Colette esse

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Colette FEMINISMO Na internet o movimento ganha força e chega para fazer a diferença

ENTREVISTA Denise Damiani dá detalhes de sua carreira de sucesso

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PARADIGMAS CIDADÃS GLOBAIS VALORES DAS GRIFES Outubro 2015 / Colette 1 • |EDIÇÃO Nº 01


•2 Colette / Outubro 2015

Eu quero ser tudo que sou capaz de me tornar

Katherine Mansfield

Outubro 2015 / Colette 3 •


E

DITORIAL Colette

A mulher perfeita não aparece em nossa capa ou em nossas páginas. E não é porque não a encontramos, pois, como diria a nossa entrevistada Denise Damiani, “existe muita mulher boa!”. Mas acima da perfeição, Colette quer retratar a realidade, portanto, tais espaços foram destinados, propositalmente, para mulheres reais, que assim como Denise, uma das mulheres mais poderosas do Brasil, fizeram por merecer e conquistaram o sucesso pessoal e profissional sem a busca incessante pela perfeição. Até porque, as únicas fantasias que Colette deseja, são as dos filmes. E o único padrão imposto nas próximas páginas, é o da felicidade.

E

m sua primeira edição, como não poderia deixar de ser, Colette reúne os temas que inspiraram sua criação e faz um tour pela busca da liberdade feminina, pela ainda existente diferença entre os gêneros e até por alguns julgamentos, sem fundamentos, que contribuíram com a indignação que será encontrada em algumas de suas páginas. E a Colette está repleta disso! De uma rebeldia saudável, em prol das livres escolhas femininas. De bandeiras brancas, gritando pelo fim de tabus. Da beleza pura, presente nos mais distintos corpos. E do poder feminino, que não precisa de maquiagem para intimidar e, mais do que isso, encantar. Como um novo conceito de revista feminina, Colette chega “quebrando paradigmas” e citando mulheres comuns, mas que sustentam o brilho de quem já venceu as cobranças sociais e tornou-se exatamente quem desejava ser. A cada página, traz a força das feministas, ressaltando suas lutas atuais, além de sua recente conquista por mais espaço na mídia, com o “feminismo went online”. E nos transporta para lugares e momentos incríveis, que aconteceram na Índia, na Alemanha e até em Malta, graças às “cidadãs globais” que, sozinhas, aventuraram-se pelo mundo, conheceram um pouco do que ele tem para oferecer, compartilharam conosco e mostraram o quão especial viajar sozinha pode ser.

•4 Colette / Outubro 2015

Bruna Santos Bruna Santos, Thais Brazil e Valéria Lima

Expediente OUTUBRO/2015 DIRETORAS E IDEALIZADORAS: BRUNA SANTOS THAIS BRAZIL VALÉRIA LIMA ORIENTADORA: TÂNIA TRAJANO COLABORARAM NESTA EDIÇÃO: ARIANNA ORTOLANI CAROLINA CORDEIRO JAQUELINE NOGUEIRA KAUÊ MARTINS SILVIA VASCONCELOS THAIS BATISTA

ILUSTRAÇÕES POR: NANDA CORRÊA DIAGRAMAÇÃO: BRUNA SANTOS COLETTE FOI PRODUZIDA COMO TRABALHO DE CONCLUSÃO DO CURSO DE JORNALISMO (UNIP). IMPRESSA NA ALPHAGRAPHICS AV. BRIGADEIRO FARIA LIMA, 2941. CEP: 01452-000, SÃO PAULO, SP.

Thais Brazil Quem é Colette? Colette Dowling é autora do livro “Complexo de Cinderela” que trata da submissão feminina e de como algumas mulheres acreditam que a felicidade não depende inteiramente de si e sim de terceiros.

Valéria Lima

Outubro 2015 / Colette 5 •


UMÁRIO S

CONDUTA

Colette

VALORES DAS GRIFES

12

DUAS MULHERES, DOIS OLHARES

34

SOCIEDADE FOTOGRAFIA Beleza é a mulher

50

O QUE O SEU CABELO NÃO DIZ SOBRE VOCÊ

56

SEXO Amarras internas

70

NA CAPA

24 FEMINISMO WENT ONLINE 42 ENTREVISTA Denise Damiani 60 CIDADÃS GLOBAIS 80 QUEBRANDO PARADIGMAS

CULTURA CINEMA NACIONAL

74

SEÇÕES FRASES

8

22 CRÔNICA: Particularidades 90 PARA VER: Campanhas

•6 Colette / Outubro 2015

Outubro 2015 / Colette 7 •


FRASES ||

Que você sinta a validação de sua beleza externa, mas também chegue ao mais profundo objetivo que é ser bonita por dentro.

Ajusto-me a mim, não ao mundo.

Nós percebemos a importância de nossa voz quando somos silenciadas. Malala Yousafzai

Anaïs Nin

Lupita Nyong’o

“Quem você pensa que é?” perguntou pra mim de queixo em pé. Sou forte, fraca, generosa, egoísta, angustiada, perigosa, infantil, astuta, aflita, serena, indecorosa, inconstante, persistente, sensata e corajosa, como é toda mulher, poderia ter respondido, mas não lhe dei essa colher.

As mulheres são o único coletivo oprimido da nossa sociedade que convivem em associação íntimacom seus própriosopressores. É importante frisar que quando empodera uma mulher, você muda o mundo. Espero que, em 20 anos, tenhamos menos batalhas e que toda mulher possa ser aquilo que deseja.

Evelyn Cunningham

Diane Von Furstenberg Martha Medeiros

Precisamos mudar nossa percepção de como nos enxergamos. Temos que nos posicionar como mulheres e assumir a liderança.

Beyoncé Knowles

Não se nasce mulher: torna-se.

A coisa mais triste que uma mulher pode fazer é rebaixar seu potencial por um homem.

Emma Watson

•8 Colette / Outubro 2015

Se arranhar um pouco, verá que embaixo da superfície de muitas feministas há uma mulher que deseja ser sexualmente atrativa. A diferença é que isso não é o único que ela deseja ser.

Simone de Beauvoir

Betty Rollin

Outubro 2015 / Colette 9 •


COLABORADORES ||

Conduta

Silvia Vasconcelos Estudante de jornalismo, nos auxiliou em “Feminismo went online” e “Cidadãs globais”.

Carolina Cordeiro Thais Batista Estudante de Relações Públicas, contribuiu com “Cidadãs globais” e está presente no ensaio “Beleza é a mulher”.

Jornalista, ajudou e esteve conosco na realização da matéria “O que o seu cabelo não diz sobre você”.

Jaqueline Nogueira Jornalista e fotógrafa das fotos em nosso editorial.

Kauê Martins Analista de TI, fez a diagramação desta edição ser possível.

Arianna Ortolani Relações Públicas, está em “Cidadãs globais”, auxiliou em “Feminismo went online” e “Valores das grifes”.

Nanda Corrêa Dona de todas as incríveis

MATÉRIAS

12 PARA VER: Campanhas 22 PARADIGMAS 24 DUAS MULHERES 34 VALOR DAS GRIFES

ilustrações desta revista.

•10 Colette / Outubro 2015

Outubro 2015 / Colette 11 •


Foto: Martha Medeiros

Valores das grifes de roupas

Descubra por que algumas roupas são tão caras. Entenda por que as grifes não são sinônimos de qualidade. Saiba o que é status. Compreenda o poder da aparência. E veja que ostentar não é um hábito da classe A!

Por que vendem roupas com preços tão altos?

O

que você precisa para sair de casa? As chaves? Sim. Dinheiro? Talvez. Mas antes disso, para não ser acusado de ato obsceno e cometer um crime, cobrir o corpo é extremamente importante. Portanto, como ninguém pode andar na rua pelado, as roupas tornaram-se parte das necessidades básicas das pessoas. Mas há roupas e roupas e, dependendo do preço, elas deixam de ser utensílio essencial e tornam-se artigo de luxo. Tão fácil quanto fazer compras, encontrar preços diferentes para peças parecidas não requer grandes

•12 Colette / Outubro 2015

esforços. Mas, às vezes, essa diferença acontece de forma tão absurda, que acaba gerando questionamentos. Dentre eles, se determinadas roupas foram costuradas com fios de ouro. Isso ocorre, pois uma simples regata branca de malha, em várias lojas no bairro do Brás, conhecido por seu comércio popular, custa em torno de R$ 20,00 (ou menos), enquanto outra regata, também branca e também de malha, dentro de uma loja de shopping, chega à R$ 179,00. A diferença é de R$159,00. 895% a mais. Vivian Alvarenga, sócia há quase um ano da loja de roupas populares “Lindíssima Moda”, situada no bairro do Brás, conta como acontece

Por: Thais Brazil

a precificação (cálculo feito para se chegar ao valor do produto) das roupas que vende, cujo diferencial ela garante ser justamente o custo X benefício. “Tudo tem que ser incluído no preço para não ter prejuízo. Eu incluo o preço do tecido, do costureiro, da modelagem, tudo que utilizei para construir aquela peça. Mas se eu fizer só isso e acrescentar o meu lucro, estará totalmente errado. Tenho que colocar o que eu gasto, aluguel, telefone, funcionário; tudo isso gera um custo fixo que deve ser diluído na quantidade de peças que tem na loja”, explica. Portanto, se o custo fixo de uma loja é 10 mil reais, e há mil peças no estabelecimento, por exemplo: > Outubro 2015 / Colette 13 •


“O meu lucro hoje é de 30% a 40%. Então agrego esse valor na precificação”, complementa Vivian, que lembra que o cálculo realizado acima é válido para um mês. Caso as mil peças não sejam vendidas durante o mês, o preço fixo aumenta, e fica assim: 10.000,00 (custo fixo) / 500 (peças vendidas) = 20,00 por peça de gastos fixos. Vivian afirma que não tem o costume de fazer o aumento, mas está ciente que isso é necessário para que o cálculo da precificação fique correto. Saindo do comércio do Brás para o Jardins, um dos bairros mais nobres da cidade de São Paulo, frequentado pelas mais altas classes, encontramos a fina costura da estilista Martha Medeiros. São apenas 10 km, 30 minutos e muitos números nas etiquetas das roupas, que separam ambos os bairros. Para Martha, que trabalha com roupas desde os 15 anos de idade, e que atualmente veste famosas como Flávia Alessandra, Ivete Sangalo, Ísis Valverde e até Beyoncé, os altos valores cobrados pelas grifes estão diretamente ligados ao processo diferenciado que as peças passam, ao contrário das roupas mais populares, como as encontradas na maioria das lojas do Brás. “Cada marca tem seu processo de criação, desenvolvimento e produção, e os valores das peças variam muito de acordo com esse processo. Por exemplo, a qualidade da matéria-prima – se o tecido é 100% natural, como algodão e seda. Além da produção – se é manual ou industrial. E ainda tem o tempo que se leva para produzir cada peça. A quantidade de produção de cada modelo tem bastante impacto no preço final – quanto mais peças por •14 Colette / Outubro 2015

Aqui, o Professor Álvaro Arthur Silva. Abaixo a estilista Martha Medeiros

A

Markup: Índice aplicado sobre o custo de um produto/ serviço para a formação do preço, baseado na soma do custo unitário, com uma margem de lucro. Obs: a fórmula possui variações. Na teoria, os cálculos usados para chegar aos preços dos produtos de ambas as lojas (do Brás e do Jardins) são bem parecidos. Mas, a fim de entender melhor o que está por trás dessa diferença de preços, conversamos com o especialista em marketing de grifes, Álvaro Arthur de Castro Silva, que trabalha hà cerca de 20 anos na área e que, atualmente, é professor do SENAC - Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial, onde ensina marketing de Marca e Serviços. Questionado sobre os preços atribuídos às roupas de grifes, Castro relata o que geralmente é incluído e explica como a precificação acontece em marcas do gênero: “A grife, especificamente, tem um tipo de precificação que não tem muita metodologia. O produto de luxo tem o que chamamos de ‘preço baseado no valor percebido’, que é calculado empiricamente. Eles sobem o preço - enquanto tem quem compre aquela peça - na quantidade que lhe interessa. Não tem necessariamente uma relação direta com o custo do produto”, revela o professor. Mas se o preço pago não está necessariamente ligado ao custo do produto, o muito dinheiro gasto não está ligado à qualidade?

Qualidade do produto? Ou do marketing!

primeira justificativa para a alta diferença nos valores de peças tão semelhantes costuma ser a qualidade. Considerando o preço da regata do Brás e da regata do shopping, é natural achar que a última foi melhor elaborada e produzida, com mão de obra e materiais mais caros. Mas será que as grandes marcas vendem roupas, com valores tão altos, apenas por terem mais qualidade? 895% mais caro, correspondem a 895% a mais de qualidade? O que, afinal, torna as roupas de grife tão caras? Castro explica que “tem marcas que não precisam ser de qualidade, não necessariamente”. Ele diz que a Foto: Arquivo pessoal

1.000 (nº de peças) = 10,00 (despesas fixas por peça)

modelo, menor o custo unitário. Por isso que marcas que trabalham com peças exclusivas e sob medida exercem valores mais altos”, defende a estilista. Sobre o que é incluso no preço, Martha é sucinta: “Todo o custo de produção da peça, de acordo com todo o processo – da criação à entrega, mais os impostos inerentes e o markup de cada produto”.

Foto: Bruna Santos

10.000,00 (custo fixo)

“Chega-se a um nível de exclusividade em que a marca escolhe o cliente. É uma marca que tem história, é direcionada e tem conteúdo. Não é só um produto”

maioria das grifes são marcas muito sofisticadas e, portanto, os produtos não costumam ser baratos. Entretanto, pode ser que um produto seja vendido por um preço altíssimo e que, na verdade, tenha custo unitário baixo. Nesse caso, de acordo com o professor, é preciso “considerar os custos de marketing, que são os maiores hoje para todo mundo”. O que significa que, no final das contas, os clientes pagam tanto pela linha que a peça foi costurada, quanto pelos caríssimos anúncio feito nas páginas das revistas de moda, ou nos comerciais de televisão, fora outras estratégias de marketing. As grifes possuem esse componente peculiar: além do marketing ser caro e influenciar no que o cliente paga, o preço final funciona como uma barreira de entrada. “Na medida em que eu subo o preço, não estou exorbitando e nem especulando. Estou, muitas vezes, restringindo o uso e o acesso ao produto. Essa é a essência da grife, a exclusividade! Significa que há raridade, então ela restringe o acesso, pois não quer vender para todo mundo, quer vender para ‘aquelas’ pessoas”, completa Castro, referindo-se ao grupo que as grifes selecionam como público alvo, e que pode variar de loja para loja. Outubro 2015 / Colette 15 •


Quer fazer parte desse grupo? Quer ter status?

T

emos a receita. Anote: - Não use roupas sem marca; - Compre todas as suas roupas em lojas de grife; - E tenha muito dinheiro. Ou não faça nada disso, e você continuará tendo um status! Ao contrário do que muito pensam, todos, desde o último mendigo que você viu

na rua, até o Barack Obama, possuem status. O que muda é que (dentro de uma pirâmide) o status do morador de rua está lá embaixo, na base, enquanto, lá em cima, o presidente dá tchauzinho, do topo. Assim, a menina que quer um vestido de determinada marca de grife, alegando que todos que conhece usam àquela marca, quer pertencer aquele

grupinho, usando marcas que igualam a sua posição social com a deles. “Status significa posição. Pobre também tem status, porque todo mundo tem. No Brasil, falamos de status como visibilidade social, o que não tem nada a ver. Muitos usam essa palavra no sentido errado. Uma questão é o status, e a outra é a aparência”, explica Castro.

O poder da aparência

P

arece fácil distinguir alguém com boa condição econômica de alguém que nem vida financeira tem. Mas, se deixar levar apenas pelo o visual, também é uma forma fácil de se enganar. Há pessoas que investem muito em aparência e demonstram, através do uso de objetos de alto valor, que tem bastante dinheiro. Em contrapartida, há aqueles que também não precisam fazer cálculos e mais cálculos antes de comprar algum produto, mas não transparecem isso através do visual. E é esse jogo de aparência que motiva muitas pessoas a comprarem peças de grife ao invés das roupas mais baratas, sem marca reconhecida, encontradas em comércios populares. “A grife é a marca mais sofisticada que tem. Não é só um nome. Todo negócio tem nome, mas não necessariamente tem uma marca. Uma grife •16 Colette / Outubro 2015

é um produto que não é vendido pra qualquer um e tem produção limitada. Você chega a um nível de exclusividade em que a marca escolhe o cliente. É uma marca que tem historia, é direcionada e tem conteúdo. Não é só um produto. É uma proposta de vida, modo de ser e de pensar”, diz o especialista Castro. As ideias que as grifes defendem viram uma proposta de estilo de vida que ajudam a impulsionar as vendas. Portanto, as propostas que esse tipo de marca adotam e transmitem ajudam a chamar a atenção e conquistar os clientes desejados. Dessa forma, conforme dito pelo professor, “não compramos um produto. Compramos a ideia que tem por trás dele”. É o mesmo que comprar uma bicicleta, não por usá-la todos os dias, mas pela ideia de liberdade que ela oferece. Logo, sentir o poder proporciona-

do por uma peça de grife é usufruir do potencial simbólico dela. É justamente o potencial simbólico, ou seja, a capacidade de reconhecer e também o significado que as pessoas atribuem ao produto, que modifica a aparência, reflete o status (a posição social), dá exclusividade, caracteriza um grupo determinado de pessoas, as diferem dos outros e, ao mesmo tempo, aproximam e igualam aqueles que usam, identificando-os com o grupo ao qual pertencem, ou querem pertencer. Conclusão: tudo gira em torno de algo imaterial – significado que as pessoas atribuem à determinadas coisas. E é por isso que muitos gastam fortunas com roupas de grife, em busca do potencial simbólico que essas peças têm. Porém, ainda assim, nem todos compram por isso. Outubro 2015 / Colette 17 •


Foto: Martha Medeiros

Do ostentar... Ao admirar! N

em todos compram grifes por causa da aparência. O verdadeiro público alvo dessas marcas poderosas, aqueles fieis, que sempre compraram, que conhecem as histórias dos produtos, que sabem como eles são feitos e que sabem exatamente como usá-los, dificilmente querem abusar da aparência e do efeito que essas peças proporcionam. É simples e fácil encontrar quem queira apenas ostentar: “existe gente que deixa de gastar em coisas mais importantes para gastar com produto de luxo. O problema é por quanto tempo. Marcas de luxo não vivem dessas pessoas”, comenta Castro. As pessoas que realmente sustentam as marcas de grife são àquelas que possuem um padrão de vida diferente. Que compram o que é atemporal, ou seja, peças clássicas, que nunca saem de moda. E, ao fazer isso, estão comprando todo o processo cultural por trás daquela peça, o que envolve o modo de fazer, o trabalho e o nome de um criador, que muitas vezes é símbolo de um período, ou seja, é um ícone. Até podem comprar produtos mais comuns, mas a preferência sempre é o clássico, ou seja, o produto tradicional, que já ficou marcado na história daquela grife. “Isso acontece porque, quanto mais você sobe socialmente, e se constitui como um grupo autônomo, a tendência é que você escolha produtos que sejam cada vez mais diferentes •18 Colette / Outubro 2015

dos outros. Produtos que são exclusivos!”, diz Castro. E o professor garante que essa busca pela exclusividade não significa ostentação, e sim reflexo do refinamento cultural que acontece conforme se cresce socialmente. Querer diferenciar-se dos outros com produtos caros e únicos é uma forma de refinamento da própria cultura e, às vezes, acontece imperceptivelmente. “É um processo cultural no sentido mais elaborado da palavra, não é só o hábito, vício ou moda. Quem compra grife, compra porque conhece a história inteira do produto, sabe como foi feito, sabe que aquela peça vai andar com no máximo 200 pessoas. É o máximo da exclusividade, mas não é ostentar. Porque se ele colocar um relógio de grife, por exemplo, e balançá-lo no seu rosto, você vai achar que ele está brincando e dificilmente reconhecerá o relógio. Não dá para ostentar um produto tão exclusivo”, explica Castro. Portanto, a grife tem clientes que a procuram por seu significado simbólico, mas quem ela gosta mesmo de atender, e quem ela realmente considera seu público alvo, são as pessoas que admiram e valorizam cada detalhe de sua história e peças, e que não precisam, em momento algum, compararse aos outros. Outubro 2015 / Colette 19 •


Val Marchiori -

A classe A responde:

Foto:Acervo pessoal

•20 Colette / Outubro 2015

Val Marchiori posando com suas bolsas Chanel

Outubro 2015 / Colette 21 •

Foto:Acervo pessoal

E

mpresária, socialite e apresentadora, Val responde algumas perguntas sobre roupas, grifes e suas preferências. Nome completo: Valdirene Aparecida Marchiori Idade: 40 anos Há quanto tempo compra roupas de grife? Há mais de 20 anos Por que opta por comprar roupas de grife, que são caras, ao invés de peças parecidas, mas sem marca reconhecida e com preço menor? Não compro porque é caro, mas sim pela qualidade do produto e por prestigiar o talento de grandes estilistas internacionais que combinam com meu estilo. Não uso nada “inspirado” ou “réplica” por valorizar o trabalho dos estilistas.

Vale a pena gastar tanto com roupas? Se olhar no espelho e sentir bem, não tem preço. Graças a Deus, posso comprar tudo o que gosto. Qual o valor mais alto pago em uma roupa, bolsa ou sapato? Prefiro não mencionar. Qual o valor mais baixo pago em uma roupa, bolsa ou sapato? Foi R$ 25,00 reais em uma camiseta da Hering. De quais lojas você costuma comprar roupas? E com que frequência? Gosto de comprar na Chanel, Valentino, Gucci, Pucci, entre outras. Compro normalmente em minhas viagens ao exterior. Entre um vestido sem marca reconhecida que você goste e um vestido de grife, que não lhe agrade, qual você escolhe? Não compro nada porque é caro, compro o que gosto, independente do valor e da marca. A paixão por roupas de grife está no produto (na peça), ou apenas em usar algo que as pessoas sabem que são caras? Graças a Deus o meu trabalho me deu a oportunidade de comprar nas melhores lojas e sou apaixonada por alta costura. Para gostar de algo, tem que ser muito perfeito, já que meu nível de exigência é alto.


PARA VER ||

Campanhas e

empoderamento

ALWAYS: Campanha de 2014, ‘Like a Girl’ chama a atenção para o porque de “fazer como uma menina” ser usado como insulto. O comercial busca desconstruir a ideia de que mulheres são fracas.

#LikeAGirl

“Por que correr ‘como uma menina’ também não pode significar ganhar a corrida?”

Um lembrete de que precisa-se de mais campanhas assim para encorajar desejos e mostrar às mulheres suas verdadeiras características Por: Bruna Santos

VERIZON: ‘Inspire her mind’ é de junho de 2014 e mostra o impacto na vida de uma menina quando os pais a desencorajam a fazer coisas porque vai ‘sujar o vestido’ ou porque ferramentas são muito perigosas para ela mexer. “Não é hora de dizer que ela é brilhante também? Encoraje seu amor por ciências e tecnologia”

DOVE: ‘Real beauty sketches’ de

Inspire her to change the world

2013 compara como as mulheres se enxergam e como outras pessoas as veem através de desenhos feitos a partir da descrição de cada um. O resultado mostra que a mulher tende a ser mais crítica em relação à sua própria aparência.

•22 Colette / Outubro 2015

You’re more beautiful than you think

#GirlPower Outubro 2015 / Colette 23 •


Girl|

Quebrando Paradigmas O padrão não é mais parâmetro. Elas tomaram atitudes que muitas mulheres não tomariam. Fizeram coisas que muitas não fariam. Abriram mão de questões que, para outras, são verdadeiros sonhos. Elas não seguem a tradição, mas também não deixam de ser mulheres! Por: Thais Brazil Fotos: Bruna Santos e acervo pessoal

•24 Colette / Outubro 2015

E

m palestra sobre “Gênero e o viés inconsciente”, durante o evento Global Summit of Women de 2015, a antropóloga cultural Beatriz Accioly compara a imagem de dois bebês, uma menina e um menino, e menciona a costumeira reação das pessoas ao vêlos. Para o menino, as características atribuídas geralmente são “força” e “brutalidade”. Para a menina, ressaltase a “sensibilidade” e a “fragilidade”. Ela é tratada como uma boneca, como diz a antropóloga, que complementa a comparação lembrando-nos que, do ponto de vista corporal, os dois bebês são muito mais parecidos do que diferentes. Tal exemplo mostra como os papéis de gêneros são sustentados – mesmo que, às vezes, imperceptivelmente – geração após geração, e constroem padrões e até tradições comportamentais que, ao longo da vida, são atribuídos especificamente ao homem ou à mulher, seja na convivência em família, nas escolas ou nos discursos da mídia. Esses ensinamentos vêm de uma sociedade ‘moderna’, mas que ainda é muito conservadora e, tratando-se de costumes, pode ser pior do que muitas empresas de cobrança de crédito. Para as mulheres, características associadas no decorrer dos anos seguem os mesmos parâmetros das características atribuídas à menininha que acabou de nascer. Mesmo comprovando não ser o sexo frágil, as mulheres carregam esse encargo, além de muitos outros, que são capazes de influenciar de forma determinante o lado pessoa e o profissional da vida feminina.

“As mulheres, guardadas as devidas proporções de diferenças locais, nacionais, históricas e culturais, são associadas ao afeto, à privacidade, à passividade, à sensibilidade, à família, à características que parecem pouco apropriadas ou pouco estimulantes à posições de liderança e de criação. [...] Mulheres estão majoritariamente em profissões de cuidado, como enfermeiras, professoras [...] E isso não seria um problema, se não fosse uma limitação. As consequências desses estereótipos, normas e ideais, são poucas mulheres na área da tecnologia, diferença salarial, menos mulheres em cargos de liderança, baixa representatividade política, no caso do Brasil. E então vira uma profecia auto realizada, de certa forma”, diz Beatriz, referindo-se às características que nascem dos papéis de gêneros. Fora o que foi mencionado pela antropóloga, ainda existem alguns paradigmas em torno das mulheres, ou seja, padrões comportamentais ou ligados à aparência que as pessoas esperam que sejam cumpridos em determinados períodos da vida, como: o início de um namoro na juventude, de um casamento após os 25 anos (para mulheres), de filhos após o casamento, mais filhos depois do crescimento do primeiro, e diversas outras ações. Para entender o tamanho e a força de alguns desses padrões atribuídos ao sexo feminino, conversamos com mulheres que saíram do padrão e quebraram paradigmas sociais.

and

|Boy Outubro 2015 / Colette 25 •


Laura Fernandez

Abriu mão de questões que, para outras mulheres, são verdadeiros sonhos

P

rofessora de Geografia em escola pública por mais de duas décadas, Laura Fernandez, de 48 anos, e atual estudante de edificações, poderia ser uma mulher comum. E é! Afinal, ela mesma se vê assim: “As pessoas sempre me acharam diferente. Eu nunca me achei!”. Laura poderia ser esposa, ter filhos e viver no interior de São Paulo com sua família e dois cachorros, como diversas outras brasileiras. Mas ela não quis a vida exatamente assim. Sim, ela mora no interior e possui uma vira lata (Nina) e uma pastora alemã (Lilizinha), mas optou por não constituir uma família. Mora em uma chácara, sozinha, com seu imenso anseio por viagens e novos conhecimentos. Neste ponto, perguntas sobre casamento podem surgir, pois ele está muito mais associado às vontades e aos sonhos das mulheres do que dos homens. O que não aconteceria se a mesma mulher comunicasse um matrimônio. Até porque, ninguém pergunta: “Por que você vai casar?”. “Mesmo quando tinha 16 anos e ainda queria ter uma vida normal com alguém, nunca imaginei o casamento em torno de véu e noiva. Nunca me enquadrei nisso! Não me sinto tão diferente por não querer casar”, revela Laura. A fim de mostrar que qualquer mulher deve ter a liberdade de fazer o que quiser sem ser cobrada pela sociedade, e com o intuito de entender •26 Colette / Outubro 2015

“Eu nunca imaginei o casamento em torno de véu e noiva. Nunca me enquadrei nisso!”

suas motivações, perguntamos para Laura os motivos da sua escolha de não se casar: “Pelo desgaste do cotidiano. Da rotina. E também pela individualidade”. Nota-se que a individualidade também está presente no perfil masculino. Mas, se a individualidade é uma característica muito relacionada ao universo masculino, por que Laura, sendo mulher, cita isso?

Nessa história de separar o que é do homem e da mulher, de querer entender um e o outro, esquece-se que características e sentimentos não possuem sexo. A coragem não tem um pênis que a defina como um atributo masculino, como a sensibilidade também não possui uma vagina que a distinga como feminina. E também não deveriam ter gêneros, tanto é que, quando as características não são unissex, como a palavra “sensual”, elas sempre possuem a sua versão feminina e masculina. Porém, atribuir uma característica específica a um único gênero, há muito, faz parte dos costumes culturais. Além disso, outro ponto que parece ter criado sexo são as cobranças sociais. Assunto brevemente mencionado na palestra da antropóloga Beatriz, que relatou a experiência de uma

colega de trabalho que acompanhou o aprendizado (em escolas) no período da infância, a fim de ver a maneira como as crianças eram estimuladas do ponto de vista comportamental. Segundo Beatriz, “as meninas eram orientadas a serem recatadas, falarem baixo, serem princesas e projetarem uma imagem de esposa. Já os meninos, eram estimulados à proatividade, à pouca demonstração de afeto, ainda mais uns com os outros, e ao senso de aventura”. Estímulos como esses, que aparentemente são dicas de condutas inocentes, acabam normatizando alguns comportamentos que, quando não são cumpridos, tendem a tornarem-se cobranças. Diante dessa espécie de pressão vinda da sociedade, o que incluí família e amigos, Laura conta como lida

Laura Fernandez no vulcão Pacaya, Guatemala

Na cidade Antigua Guatemala

Outubro 2015 / Colette 27 •


“Tive uma gravidez e fiz um aborto”

com essas cobranças: “Você percebe o que é padrão cultural do lugar que você vive. O quanto isso é simbólico para o comportamento de uma mulher. Então se você está fora disso você é bastante cobrada”. Em seguida, comenta que essa cobrança nunca a fez mudar de opinião. “Talvez se eu fosse uma pessoa mais comum, mais simples de ideias, mais conformada com a vida, até seria melhor mudar. Porque você recebe muitos questionamentos. Então, em alguns momentos, dá vontade de ser um pouco mais simples, mais encaixada. Mas a maioria das vezes não.” Laura começou a responder de forma convicta, com vários “nãos”, mas, aos poucos, mostrou o quanto os questionamentos alheios podem afetar a vida de uma pessoa. Ela nunca mudou completamente de ideia sobre o casamento, mas só o fato da cobrança social a ter feito rever sua opinião, já atinge um ponto preocupante sobre os tipos de influências que a sociedade pode causar na formação e na vida de uma pessoa. “Algumas admiram, outras acham muito solitário, outras se incomodam”. Essa é a reação que Laura suporta quando fala sobre a opção de não se casar. Como dito por ela, há o apoio e a admiração, mas a crítica, infelizmente, ainda não deixou de existir e, por menor que seja, interfere na vida das mulheres. •28 Colette / Outubro 2015

Atenta a isso, Alessandra Ginante, vice-presidente do departamento de recursos humanos da AVON no Brasil, também em palestra ao Global Summit of Woman, descreve uma brincadeira que faz com os homens da empresa quando o tema discutido é o empoderamento feminino. A brincadeira consiste em um jogo de dados, homens versus mulheres, no qual os dados femininos sempre ganham, e os masculinos sempre perdem. Na terceira rodada perdendo, os homens alegam não querer mais brincar, pois nunca ganham. Dessa forma, com dados viciados, e a favor das mulheres, Alessandra mostra aos homens o que acontece quando a mulher tenta ser promovida no trabalho e não possui essa oportunidade. Quando o jogo é injusto, a tendência é buscar outras fontes de desenvolvimento pessoal. Alessandra afirma que “não é, definitivamente, falta de ambição. É porque todo grupo tratado com injustiça busca outras formas de participar de um grupo social”. No caso de Laura, para poder se integrar a um grupo social, como descrito pela Alessandra, ela poderia ter optado por ter filhos, mas essa é justamente a outra cobrança que Laura tem que enfrentar. Mesmo não agradando muitas pessoas, e não compartilhando as dificuldades de criar uma criança com amigas casadas e com filhos, Laura está muito feliz com sua vida, hoje! O hoje foi enfático, pois o passado lhe obrigou a tomar decisões que, com o pensamento atual, Laura jamais teria tomado. Se hoje em dia é preciso muita coragem para fazer o que ela fez, antigamente, além de coragem, era preciso saber manter segredo. E foi exatamente isso, o que ela fez para não ser condenada por alguns, 27

anos atrás. Entretanto, atualmente, o mesmo segredo foi revelado através da simples pergunta: “Você tem filhos?”. Depois de responder com um “não”, Laura acrescentou: “Tive uma gravidez e fiz um aborto, quando eu tinha 21 anos de idade”. Se o aborto ainda é um assunto polêmico e delicado, quase 30 anos atrás esse era um tema praticamente intocável para as mulheres: “Era muito pior do que agora! Porque atualmente existe uma corrente que expressa a sua opinião... Eu sou a favor que isso seja legalizado. Não faria de novo, mas eu sei que há mulheres que fazem e sou a favor de que essas minorias tenham sua voz. Mas meu aborto foi há 27 anos. Imagina! Foi um segredo de estado. Eu jamais falava sobre isso. A minha mãe, uma mulher moderna, também faleceu sem nunca saber. Acho que era muito pior! Nossa, se eu falasse isso seria considerada uma coisa terrível”, comenta. É notável que Laura teve dificuldades, cobranças e discordâncias. Algumas situações a fizeram parar para pensar se estava tomando a decisão certa, mas foi por poucos instantes. Por fim, ela seguiu com suas convicções. Os paradigmas que muitas mulheres lutam contra, ou a favor, não a incomodam. Para ser feliz, Laura suspira e solta: “Eu preciso de equilíbrio emocional, preciso me conhecer cada vez mais, para lidar com as emoções, para lidar com as coisas. O autoconhecimento é uma busca eterna. Com 48 anos estou com um monte de coisas que quero entender. Quero escarafunchar a mim mesma. Fuçar aqui dentro e usar isso ao meu favor”. A essa altura, ninguém esperou que uma “cerimônia de casamento” estivesse na lista da felicidade dela, não é mesmo?

Nadia Capor Tomou atitudes que muitas mulheres não tomariam

P

or falar em casamento, Nadia Capor é outro exemplo de quebra de paradigmas. Aos 52 anos, ela realizou um casamento com tudo o que tinha direito e provou que o que se faz aos 25 anos, pode muito bem ser feito depois dos 50. “O casamento foi em 2012. Eu não me sentia com 52 anos, como não me sinto agora com 55. Acho que tenho 20 anos ainda”, comenta Nadia, sobre ter casado com uma idade em que poucas mulheres aceitariam. Como mostra o gráfico abaixo, não é apenas impressão ou dito popu-

lar, as mulheres, de fato, costumam casar-se quando são mais novas - mais especificamente, com 25, e os homens, aos 26 anos. “Eu vim de uma criação que não existe isso de se juntar. Para mim, para morar junto teria que ser casado. Eu ainda tinha minha mãe, na época em que me casei, então, para mim, tinha que ter a cerimônia”, diz Nadia, que tem a fala complementada por Carlos: “Eu sou sacerdote da igreja messiânica. E Meishu-Sama [um dos fundadores da igreja] nos ensina que namorar é só se for para casar. O casa-

mento é fundamental. Eu também não aceitaria só morar junto. Então a decisão foi conjunta”. Foram quase 30 anos de espera, mas Nadia não sonhava com contos de fadas e, na verdade, nunca sonhou nem com casamento. “Não era um sonho. Acho que desde os 19 anos, quando comecei a trabalhar, eu tinha um sonho antes de casar. Eu queria ter as minhas coisas! O meu objetivo era esse, comprar uma casa. Não pensava em casar. Namorar sim, isso sem problemas. Mas agora, quando nos encontramos na internet...”. >

Fonte: IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) 2013

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Eis a revelação: Nadia e Carlos, de 61 anos, conheceram-se por meio de uma página de relacionamentos da internet. E não foi através de uma rede social como o Facebook, por exemplo, foi por meio de um site onde homens e mulheres cadastram-se para conhecer pessoas dispostas a terem um relacionamento sério. Ou seja, ambos procuravam por uma compania e, quem diria, encontraram-se graças à tecnologia. Mas o que as pessoas pensam sobre um casal com mais de 50 anos, que se conheceram através da internet, namoraram por um ano, noivaram e casaram-se? Ela, de branco, de véu e grinalda, e ele, com terno, gravata e a exigência de uma clarinada. Tiveram receio do que poderiam pensar de um casamento nesse período da vida? Houve comentários maldosos da família? Alguém criticou? Todas as respostas foram firmes: não! O único e pequeno empecilho que surgiu veio por parte do filho de Carlos que, em um primeiro momento, quando soube que o seu pai estava namorando uma mulher que conheceu pela internet, recusou-se a encontrála. Entretanto, pouco tempo depois, o próprio filho de Carlos convidou Nadia para ir à sua casa, junto com seu

pai: “Ele achou que, porque eu a tinha conhecido na internet, era qualquer coisa. Porque tem de tudo mesmo. Mas quando ele conheceu a Nadia, que viu quem ela é, mudou completamente a maneira de pensar!”. No início, a história era de uma mulher que optou por viver sozinha. Agora, é de uma mulher que se casou aos 52 anos. Mesmo com estilos de vida completamente diferentes, há, na vida dessas duas mulheres, a quebra de dois paradigmas, um de cada lado da moeda: 1. Laura, solteira, que recebe apoios, mas muitas críticas por sua opção. 2. Nadia, que ficou solteira quase a mesma quantidade de tempo que a Laura, mas que se casou e, conforme descrito por ela, todos a apoiaram. Colocando essas duas quebras de paradigmas frente a frente, notase que: seguir uma opção que não é padrão, ou seja, não está enquadrada dentro dos papéis atribuídos ao gênero feminino, e continuar solteira, é menos aceitável do que seguir outra opção, que também não é um costume feminino, mas que a torne uma mulher casada. Na balança desses dois casos específicos, casar-se quando pouquíssimas pessoas se casam é mais admissível do que ser solteira quando a maioria das pessoas já estão comprometidas.

Nadia também recebeu cobranças quando era solteira e, além disso, recebeu e ainda recebe cobranças por não ter filhos, outra coisa com a qual ela nunca sonhou: “Tive meus sobrinhos. Era a mesma coisa que filho para mim. Eu sei o trabalho que dá. Eu sabia o que era manter os filhos, manter essas coisas, eu ajudei muito”. Mas, sem se abater por isso, fala da pressão social com a tranquilidade de uma criança: “’Quando você vai casar?’ E depois: ‘Quando você vai engravidar?’ É assim [a cobrança]! Normal”. É natural ouvir as pessoas falarem sobre suas decisões, como precisar começar a namorar, casar antes dos 25, ter filhos aos “X” anos, etc. E tais decisões, dependendo de onde se vive e com quem se convive, nem sempre são cobranças da sociedade, mas, por serem pré-estabelecidas por determinadas pessoas (e os papéis de gêneros podem ter influência nisso), elas acabam criando cobranças internas. Nadia, ou por ter se ocupado trabalhando para ajudar nas despesas de casa e também para ter suas próprias coisas, ou por já ter isso inserido em sua personalidade, diz, e comprova (com o seu casamento), que nunca precisou de nada pré-estabelecido em sua vida para ser feliz.

“Eu tinha um sonho antes de casar. Eu queria ter as minhas coisas! O meu objetivo era esse, comprar uma casa. Não pensava em casar”

“’Quando você vai casar?’ E depois: ‘Quando você vai engravidar?’ É assim [a cobrança]! Normal”

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Nelci dos Santos Faz coisas que muitas não fariam

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elci dos Santos, de 35 anos, anda de moto há quase 25. As contas batem? Batem! Mas encontrar uma mulher que anda de moto desde os 11 anos de idade é, no mínimo, inusitado. “Eu sempre tive moto. Então meus trabalhos automaticamente foram com ela. Já fui entregadora de pizza, de almoço e promotora de vendas com registro na carteira com moto.” A ideia de uma mulher pilotar uma moto, ainda mais no trânsito de São Paulo, pode parecer normal para o século XXI, mas quem ensinou Nelci a guiar foi outra mulher. Ela aprendeu a gostar de motos graças a alguém também chamada Nelci, a sua própria mãe. Portanto, em algum momento do século XX, quando a Nelci mãe aprendeu a andar de moto, é provável que ela tenha sofrido com os papéis do gênero e tenha ouvido que aquilo não era coisa de menina, entretanto, atualmente, a Nelci filha já está tão inserida no mundo das motocicletas que, quando falamos sobre as motos serem consideradas um transporte masculino, ela reage como se isso fosse uma completa novidade: “Nunca vi isso! Em tantos anos que estou nesse meio, com as mulheres dirigindo, com a minha mãe andando de moto, eu desconheço”. Como faz parte do universo das motos desde pequena, e tinha sua •32 Colette / Outubro 2015

“É o que as pessoas mais falam: Ai Nelci, sai dessa vida de ficar trabalhando em cima de moto” Nelci dos Santos com sua moto em Franco da Rocha

mãe como exemplo, na visão dela, o que ela faz nunca esteve fora do paradigma. Entretanto, para as pessoas que não estão habituadas a verem uma mulher com coletes pretos, pilotando motos, isso ainda é algo improvável. E é justamente, pelas amarras proporcionadas pelos papéis de gêneros vistas no início desta matéria e que reaparecem aqui, pois andar em um veículo de duas rodas, veloz, e com pouquíssima proteção é algo que requer coragem e brutalidade, qualidades que geralmente são associadas a quem? Além de usar a moto como uma ferramenta profissional, que em São Paulo é muito mais útil do que carros, devido ao trânsito, Nelci também tem sua moto como um hobby, pois se diz simpatizante do Kangoja Motoclub, onde se encontra um exemplo do quanto ela enxerga seu gosto por motos de modo diferente de outras pessoas. Nelci, que já foi convidada para fazer parte do Motoclub Kangoja – mas que, devido às responsabilidades que isso requer, optou apenas por frequentar os eventos - comenta que poucas mulheres participam das fes-

tas organizadas por eles: “Vou te falar uma coisa. As esposas deles”. Nelci até menciona que, em determinados eventos, aparecem algumas mulheres que ela não conhece, mas que, frequentemente, só vê as esposas dos integrantes do Motoclub. A motogirl não considera que andar de moto seja uma ação masculina, mas quando olha para o lado, só vê homens. Em outro ponto da entrevista, Nelci comenta que já foi até confundida com um homem, há muito tempo, enquanto ia para um dos encontros do Motoclub com seu namorado. Ela estava pilotando a moto quando policiais pediram que ela encostasse e, ao tentarem fazer a revista, ela os informou que era mulher. Não satisfeitos, um dos policiais foi confirmar com o namorado dela se era verdade. Mas Nelci ressalta que, em mais de 20 anos pilotando, isso só aconteceu uma vez. Críticas sobre o seu trabalho também acontecem, constantemente. E às vezes vem até dos seus colegas de profissão: “É o que as pessoas mais falam: Ai Nelci, sai dessa vida de ficar trabalhando em cima de moto. Todo

mudo! Os próprios motoqueiros falam. Me chamam de doida. Eles acabam criticando e sendo preconceituosos com um serviço que eles mesmo fazem”. Refletindo sobre isso, Nelci conclui que essa crítica acontece porque, na realidade, assim como ela, eles também não queriam essa vida. “Eu não queria trabalhar em cima de moto. Eu queria minha moto bonita, para passear, para viajar, para curtir. Infelizmente não posso.” Além de ser motogirl, Nelci nos surpreende ao dizer que tem mais uma particularidade que a distingue de outras mulheres. “Me formei em eletricista de autos e faço motores. Tenho uma oficina, com CNPJ, com tudo!” Novamente mais uma atitude feminina que vai contra paradigmas sociais, dessa vez, contra o ideia de que mulheres não entendem de carros e mecânica. Quem ainda dúvida disso, pode procurar a oficina da Nelci, onde ela faz motores de arranque, trabalha com a parte elétrica de carros, e gosta, destaca ela.

Cinco dias antes da nossa entrevista, Nelci sofreu um acidente de moto na Av. Inajar de Souza enquanto esperava o semáforo abrir. O acidente danificou sua moto e, felizmente, ela não se feriu. Durante a semana, ela conta que em vários momentos, no farol, se pegou olhando os carros atrás dela, atenta para evitar outro possível acidente, mas em momento algum disse ter perdido a coragem ou a vontade de fazer o que faz desde 1991. Muito se fala da luta feminina por seus direitos profissionais, por igualdade salarial e também pela conquista de cargos antes ocupados apenas por homens, mas não se pode ignorar fatores que, embora sejam menores quando comparados com o empoderamento empresarial feminino, também tem considerável importância na vida de uma mulher e, principalmente, no que ela deseja ser como pessoa. Seja com vestidinho preto e salto alto, ou terno, gravata e mocassim.•C

“Eu me formei em eletricista de autos, faço motores e tenho uma oficina, com CNPJ, com tudo!”

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CONDUTA ||

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mulheres, olhares

Uma é dona de um espaço na cidade de Franco da Rocha. A outra trabalha em um grande salão no bairro de Perdizes. Sem frescura e sem comodismo, vemos a história de duas mulheres diferentes cujas visões de futuro, e da própria profissão, derrubam estereótipos Por: Bruna Santos Fotos: Thais Brazil e Bruna Santos

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Ama

seu trabalho,

busca conhecimento e divide experiências “Sempre tento buscar crescimento. Independente de ganhar mais ou menos, quem estipula seu salário é você”

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M

arcia de Farias, de 49 anos de idade, começou sua paixão pela profissão vendo a carreira de sua mãe. Quase que por um instinto, entrou no ramo aos treze anos e continua nele até hoje. “Eu sempre quis ser cabeleireira. Não me vejo trabalhando com outra coisa”. Em um salão de beleza no bairro de Perdizes, com toda a comodidade que os clientes podem prezar: espaço grande, iluminado, com um grande lustre - que ilumina e decora o lugar - e com estacionamento, é onde Márcia trabalha. Sentamos para conversar em uma bela varanda e ela nos conta sua trajetória em outros lugares como se não tivesse passado muito tempo. A leveza com que aborda sua profissão nos faz pensar que o tempo não passou e ela vive os primeiros cinco anos em sua função. Mas, foram mais de sete anos em um lugar, nove em outro e, agora, está há um ano no Celebrité. Profissionalizou-se por meio de diversos cursos, desde os iniciantes até os avançados, alguns até de marcas conceituadas no país como L’Oréal e Vella. Além disso, ela conta que completou o curso na Academia Tony&Guy nos Estados Unidos, mas não deixa de reconhecer a importância do Brasil em seu processo de aprendizado. “Na reali-

Marcia no salão em que trabalha em Perdizes, SP

dade eu me aperfeiçoei aqui. Busquei informações, mas foi aqui que coloquei em prática. Aqui, expandi meu conhecimento e aperfeiçoei minha técnica”. Como se não bastasse trabalhar com o que gosta seis dias por semana, Marcia ainda concilia seu horário com aulas e até ajuda salões

de bairro onde mora, na Mooca, com dicas sobre o que ela faz de novo no salão atual e que poderia auxiliar no crescimento do outro. “Poder ajudar lá passando informações, dando dicas, me faz feliz! Acho bacana dividir. É gratificante e também uma forma de divulgar meu trabalho”. Outubro 2015 / Colette 37 •


E

Adriana com cliente no salão de beleza. Ao lado, em seu espaço voltado para estética

Ela gosta de resultados e sonha alto •38 Colette / Outubro 2015

m um salão de beleza modesto, em meio a um bairro simples da cidade de Franco da Rocha, na região metropolitana de São Paulo, trabalha Adriana Moda, de 38 anos. É cabeleireira, esteticista e dona de seu pequeno espaço há cinco anos. Sentamos para começar a entrevista enquanto esperávamos ela terminar a unha de uma das clientes. "Aqui eu sou sozinha. Já trabalhei com algumas pessoas, mas não dá certo. Ainda mais com meninas jovens que eu sempre incentivei que quando encontrassem outro emprego, poderiam sair." Mãe de dois filhos, uma adolescente e um menino de 8 anos, ela, que até então só havia trabalhado em escritórios, resolveu que gostaria de ser sua própria chefe. “Trabalhar para as outras pessoas deixa a nossa família, casa, as nossas coisas pessoais um pouco a mercê. Você dá mais atenção para as coisas dos outros do que para as suas. É assim que eu via antes e por isso acabei optando por trabalhar para mim”. Adriana trabalha em meio a vários espaços similares ao seu. Dois na rua de cima, um na rua de baixo. Uma diferença de dez a quinze minutos a separa de mulheres que trabalham há anos como cabeleireiras e com uma clientela fiel e, muitas vezes, amiga. Mas nada a impediu de criar a sua própria clientela, que agora a chama tanto para fazer cabelos e unhas, quanto para os serviços de estética que ela oferece no andar de cima do salão. Quando questionada sobre o que quer criar daqui em diante, a tecnóloga em Estética, não hesita em dizer que quer seguir sua formação e ter uma carreira como esteticista. Ela que já fornece alguns serviços da área,

como tratamentos de pele, vai começar a trabalhar em uma clínica de estética especializada durante os dias da semana e, em seu próprio salão às sextasfeiras e sábados, já que diz não abrir

mão de seu próprio espaço. “Se um dia eu puder ter o meu lugar, voltado para estética, ficarei na parte administrativa e atenderei só os clientes mais exigentes. Isso é um sonho a realizar!” •C

“Eu gosto do final (...) Quando você consegue dar um resultado que a pessoa estava procurando, e você fez isso pelo seu conhecimento. Não foi a marca de um produto, nem a prancha que você usou. Foi você”

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Sociedade

As mulheres felizes são as mais bonitas Audrey Hepburn

MATÉRIAS FEMINISMO WENT ONLINE BELEZA É A MULHER

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O QUE O SEU CABELO NÃO DIZ SOBRE VOCÊ

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ENTREVISTA: Denise Damiani AMARRAS INTERNAS •40 Colette / Outubro 2015

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SOCIEDADE ||

Feminismo

went

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online

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Na era da internet as feministas criam conteúdo, transmitem conhecimento e combatem o preconceito em torno do tema Por: Bruna Santos Fotos: Thais Brazil e Maria Ribeiro

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Foto:Acervo pessoal

A

internet é uma grande propagadora de ideias e, em conjunto com as redes sociais, proporciona a produção de conteúdo por qualquer pessoa com acesso a ela. E é exatamente assim, por meio de sites, blogs, páginas no Facebook, Twitter, Tumblr, etc; que mulheres estão criando cada vez mais conteúdo para explicar e debater o feminismo. Um exemplo disso é o site ‘Não Me Kahlo’, que começou como um debate dentro de um grupo de homens e mulheres chamado ‘Sociedade Racionalista’, virou algo único quando as fundadoras começaram a perceber que o feminismo era um assunto que levantava muita polêmica e ainda era rodeado de muitos mal entendidos. “A internet é uma grande aliada à propagação das ideias feministas, porque ela quebra o monopólio da informação e abre espaço para uma pluralidade de vozes que até então não chegavam à mídia mainstream”, diz Bruna Leão Rangel, advogada e moderadora do Não Me Kahlo. O feminismo pode ser facilmente descrito como a luta pela igualdade entre homens e mulheres, assim como defende a jornalista Stephanie Noelle, “feminismo é um movimento de libertação das amarras da sociedade, das convenções sociais. O resul-

tado é a luta pela igualdade com os homens, igualdade na sociedade, tanto economicamente, socialmente e politicamente”. Porém, ele trata em larga escala também sobre questões de autoestima feminina para que as mulheres comecem a amar seus corpos e a suas aparências no espelho independente da idade. O projeto #TerçaSemMake do site GWS (Girls With Style), tem como objetivo, justamente, fazer com que as mulheres se libertem com relação a como estar, se portar e aparecer para as outras pessoas. Marie Victorino, que agora comanda o GWS com a Nuta Vasconcelos, conta que o conceito de apenas um dia na semana já faz a diferença foi inspirado no #SegundaSemCarne. “É claro que fica mais fácil aderir ao #TerçaSemMake se maquiagem não faz parte da sua rotina. Muita gente fez pouco caso do movimento, dizendo que saem todo dia sem make de casa. Mas a

“É mais importante ter ações do que simplesmente afirmar ‘sou feminista!’ e julgar uma menina”

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Bruna Rangel do site Não Me Kahlo

maioria das garotas mostrou uma certa dificuldade de realmente se expor de cara limpa e acabou que a repercussão foi linda; ficamos felizes de verdade a cada semana, principalmente quando alguma leitora abre o coração e conta sobre a dificuldade de dar esse passo que para tantas parece tão pequeno!”, completa. O GWS começou como uma comunidade no Orkut e a partir de 2009 foi crescendo e ficando cada vez mais como as fundadoras o idealizaram. O conteúdo do site, que hoje tem mais de 20 mil de seguidores no Facebook, engloba moda, comportamento e relacionamento, porém, de forma alternativa e sem impor conceitos de “o que ser nesta temporada”. São sites como esses que mostram que mulheres feministas podem sim gostar de maquiagem e de se produzir para qualquer ocasião. Com ideias pouco embasadas, ainda prevalece na sociedade um preconceito com relação ao feminismo. Mas, o que muitas pessoas não sabem é que parte da luta do movimento é voltada para a autoaceitação das mulheres e para a libertação delas no sentido de poderem ser livres e não serem julgadas por suas escolhas, tanto pessoais, quanto profissionais.

A jornalista Stephanie Noelle, de 25 anos, que trabalhou em revistas femininas, atualmente está no site ‘Petiscos’ e também possui o seu próprio blog intitulado de ‘Chez Noelle’. Ela, que sempre gostou de assuntos relacionados a moda e beleza, chegou a ter dúvidas se poderia se chamar de feminista e ainda gostar de todas essas coisas, mesmo tendo as suas ideias voltadas para o que o feminismo acredita. “Eu pensava ‘não posso falar que sou feminista porque eu trabalho com moda, gosto de moda, eu me arrumo, uso batom vermelho’. Mas, mais ou menos nessa época, li um texto no Think Olga chamado ‘posso gostar de moda e ser feminista?’ e aquilo fez sentido para mim”. A própria Stephanie comenta sobre o julgamento da sociedade. “É mais importante você ter ações, ou tentar desconstruir na sua cabeça esses conceitos, do que simplesmente afirmar ‘sou feminista!’ e julgar uma menina/mulher por ela fazer isso ou aquilo. Os seus atos são muito mais importantes do que um rótulo”, defende Stephanie. E como jornalista de moda e beleza, perguntamos se ela não teve um embate entre o conteúdo produzido por ela e o que ela acreditava como feminista: “Era muito dolorido fazer uma matéria sobre dieta porque era uma coisa que eu não acreditava mais. Não era algo que eu queria que as pessoas lessem e falassem que precisam fazer uma dieta ou pensassem que precisam afinar o nariz. Eu trabalhava em um veículo que é mais conservador nesse sentido dos padrões e na minha cabeça tudo isso já tinha passado. É um pouco frustrante mesmo, por isso que é legal que as revistas estejam mudando, estejam aceitando mais.”

Stephanie Noelle

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Como citado pela Stephanie, a revista ELLE é uma das publicações que estão começando a mudar sua linha editorial para se tornar mais inclusiva. Em maio desse ano para a edição de aniversário a revista criou o #VocêNaCapa, onde no lugar da foto de capa tinha uma espécie de espelho para que a leitora ficasse refletida. Além disso, a edição para iPad deu lugar à Juliana Romano [blogueira de moda plus size] e à outras mulheres de padrões de beleza completamente diferentes. Também comentado pela Stephanie Noelle, o site Think Olga, comandado por Juliana de Farias, Luíse Bello, Bárbara Castro, Gisele Truzzi e Gabriela Lourenço, é outro grande exemplo de conteúdo feminista na internet que ajudou várias mulheres a se identificarem como feministas. Além disso, elas lançaram a campanha Chega de Fiu Fiu, que tem como objetivo chamar a atenção para os assédios verbais e físicos sofridos pelas mulheres nas ruas de todo o país. A campanha foi importante para que as mulheres percebessem que o problema não está nelas ou nas roupas que usam, e para chamar a atenção para um problema social cravado entre os brasileiros. “A campanha do Chega de Fiu Fiu foi muito importante porque nós não temos exemplos de mulheres na mídia que falem sobre isso. Essa campanha fez as pessoas se questionarem mais. Por exemplo, a pessoa fica se dizendo ‘mas eu estava de shorts curto’, mas depois você começa a pensar que se aqueles homens fossem ensinados que não é para desrespeitar a mulher na rua, não é para mexer com ela porque ela não é pública, talvez isso não acontecesse”, diz Stephanie.

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“Fico impressionada com a força e a coragem que elas têm de virem até mim, se exporem, mostrarem na fotografia seus pontos ‘fracos’. Ou seja, aquilo que ditam que elas escondam, elas escancaram, sambam na cara da sociedade mesmo”

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“Por vezes o feminismo abordado nos veículos é inofensivo e limitado”

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Nós Madalenas 1 - Sensibilidade: Larissa Rocha 2 - Existir: Mariana Messias 3 - Renascer: Li lie 4 - Mudança: Paula Renata 5 - União: Clara Averbuck

Fotos cedidas pela fotógrafa Maria Ribeiro

A campanha foi muito propagada e mostra resultados até mesmo na televisão, já que começam a aparecer quadros em programas chamando a atenção das pessoas para o assédio na rua. Mas, tratando-se da mídia televisiva e propagandas publicitárias, as nossas entrevistadas mostram que o país ainda tem muito a evoluir. “A mídia ainda é um grande reforço do patriarcado e por vezes o feminismo que é abordado nesses veículos é um feminismo inofensivo e limitado”, diz Bruna Rangel, do Não Me Kahlo. A internet, também como veículo de comunicação de massa, é uma grande aliada à formação de opinião, e os blogs, sites e até mesmo páginas do Facebook voltadas para o tema, criam uma rede de debate e desconstrução de conceitos defasados. Porém, as vezes, nem é preciso um texto para tratar sobre feminismo, é como diz o ditado “uma imagem vale mais que mil palavras” e é exatamente com imagens que Maria Ribeiro, fotógrafa de 29 anos, mostra a beleza natural das mulheres.

O projeto intitulado de “Nós Madalenas” consiste em uma série de fotografias de mulheres abordando o que significa ser mulher em uma sociedade machista. As imagens buscam evidenciar a luta de cada uma através de uma palavra desenhada em algum lugar de seus corpos. “A proposta é realizar retratos individuais, portrait, em preto e branco, inicialmente de cem mulheres. Cada retrato teria uma palavra que representa essa luta escrita em uma parte do seu corpo, escolhida pela própria fotografada, representando sua experiência pessoal. A união de todos os retratos, todas as palavras e mensagens, trariam uma visão antropológica e social de gênero”, explica Maria. O projeto, que inspira muitas mulheres no país e que agora está em processo para virar livro graças ao financiamento coletivo, também inspira a própria fotógrafa. “A experiência com as mulheres que já fotografaram tem sido extremamente gratificante. Fico a cada dia mais impressionada com a força e a coragem que elas têm de virem até mim, se exporem, mostrarem na fotografia seus pontos ‘fracos’, ou seja, aquilo que a sociedade dita que elas escondam, elas escancaram, sambam na cara da sociedade mesmo”. •C

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Beleza

é a mulher Saímos pela Avenida Paulista e no Parque Ibirapuera para registrar a beleza das mulheres. Em meio a conversas descontraídas, conhecemos não só os belos traços de cada uma, como também um pouco de suas histórias e personalidades. Fomos surpreendidas por aquelas que, mesmo desconfiadas, pararam para falar conosco e por aquelas que, já cheias de sorrisos, deram seus tempos e seus olhares para nossas câmeras Por Equipe Colette

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O QUE O SEU CABELO

NÃO DIZ SOBRE VOCÊ!

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O tamanho de um corte de cabelo não deveria gerar julgamentos. Mas gera! Não deveria ser questionado. Mas é! Não deveria influenciar a feminilidade de mulher alguma. Mas, ao olhar dos outros, influencia! Por: Valéria Lima Fotos: Bruna Santos e acervo pessoal

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ulgamentos e preconceitos acontecem todos os instantes e em todos os lugares. Basta um primeiro olhar, e o que é diferente, automaticamente, torna-se alvo de uma série de pensamentos que começam a ser disparados. E é exatamente isso que ainda acontece com algumas mulheres que, desafiando a opinião alheia, optaram por trocar as longas madeixas, por nucas à mostra. Sim! Elas cortaram o cabelo curto. E não! Não passaram por nenhuma decepção amorosa que motivasse a mudança radical, ou por nenhuma mudança de sexo que as obrigassem a usar determinado corte de cabelo. Por vontade e gosto, elas fizeram o que muitas mulheres julgam ser loucura, e continuam tão ou mais femininas que aquelas que mantêm o cabelo na altura da cintura. O que os cabelos curtos às vezes não dizem sobre suas donas, é que, além da praticidade, elas buscaram também realizar um ato de solidariedade: “Há alguns anos eu já tinha cortado o cabelo por vontade e praticidade. O deixei crescer e agora cortei novamente, mas desta vez foi para doar”, conta Isabelle Alegro, de 25 anos. Além de imaginarem que o corte curto está relacionado a uma boa ação, Isabelle comenta que as pessoas costumam ligar esse estilo de cabelo com a opção sexualidade de quem o usa: “Acham que o corte é só de homem e que mulher com cabelo curto é lésbica, machona, sapatão. Mas qualquer mulher que fuja disso é uma mulher de atitude, que consegue sair desses padrões e continuar se amando, independente do que os outros acham”. É obvio que cortar os cabelos não diminui o caráter de ninguém, mas Julyana Stephanie, de 23 anos, revela que as pessoas passaram a vêla de maneira diferente depois que •58 Colette / Outubro 2015

Isabelle Alegro. Abaixo, Julyana Oliveira. Ao lado, Paula Beatriz

mudou o visual: “Tenho a impressão que me julgam como uma pessoa mais confiante após a mudança do corte”, o que revela uma visão positiva por parte da sociedade, mas, infelizmente, não exclui completamente as ideias errôneas e os julgamentos que essas corajosas mulheres enfrentam. Mesmo que implicitamente, ou de forma bem discreta, há ainda alguns relatos de pessoas que não se acostumaram com a ideia das mulheres terem cabelos curtinhos e acabaram fazendo comentários infelizes. Esse é o caso da Paula Beatriz, de 29 anos, que já foi até chamada de “menininho” por ter abandonado as longas madeixas que, há anos, a acompanhavam. O comentário a deixou muito chateada e, para completar, seu marido foi um dos que não aprovaram muito o novo

visual: “Ele foi um dos que não gostou. Ele não gosta de mulher com cabelo curto”. Esses não foram os motivos pelos quais Paula desistiria do corte, pelo contrário, hoje ela se sente muito mais independente do que quando tinha os cabelos compridos. Com tais depoimentos é fácil enxergar o peso que os estereótipos de um simples corte de cabelo tem, mas, o outro lado da moeda pode ser compensador, pois nenhuma das entrevistadas disseram ter ser arrependido. Se a vontade é optar pela praticidade e rapidez dos fios curtos, ótimo! Aproveite para enfrentar os julgamentos e para quebrar certos estereótipos. Na busca da perfeição, só é feliz quem se aceita. Independente da opinião imposta pela sociedade, dá para ser feminina com cabelo curto! •C

“Acham que cabelo curto é de homem e que mulher de cabelo curto é lésbica, machona, sapatão”

Outubro 2015 / Colette 59 •


ENTREVISTA BATE PAPO //||

D

enise amiani

Sucesso

& poder profissional

Aos 7 anos estudava inglês e aos 12 queria aprender francês. Sonhava em ser aeromoça. Dava aula para meninos da sua rua, fazia blusas de tricô e vendia na escola. Com o dinheiro estudava mais línguas. Aos 18 anos, já falava inglês, francês e italiano. Fez técnico em processamento de dados. Aprendeu espanhol em um mês, durante o horário de almoço. Tem gêmeos. Abriu uma empresa aos 27 anos. Em 3 horas, fechou um contrato milionário nos EUA que era negociado (por outras pessoas) há 2 anos. Cuidou da startup de várias – atuais e grandes – empresas de telecomunicação. Entrevistou mais de 300 mulheres para criar uma ação que as ajudassem a crescer profissionalmente. Tornou-se a única sócia mulher, na América Latina, de uma empresa com mais de 200 mil funcionários. Abriu uma consultoria estratégica e financeira voltada só para as mulheres e virou uma executiva de sucesso

•60 Colette / Outubro 2015

Por: Thais Brazil Fotos: Thais Brazil e acervo pessoal

Outubro 2015 / Colette 61 •


N

osso primeiro contato com a Denise aconteceu via de email. Ao contrário do que se espera de mulheres importantes como ela, em menos de 50 minutos ela aceitou ser entrevistada. Após o encontro, nos chamou para assistir uma de suas palestras, naquele mesmo dia, perto do local onde estávamos. Oportunidade imperdível. Pegamos carona com ela e, de repente, estávamos cercadas por um grupo de mulheres, de diferentes idades e profissões, todas interessadas e empenhadas em discutir um assunto deixado muitas vezes nas mãos dos homens: finanças! Quando Denise pediu para essas mulheres falarem como foi fazer a planilha de controle financeiro da última semana, ouvimos mulheres relatarem o quanto tinham aprendido a controlar o dinheiro, tanto os investimentos, quanto os custos; que começaram a pensar em um plano B, como uma segunda profissão; que sentiram muita aflição ao ver que não há mais como cortar gastos; e até a descoberta de que é possível desassociar o dinheiro do namorado, ou seja, a descoberta de que não é preciso depender dele, do homem. Nesse momento, Denise interfere e diz: “Poxa, ganhei minha semana com isso”. Essa palestra faz parte do atual trabalho de Denise, que abriu sua própria consultoria estratégica e financeira, voltada só para as mulheres, há 3 anos. Mas para chegar em tal posição, não houve sorte! Denise dedicou-se muito, estudou e trabalhou exaustivamente, em lugares onde – muitas das vezes – ela era a única mulher. Enfrentou enormes desafios e, em paralelo, ainda teve que lidar com a competição corporativa (entre colegas de trabalho). •62 Colette / Outubro 2015

Denise no jantar em que descobriu que estava grávida

“Descobri que, dos 50 sócios, todos ganhavam mais do que eu...” O melhor de tudo é que ela não guarda seus aprendizados para si. Denise compartilhou conosco, em uma conversa descontraída, como foi esse processo. Você começou a trabalhar aos 18 anos? O que lhe motivou? Comecei a trabalhar aos 12 anos. Dava aula para os meninos da minha rua, que tinham um ano a menos do que eu, e fazia blusas de tricô para vender na escola. Tudo aos 12 anos de idade? É. Queria trabalhar para estudar línguas. Meu pai achava que era bobagem, por eu ser muito nova. Comecei a fazer inglês quando tinha 7 anos e aos 12 queria fazer francês. Meu sonho era ser aeromoça. Tudo que eu

ganhava aplicava no estudo de novos idiomas. Hoje falo cinco línguas, mas aos 18 já falava quatro. Só o espanhol que aprendi mais velha. Como aconteceu o seu desenvolvimento no primeiro emprego formal? Entrei para trabalhar na área de desenvolvimento de sistemas, em um banco. A elite ficava em uma espécie de aquário de vidro, no fundo, e eu sempre dizia que queria trabalhar lá. Nem sabia o que era exatamente, mas comecei a procurar o chefe dessa área para conversar e entender o que os engenheiros de sistema faziam. Isso com uma semana de banco! O chefe sempre falava que ia conversar comigo, mas isso

nunca acontecia. Após muita insistência, consegui a transferência! Fiquei apenas uma semana sentada no salão e fui para o aquário, que tinha 15 homens - em dois turnos - lindos, maravilhosos, chiquérrimos, com os melhores carros e ternos. Foi então que comecei a entender o que era a área de engenharia de sistema. Entrei na faculdade, comecei a trabalhar em uma empresa americana voltada para o ramo de informática, e minha carreira deslanchou. Teve algum receio de escolher essa profissão, de se inserir em um mundo essencialmente masculino? Não pensava nisso. Na verdade, não queria fazer sistemas, nem engenharia, nada! Queria ficar com o meu namorado que fazia sistemas. Não tinha noção do que estava fazendo, só sabia que pagava bem. Fomos para a faculdade e ele morreu quando eu estava no segun-

do ano. Ou seja, entrei para ficar com ele e acabei ficando sozinha. Nossa, que baque! Na faculdade você teve algum medo ou receio de ser descriminada por ser mulher? Não. Sempre achei divertido ser mulher, porque somos diferentes. Em 800 homens havia apenas duas mulheres! Você sofreu algum tipo de descriminação dentro de empresas? Todas. Uma coisa era perceber, outra coisa era acontecer. Eu era mulher, e jovem. O cara mais novo do grupo que eu trabalhava tinha 40 anos de idade e 20 anos de banco, ou seja, eu era a mascote, a estagiária deles. Era lindinha, magérrima, namorava o filho do diretor e andava de moto! Então, sofria todos os preconceitos possíveis. Mas sempre fui batalhadora e os jargões não colavam - e ainda não colam - em mim.

Trabalho como louca. Mas tem preconceito, sim! E ele é sempre velado, vai mudando de lugar... Se é bonita é porque é bonita, se trabalha muito é porque trabalha muito. Mas qual a maior dificuldade de trabalhar no meio de tantos homens? A maior dificuldade é quando você cresce na carreira. Quando você é jovem, júnior e ganha pouco, está tudo certo. Porque todo mundo está lá para te ajuda. O problema é quando o funil começa a estreitar, quando você começa a subir. Quem está do meio para cima, e principalmente no topo, não está acostumado a ter essa competição. Na minha geração, e até hoje, o topo é só de homens. Portanto, eles competem com 50% da população. Quando eles começam a ver que uma mulher ganhou esse espaço, não é mais tão divertido para eles. Outubro 2015 / Colette 63 •


Com um de seus filhos

Grávida de gêmeos

O que você aprendeu de mais importante com um homem, seja na vida particular ou na profissional? Quando eu tinha 36 ou 37 anos, já no cargo de diretora e passando para um cargo de vice-presidência, tive um diretor que foi muito importante na minha carreira. Ele entendeu o meu valor e disse: “Você sabe cuidar de pessoas e sabe cuidar do cliente, ou seja, você tem o lado comercial e o lado técnico muito desenvolvido. Conheci pessoas boas para cuidar de gente, boas de área técnica e boas de comercial. As três coisas juntas, nesse equilíbrio que você tem, eu nunca vi”. E esse cara resolveu apostar em mim. Ele reconheceu seu trabalho? Ele reconheceu que meu potencial seria uma •64 Colette / Outubro 2015

alavanca para ele. Ele não se preocupou se eu iria Estava prelhe fazer sombra, stes a dar à luz ele só queria um aos dois filhos bom resultado. Convidou-me para trabalhar na área de telefonia, queria ajuda para desenvolver esse ramo. Avisei: “Não conheço nada de telefonia. Sou de tecnologia”. Ele disse que não havia problema, que eu tinha capacidade, enxergou em mim coisas que nem eu enxergava. Como foi a história do contrato milionário que você fechou em apenas 3 horas? Comecei a trabalhar com ele e fui para os EUA. Em uma semana de empresa fui negociar um contrato de 300 milhões de dólares, que três sócios estavam tentando fechar havia dois anos. Eu pensava: “Esse cara é demente para me mandar aqui”. Mas cheguei lá, com minha versão mulher de fazer as coisas, e fui para o escritório do cliente. Todo mundo entrou em polvorosa: “você

não pode ir sozinha, porque você só tem uma semana de empresa”. Eu falei: “não estou aqui para colocar uma bomba, vim para entender o cliente. Vocês estão negociando essa merda desse contrato há 3 anos?”. Procurei o cliente, sentei na frente dele e o ouvi. Três horas de reunião, estava fechado. Por que não tinham fechado antes? Porque nunca ninguém tinha conversado diretamente com o cliente. Ele me falou: “você é a primeira pessoa que aparece aqui em viva voz”. Agora, precisa de muita sensibilidade para mandar uma pessoa com apenas uma semana de trabalho na empresa para fechar um contrato milionário. Você fez o startup de grandes empresas de telecom. Como chegou nisso? Novamente fui desafiada pelo Silvio. Estruturei a operação de telefonia celular de São Paulo, de um antigo grupo - que já foi vendido. Depois, nesse mesmo grupo, fiz a do Rio de Janeiro, a de Belo Horizonte e, por fim, o que hoje é a terceira maior operadora de ce-

Filhos de Denise: Estefan e Leonardo

“A maior dificuldade é quando você cresce na carreira”

lular do Brasil. Coordenei todo o processo, desde a escolha do lugar onde ia ser o escritório, onde iam botar as antenas, até onde ia ser o call center. Fiquei quase louca! Fiz um startup de uma empresa enorme. Quando terminei, falei: “nossa, como eu sou boa!”. Não fiz sozinha, havia mil pessoas que eu coordenava, mas aprendi que podia coordenar mil pessoas, o que também era uma surpresa. Então o Silvio mandou que eu vendesse outra operadora, que ainda não estava no Brasil. Mandou-me para a Itália, para negociar o contrato. Seis meses depois, outra operadora estava comprada e ele me pediu para fazer a startup dela. Fiz isso em São Paulo, no Paraná, em Belo Horizonte e em Salvador. Era a segunda maior operadora do Brasil. Um ano e meio depois, surgiu um projeto

de empresa em Campinas. A essa altura já estava com o pé nas costas. Você domina vários idiomas. Como conseguiu conciliar estudo com o ritmo de trabalho? O espanhol eu aprendi em um mês. Surgiu o projeto de outra empresa e eu fui lá picar pedra com os espanhóis, que tinham acabado de comprar essa companhia. Tive que aprender a falar espanhol. Peguei um professor e fiz ele almoçar comigo, pois não tinha tempo de ficar em sala de aula. O meu chefe, que era espanhol, chegou um dia e falou: “Não estou entendendo, estava aqui o mês passado e você falava inglês comigo. Voltei hoje e você ligou a tecla SAP”. Em um mês eu já falava espanhol, tudo errado, mas já falava. Transformei a empresa espanhola de telecomunicações no maior cliente da

consultoria. Em três anos, sozinha, essa empresa fazia 50% de todo o nosso faturamento. O Silvio, por intuição foi me dando esses desafios. Ele sabia que eu era capaz de, do zero, brotar um negócio enorme. Cuidei dessa empresa durante 5 anos, no Brasil, na Espanha e na América Latina toda, com 1.500 pessoas trabalhando na equipe. Não é uma piadinha. E como era a concorrência no próprio trabalho? Os meus pares odiavam-me de morte. Achavam que eu estava fazendo alguma coisa de errado e começaram a ir atrás disso. Ao invés deles mapearem o que eu estava fazendo certo, eles queriam mapear o que eu estava fazendo errado para poder me ferrar. E eu? Não jogo para a torcida, jogo para o gol. Mas, na hora que um desses caras, que era um dos meus pares, virou chefe, devido à aposentadoria do meu antigo mentor [Silvio], parei de ser a pedra no sapato dele, para ser a ajuda que ele precisava. Instantaneamente ele parou de ser um cara pentelho comigo, para ser o meu Outubro 2015 / Colette 65 •


melhor amigo e, de novo, tive a chance de fazer. Foi nessa época que você foi para o México? Exato. Fiquei três anos e meio no México. Mas meus filhos ficaram aqui. Eu voava todo domingo a noite para a cidade do México, 10 horas de voo, e voltava às quintas-feiras para o Brasil para vê-los. A gente sempre acha que nada pode piorar, mas piorou. Em todos os lugares eu chegava do zero e tinha que crescer. No México, foi pior, pois havia uma dívida enorme. Não tinha dinheiro nem para pagar a folha de pagamento do escritório. Em três anos e meio, fiz o que precisava e virei amiga do Carlos Slim. Mandei embora 200 pessoas e recontratei 400. Quer dizer, fizemos outro escritório. Depois disso, qual o principal aprendizado? Os homens que se beneficiavam do que eu trazia de resultado, foram os homens que me deram a chance de mostrar que eu podia ter resultado, ao mesmo tempo me jogavam na fogueira. Então, eles foram muito importantes para a minha carreira. Não que na hora eu achasse bacana, era uma loucura! Esse momento, no México, foi o pior na sua carreira ou teve situações mais puxadas? Foi o pior na minha carreira do ponto de vista físico; era muito difícil não dormir e ter aquele “batidão” do trabalho. Mas foi uma época boa. Arrumei até um namorado novo. Fazia 15 anos que eu não tinha um namorado e, morando em outro país, era tudo muito louco. Mas emocionalmente, em termos de trabalho, tive épocas mais difíceis. Como quando? Como quando fui promovida a sócia e tinha muitas duvidas sobre a minha competência. A gente sempre acha que tudo que aconteceu na vida foi por sorte, então você pensa que é uma fraude, que está tudo errado. Eu achava que iriam descobrir •66 Colette / Outubro 2015

Em evento Global Summit of Women

que eu não era nada daquela maravilha que eles pensavaffm. É nesse ponto que os homens, que estão em volta e morrendo de inveja, lhe fazem uma coisa: jogam todo o tipo de bomba. Logo que virei uma executiva sênior, foi a fase mais difícil. Quando estava no México era cansativo, mas eu tinha muito reforço. Imagina uma empresa, que tem cinco mil sócios, 200 mil funcionários, dizer que você é a única que eles acham que pode resolver uma situação. Não era verdade, isso era uma maneira de me convencer a ir, mas eu era uma das possibilidades, então era muito legal. Qual foi o seu melhor momento profissional? O melhor momento profissional é hoje! Se você tivesse perguntado sobre

qualquer setor da minha vida, teria a mesma resposta. Adoro o hoje, ele é sempre de energia. Eu me aposentei, faço consultoria porque quero, do jeito que quero, escolhi ajudar as mulheres empreendedoras. Vi que é difícil ser mulher e estar sozinha. Não preciso mais viajar aquele tanto que eu viajava, monto a minha agenda com menos compromissos. Apesar de trabalhar 14 horas por dia, porque gosto, não preciso mais fazer um pé de meia, pois ele já está feito. Hoje trabalho sem a preocupação de construir um patrimônio. Durante muito tempo eu tinha a fixação de que iria morrer pobre, que ninguém iria cuidar de mim. Era completamente histérica e neurótica com isso, mas hoje, o que eu faço, me dá prazer.

Como surgiu a ideia de criar a consultoria estratégica e financeira só para mulheres? Percebi que as meninas, sozinhas, não dariam conta de tocar isso se não tivessem poder. E eu, que cheguei lá, tendo poder, seria uma sacanagem, uma filha da putisse, fechar os olhos para isso e dizer: “Eu vou cuidar só de mim”. Você abriu sua própria empresa já com o intuito de ajudar as mulheres? Sempre cuidei das meninas nas empresas em que trabalhei. Quando eu me aposentei, elas estavam tão acostumadas, que continuavam pedindo ajuda, uma conversa. Percebi que existia uma necessidade de mercado para o que eu fazia e que eu tinha tempo para fazer

“Fiz um startup de uma empresa enorme. Quando terminei, falei: nossa, como eu sou boa!”

aquilo de maneira mais dedicada. Resolvi ajudar essa mulherada, porque acho que é uma obrigação de quem já passou por isso e tem condição. Mas nas empresas antigas você já tinha lidado com a questão da inserção feminina no trabalho? Em 2000 chegou um pedido do presidente mundial da consultoria que eu trabalhava, e que hoje fatura

70 bilhões de dólares por ano, para eu ir a uma reunião com seis mulheres sócias do mundo inteiro por falar sobre diversidade. Não é que ele gostava de mim, é que se ele procurasse sócias na América Latina toda, só tinha eu de mulher. Nessa reunião, ele disse que, no futuro, o mercado seria de mulheres tomando decisão de compra. Com isso, as empresas que não tiverem, Outubro 2015 / Colette 67 •


no comando, mulheres pra entender o seu mercado consumidor, não vão ter vantagens competitiva. Ele falou também que quase todas as empresas, no mundo, tem mais ou menos 3% de mulheres no topo. Então esse cara, Joe Forehand, lançou o desafio: “Nós temos que ter 30% de mulheres sócias nessa companhia”. Nessa época, eram 3% mulheres e 97% homem. Você ficou responsável pela implantação do projeto? Voltei animadíssima! Chamei todos os meus sócios e fiz o resumo da minha semana. Eles olharam para mim, 50 sócios e só eu de mulher, e disseram que eu estava iludida, que no Brasil não havia preconceito contra as mulheres e acabaram com o papo. Elaborei uma lista de 200 mulheres que saíram da empresa porque quiseram e não porque foram demitidas, chamei uma por uma e entrevistei todas! A pergunta básica era porque haviam saído da empresa. Contaram-me tudo. Chamei os sócios de novo e falei: “Fiquei tão impressionada que não temos preconceito, que fui conversar com as meninas que saíram daqui. Sabem aquelas boas, que a gente não queria perder e que foram para concorrência? Aqui estão os motivos que elas saíram. Gelo! Branco geral! Meia hora de explicação, todo mundo absolutamente em silêncio. Apareceram coisas muito graves; elas contaram que nunca mais voltariam para lá. Quando terminou a minha explanação, eles disseram que entendiam, que não tinham conhecimento disso e que não sabiam o que fazer. Qual foi o plano para ter 30% de mulheres na liderança? Comecei pedindo para o RH a lista de salários. Descobri que tinha 25% de diferença entre homens e mulheres. Chamei o diretor de RH, que começou a gritar e dar pulos: “você não pode contar isso para ninguém, porque isso •68 Colette / Outubro 2015

é uma mentira. É contra a lei. Nós pagamos todo mundo igual”. Eu falei: “Que boa notícia você está me dando. Tirei tudo isso do nosso sistema de cargos e salários. Se o sistema está errado, vamos corrigí-lo e pronto.” Ele saiu espumando de ódio. É uma delícia ter poder, né? Porque se eu fosse uma idiota qualquer ele não me daria atenção. Em 2 anos não tinha mais ninguém que tivesse salário diferente. Fui para o México e, quando voltei, o que aconteceu com a essa lista? De novo diferente. Naquele momento, na ‘compesation’, mulheres ganhavam R$1.100, homens R$1.900. Peguei isso e comecei a controlar. Quantas vagas têm para diretora? Cinco. Quem são os candidatos? Dez homens e uma mulher. Achem mais mulheres, porque eu quero 30% das vagas preenchidas por mulheres. Não tinha cota, mas tinha esse olhar mais crítico. Saímos de 3% para 18%, em 6 anos. E em relação ao seu salário? Você sempre esteve satisfeita? Fiz uma descoberta em 2002. Era sócia já fazia cinco ou seis anos e nunca tinha aberto a listagem de compensation dos sócios. Quando abri, descobri que, dos 50 sócios, todos ganhavam mais que eu, que fazia 50% do faturamento da empresa. O meu salário era o último da lista, com mais de 25% de diferença! Foi essa descoberta que motivou o pedido de demissão? Foi. Liguei para a Espanha e falei: “caro chefe, amanhã não estou mais aqui, estou me demitindo”. Todo mundo começou a me ligar. O chefe do chefe, que estava em Londres, me chamou até lá. Fui conversar com ele. Nunca vou esquecer. Ele desceu do elevador, suando em bicas, porque sabia que se me perdesse eu ia trabalhar com o concorrente. Ele perguntou qual era o problema e eu expliquei a questão da listagem. Sabe o que ele disse para mim? “Nunca achamos que salário fosse im-

portante para você”. Por fim, ele disse que eu ficaria e corrigiu meu salário, que virou o maior de todos os sócios. Aí aguente, as bombas vinham em granadas. Os meus pares enlouqueceram. Voltando para a igualdade dentro das empresas, você é a favor de cota para as mulheres? Por quê? A cota é um modelo transitório para ajustar uma desigualdade. Se não tiver cota, você vai levar 800 anos para chegar lá. Pensa: você tem poder, hoje tem 50% da população que está fora de debater esse poder e brigar por isso. Você quer incluir os outros 50%? Os homens não vão abrir espaço. A cota é um jeito de avançarmos nessa frente. É igual ao que fiz com o RH. Determinei que queria 30% e que deveriam achar mulheres boas. Não tem mulher boa? Tem mulher boa pra caramba! Não haveria outra forma de conseguir abrir esse espaço? Ter homens com outra cultura. Não acontecerá nesse momento. Falando de poder, conhecimento e experiência, há alguma dica que você possa dar para as mulheres que estão começando a carreira? Tem muita dica, mas, talvez o resumo seja otimismo. Primeiro, se você precisa, você vai atrás. Eu percebo que a minha força triplicou quando os meus filhos nasceram. E quintuplicou quando eu me divorciei e eles tinham um ano de idade. Era eu e Deus para cuidar deles. Não é que eu não tinha preguiça, eu tinha, mas corri atrás. •C

Dicas: “Se você precisa, agradeça à Deus, porque eu acho que a necessidade faz com que a gente se movimente” “Não lembre dos tombos. Lembre das vitórias” “Busque ajuda, porque sozinho, ninguém faz nada!” Outubro 2015 / Colette 69 •


SEXO ||

Amarras internas Nojo! Mas não é de nenhum inseto ou verme. É nojo do próprio corpo. Vergonha! Mas não é de nada errado ou ilegal. É vergonha de sentir prazer. Medo! Não do escuro, de altura, ou de doenças. O medo é de experimentar, e gostar! São muitos os tabus sexuais femininos, mas o caminho da felicidade (e não estamos falando daquele abaixo da barriga) pode depender justamente da libertação de algumas amarras e, por fim, ser muito... Muito prazeroso! Por: Thais Brazil

•70 Colette / Outubro 2015

A

ssim como se alimentar, entregarse às sensações do corpo a corpo, e às vontades sexuais, é um ato natural. Sem aspas, sem adendos, sem frescuras, transar é comum, faz parte da vida e faz bem! Mas restrições existem, e os tabus – que vão muito além do sexo oral e anal – ainda não foram superados. “Claro que existem, infelizmente, muitos tabus femininos. O primeiro, ainda, é em relação ao próprio corpo. Muitas mulheres sequer ouviram falar que existe um órgão que dá prazer, e cuja função é só essa, que é o clitóris. Muitas ainda têm culpa de sentir desejo, e muitas chegam a acreditar que é um pecado, que a função da mulher ainda é procriar”, afirma a Dra. Lelah Monteiro, que é sexóloga, educadora sexual e integrante da Rádio Globo, com o quadro “Sexo, Imaginação e Fantasia”. Lelah também menciona que atualmente as mulheres – mesmo aquelas mais independentes – ainda possuem uma visão religiosa e cultural sobre o sexo, o que as fazem querer se confessar e até pedir perdão por terem transado! Mas por que a culpa? “Para muitas, o sexo ainda é uma questão proibida, pecaminosa, errada e suja. Não gosto dessa palavra porque caracteriza o sexo e o coloca em um local de excreção, sendo que, na verdade, o que eliminamos no ato sexual são líquidos totalmente limpos”, esclarece a sexóloga.

“Muitas mulheres ainda têm culpa de sentir desejo, e muitas chegam a acreditar que é um pecado”

Toque feminino. Por que não? Ao passo em que os tabus e as culpas se estabelecem e podem, ainda, se fortificar após a primeira relação sexual, a masturbação feminina, que é considerada a campeã de dúvidas pela sexóloga Lelah, é uma amarra interna que pode se revelar muito tempo antes de a mulher ir para a cama com o seu escolhido. “A dúvida mais recorrente é como se masturbar e o que a mulher pode fazer para sentir prazer durante esse ato”, diz a sexóloga, que se diz já estar habituada a responder questões como essas. Mas se a dúvida existe, a vergonha e o preconceito andam lado a lado com ela. Consultadas pela nossa reportagem, mulheres revelaram que se masturbar, mas não quiseram conversar sobre o assunto: “Eu faço e acho incrível para se conhecer. Daria conselhos à amigas para fazerem também. Mas, falar sobre isso para uma revista é esquisito!” e a explicação que muitas dão é simples: não gostam de falar sobre e, muitas vezes, não querem sequer falar para as amigas mais próximas.

Larissa Buran, de 24 anos, que não se inibiu com o tema, revelou: “comecei a me masturbar mais ou menos com a idade em que perdi a virgindade, de 16 para 17 anos. Não fiquei com vergonha porque só estava eu e o vaso sanitário, então, para mim, é normal. É uma coisa minha!”. Se para o homem é natural falar de masturbação, pois culturalmente todos sabem que a grande maioria tem o hábito de se “divertir” sozinho, para as mulheres esse é um assunto um tanto quanto delicado, pois a repressão sexual ainda é forte e, mesmo entre aquelas que consideram a masturbação natural, o medo dos julgamentos ainda as fazem guardar em segredo o prazer que sentem ao se tocarem. Na visão da educadora Lelah, a repressão sexual, não só da masturbação, mas de qualquer variação do sexo, é um dos tabus femininos mais preocupantes, pois além da mulher se boicotar – ao pensar que o sexo é errado –, ela ainda julga aquelas que o fazem, que sentem prazer e que falam sobre o tema. Outubro 2015 / Colette 71 •


+

O permitir-se “Só agora, com 35 anos, descobri o que realmente é prazer”. Foram duas décadas, desde a perda da virgindade, até o momento em que Edna Ferreira redescobriu o sexo e sentiu o quão mais prazeroso ele poderia ser. Mesmo desinibida, com uma vida sexual ativa, mãe, com um casamento de 17 anos, mas, agora, divorciada e bem experiente, Edna também sentiu na pele um pouco do impacto que alguns tabus sexuais têm sob as mulheres. “Descobri agora que eu posso me satisfazer sozinha. Apesar de não praticar e apenas imaginar a masturbação, já sinto vontade, ainda mais quando penso no que estava fazendo no dia anterior, com o homem que estou saindo. Ainda não fiz, mas tenho curiosidade”, diz Edna, que não julga quem se masturba e que considera a busca pelo prazer sexual totalmente válida. Mas o fato de poder se satisfazer sozinha não foi o que fez com que Edna redescobrisse o sexo e,

consequentemente, novas sensações prazerosas. Após divorciar-se do homem com quem conviveu por quase 20 anos, pai de sua filha, Edna conheceu uma pessoa que lhe apresentou, desde o primeiro encontro entre quatro paredes, um universo nunca antes experimentado por ela. “Ele me fez descobrir o que tenho para oferecer no ato sexual. E estou descobrindo muitas outras coisas. Como por exemplo: nunca tinha usado nenhum tipo de brinquedinho, e ele sempre usa comigo”, diz. A princípio, os brinquedos eróticos podem não parecer tão poderosos a ponto de fazer uma pessoa redescobrir o sexo, mas depois de experimentar, Edna afirma, de forma convincente, ser outra mulher na cama: “Hoje eu me sinto experiente no que diz respeito a sexo. Eu sei como excitar um homem. Sei o que fazer no ato. Não espero por ele e penso mais em mim. Quero que ele me deseje, mas, acima de tudo, quero ter prazer!”. •C

Cultura MATÉRIAS

74 CIDADÃS GLOBAIS 80 CRÔNICA 90 CINEMA NACIONAL

“Eu sei como excitar um homem. Não espero por ele e penso mais em mim. Quero que ele me deseje, mas, acima de tudo, quero ter prazer!”

•72 Colette / Outubro 2015

Outubro 2015 / Colette 73 •


P

Poltrona, pipoca e cinema nacional Apesar de grande parcela dos ingressos ainda ser voltada para os filmes estrangeiros as produções nacionais crescem, aparecem e vem chamando cada vez mais atenção dentro e fora do país. Mas, ainda há fatores a serem discutidos e revertidos no cinema brasileiro Por: Bruna Santos

•74 Colette / Outubro 2015

roduções nacionais fazem parte da vida dos brasileiros, já que é improvável uma pessoa jovem ou adulta nunca ter visto pelo menos um dos seguintes filmes: “O Auto da Compadecida” (2000), “Lisbela e o Prisioneiro” (2003), “Se eu fosse você” (2006), entre tantos outros que conquistaram e entreteram o público brasileiro. Enquanto as produções de filmes crescem no país, a distribuição para as salas de cinema ainda é um problema a ser resolvido, assim como o número de salas que é pequeno, levando-se em conta a dimensão do território nacional. Segundo relatório anual da ANCINE (Agência Nacional do Cinema), o Brasil encerrou o ano de 2014 com somente 2.830 salas de exibição, sendo 182 destas inauguradas no ano passado. Mas, apesar do pequeno número de salas, o país chegou à marca de 155,6 milhões de espectadores, um aumento de 4,1% com relação a 2013; o que indica que o número de brasileiros que têm acesso e vão ao cinema aumenta a cada ano. Um levantamento realizado pela nossa reportagem com 130 pessoas, indicou que 64,5% vão ao cinema pelo menos uma vez por semestre. Além disso, 96,4% das pessoas assistem à filmes nacionais, porém somente 48,6% o fazem no cinema. Quando questionados sobre a classificação dada aos filmes, 56,5% dizem ser ótimos ou bons, e 36,2% os consideram regulares. Não souberam classificar totalizaram 2,2% e péssimo ou ruins, 5%. “O mercado audiovisual brasileiro produz muito filme que precisa ser mais bem divulgado, porque esses longas sempre ficam expostos em cinemas undergrounds para públicos menores e segmentados. Por outro lado, os filmes de comédia de domingo

que são expostos em cinemas mainstream são mais assistidos. É mais fácil as pessoas assistirem à uma comédia no cinema do que “O Lobo Atrás da Porta” - um dos melhores roteiros adaptados do Brasil. Não generalizo, mas em meio a tantas comédias pré-fabricadas que foram lançadas ao longo dos últimos anos, há muitas coisas incríveis para se assistir e se fazer aqui”, diz Ana Luíza Custódio, 21 anos, em nossa pesquisa. Juliana Lopes, 28 anos, também defende que os filmes brasileiros são bons e têm um belo futuro pela frente, ainda que não tenham efeitos especiais tão grandiosos quanto os hollywoodianos: “Hoje temos filmes originais, inovadores, roteiros impecáveis que valem a pena serem vistos. Histórias reais estão sendo retratadas. Não são ‘blockbusters’, nem têm os efeitos especiais mais sensacionais do mundo, mas temos conteúdo. Temos um longo caminho a percorrer, mas o nosso cinema tem futuro”, diz. Pensando em trazer mais diversidade às salas e garantir que o produto nacional seja exibido, a ANCINE criou cotas obrigatórias que ditam o número de dias que um complexo exibir um filme e a quantidade de títulos diferentes. “Complexos de uma sala devem exibir filmes brasileiros por, pelo menos, 28 dias no ano – e, ao menos, três títulos diferentes. A cota varia de acordo com o porte do complexo, até o máximo de 63 dias (em média) por sala, para complexos de 7 salas – que devem exibir, ao menos, 11 filmes nacionais diferentes. O número mínimo de títulos brasileiros diferentes também aumenta progressivamente até chegar aos 24, para complexos com 16 ou mais salas”, informação do press release da Agência, sobre a publicação do decreto que estabelece a cota de tela em 2015, disponível no site oficial. A partir da estipulação das cotas, os filmes que acabam preenchendo Outubro 2015 / Colette 75 •


Assistem filmes brasileiros:

96,4%

SIM Assistem filmes nacionais no cinema:

48,6% 51,4%

NÃO

Foto: Lacuna Filmes

SIM Opinião sobre Cenas do filme ‘Hoje eu quero voltar sozinho (2014)

o percentual em cada um dos complexos são as comédias - geralmente produzidas pela Globo Filmes - o que acaba dando a falsa sensação de que esse é o gênero dominante no país. E, apesar de algumas pessoas considerarem isso algo ruim, Daniel Ribeiro, diretor do filme ‘Hoje Eu Quero Voltar Sozinho’ (2014), vencedor de diversos prêmios dentro e fora do país, bem como do Festival de Berlim, defende que as comédias ocupando espaço nas salas de cinema é algo bom e pode ser considerado como o pontapé inicial tanto para chamar atenção do público, quanto para trazer lucro e ânimo para os complexos. Outro fator que atinge muito os filmes brasileiros é a preferência dos exibidores por produções internacionais, em especial as americanas. Em entrevista com o crítico de cinema Celso Sabadin, ele diz que o Brasil é um país muito grande para ter menos de 3 mil salas de cinema, e que ainda •76 Colette / Outubro 2015

são dominadas por circuitos multinacionais como Cinemark, UCI, etc; que privilegiam o produto estrangeiro. “É preciso não apenas criar mais salas, como também garantir que tenham uma diversidade de programação, assegurando mais espaço para o filme brasileiro”, completa. Celso também fala sobre a produção nacional que é feita em boa quantidade anual – cerca de 100 longas lançados por ano – e sobre a mobilização de centenas de cineastas dispostos a fazerem filme no Brasil. “É incrível a quantidade de bons filmes que estão sendo feitos por todo o país e que ninguém consegue assistir por falta de uma política adequada de exibição e distribuição. É um ‘cinema fantasma’. Existe, mas ninguém vê. Também percebo uma boa vontade nas políticas públicas de financiamento ao cinema, existe uma máquina montada para isso, mas é preciso desburocratizá-la, agilizá-la”.

Sobre o incentivo do governo para a produção de filmes, Daniel Ribeiro elogia e diz que atualmente está mais fácil fazer filme aqui do que em alguns outros países. “Tem muitas pessoas da minha geração produzindo seus primeiros filmes [‘Hoje eu quero voltar sozinho’ foi o primeiro longa produzido por ele]. A quantidade de primeiros filmes lançados nos últimos anos é muito grande porque tinha esse dinheiro para investir em gente nova. Cresceu muito a produção no nordeste, filmes de Manaus, filmes de lugares que geralmente não têm uma produção cinematográfica grande”. O filme de Daniel Ribeiro, que foi exibido no país em abril de 2014, é um exemplo de como a população está interessada em filmes nacionais com boas propostas e roteiros bem estruturados. Contando a história de um casal de adolescentes homossexuais que se apaixona e, ainda, tendo como um dos personagens um deficiente

visual, o filme trata sobre a descoberta da sexualidade e do amor adolescente de forma bela e sensível. Vencedor do Festival de Berlim, o filme estreou com 38 salas no Brasil. Porém, a grande visibilidade que a história já tinha por conta do curta metragem ter sido disponibilizado no Youtube em 2011, fez com que o número de salas aumentasse devido aos pedidos do próprio público aos cinemas de suas cidades. Em São Paulo o filme foi exibido nas salas do Itaú Cinemas e no Cinemark do Shopping Santa Cruz, o que já foi uma conquista para o diretor. Mas em muitas cidades o filme não estava disponível em nenhuma sala de cinema, como foi o caso de Uberlândia (MG) que, após requisições do público, passou a ter algumas sessões de exibição do filme. “Nosso filme teve esse boca a boca muito grande que ajudou a manter o longa em cartaz, ajudou a crescer, a ir para outras salas, então não foi tão

os filmes:

44,2%

BONS 36,2%

REGULAR 12,3%

ÓTIMOS 4,3%

RUINS 0,7%

PÉSSIMOS Outubro 2015 / Colette 77 •


“Cresceu muito a produção no nordeste, filmes de Manaus, filmes de lugares que geralmente não têm uma produção cinematográfica grande” Daniel Ribeiro

•78 Colette / Outubro 2015

Foto: Acervo pessoal

“É incrível a quantidade de bons filmes que estão sendo feitos por todo o país e que ninguém consegue assistir por falta de uma política adequada de exibição e distribuição” Celso Sabadin

ruim. Se a gente tivesse lançado em 200 salas provavelmente teria sido um fracasso. Acho que não tínhamos esse público que iria ‘bombar’ logo de cara. Nós fizemos um lançamento médio e bom para a gente, deu muito certo e ele cresceu”, analisa Ribeiro. Entrando em méritos de gênero, o cinema nacional também precisa melhorar seu desempenho com relação à inserção das mulheres, tanto em frente, quanto atrás das câmeras. São poucas as mulheres roteiristas, diretoras de filmes e atrizes protagonistas que não estejam em papel de casal em comédias românticas. E esse número fica ainda menor quando se leva em consideração o volume de mulheres negras. Segundo pesquisa da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), divulgada em 2014, mulheres negras e pardas não participaram de filmes de grande bilheteria entre o período de 2002 e 2012. A pesquisa teve amostragem de 218 filmes e aponta que somente 15% deles tiveram mulheres negras ou pardas em seu elenco principal e só 4,4% do elenco de destaque nos filmes. Com relação à direção, 14% são do sexo feminino e, destas, nenhuma delas é negra. No caso das roteiristas, 26% são mulheres e, também, nenhuma delas é negra. Um dos poucos filmes estrelados e dirigidos por mulheres, está em cartaz no país e em outros 14 países. “Que horas ela volta?”, interpretado pela Regina Casé e dirigido por Anna Muylaert é sucesso de crítica e emocionou muitos espectadores. Portanto, são muitos os fatores que ainda precisam ser melhorados no cinema nacional. Desde mais salas de exibição, até o incentivo para que mais mulheres de todas as raças, façam parte das produções e tragam para o país uma nova perspectiva nas telonas. •C

Assistir e prestigiar O Auto da Compadecida (2000): Dois nordestinos: João Grilo (Matheus Natchergaele) e Chicó (Selton Mello) tentam ganhar a vida no sertão da Paraíba em meio à diversas aventuras.

O bicho de sete cabeças (2001): Neto (Rodrigo Santoro) e seu pai têm um relacionamento problemático e que piora quando Neto é levado para um manicômio. Lá ele vive a terrível realidade e a loucura dos pacientes internados.

Lisbela e o prisioneiro (2003): Lisbela (Débora Falabella), romântica, e Léleu (Selton Mello) mulherengo nato, se apaixonam e em meio ao romance, surgem aventuras e muitas risadas.

Se eu fosse você (2006): Helena (Glória Pires) é casada há 20 anos com Claúdio (Tony Ramos). Após um desentendimento e com a ajuda de uma conjunção astral, os dois trocam de corpos e tentam desperadamente reverter a situação.

O lobo atrás da porta (2014): A partir da investigação do desaparecimento de uma criança, casos envolvendo amor, traição e vingaça são revelados. O suspense tem nomes como Leandra Leal, Milhem Cortaz e Fabiula Nascimento.

Que horas ela volta? (2015): Val (Regina Casé), é uma babá que mora na casa de seus patrões em São Paulo e se prepara para receber a filha. Mas, quando Jéssica (Camila Márdila) começa a se comportar de maneira que não era esperada, a situação se complica para todos na casa.

Fotos: Globo Filmes e Gullane Filmes

Outubro 2015 / Colette 79 •


CULTURA ||

Cidadãs globais Elas foram viajar e trabalhar em outros países sem qualquer ombro amigo ou família por perto para dar conselhos. Tiveram alguns momentos de desespero, mas viveram grandes experiências. Viajar sozinha pode não ser fácil à primeira vista, mas essas mulheres contam que pode ser muito bom arriscar Por: Bruna Santos Fotos: Acervo pessoal

F

oi se o tempo em que viajar era coisa de outro mundo. Agora, os brasileiros estão conhecendo cada vez mais as cidades coloridas do próprio país e as cores de lugares ao redor do globo. Sempre tirando fotos em família, aproveitam cada novidade de um lugar novo a ser descoberto. Mas, o que ainda não é tão simples quanto tirar um passaporte em grupo, é pegar o avião sozinha rumo ao desconhecido e à cultura nova. Entrevistamos três mulheres

•80 Colette / Outubro 2015

que em diferentes fases da vida, saíram da rotina e foram sozinhas encontrar novas experiências e aprender ainda mais a lidar com a independência. Ainda que muitas vezes o destino e a razão da viagem possam não terem sido estudados com antecedência por todas, cada lugar do mundo trouxe uma realidade diferente que complementou suas visões de mundo. Flávia Yoshimura, 21 anos, estudante de Publicidade e Propaganda conta o que viu e viveu no ano que tirou para trabalhar na Dinamarca, Egito e Índia. Outubro 2015 / Colette 81 •


F

lávia, morou até os 15 anos no Japão, trabalhou como voluntária na AIESEC (Associação Internacional de Estudantes de Ciências Econômicas e Comerciais) e sua primeira viagem sozinha era como realizar um sonho. “Ir sozinha era uma das coisas que brilhavam meus olhos. Ter experiências, me virar. É um sentido de liberdade muito grande”. Ela que já trabalhava na AIESEC da ESPM há dois anos, não hesitou em participar do processo seletivo para comandar uma equipe de homens mais velhos em evento da organização na Dinamarca. Aprovada, ela conta que as diferenças culturais de lá são exemplos a serem seguidos. “Senti uma diferença grande em questão de níveis hierárquicos. Eu marquei uma reunião com a diretora de RH da Microsoft com uma mensagem no LinkedIn. O que não acontece no Brasil ou é muito difícil. A forma como eles te veem é de igual para igual”. O seu maior choque cultural veio quando ela foi trabalhar como voluntária no Egito. Os quatro meses que se seguiram não foram em nada parecidos com qualquer experiência que ela já tinha vivido. Um país de cultura diferente e que é considerado como um dos mais perigosos para as mulheres. “Na Dinamarca eu sentia que tinha igualdade de gênero. Então, foi um baque sair de lá para ir ao Egito. A Dinamarca me deu autoconfiança com relação a ser mulher e no Egito é totalmente diferente. O olhar também é muito diferente”. Além das diferenças, Flávia encarou mais um desafio: ensinar inglês para refugiadas da Somália. E mesmo à frente de uma sala só com mulheres vestidas com burcas e lenços, disse que não sofreu preconceito. A coragem e a independência já não são mais novidade quando ela conta o primeiro momento de •82 Colette / Outubro 2015

2 “Se não tivesse arriscado não teria sido tão enriquecedor, não teria me fortalecido tanto”

3 1

4 5 1 - Flávia no City Palace, Índia 2 - Menino indiano em Jaipur, Rajasthan 3 - Rio Ganges, Índia 4 - Foto com amigos, Dinamarca 5 - Flávia em passeio de camêlo, Egito 6 - Elefante com tradicional pintura, Índia

6 Outubro 2015 / Colette 83 •


medo no país. “Eu estava sozinha no táxi voltando para casa do trabalho. O taxista começou a fazer perguntas e então começou a se masturbar. Entrei em estado de choque. Quando ele parou o carro eu saí correndo”, conta. O Egito foi um misto de boas experiências e acontecimentos que ela carrega na lembrança, com alguns (poucos) momentos de tensão e medo. A jovem ficou dois meses trabalhando como voluntária e um pouco mais de um mês como professora remunerada em uma escola particular para crianças, enquanto já se preparava para o destino que ela vinha sonhando desde o começo: Índia. Chegando a falar com certeza de que nasceu em terras árabes em outras vidas, ela, com brilho nos olhos diz que a Índia foi o lugar que mais a fez feliz. “A Índia foi onde eu estava mais sozinha, tive mais desafios, viajei mais e foi uma oportunidade de autoconhecimento maior”. Trabalhando em uma empresa de Marketing, ela largou o lugar cômodo em condomínio fechado para ser uma das hóspedes na casa de uma indiana. “Achei uma senhora que aluga quartos para mulheres. Todos falavam que eu não me adaptaria, mas eu amei porque foi onde eu tive contato com as pessoas. Eu dormia em uma sala com quatro ou cinco camas, tinha que tomar banho de caneca, mas eu estava no centro, aprendi a cozinhar comida indiana e foi a melhor coisa que eu fiz na Índia”. Flávia conta as aventuras que ela passou nos quatro meses que ficou no país e mostra, mais uma vez, que não tem medo de fazer nada sozinha. Em um lugar onde não é recomendado que mulheres andem sozinhas, ela teve que ir de um lugar a outro a noite sem nenhuma companhia. “Ocorrem situações que não são agradáveis, mas vale a pena o risco”. •84 Colette / Outubro 2015

A

rianna Ortolani, 27 anos, começou receosa em sua primeira viagem sozinha que foi à Alemanha em 2013. “Estava insegura por vários motivos: é um país distante, com uma língua desconhecida - eu não falava nada de alemão, falo inglês - e também a insegurança da realização do evento em si que era muito grande, envolvia um investimento super alto e a gente tinha que trazer retorno daquilo”. O evento do qual Arianna se refere é “InnoTrans”, feira que acontecesse a cada dois anos na Alemanha e da qual a empresa onde ela trabalhava na época, e atuava como Gerente de Marketing, era expositora. Com 24 anos e sem saber falar alemão, ela nos conta que não só ela, mas, também sua família, ficou com medo de sua ida sozinha, mesmo sabendo que a viagem seria de curta duração (cerca de vinte dias). Porém, é fácil perceber tal insegurança quando

Visita ao Taj Mahal

partimos do principio de que a viagem toda não foi uma escolha e decisão da Arianna, mas sim algo que ela tinha a necessidade de fazer por conta do trabalho por ela desenvolvido. Assim como é normal em uma viagem ter momentos de turista maravilhosos, com belas paisagens e grandes conhecimentos, também é normal momentos de desespero pelos mais diversos fatores. Quando perguntamos à Arianna se teve algum momentos em que ela desejou voltar, ela responde de pronto: “Logo que cheguei! A viagem é muito longa, eu cheguei a noite, muito cansada e na hora que eu fui ligar o chuveiro, achando que iria melhorar, cai aquela água com menos 15 graus na minha cabeça (eu não sabia que precisava ligar o aquecedor do quarto). Tive uma crise de choro lá mesmo”.

O momento pode até ser engraçado quando ela fala sobre o assunto, mas certamente não foi na hora, já que poderia ter interrompido sua viagem ali mesmo. E, caso ela resolvesse voltar para o Brasil, onde ela se sente confortável, perderia momentos tanto de aprendizado pessoal, quanto de conhecimento da cultura local e interação com pessoas de outros países. E foi em uma dessas interações que ela conheceu uma família de italianos: “Teve um dia que eu sentei em um bar e chegou uma família de italianos. Eu estava em uma mesa gigante – que só tinha eu – tomando cerveja, olhando o movimento, falando no What’s App loucamente e ainda estava muito chateada porque era casamento de uma amiga e eu não pude ir. Eu cha-

Arianna em parte da sua viagem à Alemanha

Outubro 2015 / Colette 85 •


“Aproveite cada momento porque acaba. Não deixe de fazer nada que você tem vontade. Não se prenda”

Portão de Brandemburgo

Em bar na cidade de Berlim

mei o garçom, levantei e falei ‘Fala para eles ficarem com essa mesa, vou sentar ali naquele cantinho’. Fui sentar no outro canto e vieram duas pessoas da outra família, acho que o pai e a mãe, me agradecer. Depois, veio uma taça de vinho na minha mesa e quando eu virei para agradecer eles perguntaram por que eu não sentava com eles. Acabei sentando lá e conversando um pouco. Então, [viajar sozinha] é uma ótima oportunidade de você conhecer pessoas de todos os tipos e de todos os lugares os possíveis”. Após os vinte dias na Alemanha, ela diz que pensa em viajar sozinha novamente e, talvez, esse destino seja exatamente a Itália. O desejo de explorar todos os lugares do país a faz querer andar pelas ruas sozinha, já que pode planejar seu próprio roteiro sem ter conflitos de interesses com alguma outra pessoa caso fosse acompanhada. O que acaba sendo uma das grandes vantagens em pegar o avião e seguir para outra cidade sem nenhum acompanhante a vista. •86 Colette / Outubro 2015

Catedral de Berlim

“Vieram duas pessoas da outra família, acho que o pai e a mãe, me agradecer. Depois, veio uma taça de vinho na minha mesa e quando eu virei para agradecer eles perguntaram por que eu não sentava com eles. Acabei sentando lá e conversando um pouco.”

B

runa Lucindo, 26 anos, começou a desbravar seu lado independente quando decidiu viajar dentro do próprio país. Sua primeira experiência sem nenhum acompanhante foi para Maceió no estado de Alagoas, onde ficou durante dez dias. “Foi minha primeira viagem e foi para me conhecer porque você sempre tem medo de viajar sozinha, então eu tive que tomar coragem. Resolvi ir sozinha para Maceió para ver se dava certo. Então eu fui e foi maravilhoso! É uma descoberta muito boa e eu conheci um monte de gente”. Após a experiência bem sucedida da viagem para Maceió, Bruna se sentiu mais tranquila para pegar o avião e fazer um intercâmbio para Malta, uma pequena ilha com somente 423 mil habitantes, no continente europeu. Na experiência, que durou um mês, com acomodação em casa de família, ela estudou para aprimorar o inglês e aproveitando o tempo livre para conhecer o país e ir para outros lugares da Europa, como Londres na Inglaterra e Madrid na Espanha. Assim como as pessoas tem motivações diferentes para decidir fazer uma viagem, ela teve a sua, porém a sua motivação foi um tanto quanto ruim. Enquanto esperava o ônibus para ir trabalhar às 5:40 da manhã, ela foi abordada por três homens que roubaram sua carteira e levaram todo o dinheiro nela, além de documentos e cartão de crédito. “Eu pensei ‘Vou viajar! Vou mostrar que eu posso muito mais’, então comecei a guardar dinheiro e depois disso aconteceram várias coisas boas na minha vida. Por exemplo, resolvi ficar um ano sem cartão de crédito depois que eles me roubaram já que vai vir uma pessoa e vai me tirar tudo, eu não vou ter mais nada - e isso me ajudou a parar de gastar”.

Bruna em passeio pelas praias de Maceió

Outubro 2015 / Colette 87 •


Acima, Valletta, capital de Malta. A esquerda, Bruna e sua irma em Londres, Inglaterra. Abaixo, Ilha de Malta.

O intercâmbio para Malta aconteceu em agosto de 2014 e foi um divisor de águas para ela que classifica o tempo que viveu lá como enriquecedor por poder ter contato com pessoas de várias partes do mundo e trazer essas pessoas para sua vida. Além disso, a língua estrangeira que primeiro a deixou insegura, depois veio como um grande aprendizado. Corajosa, por pegar uma experiência ruim e transformá-la em algo bom e ir viajar sozinha conforme sua vontade, Bruna diz que aproveitou cada momento de Malta e já está planejando sua próxima viagem. Ideias são o que não faltam para uma mulher decidida e com metas bem estabelecidas. Ao perguntarmos a sua viagem favorita, Bruna diz que é impossível se ater a somente uma já que cada experiência é única e vem carregada de seus próprios fatores, acontecimentos, paisagens e culturas. “São emoções diferentes. Maceió serviu para me descobrir como pessoa e ver que tudo é possível; que eu consigo fazer novos amigos, viajar e ser feliz. E Malta foi minha primeira viagem internacional, então tem toda aquela descoberta de você falar uma nova língua. São descobertas diferentes”.

A

manda Noventa 31 anos, é dona do site de viagens “Be Happy Now”, é colunista do Estadão e é cheia de histórias [muito boas] de viagens para contar. Batemos um papo rápido com ela para pegar algumas dicas e descobrir um pouco o que ela prefere quando arruma suas malas e sai do país rumo a um novo lugar cheio de coisas a serem descobertas.

Ilhas Seychelles

4 dicas para não passar apuros:

1) Se conhecer, fazer testes e saber como reage quando viaja sozinha; 2) Tomar os mesmo cuidados que toma no Brasil em qualquer outro lugar do mundo; 3) Conversar com as pessoas. É bom para se sentir mais segura, conhecer pessoas e é uma maneira de pertencer ao lugar; 4) Não parecer muito turista, tentar não tirar muita foto para não vacilar e ficar atento a tudo. Quantidade de dias para um teste antes de uma grande viagem: “Pode ser até uma noite ou um dia em algum lugar diferente. Para uma viagem sozinha depende do lugar e do que tem para você fazer naquele lugar” Hostel ou hotel “Depende, mas gosto de hostel pelo conceito e oportunidade de conhecer gente diferente.

•88 Colette / Outubro 2015

Cuba

Continente preferido “Tenho uma paixão que preciso muito desapegar pela América do Sul. Aqui tem tudo que você imaginar: geleira, deserto, montanha, praia; tudo que você quiser.”

Serra do Cipó - Minas Gerais

Pior experiência “Não tive, mas imprevistos acontecem em qualquer situação, viajando ou não.” Lugar preferido no momento “Ando muito apaixonada pela Patagônia. É um lugar incrível! Lá tem muita coisa diferente, é um paraíso daqueles de você pensar ‘Nossa, isso existe’.”

Patagônia - Argentina Outubro 2015 / Colette 89 •


CRÔNICA||

Exclusiva

Única:Você! A

l g o que é particular. Única e excluisivamente seu. Talvez seja a pinta acima da boca ou aquela mancha de nascença que você carrega no pescoço. Talvez seja o seu cabelo loiro encaracolado ou sua pele mulata de cabelo liso. Talvez seja suas longas pernas ou o seu 1,60 m de altura. Talvez seja sua cintura fina ou suas curvas estonteantes. Talvez seja ao contrário, talvez seja um pouco diferente ou seja tudo isso junto e misturado. Particularidades são suas características e também seu jeito de pensar. São as coisas que você gosta, ama, odeia, do que faz você vibrar ao reconhecer de longe ou das coisas pelas quais você tem vontade de virar as costas. Particularidades são todas as coisas que fazem de cada uma exclusiva, única. Pode ser que elas estejam

juntas ou separadas, mas fazem de você, assim como é para todas as mulheres. Lutas, desabafos, sapatos, batom vermelho, menstruação, desejos, cabelos do jeito que são, como te agrada mais, pele com ou sem base, unha bem feita ou com o esmalte gasto já no final da semana. Não importa como for, não importa se não está perfeita e se seu temperamento não é fácil as vezes. A beleza está nas diferenças, em como cada pessoa é, sente e vive sua vida. Um mundo onde tudo é igual não tem a mínima graça. Por isso, não tente ser como ninguém, seja somente você mesma! Um dia me disseram que coisas uniformes e padronizadas não são de todo interessante e cheguei a conclusão de que essa pessoa está certa. Por isso, seja o que você for, seja o que quiser e suas particularidades.

Por: Bruna Santos

•90 Colette / Outubro 2015

Outubro 2015 / Colette 91 •


•92 Colette / Outubro 2015


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