estourar.
Rafael Padial, 26 anos
Ainda antes das 16 horas, vários pelotões da Polícia Militar surgiram das ruas paralelas ao Theatro Municipal e exibiram suas novas armaduras para os paulistanos que circulavam na região da Praça Ramos de Azevedo. Aproximadamente 500 policiais foram saudados por intensas vaias e xingamentos dos manifestantes.
Eu quero que a Copa se dane. O povo está sendo humilhado. Um monte de pai de família morre na mão de bandido e nunca tem policial. Olha o tanto que tem aqui.
Estou vendo pela primeira vez esse grupo paramentado, que parece uma legião romana perfeita: sanguinários, violentos, exibindo uma força do descomunal do Estado.
Padre Júlio Lancellotti 65 anos
vãnia 53 anos
Pra que? Pra calar a boca da gente? Tá errado! Não deveria acontecer a Copa. Se dependesse do povo, não aconteceria.
Esse é o símbolo da covardia, do medo do povo, do medo daqueles que dizem não! É assustador de ver o tamanho da covardia.
Há um descontentamento muito grande da população, mesmo que nem todos se manifestem. A gente percebe a exorbitância dos gastos. O povo da rua é o primeiro eliminado da Copa do Mundo. ele está sendo varrido, afastado dos centros, tratado com extrema crueldade e violência. Para a nossa realidade, para a nossa consciência, não vai ter Copa. Vai ter um grande circo e uma grande palhaçada. Nós não podemos entrar na gramática deles. Não vai ter copa. E se esse bolo estava com a cerejinha, nós vamos chutar essa cerejinha.
Enquanto entrevistávamos o padre, um morador de rua chamou a atenção de todos ao redor para dizer que Júlio LancellotTi o acolheu em sua casa, auxiliando-o com alimentação e roupas durante um momento de maior dificuldade.
Logo na sequência, os manifestantes entoaram: “Ô, o seu José chegou, o seu José chegou”. O aposentado é referência pela disposição e argumentação.
Eu vou a todos os atos contra a Copa do Mundo. A Copa dos empresários, dos ricos, dos demagogos, que o povo não vai participar. O ouro ninguém sabe para onde foi. Não vamos barrar a Copa, mas vai ser tumultuado. O mundo inteiro está sabendo o que aconteceu aqui. Temos que conquistar avanços sociais com as manifestações, porque só em estádios foram gastos mais de Rsi 9 bilhões. Estádio que agora mudou o nome para arena. Arena era no tempo do Homero. A humanidade não mudou em nada...
josé de Freitas, 87 anos
Por volta das 17h30, cerca de 500 manifestantes iniciaram a passeata pelas ruas do Centro de São Paulo.
Mas um pouco antes da saída, um jovem nos chamou atenção com uma bandeira vermelha e preto, símbolo do anarcossindicalismo. Ele preferiu não se identificar, mas falou porque estava ali.
A mídia brasileira mente quando fala dos protestos
Tacham a gente de vândalos e ignoram as nossas causas
Nos primeiros metros percorridos, o rapaz que cantava funk na concentração nos relata que a polícia disse que vai pegá-lo “quando o pau comer”.
Aqui se faz de tudo para deslegitimar os movimentos populares.
Querem jogar o povo contra o povo
O ato toma as ruas com grande fôlego e uma bateria que não para de tocar. Porém, os próprios manifestantes reconheciam entre si que havia diminuído o número de pessoas em relação aos protestos anteriores.
Carioca, militante da Corrente Proletária Estudantil, comentou o esvaziamento da manifestação.
Contra o governo, FIFA e o patrão.
Pela luta, pela mobilização.
Esse é um ato legítimo, expressão da revolta da população pelas várias demandas, como saúde, educação, trabalho. Infelizmente, alguns movimentos que ajudaram a organizar os atos no início não estão mais participando. Se todas as manifestações contra a Copa tivessem sido feitas em conjunto, teríamos 30, 40 mil pessoas nas ruas.
Greve geral, piquete e ocupação.
Fora PM, não à repressão.
Em certo momento, os manifestantes avistaram uma repórter da Rede Globo, que foi rechaçada pela imensa maioria até a sua saída escoltada pela PM.
Perto do final, as lideranças pediram para todos se abaixarem e realizaram um jogral, explicando as motivações do protesto e anunciando seus inimigos.
A mensagem é clara: quem não nos representar vai cair. Os interesses das empreiteiras não são os nossos. Os interesses dos governos são os das empreiteiras, Não nossos. Viemos pela nona vez gritar contra a Copa do Mundo, contra a FIFA, contra a Globo. O Brasil se transformou em uma nação de indignados. Não tem arrego. Se não tiver direitos, não vai ter Copa.
O ato ocorreu sem repressão policial. O encerramento foi em frente à Federação Paulista de Futebol, no bairro da Barra Funda, com uma performance em homenagem aos oito operários mortos nas obras dos estádios. Independentemente dos balanços econômicos que os especialistas farão, os 10 atos contra a Copa do Mundo já deixaram um legado: a consolidação das ruas como novo espaço de se fazer política no Brasil.
Oito operários foram mortos nas obras dos estádios da Copa SP: Fábio Hamilton da Cruz, 23, Ronaldo Oliveira dos Santos, 43, Fábio Luiz Pereira, 41 AM: Marcleudo de Melo Ferreira, 22, Antônio José Pita Martins, 55, Raimundo Nonato Lima da Costa, 49 MT: Muhammad’Ali Maciel Afonso, 32 DF: José Afonço de Oliveira Rodrigues, 21
E ainda rolou um “catracaço” no metrô Barra Funda. A história não para...