t Girl Novel Volume 6
Tempted Garota em Tentação
Posso resistir a tudo, menos à tentação. — OSCAR WILDE
Jenny pode respirar aliviada. Um “admirador” garantiu sua permanência na Waverly Academy e ela não foi expulsa. Só falta descobrir quem foi, e o baile de Halloween é a ocasião perfeita. Fantasias, máscaras e clima de sedução no ar! A sorte parece estar mesmo a favor de Jenny, e até seus maiores inimigos poderão, enfim, surpreendê-la.
enny Humphrey pisava confiante nas imensas poças que havia no longo caminho de cascalho que saía do campus da Waverly Academy, espirrando água nas resistentes galochas verdes J. Crew de três estações atrás. Chovia praticamente sem parar nas últimas semanas e os gramados verdes e amplos da Waverly estavam tomados de folhas de carvalho de cores vivas que cintilavam na chuva, formando um mosaico brilhante no extenso terreno. — Jenny! Jenny olhou para a esquerda. Um grupo de três meninas de short de náilon marrom e curto por cima de leggings pretas e casacos impermeáveis marrons da Waverly corria na direção dela, lideradas por Celine Colista, a cocapitã veterana do time de hóquei de grama. Como sempre, ela estava impecavelmente glamourosa, com o cabelo preto num coque elegante. As meninas pararam na frente de Jenny, correndo sem sair do lugar, os tênis brancos salpicados de lama. — E aí? Está fugindo pra onde? — Celine colocou a mecha molhada do cabelo preto atrás da orelha e abriu um sorriso largo para Jenny. Jenny olhou as três meninas e se perguntou se também devia começar a correr regularmente para manter a forma, agora que a temporada de hóquei de grama estava quase no fim. Ai. — Pra cidade. — Jenny inclinou a cabeça na direção do centro de Rhinecliff e uma gota de chuva pesada escorreu pelo nariz sardento e meio arrebitado. — É claro que esperei até a última hora para pensar numa fantasia. — O baile anual de Halloween da Waverly aconteceria na noite seguinte e nos últimos dias só se falava sobre as fantasias. Emmy Rosenblum, a menina esguia à direita de Celine, inclinou-se para frente para coçar um músculo da panturrilha, o cabelo encaracolado caindo no rosto. — Vai encontrar alguma coisa legal na Next-to-New. — Jenny ia exatamente ao brechó. Não que ela tivesse muitas opções nas duas quadras de Rhinecliff. Suas alternativas eram gastar uma quantia obscena em um vestido de grife na Pimpernel’s, ou usar uma fantasia de plástico dos Tranformers da Rite Aid. Quando Emmy se ergueu, seu rosto estava corado, embora o cabelo conseguisse voltar ao lugar com perfeição. — É, você é tão meiga e pequenininha... Pode achar algo no estilo fada ou coisa assim — propôs Celine, olhando Jenny de cima a baixo. — De Fada Sininho, quem sabe? — A terceira menina, uma ruiva alta que Jenny não reconheceu, pôs as mãos nos quadris se inclinando para trás e alongando um tendão. — Boa ideia. — Jenny mudou de posição a alça de sua bolsa tipo carteiro LeSportsac, que desagradavelmente esmagava seu peito grande, e puxou a bainha da capa de chuva curta
e preta H&M-mas-que-parece-Michael-Kors. — Mas será que as fadas, sabe como é, podem ter peitos assim? Celine, Emmy e a menina que Jenny não conhecia deram uma gargalhada antes de partir para o outro lado. — Boa sorte com a fantasia. E devia mesmo vir correr com a gente um dia desses — disse Celine, olhando para trás. — É um saco, mas ainda é meio divertido. — Obrigada pelo convite — disse Jenny ao olhar as pernas longas dispararem pelo campus. Ela ficaria a quilômetros das meninas, mas ainda assim... Era bom ser convidada. Jenny continuou a andar pelo caminho encharcado. Era bem difícil acreditar que quase duas semanas antes ela esteve andando por esse mesmo caminho, com a bolsa de viagem perigosamente abarrotada com tudo o que havia no seu quarto de alojamento e que não coube nas caixas prontas para envio a seu apartamento em Nova York. Agora, tudo estava diferente — resumido no fato de que Celine Colista queria que Jenny corresse com ela. Só o que precisou, pensou ela com ironia, enxugando as gotas de chuva do rosto com a mão já molhada, foi confessar um crime que não cometeu — e estar disposta a ser expulsa por isso. Ela não sabia muito bem por que confessou ter provocado o incêndio que destruiu a fazenda dos Miller. Mas no calor do momento, na sala do reitor Marymount cheia dos Suspeitos de Sempre, parecia que todo mundo — Tinsley e Callie, que estavam lá para acabar com ela, é claro, mas na verdade mais do que isso — queria que ela fosse expulsa, então a “confissão” de Jenny saiu de seus lábios com facilidade. Naquele momento ela teve a impressão de que o último lugar na terra que lhe cabia era a Waverly Academy, lar de lindas filhinhas de milionários e gente naturalmente descolada que a odiava. Mas agora as coisas tinham mudado. Jenny sabia que certamente parecia a mesmíssima pessoa que era duas semanas antes — baixinha, mas com um corpo legal devido aos treinos no campo de hóquei, e meio peituda demais para seu gosto — e, no fundo, ela era a mesma. Mas todos que a cercavam pareciam vê-la sob uma ótica diferente, como se ela fosse uma espécie de semideusa por escapar da expulsão. Ela se sentia como uma daquelas pessoas à beira da morte, que descem um longo corredor para “a luz” e no último segundo são puxadas de volta à vida. E a vida era ainda melhor do que antes. Ela entrou na rua principal de Rhinecliff, desviando de uma babá que empurrava com pressa pela calçada um carrinho de bebê cheio de coisas. Enquanto se desviava com um salto, Jenny viu um moreno lindinho sentado numa banqueta na janela do Coffee-Roasters. Ele abriu um meio sorriso curioso para ela enquanto tomava um gole de sua caneca de café gigante, como se soubesse de um segredo sobre Jenny. O coração de Jenny palpitava enquanto ela continuava a andar pela calçada. Quem era ele? Seria seu admirador secreto? Nas últimas semanas, ela só conseguia pensar no fato de que alguém tinha subornado a Sra. Miller para contar ao reitor Marymount que o incêndio não foi criado por uma das alunas, mas por uma das vacas da mulher. No mesmo dia a Sra. Miller foi vista no banco de Rhinecliff, conversando sobre planos extravagantes de reforma da fazenda e construção de uma casa de hóspedes novinha onde antes existia o celeiro. E todo mundo sabia que nenhuma seguradora pagaria tão rápido. Então, quem diabos queria ter tanta certeza de que Jenny permanecesse na Waverly? Ela precisava saber e, embora fosse uma tolice, não conseguia deixar de comentar com Brett, rindo e fazendo piada de quem seria seu “salvador secreto”. Ao andar pelas ruas de Rhinecliff, de repente Jenny se lembrou de um passeio que fez ali semanas antes, olhando as vitrines com Julian. Um breve lampejo de... do quê? Algo entre tristeza e arrependimento passou por ela. Jenny tentou não pensar nele ultimamente, e andou
tão ocupada que acabou conseguindo. Parecia fazer um milhão de anos que eles foram... Sei lá o que foram. Se é que foram alguma coisa. Mas antes que pudesse pensar melhor nisso, ela expulsou de sua mente todos os pensamentos sobre Julian. Queria ficar totalmente concentrada na tarefa que tinha — encontrar uma fantasia bacana de Halloween que não a levasse à falência nem a deixasse parecida com uma anã com peitos de stripper. Vários sininhos soaram alto quando Jenny abriu a porta da Next-to-New. Uma jovem de regata branca e uma bandana vermelha no cabelo tirou os olhos do livro surrado que lia, atrás do balcão, e acenou com indiferença para Jenny, que limpou as galochas no capacho marrom e irregular, tentando se livrar da última gota de água. A loja ficava bem em frente à Pimpernel’s, a butique metida a besta cujas roupas ficavam nas araras por ordem de cor, apenas um vestido de cada modelo, em geral de tamanho PP. A Next-to-New parecia estar recheada de roupas saídas de mil sótãos. Lembrava a Jenny de andar pelos corredores das feiras de rua de Greenwich Village, que escondiam todo tipo de pechincha — e também toneladas de lixo. Jenny viu pendurada no teto uma fantasia de galinha com penas amarelas, acompanhada de um bico laranja. Que ótimo. Com sua sorte, ela terminaria usando isso em sua primeira festa de gala na Waverly. O que seu admirador secreto pensaria disso? Co-có, co-có. Ela riu consigo mesma. Encostadas na parede dos fundos, havia araras e mais araras lotadas de vestidos longos que pareciam vintage, usados uma vez só pelas Waverly Owls antes de ser abandonados para a próxima grande ocasião. Jenny foi direto até lá. Passou as mãos nos tecidos delicados e sedosos, virando habilidosamente as etiquetas para ver o tamanho. Um vestido de melindrosa rosa-claro com uma gola muito baixa atraiu sua atenção e ela o retirou delicadamente da arara, segurando-o contra o corpo e perguntando-se se manteriam seus peitos no lugar. — Este é incrível — gritou Rifat Jones ao sair do minúsculo provador com uma calça boca de sino de camurça marrom e um halter top dourado e cintilante que veio direto do Studio 54. — É para a festa? Jenny olhou o vestido rosa. Parecia algo cuspido por uma máquina de algodão-doce. — Acho que é meio... brilhante demais para mim. — Ela o espremeu na arara e continuou a vasculhar os vestidos. — Vou de rainha disco. — Rifat tocou os quadris magros e olhou a barriga achatada exposta pelo halter top. — Mas não que eu vá ganhar ou coisa assim. — Ganhar o quê? — Examinando os vestidos, Jenny viu um bege de um ombro só, um daqueles que pareciam tão perfeitos em um cabide que só podiam ficar horríveis quando você experimentava. Jenny teve uma súbita visão dela mesma vestida de Cleópatra — ela foi “escalada” para fazer Cleópatra quando a Srta. Rose pediu a todas as alunas para ler os papéis de Antônio e Cleópatra, de Shakespeare. (Todos os outros papéis femininos eram de criadas ou esposas mandonas, enquanto ela ficou com a gostosona — nada mal.) O vestido parecia uma toga e Jenny podia imaginar a rainha egípcia produzida na última moda de Roma. Jenny entrou no provador ao lado do de Rifat, pendurando o cabide na porta e chutando a LeSportsac molhada para o canto. — O concurso de melhor fantasia. — A voz de Rifat vagou pela divisória de tecido vermelho enquanto Jenny rapidamente tirava a capa de chuva e jogava as roupas na banqueta. Ela prendeu a respiração, na esperança de que sua sorte continuasse e o vestido coubesse à perfeição. — Fazem no final da festa de Halloween todo ano. É bem importante... Quem vencer ganha uma coroa e tudo. — Que divertido. — Jenny entrou no vestido com os pés descalços e passou o braço direito pela cava, puxando-o cuidadosamente para cima. Ela sacudiu um pouco o zíper pela
lateral, procurando não agarrar no tecido, fechando o minúsculo gancho na axila. Não havia espelho no provador, então ela puxou a cortina de pano e voltou ao salão da loja. Rifat tinha vestido jeans escuros e um suéter de gola rulê de lã mesclada. Olhou para Jenny. — Caraca, Jenny. — Mas que demais! — Alison Quentin apareceu do nada, os braços carregados de vestidos de baile, indo para os provadores. — Você parece uma estrela de cinema. Jenny estava ocupada demais examinando sua imagem no espelho de três faces e moldura dourada para registrar as palavras de Rifat e Alison. O vestido coube como num sonho. Uma trança fina de ouro passava abaixo dos seios de Jenny, erguendo-os um pouco. Embora a gola fosse recatada, o vestido caía nas laterais e quase não tinha costas. Jenny olhou o reflexo por sobre o ombro, tentando decidir se ela era o tipo de garota que podia usar um vestido de costas nuas. Pôs a mão no quadril e girou o corpo. Tinha de admitir que seu ombro à mostra ficava muito sensual, mesmo com a pele clara e meio sardenta. — Acha que posso ir de Cleópatra do Egito? — Ah, total — Rifat se entusiasmou. — Sabe de uma coisa, eu tenho um bracelete dourado em forma de cobra que ficaria demais com ele. — É mesmo? — Jenny sorriu e tirou o cabelo do pescoço, deixando que os cachos roçassem o ombro nu. Era quase fácil demais. Depois de todo estresse e ansiedade por que passou desde que pôs os pés no campus, parecia que os deuses do colégio interno finalmente sorriam para ela. — Vai ser páreo duro para a Tinsley. Ela se virou abruptamente para Rifat. — Como assim? — Só de ouvir o nome, seu humor radiante foi destruído. Nas últimas semanas, a única coisa que a deprimia era pensar que Tinsley Carmichael a odiava tanto que realmente tramaria para que Jenny fosse expulsa da Waverly. E pensar que Julian tinha ficado com Tinsley não ajudava em nada. Nem o fato de que Callie, a colega de quarto de Jenny, participara da trama. Na semana passada, depois da aula de Retrato Avançado, Easy Walsh a puxou de lado e lhe contou, gentilmente, ter descoberto que Callie tinha armado com Tinsley para incriminar Jenny e fazê-la parecer culpada de ter incendiado o celeiro. Uma coisa era saber que Tinsley Carmichael a odiava — mas mesmo depois de todos os altos e baixos, Jenny ficou arrasada ao saber que Callie se voltara tanto contra ela. Alison puxou a cortina do provador que Rifat tinha deixado e jogou seus vestidos dentro dela. Desenrolou um fino cachecol florido do pescoço. — A Tinsley ganhou o concurso de fantasia do ano passado... E do ano retrasado também. E as calouras nunca vencem. Rifat assentiu. — É mais um concurso de popularidade. Ela sempre foi meio que a favorita. Alison sorriu e bateu o cachecol florido na cintura de Jenny. — Até agora. Jenny deu uma última olhada no espelho. Normalmente, desconfiaria que fosse um daqueles espelhos que emagrecem, que ela não podia estar tão bem na vida real como estava no reflexo. Mas sentia que finalmente podia mandar às favas as neuroses sempre presentes. Ela estava ótima. Ela se sentia ótima. E seria ainda melhor colocar Tinsley Carmichael no seu devido lugar.
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AlisonQuentin: Vai de gangsta ou Nixon? AlanStGirard: Parada dura. Pra quem vc tiraria a roupa? AlisonQuentin: Nixon tem aquela coisa do poder... AlanStGirard: Então pode me chamar de Sr. Presidente. AlisonQuentin: Vi agora a fantasia de Jenny — totalmente gata. AlanStGirard: Coitado do Julian — essa ele estragou mesmo! AlisonQuentin: Soube o que ele fez? A Jenny não conta. AlanStGirard: Não, ele se faz de bobo. AlisonQuentin: Vai ver o problema é esse.
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JennyHumphrey: Tô pensando em Cleópatra. É exagerado? BrettMesserschimidt: Pode se exibir, garota. Seu admirador secreto dará uma olhada em você e finalmente sairá da toca! JennyHumphrey: A esperança é a última que morre...
rett Messerschmidt chutou a perna da mesa da Sra. Horniman com a ponta da bota preta Sigerson Morison, tentando não ficar irritada por sua orientadora tê-la convocado à sala e não estar presente. Havia uma xícara fumegante de café na mesa coberta de papéis, a única prova da presença recente de um ser humano. Brett afundou em uma desconfortável cadeira de madeira e continuou a esperar. O som de saltos estalando ecoou no corredor e o corpo de pera da Sra. Horniman apareceu na porta, seu cabelo grisalho e curto balançando. — Boa-tarde — disse ela gentilmente enquanto se jogava atrás de sua mesa, a cadeira de madeira rangendo sob seu peso. — Desculpe pelo atraso. — Ela afastou a blusa de cetim branco do peito e a abanou, indicando uma mancha grande cor de café. — Acidente com bebida. — Tudo bem — respondeu Brett automaticamente, endireitando-se na cadeira. Uma Waverly Owl não resiste à tentação de se divertir com o nome da Sra. Horniman, às vezes especulando como seria seu nome de solteira — Fuckmeister, Screwalot — mas na realidade ela era uma das melhores orientadoras. Também ministrava todos os seminários preparatórios para a universidade que eram obrigatórios e sabia exatamente como colocar seus alunos nas instituições mais exclusivas. E todos gostavam de sua atitude franca e sem rodeios, mesmo aqueles que se perguntavam em voz alta se na cama o marido dela fazia jus a seu nome. A Sra. Horniman empurrou a cadeira giratória para trás e torceu a vareta da persiana. Raios de luz do final da tarde caíram pela mesa. — Como você está? — perguntou ela com seriedade, apoiando os cotovelos na mesa e inclinando-se para frente a fim de olhar Brett. Ela espiou por cima da armação vermelha de plástico dos óculos que pareciam algo usado por uma âncora de telejornal dos anos 80. Brett sentiu a língua se soltar e teve de reprimir o impulso de vomitar tudo o que vinha lhe acontecendo, como se Horniman fosse sua terapeuta, e não a orientadora. Em vez disso, ela assentiu. — Bem, obrigada. — Ela olhou a estante de teca cheia de catálogos de universidade agora obsoletos graças à Internet, as duas pombas de cristal que arrulhavam uma para outra em cima da mesa, o globo artesanal em sua armação de madeira no canto. A Sra. Horniman era famosa por girar o globo durante seu discurso de você-pode-chegar-a-qualquer-lugar-nomundo que recitava com paixão na primeira vez em que se reunia com um novo orientando. A Sra. Horniman recostou-se na cadeira e empurrou os óculos de aro vermelho no nariz. — Sei que você... ah... tem tido muita falta de sorte ultimamente. Falta de sorte. Era uma maneira gentil de colocar a questão. Até agora, todo segundo ano de Brett tem sido uma sequência de falta de sorte — a começar por ter se apaixonado por Eric Dalton, conselheiro do Comitê Disciplinar e um galinha, depois largado o doce
namorado Jeremiah Mortimer, comprometido-se em algumas festas ilícitas demais, conquistado fama como a única representante de turma bissexual da história da Waverly, estado presente no incêndio de um celeiro... Epa! Depois que começou a pensar seriamente nisso, Brett sentiu o pânico crescer no peito. E se a Sra. Horniman dissesse que ela transformou seu segundo ano em tal desastre que não havia como ingressar na Brown? Brett olhou a unha com esmalte azul-claro Hard Candy lascado. — Acho que é uma avaliação muito precisa. — Mas, excetuando isso... — O telefone preto e quadrado na mesa da Sra. Horniman tocou e ela apertou um botão para silenciá-lo. — Como está indo seu semestre? Brett deu de ombros, o pânico crescendo. — Acho que está tudo bem. — Ao que parecia ela se esquecera de que, estando no segundo ano, devia estar pensando em suas candidaturas a universidades, preparando-se para seus testes SAT e ampliando seu repertório de atividades extracurriculares. Se falava sério sobre a Brown — ou a Berkeley, ou a Swarthmore ou qualquer uma de suas opções preferenciais —, precisava se organizar e se manter longe de problemas. E ela precisava do apoio da Sra. Horniman. A Sra. Horniman cruzou as mãos na mesa e fixou seu olhar maternal em Brett. — Quero que saiba — começou ela, tombando a cabeça para o lado, o cabelo grisalho caindo nos ombros — que, apesar de suas recentes... aventuras... você ainda é uma das melhores alunas da Waverly. Nosso corpo docente sempre se surpreende ao ouvir seu nome associado com desordens de baixo nível que inevitavelmente ocorrem quando adolescentes moram juntos com tanta proximidade. Brett sorriu, pela maneira como ela resumiu desordens que aconteciam na Waverly, e alisou o vinco da calça de lã de risca de giz Theory, demonstrando sua gratidão. Ela corou ao pensar nos professores falando dela em particular. — Escute, me lembro de como eu era na sua idade; mas quando vim para a Waverly, as coisas eram menos... notórias, digamos assim. — A Sra. Horniman recostou-se na cadeira e olhou atentamente para uma foto num porta-retrato na mesa. A foto estava de costas para Brett. — O que estou querendo dizer é que todos aqui, inclusive eu, a têm em alta consideração. Brett respirou fundo, tranquilizando-se de imediato. Tudo bem, então ela não tinha estragado irreparavelmente sua vida. As últimas duas semanas na Waverly lhe deram ansiedade — todo o drama da caça às bruxas pelo incêndio, seguido da quase expulsão de Jenny, combinando com seu próprio turbilhão pessoal, tinha esgotado os nervos de Brett. Ela ainda estava se acostumando a desconhecidos convidando-a para sair porque sabiam que ela tinha beijado uma garota — era estranho. Mas Brett de repente se sentia segura e livre no casulo da Sra. Horniman, como se as coisas fossem voltar a fazer sentido pra ela. — Obrigada — disse Brett com sinceridade. — Agradeço por dizer isso. — Não há de quê — respondeu a Sra. Horniman, sorrindo. Brett percebeu uma mancha de batom vermelho no incisivo esquerdo da orientadora. — Lembre-se de que estou sempre aqui. Pode me procurar por qualquer motivo, seja ou não relacionado com a escola. Não se esqueça disso. — Não me esquecerei — prometeu Brett. Ela agarrou os braços da cadeira, prestes a se levantar e voltar à biblioteca, sentindo-se pronta para atacar os livros preparatórios para o SAT naquele momento. — E para provar que não estou só enchendo sua bola... — continuou a Sra. Horniman. Brett relaxou os braços e ocultou a tentativa de saída esfregando as mangas do suéter de gola rulê e manga bufante L.A.M.B. listrado de rosa e preto. — Vou pedir sua ajuda.
— Claro, qualquer coisa. — Brett assentiu com ansiedade, animada com a ideia de trabalhar em algum novo projeto para a Sra. Horniman que a levaria de volta às boas graças da direção. Ajudar com a feira estudantil? Perfeitamente. Ajudar a projetar um novo plano de estudos para um curso preparatório para a universidade? Mas é claro. — Um de meus orientandos do último ano corre o risco de não se formar. — A Sra. Horniman abriu na mesa uma pasta parda que estivera ali durante toda a reunião e Brett se perguntou se este era o verdadeiro motivo para sua presença ali. — Ele é um... Bem, detesto a palavra problemático... Abusam tanto dela, em especial em minha linha de trabalho. Digamos que ele precisa de alguém que coloque seus estudos nos trilhos. Pronta para isso? Servir de monitora? O coração de Brett afundou. Ela sempre foi uma das alunas mais inteligentes da sala, e estava acostumada a ter professores dependendo dela para ajudar outros alunos que não se saíam lá muito bem. Mas nunca entendeu por que era responsabilidade dela ensinar alguém a conjugar verbos em francês, ou o que fosse — até parece que ganhava alguma coisa por isso. E agora? Sua orientadora queria que ela impedisse um aluno preguiçoso do último ano de não se formar? Brett imaginou que os pais do garoto estavam mais preocupados com a Waverly do que com o próprio filho — ela sabia, por experiência própria, que os garotos ricos tinham de se formar na Waverly. Eles podiam ser expulsos, é claro, e de vez em quando eram convidados a tirar uma licença, mas raras vezes repetiam no último ano — ela imaginou que seu novo pupilo devia estar na categoria dos sobrecarregados. Mas um olhar na estante cheia de catálogos de universidades, muitos de lugares que Brett nuca ouvira falar, foi o bastante para lembrar a ela de que uma pequena concessão não doeria. — Perfeitamente — respondeu Brett, sabendo que não tinha alternativa. — Diga o que posso fazer. — Creio que ele vai reagir bem a você... Os dois têm, ah, uma formação semelhante — acrescentou a Sra. Horniman, remexendo nuns papéis do arquivo antes de olhar para Brett. Brett tentou analisar o significado desta mensagem enigmática e esperou que a Sra. Horniman explicasse melhor — será que o pai dele também era um cirurgião plástico podre de rico? A mãe dele colecionava chihuahuas? Mas ela não explicou e Brett deixou para lá enquanto a Sra. Horniman tentava fazer com que Brett engolisse a ideia. Ela lhe passou uma ficha azul-celeste pela mesa. Dizia SEBASTIAN VALENTI, junto com todas as informações de contato, a lápis. Como se ele pudesse ser facilmente apagado, se fracassasse... Ou se o fracasso fosse de Brett. Ao se levantar, ela deu uma olhada na foto na mesa da Sra. Horniman, aquela para qual a orientadora ficava olhando com um sorriso. Era uma foto do Sr. Horniman, de camisa pólo e calça cáqui, curvado sobre um taco de golfe em um gramado luxuoso em algum lugar com palmeiras. A foto pode ter sido tirada por qualquer um, imaginou Brett, mas de algum modo ela sabia que fora feita pela Sra. Horniman. A quem mais o marido olharia daquele jeito quando a foto era batida? Então o olhar de amor era assim? Brett olhou a foto enquanto pendurava a alça da mochila Prada no ombro, pensando em Jeremiah. Todas as suas traições a assaltaram de uma vez só: a traição a Jeremiah com o Sr. Dalton, depois largar Jeremiah quando ela descobriu que ele dormira com Elizabeth — embora já tivessem terminado quando isso aconteceu — e depois a história com Kara, que claramente tinha mais a ver com ela do que com Jeremiah. Brett passou a ponta dos dedos nas têmporas. Se ela fosse Jeremiah, não a aceitaria de volta. Ele precisava ser louco. — E — acrescentou a Sra. Horniman, com os olhos verdes cintilando diabolicamente — a experiência será maravilhosa para o seu currículo.
Brett assentiu e abriu um sorriso forรงado ao sair da sala da Sra. Horniman. Pelo menos agora tinha um projeto, um projeto que a ajudaria a esquecer Jeremiah e o buraco que ele deixou em sua vida. Um projeto de nome Sebastian Valenti.
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De: NancyHorniman@waverly.edu Para: AnitaAndrews@waverly.edu; BrandonBuchanan@waverly.edu; MayurDeshmukh@waverly.edu; HeathFerro@waverly.edu; SageFrancis@waverly.edu; JasonGreenberg@waverly.edu; EmilyJenkins@waverly.edu; MatthewSpeiser@waverly.edu; KaraWhalen@waverly.edu Data: Quarta-feira, 30 de outubro, 16:45h Assunto: Seminário Preparatório para a Universidade. Prezados alunos, Como todos sabem, cada candidatura a uma universidade exige uma recomendação de seu orientador de ensino. Mas antes que eu possa mandá-los alçar voo ao céu com meu selo de aprovação, vocês sabem que devem concluir meu seminário preparatório para a universidade, de quatro semanas. Confiem em mim — é para seu bem, uma vez que os treinarei, prepararei, orientarei e dirigirei no rumo certo — para Princeton, Harvard, Sorbonne, ou aonde quer que queiram ir. Amanhã, às 15 horas. Minha sala no Hopkins Hall. Venham de mente aberta. Abraços, N.H.
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De: BrettMesserschmidt@waverly.edu Para: SebastianValenti@waverly.edu Data: Quarta-feira, 30 de outubro, 17:15h Assunto: Reunião Sebastian, Como deve saber, atualmente sou representante da turma do segundo ano e a Sra. Horniman me deu seu e-mail e disse que você poderia querer alguma ajuda com seu desempenho acadêmico. Eu ficaria feliz em ajudar no que puder. Está livre para se encontrar comigo na biblioteca depois da aula amanhã? A Sra. Horniman me disse que você tem uma prova importante de latim avançado na semana que vem e posso ajuda-lo a estudar. Caso contrário, estarei no Pirão de Monstro amanhã à noite, vestida de Daphne (do ScoobyDoo). Fique á vontade para aparecer e se apresentar, e podemos marcar uma hora mais adequada para nos encontrarmos. Abraços, Brett.
allie Vernon levantou a saia de tafetá delicadamente com as mãos, em luvas da mesma cor, azul-bebê, ao descer a escada de mármore do Dumbarton Hall para o primeiro andar. Dava cada passo com cuidado, para não perturbar o equilíbrio precário de seus sapatos de vidro. Ela se apaixonou por Cinderela quando viu o filme da Disney pela primeira vez aos 3 anos e pediu à mãe para obrigá-la a esfregar o chão ou remendar suas roupas no sótão. (A mãe, é claro, se recusou, dizendo, “É por isso que temos empregadas, querida”). Mas Callie sempre sonhou em ser a menina que passa por todo tipo de coisa e acaba... Bem, uma princesa. Balançando-se para ter equilíbrio nos saltos delicados, Callie se perguntou como Cinderela conseguiu descer correndo aquela escadaria gigantesca à meia-noite sem cair de bunda no chão. Seu vestido era uma peça de tafetá azul-celeste sem alças, com um corpete apertado e uma saia rodada. Ela o encontrou no shopping gigante de Poughkeepsie, depois de matar a aula de biologia à tarde na semana passada e pegar um táxi. Achou que ali teria mais sorte para encontrar o vestido certo de Cinderela, na seção juvenil de uma das lojas de departamentos, ou em uma daquelas lojas minúsculas dedicadas exclusivamente aos bailes. Gastou duas vezes o preço do vestido no alfaiate, fazendo com que ele acrescentasse mangas bufantes que gritassem “Cinderela”, em vez de só “baile de garota suburbana”. Mas valeu a pena. Foi incrivelmente fácil achar os sapatos de vidro online — havia toda uma indústria dedicada a ajudar meninas a viver suas fantasias de Cinderela. O traje não teria sido o mesmo sem eles, embora pudesse sentir novas bolhas surgindo sempre que se mexia. Callie alisou o cabelo, tentando avaliar como suas mechas onduladas louro-arruivadas ficavam em sua versão mais bagunçada do penteado de Cinderela. Ela quis a fantasia certa, com a gargantilha de veludo preto e a fita azul na cabeça. A ideia de vencer o concurso de fantasias não passava por sua cabeça — só queria fazer Easy Walsh sorrir. E, sabe como é, talvez fazer com que voltasse a falar com ela. Nas duas semanas desde a reunião do Comitê Disciplinar que de certo modo — mas não realmente — decidiu o destino de Jenny Humphrey, Easy mal disse duas palavras a Callie. Depois que abriu o celular dela e leu o texto incriminador de Tinsley, parabenizando-as pelo sucesso de colocar a culpa em Jenny, ele parou de falar com Callie. Nenhum telefonema, nem e-mail, nem torpedos. Matava Callie que, depois de duas semanas inteiras, ele ainda estivesse tão furioso que mal conseguia olhar para ela. Mas ela sabia que ele voltaria logo. Com sorte, esta noite. Esperava que ele voltasse para ela pelas próprias pernas, mas nesse ritmo, as férias de Natal chegariam antes que isso acontecesse; assim, estava na hora de entrar em ação. Estava louca para lhe explicar uma coisa — algo que o faria perceber que ela não era a pessoa horrível que ele claramente
pensava que fosse. Além disso, que sentido tinha fazer uma coisa legal para alguém se ninguém soubesse que você fez? Essa confissão ou funcionaria e faria Easy voltar correndo para ela, ou não. E as coisas realmente acabariam. Mas ela tirou essa ideia da cabeça, fantasiando em escapulir da festa boba e abafada de Halloween para um dos cômodos escuros do prédio Prescott, o clube dos docentes da Waverly, onde a comemoração aconteceria este ano. Seus joelhos ficaram bambos ao pensar nisso — já fazia muito tempo que Easy não a tocava. O celular na bolsa de cetim azul-claro de Callie tocou a música “para a mãe”, como se ela pudesse ler os pensamentos escandalosos de Callie e quisesse dar um fim a eles. — Oi, mãe — Callie atendeu entediada, segurando com o ombro o celular na orelha enquanto lutava no saguão do Dumbarton para vestir o sobretudo Ralph Lauren e um chapéu de chuva Jeffrey Campbell de aba larga. Callie não queria arruinar o traje desse jeito, mas aquela porcaria de chuva não ia parar. Teria de tirar tudo antes de fazer sua entrada. Ela pisou numa abóbora de plástico laranja recheada de barrinhas de Snickers, cortesia da supervisora do alojamento, Angelica Pardee, e abriu a porta da frente. Um vento frio e úmido bateu em seu rosto do Dumbarton até o pátio coberto de folhas. Um grupo de meninas do segundo ano, de vestidos curtos e reveladores, e sem casaco, corria pelo pátio com os saltos altos nas mãos, e Callie revirou os olhos. Por que “fantasia de Halloween” era sinônimo de “roupa de piranha” para tantas meninas? — Qual é o problema? — Por que haveria algum problema? — A voz da mãe era mais branda do que de costume, como se estivesse fazendo um esforço enorme para parecer gentil, ou tivesse bebido uma taça de pinot grigio no jantar. — Eu só queria saber como está minha menina. Sem dúvida era o vinho. — Bem, obrigada. — Callie desceu com cuidado os degraus molhados do alojamento. Os sapatos de vidro escorregavam muito, apesar dos vinte minutos que Callie passou tentando arranhar a sola na escada de incêndio. — Sei que as coisas andaram meio loucas ultimamente — continuou a mãe. — Como está se saindo? Callie escorregou numa pilha de folhas molhadas, depois se endireitou. Ao longe, viu uma menina de chapéu de bruxa preto, que corria para o salão de baile do Prescott, escorregar e se esborrachar no meio da quadra. — Estou bem — respondeu Callie, distraída. — As coisas não estão tão loucas por aqui. — Bom, tirando que tinha ferrado seu relacionamento com Easy, mas ela não queria falar sobre esse assunto com a mãe. — Bem, escute, amorzinho — a mãe começou num tom ainda mais brando. Callie se eriçou ao ouvir a palavra escute, sabendo que o verdadeiro propósito da ligação da governadora estava prestes a ser revelado. É claro que ela não telefonaria só para bater papo. — Sei que, apesar do que disse, você podia dar um tempo. Reservei um retiro para você no Maine. Parte de minha equipe fez isso; será uma experiência completamente transformadora. Callie piscou. — Um retiro? — Sim, meu bem. Um spa médico maravilhoso. Fará maravilhas por você. — Quando ela fez uma pausa, Callie pôde ouvir a mãe roendo as unhas, algo que só fazia antes de importantes jantares de Estado. — Sei que tem sua festa de Halloween esta noite, então solicitei um carro para pegá-la depois, na frente do portão. À meia-noite?
Embora a oferta fosse tentadora — ela queria mesmo fazer uma máscara facial, uma massagem sueca, uma pedicure completa e ter alguns mimos gerais — Callie só conseguia pensar em resolver as coisas com Easy. Precisava estar aqui e agora, com ele. — Obrigada, mãe. Foi um amor de sua parte. — Ao se aproximar do clube dos docentes e ver as luzes em seu interior, o coração de Callie começou a bater mais rápido. — Mas não preciso ir para um spa agora. Talvez antes das provas finais ou coisa assim. A mãe estalou a língua, decepcionada. — Tudo bem, querida... Mas se mudar de ideia, posso mandar um carro pegá-la em 15 minutos. É só falar. Depois de se despedirem amigavelmente, Callie largou o celular na bolsa. Subiu a escada do Prescott — será que a Waverly não podia investir em elevadores? — ajeitou o penteado e respirou fundo antes de abrir a porta. O Clube dos Docentes Prescott apenas era aberto aos alunos da Waverly em raras ocasiões, como Pirão de Monstro desse ano, como o baile de gala anual de Halloween era chamado carinhosamente por motivos que estavam além da compreensão de Callie. Ela só estivera neste prédio duas vezes — uma aos 12 anos, com a mãe, para um jantar elegante de arrecadação de fundos com ex-alunos; depois, durante o primeiro ano do ensino médio, num jantar formal da Waverly. Enquanto atirava o casaco de qualquer jeito num cabide na chapelaria e atravessava o piso de mármore do saguão para o salão principal, ela olhou as fotos em preto e branco de membros eminentes do corpo docente que revestiam as paredes do vestíbulo e revirou os olhos. Callie se lembrou de ter ido ao baile de inverno com Brandon Buchanan e apontado para todas as fotos, cochichando sobre quais seriam as preferências sexuais de cada um (só consegue transar com a luz apagada, tem que estar com uma meia de lã de cor diferente em cada pé). Embora ficasse meio impressionada que Brandon estivesse com Sage Francis, Callie tinha de admitir que também ficou um pouquinho decepcionada por ele finalmente ter tirado ela da cabeça. Não que quisesse que ele ficasse obcecado por ela pelo resto da vida nem nada — mas ainda assim não era ruim saber que alguém pensava que ela era incrível. Em especial agora, que Easy estava tão distante. Por enquanto. Callie puxou para o lado a cortina de teia de aranha falsa na entrada do salão — muito tosca, fosse falsa ou não — e ficou boquiaberta com a cena diante dela. O salão ilustre — Teddy Roosevelt deu uma enorme festa beneficente ali cem anos antes — foi transformado em uma espécie de País das Maravilhas sinistramente lindo de O estranho mundo de Jack. Sem os laranjões bregas e as cartolinas pretas à vista. Em vez disso, o salão escuro estava coberto de pisca-pisca prata e metros e mais metros de teias de aranha cintilantes que conseguiam parecer etéreas e lindas. Um projetor antiquado exibia trechos granulados em preto e branco de clássicos do terror — Psicose, Drácula, Frankenstein — em uma tela gigantesca. Uma fila se formara numa porta do outro lado do salão, a placa acima dizendo em letras brancas e fantasmagóricas, CASA MAL-ASSOMBRADA. Ela procurou por Easy no salão. Gente que Callie reconhecia ligeiramente estava com fantasias elaboradas ou máscaras escondendo o rosto, ou exibia uma maquiagem tão berrante que era difícil saber quem estava por trás. Era ele ali, com a máscara de borracha de Nixon? Parecia o tipo de fantasia descomplicada que ele usaria, mas assim que Callie deu um passo naquela direção, o menino se virou e ela viu uma mecha de cabelo louro aparecendo por trás. Benny Cunningham apareceu do nada com um minivestido Ginger and Java de seda rosa que tinha uma alça de strass passando pelo pescoço. Uma imensa bolsa Fendi de couro branco com uma fivela dourada maior ainda pendia de seu ombro, com um cachorrinho mínimo de pelúcia botando a cabeça para fora.
— Espero que essa coisa não seja real. — Callie apontou um dedo de luva azul para o bicho, cujos olhos pretos de conta pareciam perturbadoramente reais. Benny lançou a cabeça para trás, fazendo com que a peruca sedosa e platinada caísse em cascata nos ombros nus. Arqueou as costas e fez para Callie seu melhor biquinho Paris Hilton. — Foi o melhor que consegui na seção de brinquedos da CVS. — Ela torceu uma mecha de cabelo em um dedo de unha cor-de-rosa e olhou o salão. — Estou louca para descobrir se as louras realmente se divertem mais. Callie assentiu. — Ahã. Acho que Emily Jenkins também está de Paris. — Do outro lado do salão, a veterana curvilínea, com uma saia xadrez curta e uma blusa branca e apertada que revelava um sutiã vermelho vivo por baixo, estava na fila de bebidas, ajeitando o rabo de cavalo louro. — Ficou biruta? — Benny a ridicularizou enquanto vasculhava a bolsa gigante. Pegou um frasco grande do perfume Paris Hilton. — É Britney, lá por 1999. — Benny virou o rosto e passou o frasco de perfume a Callie. — É vodca, a gente pode dividir. Callie olhou em volta mais uma vez procurando por Easy, depois colocou o frasco nos lábios e tomou um gole da vodca de cheiro ruim. Só esperava que seu Príncipe Encantado aparecesse antes da meia-noite, ou ela perderia a sandália e o conteúdo de seu estômago.
eraí, você é o Tommy Lee Jones de Homens de Preto? — O quê? — O queixo de Brandon Buchanan caiu quando Sage Francis passou pela entrada do Clube dos Docentes Prescott embrulhada em um sofisticado sobretudo caramelo acinturado. Em pânico. Brandon tocou a lapela de seda do smoking preto Armani. — Não, James Bond, lembra? — Ele contou a Sage sobre sua fantasia dias antes — era assim tão difícil imaginá-lo como o espião internacional ultraelegante, para ela o confundir com um velho como Tommy Lee Jones? Os olhos verde-azulados de Sage, cobertos de sombra cinza-fumaça, se arregalaram de prazer. Brincos de diamantes compridos pendiam das orelhas e brilhavam à luz do lustre do saguão. — Só estou brincando. É claro que me lembro. — Ah. — A porta atrás de Sage se abriu, deixando passar uma lufada de ar frio junto com um bando de veteranos de roupas bobas dos anos 1970 e camisetas azuis com os dizeres A FAMÍLIA DÓ-RÉ-MI. Brandon levou Sage gentilmente pelo braço até a chapelaria na lateral do saguão. — Mas quem é Bond sem a sua Bond Girl? — Sage começou a tirar o sobretudo, e Brandon não conseguia tirar os olhos dela. Os lábios de Sage, pintados num vermelho digno de estrela de cinema, curvaram-se num sorriso misterioso, e o cabelo louro-claro estava puxado num rabo de cavalo alto, longo e liso. Brandon a ajudou a tirar o casaco dos ombros, virando-se e revelando um longo verde-esmeralda justo com um decote fundo. A mente de Brandon se revirou para bolar um bondismo espirituoso para que Sage soubesse inusitadamente que estava ótima, mas ele não conseguia parar de olhar o colar com pingente de diamante, simples e perfeito, aninhado na sombra de seu decote estonteante. Ele tossiu. — Você está... incrível, querida. Sage baixou o olhar e deu uma encarada tão longa e arrasadora em Brandon que as pernas dele viraram geleia. — Ora, obrigada, Bond — disse ela numa voz rouca e grave. — Achei que você vinha de escoteira — disse Brandon, depois de enfiar os casacos na chapelaria abarrotada. Brandon colocou a mão entre as omoplatas de Sage — uma atitude de Bond, ele esperava — e a conduziu a entrada principal do salão. Os saltos agulha de Sage estalavam no piso de madeira encerada, audíveis até com a música alta. — Eu achei que Vesper Lynd ficaria um pouco mais sexy.
— Bom, aqui está você, Vesper — disse Brandon glamourosamente enquanto entregava a Sage um copo de plástico cheio de um ponche laranja doce e pegajoso que borbulhava num caldeirão do canto sob a placa POÇÃO DA BRUCHA. Ele reprimiu o impulso idiota de apontar o erro ortográfico da placa. Não parecia muito Bond. — Exatamente como você gosta... Mexido, não batido. — Obrigada, James. — Sage pegou o copo e lhe lançou outro olhar ardente. Brandon passou o dedo na gravata preta, no nó que esfregava impiedosamente em seu pomo de Adão enquanto engolia um pouco do ponche horroroso. Por motivos que não conseguia calcular inteiramente, Brandon queria que desse certo — queria que continuasse dando certo — com Sage. Talvez fosse a surpresa da relação, possivelmente tinha a ver com seus primeiros passos na superação de Callie, mas ele sentia um ânimo a mais em seu passo quando pensava em Sage. Quando a beijava, o coração retumbava nos ouvidos. Ela era linda — muito mais bonita do que ele notara, até a primeira vez que ela deixou que ele a beijasse e Brandon viu seus cílios longos e louros se fecharem, e os pontinhos mínimos de castanho nos olhos azul-claros. — Cara, você não me contou que vinha de garçom. Brandon se virou friamente, como Daniel Craig quando confrontado por um inimigo particularmente tedioso, e viu Heath e Kara com trajes de capa quase idênticos. Batman e Batgirl? Ou seria a Batwoman? Kara estava uma gata de macacão de vinil preto com a figura amarela de um morcego se estendendo pelo peito curvilíneo. Vestia até botas amarelas na altura dos joelhos, luvas amarelas que iam até os cotovelos e um par de asas de cetim amarelo enganchadas nos pulsos. O traje de Heath era parecido — com uma capa preta e as botas e os peitos — e a roupa preta apertada tinha uns músculos falsos. Uma máscara lisa cobria a metade superior da cabeça, as orelhas de morcego apontando para o teto. — É Bond. — Brandon lançou um olhar frio a Heath, irritado com a piada de garçom, mas grato pela chance de usar a fala. — James Bond. — Táááá. O que faz de você — Heath abriu um braço na direção de Sage, a capa preta agitando-se teatralmente — Pussy Galore. Sage sacudiu o rabo de cavalo louro e encarou Heath, fingindo severidade, a mão plantada firmemente no quadril arqueado. — Vesper Lynd. E não se esqueça disso. Kara se desfez num sorriso. — Você estava louca para dizer isso. — É uma de minhas favoritas. — Heath estendeu o familiar frasco de prata com um pônei gravado na face que ele reabastecia constantemente com a garrafa de vodca Skyy que escondia colada com fita adesiva embaixo da cama. — Saúde a todos. Ao ver o frasco de Heath, Sage rapidamente esvaziou seu copo e o estendeu. — Uma para mim. Heath serviu uma generosa dose de vodca no copo de Sage e Brandon procurou não ficar irritado. Ele também tinha um frasco — parecia uma coisa bondiana de se levar — cheio de Absolut, mas estava esperando pelo momento certo de oferecer a Sage. — Fantasias legais — disse Sage, andando em círculo em volta de Heath e Kara. Ela passou os dedos pela capa de Kara. — Gracias — respondeu Kara, parecendo meio bêbada. — Uma garota me perguntou se eu era algum personagem de Harry Potter. Dá para acreditar? Que tipo de idiotas frequentam essa escola? Heath plantou um beijo molhado no rosto de Kara.
— É tudo criança, meu amor — disse ele. Kara riu. Brandon revirou os olhos e olhou para Sage, na esperança de que ela também estivesse reprimindo o riso. Heath Ferro chamando alguém de “meu amor”? Mas Sage sorria com aprovação para o casal apaixonado. Sage estava impressionada? Com Heath? A ideia deu náuseas em Brandon, mas ele não pôde deixar de estender a mão para Sage e puxá-la para mais perto, sentindo a necessidade instintiva de não ficar atrás de seu colega de quarto. Começou uma nova música e de repente as bolas espelhadas no teto giraram e ganharam vida, inundando a sala de minúsculos pontinhos de luz. Heath passou o frasco a Brandon. — Obrigado — murmurou Brandon, assim que Heath falou, “Segure isso”. Brandon revirou os olhos e esvaziou metade do frasco no copo só de raiva enquanto Heath pegava o iPhone num bolso oculto da fantasia. — Fiquem juntas, meninas — instruiu Heath, erguendo o iPhone para tirar uma foto. — Epa — disse Heath teatralmente, puxando para a testa a mascara preta de olhos oblíquos. — Acho que ainda não apaguei aquelas fotos. Kara arregalou os olhos e foi para perto de Heath. — Você é um mentiroso nojento — disse ela de brincadeira. — Deixa a gente ver — disse Sage com curiosidade. Brandon passou as mãos no cabelo, irritado. Por que Sage estava tão interessada nas aventuras de Heath e Kara? Alguém disfarçado do que parecia um rolo de papel higiênico gigante passou esbarrando por eles, deixando uma trilha de papel pelo caminho. Mas Brandon não pôde deixar de dar uma olhada quando Heath passou uma série de fotos dele e de Kara em cima do antigo observatório da Waverly, a estrutura dilapidada localizada na extremidade norte do campus. No início de cada ano, o reitor Marymount enviava um memorando a todo o campus lembrando aos alunos de que quem fosse encontrado escalando o observatório — um prédio velho e caindo aos pedaços de tijolos aparentes que supostamente estava em vias de reforma — seria imediatamente expulso. E todo ano, várias Waverly Owls (em geral bêbadas) tentavam escalar e pichar seus nomes, ou os nomes de seus amados da época, no observatório. As fotos de Heath e Kara, porém, mostravam os dois de pernas penduradas na beira do passadiço estreito em volta da torre. Pareciam meio... meigos. Kara apontando o céu, os dois lado a lado com uma nesga de lua ao fundo. Sage passou o dedo distraidamente no colar com pingente de diamante. — Mas isso é tão romântico. — Foi meio apavorante — confidenciou Kara a Sage. Ela afagou o braço de Heath. — Eu tinha certeza de que a gente ia cair e, sabe como é, quebrar as pernas. — E ser expulsos — Brandon não conseguiu deixar de acrescentar, olhando por sobre o ombro de Heath enquanto a grande tela de cinema se enchia com a cena de abertura de Pânico, com Drew Barrymore correndo de peruca. — Deve ter sido a maior onda — disse Sage, tomando outro gole da bebida. Sua clavícula, borrifada de leve com um pó brilhante, cintilou sob a luz. Brandon passou os dedos no braço nu de Sage, na esperança de conduzi-la à pista de dança, onde podiam ficar um pouco a sós. — Eu disse que queria ter uma boa visão do cometa ontem à noite e Heath me convenceu de que este seria o melhor lugar para ver. — Kara apertou suavemente um dos músculos falsos de Heath. — Mas a gente teve de subir toda aquela escada horripilante. Brandon deu um tapinha no bolso, procurando pela caneta de prata pequena que fazia as vezes de pistola de água. Foi a coisa mais próxima de uma engenhoca de Bond que ele
conseguiu achar online, depois de decidir que a arma isqueiro/lança-chamas o meteria em encrenca. Mas agora parecia incrivelmente idiota — Heath Ferro tinha se arriscado a ser expulso para ver estrelas com a namorada e o melhor que Brandon podia fazer era sacar uma pistolinha de água? Heath deu de ombros. — Eu sempre quis fazer aquilo sob as estrelas. Mas não havia espaço suficiente. — Um olhar apavorado cruzou o rosto de Kara, mas ela rapidamente se recuperou e deu um tapa brincalhão no peito de Heath. — Ah, lembra dessa? — Ele pôs a mão em concha na tela e mostrou a Kara, que de imediato corou. — Deleta. — Kara tentou pegar o telefone, mas Heath o tirou do alcance dela. — Por você. Vou deletar — anunciou Heath com cavalheirismo. Ele enfiou o celular em algum lugar por baixo da batcapa. — Depois. — Quer mais um pouco de ponche? — perguntou Brandon a Sage, de imediato se arrependendo do tom subserviente na voz. Sage balançou a cabeça. — Acho que está me dando enjoo — Sua pele estava mesmo um tanto pálida. — É melhor tomar um pouco de ar fresco — disse Brandon rapidamente, pegando Sage pelo pulso antes que ela pudesse resistir e arrastando-a para o saguão sem se despedir de Heath e Kara. — Você só queria ficar sozinho comigo, não e? — Sage passou o braço na cintura de Brandon quando eles chegaram ao saguão. Seus olhos azul-claros o fitaram com malícia. Brandon deu um puxão delicado em seu rabo de cavalo, trazendo-a para mais perto. Tentou pensar em alguma observação espirituosa digna de Bond, mas antes que pudesse dizer alguma coisa, Sage avançou na ponta dos pés e colocou a boca em seus lábios em um beijo longo e arrebatador que fez Brandon se perguntar por que ele estava perdendo tempo pensando em sua idiotice interior, em ser superado por Heath Ferro ou em qualquer coisa que não na linda garota que tinha à frente.
enny e Brett passaram pela entrada em forma de arco do salão de baile do Prescott. O ar quente do salão soprou nos ombros nus de Jenny e seu estômago revirou brevemente ao sentir diversos olhares em sua direção. — Que demais — sussurrou Jenny. Cordões de luzes de Natal brancas estavam pendurados pelo salão e leves teias de aranha pendiam dos lustres, dando a todo o ambiente um ar de Fantasma da ópera. Ela vira o espetáculo na Broadway três vezes e sempre ficava meio apaixonada pelo fantasma misterioso e mascarado. O palco na extremidade do salão estava agora coberto por uma tela de cinema que lembrou Jenny das festas do Cinephiles na fazenda Miller, quando Aconteceu naquela noite foi projetado na lateral do celeiro. A noite em que Julian lhe deu o primeiro beijo. Ela afugentou o pensamento, passando os olhos pelos grupos de alunos da Waverly em variados tipos de fantasia. Muitos dos quais, Jenny percebeu de repente, pareciam estar olhando fixamente para ela. Ela deu uma conferida em Brett, que estava totalmente demais num minivestido roxo American Apparel e um cachecol verde-limão amarrado de maneira glamourosa no pescoço — ela era a Daphne de Scooby-Doo. — Tem certeza de que eu estou bem? — sussurrou Jenny, olhando para baixo para se certificar de que não tinha papel higiênico preso na sola de uma das sandálias douradas sem salto com tiras nos tornozelos. — Tá todo mundo me olhando. — Isso é bom. — Brett torceu uma mecha de seu cabelo vermelho no indicador com esmalte roxo. Jenny a acompanhara na semana passada a um passeio pela Bergdorf’s para tingir de novo o cabelo. Foram fazer compras no Upper East Side e almoçaram em um restaurante tailandês vagabundo com o pai de Jenny, Rufus, que ficou tão apaixonado por Brett que prometeu mandar por e-mail sua receita secreta dos famosos brownies de semente de girassol e caramelo. — Talvez seja mesmo. — Jenny viu um cara gracinha de pijama listrado e uma máscara de dormir de cetim na testa olhando fixamente para ela. Seu coração acelerou; seria ele seu admirador secreto? Mas depois ele se virou, rabiscando alguma coisa em um dos cartões de votação que eram entregues na porta. Jenny e Brett passaram duas horas se arrumando no quarto 303 do Dumbarton — Callie se arrumou no quarto que Tinsley dividia com Brett — e Brett fez um trabalho tão impressionante com a maquiagem de Jenny, que ela mal se reconheceu no espelho. Seus olhos castanhos, que normalmente pareciam inocentes, foram marcados com dourado e uma sombra turquesa escura Urban Decay cobria as pálpebras, subindo nos cantos dos olhos. Elas puxaram os longos cachos de Jenny num coque desordenado e, com a ajuda de alguns grampos, transformaram um colar de ouro e safira falsos de cinco dólares em um adorno de
aparência convincente. Seus lábios, normalmente só com gloss, foram cobertos de Benefit’s Ms. Behvin’, um vermelho-escuro sedutor. Chegou a passar de leve um pouco de glitter dourado nas maçãs do rosto e nas clavículas, o que deixou sua pele brilhando contra a seda branca do vestido de um ombro só. Com o bracelete de cobra de ouro falso de Rifat no braço despido, ela se sentia bronzeada e egípcia. — Seu Marco Antônio tem de estar aqui, né? — Brett bateu o quadril no de Jenny enquanto elas entravam no salão pouco iluminado. Pelo menos Brett tinha botas de dançarina cor de lavanda até os joelhos para mantê-la aquecida no caminho — com suas sandálias totalmente inadequadas para o clima, Jenny praticamente morreu congelada com a grama fria e molhada pinicando a pele quando passou pelo pátio. — E por falar nisso. — Jenny afastou um cacho rebelde que se recusava a ficar atrás da orelha. Olhou a longa fila das bebidas no canto. — Cadê o seu, hmm, Scooby? Do outro lado do salão, viu Callie com um vestido de princesa azul-bebê e um copo de ponche laranja na mão. Jenny nem estava mais chateada com Callie — mas não conseguia sequer imaginar ser amiga de alguém que tentou colocar nela a culpa por um incêndio criminoso e expulsá-la da escola. — Não existe. — Uma expressão deprimida atravessou o rosto de Brett e Jenny sabia que ela estava pensando em Jeremiah de novo. — Você está ótima, Jenny! Vou votar em você com certeza! — gritou uma mascarada com um leque de penas de pavão colado nas costas antes de desaparecer na multidão de alunos perto do sistema de som, esperando para fazer os pedidos. — Quem era essa? — perguntou Jenny, deslumbrada. — Acho que era aquela menina, a Emily. — Brett deu de ombros. — Olha, acho que vou cumprimentar a Callie. — Ela tocou o pingente de coração de ouro no pescoço. — Sei que ela anda muito infeliz por causa da história com o Easy. — Ah, tá. Claro. — Jenny mordeu o lábio. Ela sabia que Brett andava tentando consertar as coisas com Callie, e é claro que Brett tinha esse direito — mas ainda era uma situação esquisita. — Volto já. — Brett apertou o braço de Jenny. Jenny viu Brett desaparecer na multidão. — Preciso de um Scooby Snack! — gritou um cara bonito, vestido como um gângster dos Sopranos, com um terno preto largo e cabelo com gel, na direção de Brett, e Jenny riu. Do outro lado do salão, ela viu Brandon Buchanan e Sage Francis, parecendo ter entrado pelo tapete vermelho, e decidiu ir até eles. Jenny contornou um grupo de corpulentos jogadores de futebol americano, fantasiados de líderes de torcida da Waverly, que balançaram os pompons para ela e assoviaram, e no meio da pista passou por uma dupla de múmias que pareciam ter sido enroladas em papel higiênico. Alguns calouros vestidos de Trekkies fingiram desmaiar enquanto Jenny deslizava por eles. (Ela esperava, de todo coração, que um deles não fosse seu admirador secreto.) — Oi, Jenny. Quer dançar? — Jenny virou-se e viu o Homem-Aranha estendendo a mão. Ela parou por um momento e ele tirou a máscara, para revelar Ryan Reynolds, encarando seu devote. — Talvez mais tarde. — Jenny balançou a cabeça majestosamente. — Ainda não estou com vontade de dançar. Ryan assentiu e esfregou os lábios. — Bom, é... Quando você quiser, é só falar. — Ele puxou a mascara de volta e fingiu atirar uma teia de aranha pelo salão.
Um sorrisinho brotou nos lábios de Jenny enquanto ela se afastava; não pôde deixar de se perguntar onde Tinsley estava e o que ela estaria vestindo, Sage e Brandon começaram uma dança lenta e pareciam cochichar no ouvido um do outro, então Jenny se virou para as bebidas. A letra branca U na placa acima da mesa do ponche tinha sido alterada por alguma Owl empreendedora e agora dizia POÇÃO DA BROCHA. Nenhum dos docentes fez nada em relação àquilo e Jenny se perguntou se eles relaxariam um pouco no Halloween. Na realidade, os únicos dois adultos à vista estavam dançando na pista: o sexy professor de história americana Sr. Wilde, vestido como um astro do rock cabeludo dos anos 1980, com jeans rasgados e apertados e uma peruca loura desgrenhada e frisada, e a professora de inglês de Jenny, a Srta. Rose, vestida de Minnie Mouse. Um calouro bobalhão que parecia ter saído de Contos da cripta veio até Jenny. — Quer um copo de ponche? — perguntou ele, estendendo o copo para ela. Mas ao que parecia, ele ficou nervoso por levar uma bebida a Jenny e esbarrou o braço, lançando um borrifo de ponche no chão, quase pegando a bainha do vestido branco de Jenny. — Ah, merda, desculpe. — Hmm, não, obrigada. — Jenny corou. Embora estivesse sem graça pelo cara, não queria exatamente passar a noite com ele. Ela olhou o salão, procurando por uma rota de fuga, mas Brett ainda conversava com Callie. Heath e Kara, com fantasias de Batman e Batgirl, tiravam fotos deles mesmos com um iPhone na pista, perto de Brandon e Sage. Quando é que todo mundo resolveu ter namorado? — Quer dançar, então? — O calouro bobalhão insistia, a peruca de Guardião da Cripta apontando como louca para todo lado. Jenny se afastou um passo, murmurando algo sobre precisar ir ao banheiro. Ela ouviu uma voz grave à esquerda: — Estive procurando por você a noite toda. Jenny virou a cabeça lentamente para a voz. Semicerrou os olhos, tentando ver pela máscara preta que cobria os olhos do dono. Não reconheceu o cabelo louro que saía por baixo de um chapéu preto de aba larga, nem o corpo musculoso sob a camisa preta apertada e a calça preta. Quem quer que fosse, era ótimo. À medida que ele se aproximava, o cheiro agradável de Acqua di Gio, de Armani, chegava ao nariz de Jenny. — Como? — perguntou Jenny, tentando bancar a fria, apesar do batimento acelerado no peito. O calouro bobalhão se afastou, percebendo que não teria chance. — Você está deslumbrante, Cleópatra — disse o estranho. Ele lhe ofereceu um copo de ponche laranja, os olhos verdes e cintilantes faiscando por baixo da máscara. — Prometo não derramar este em você. — Normalmente eu não aceito bebidas de estranhos — disse Jenny com frieza. A seus ouvidos, sua própria voz parecia a da Tinsley. Era algo em sua fantasia; estaria ela realmente incorporando a rainha gélida Tinsley Carmichael? Era meio divertido, na verdade. — Mas estou disposta a abrir uma exceção para você. — Ela pegou o copo de ponche, a mão dele roçando de leve na dela. — Muita gente está falando de você — cochichou o mascarado confidencialmente, observando o salão. Todos pareciam segurar tiras de papel e escrever nomes com lápis mínimos em forma de taco de golfe. — Acho que você vai vencer esta noite. — Quem é você mesmo? — Jenny se arriscou. Estava se referindo à fantasia, mas também não fazia ideia de quem ele era. Imaginou que ele estivesse vestido de um daqueles vilões de filme de terror, como Jason ou Freddy. Jamais conseguiu ver filmes de terror para
adultos porque a apavoravam muito. O irmão Dan adorava a facilidade com que ela se assustava e sempre que queria que ela saísse da sala, colocava O exorcista. — Zorro — respondeu o estranho, fazendo uma leve mesura para Jenny antes de puxar uma espada prateada da bainha, habilidosamente desenhando um Z no ar. — Isso parece perigoso. — Jenny sorriu, agradecida. Zorro se inclinou para ela e cochichou em seu ouvido. — É de plástico. Jenny se segurou para não rir — ela duvidava que Cleópatra risse — e tentou encontrar sua Tinsley interior novamente. Tomou um gole do ponche fraco e deixou os olhos vagarem pela festa. — A propósito, eu sou a Jenny — anunciou ela, na esperança de que o estranho também se apresentasse. O cheiro da colônia dele fazia seus sentidos formigarem, e ela estava morrendo de vontade de descobrir quem era aquele cara. Seria um calouro? Um aluno do último ano? Ele tinha de ser atraente por baixo da máscara, porque só os gatos eram tão arrojados. — Esta noite você é Cleópatra — disse o estranho, os lábios se curvando num sorriso. Ele tinha o vestígio de uma cicatriz no lábio inferior grosso e Jenny se perguntou se isso significava que ele tinha se envolvido numa briga. Ela nunca tinha beijado alguém com uma cicatriz no lábio. — E eu sou o Zorro. — E o que você faz nos outros 364 dias do ano? — Jenny fez uma pausa, esperando que ele dissesse seu nome. Ela ergueu uma sobrancelha em expectativa, fixando seus olhos castanhos nos seus olhos verdes de gato. Quando ele não piscou, ela disse: — Tá legal, foi um prazer te conhecer, Zorro. — Era uma atitude totalmente Tinsley se afastar no meio de uma conversa quente, e Jenny, ao dar um passo, sentiu uma sensação de poder. Então sentiu a mão enluvada de Zorro em seu braço. — Eu te conto amanhã, está bem? Jenny apertou os lábios, fingindo pensar, e gostou da sensação da luva de couro em sua pele. — Como posso ter certeza de que vou ver você amanhã? — Vou cuidar para que veja. — Zorro deu um sorriso misterioso, os dentes brancos e perfeitos lembrando chicletes a Jenny. — Isto é, se você não for quase expulsa de novo. — É, bom, ainda estou aqui. — Jenny tomou um gole do ponche. — Por enquanto. Zorro pegou o copo da mão de Jenny e o reabasteceu sem perguntar. O ponche açucarado dava dor de estômago, mas Jenny aceitou o copo mesmo assim. — Ainda bem que... deu certo. — Ele piscou para Jenny e tocou a aba do chapéu. — A gente se vê por aí. Jenny abriu a boca para dizer alguma coisa, mas perdeu sua linha de raciocínio. Ainda bem que deu certo. Algo no modo como Zorro deixou as palavras escaparem dos lábios beijáveis lhe deu arrepios. Seria ele... seu admirador secreto? Ela o viu retornar lentamente para a multidão. Quando ele se voltou para sorrir por baixo da máscara preta e sensual, ela rapidamente se virou, corando. Não sabia realmente a história de Zorro e agora se perguntava se o aventureiro de máscara preta seria bom ou mau. Fosse o que fosse, era bem interessante.
s primeiros acordes de “Thriller”, de Michael Jackson, berraram dos alto-falantes e o uivo de um lobisomem encheu o salão. Uma máquina de gelo seco despejava névoa. Brett andou pelo meio da pista com as botas roxas apertando seus dedos. Tentou conversar com Callie, mas foi impossível — embora ela parecesse uma perfeita princesa da Disney, insistia em tomar goles de uma garrafinha de bebida feita de um frasco de perfume. Ela parecia distraída o tempo todo, os olhos vasculhando a multidão, provavelmente procurando por Easy. Brett logo desistiu e foi procurar Jenny pelo salão. Ou Sebastian Valenti. Mas como Brett não sabia exatamente como ele era, imaginou que estava dispensada de seus deveres por uma noite. Brett reconheceu Ruby Edmonds, uma aluna do último ano de sua turma de latim avançado, vestida de enfermeira — mas não uma enfermeira por quem Brett gostaria de ser atendida. Ruby estava com um minivestido branco e botas de náilon branco na altura dos joelhos, um quepe com uma cruz vermelha colocado estilosamente nos cabelos curtos de cachos castanhos. Finalmente Brett viu Jenny. Estava conversando com Sage e Brandon atrás do aparelho de som enquanto escreviam os votos para a melhor fantasia nas pequenas cédulas brancas. Angelica Pardee, com uma roupa idiota de Dorothy-de-O-mágico-de-Oz, recolhia as cédulas em uma abóbora de plástico gigante. Brett foi para lá, quase sendo atropelada por um cara que fazia a Macarena de máscara preta e uma camisa laranja que dizia, ESSA É MINHA FANTASIA! ME DÁ A PORRA DA BALA. — Cuidado! — Brett gritou, caindo para trás e esbarrando em alguém. Brett rapidamente girou o corpo. Era Jeremiah, vestido de Fred, o parceiro de Daphne em Scooby-Doo, o rei e rainha dos bailes de desenho animado. Os olhos de Brett percorreram a fantasia, que era pouco mais do que uma camiseta branca e apertada por cima de uma camisa de gola azul, jeans claro e a gravata curta e de aba larga característica de Fred (que parecia muito um guardanapo de pano laranja). Mas Brett não conseguiu segurar o sorriso. — Gostei da sua fantasia — disse ela sem fôlego. — A sua é melhor — respondeu ele, recuando para ver bem todo o conjunto. Enquanto seus familiares olhos verde-azulados a fitavam, Brett sentiu um arrepio igualmente familiar descer pela espinha. — Caraca. Você está ainda mais gata nessa fantasia do que imaginei que ficaria. Brett sentiu todo o corpo esquentar e, inexplicavelmente, a lembrança do fim de semana que passou com Jeremiah e a família dele na casa de praia de Nantucket a dominou. Jeremiah passou praticamente todo o fim de semana com o calção de natação Abercrombie & Fitch laranja e azul-marinho, e Brett podia evocar a imagem de seu peito bronzeado cintilando de
gotas de água salgada, o cabelo arruivado e comprido molhado de um mergulho recente no Atlântico. Só de ficar perto dele, ela de repente sentiu-se aquecida no salão gelado. — E como você sabia? — perguntou ela, saindo do caminho do Village People (um grupo de alunos do segundo ano da equipe de cross-country) que uivava pelo salão com os acordes de abertura de “YMCA”. — Quero dizer, o que eu vestiria? Jeremiah colocou a mão em seu braço e a conduziu para um lado do salão, fora do caminho de qualquer outro fã imbecil de “YMCA”. — Recebi um torpedo do Heath dizendo que viu você zanzando com botas de dançarina roxas, então adivinhei. — Heath? — Brett olhou a tela gigante, onde passava Pânico II. Um cara de manto preto e máscara branca pulou em alguém. Por que Heath tentava ajudar a ela e Jeremiah? Brett sentiu uma onda de afeto por ele. Ele estava tão feliz com Kara, talvez só quisesse que ela fosse feliz também. Ou talvez ele estivesse nervoso que uma Brett solteira fosse uma ameaça para sua própria felicidade. Mas, na verdade, aquilo não importava. — Ah, ele sabia que eu não conseguia parar de pensar em você — respondeu Jeremiah. Brett olhou os dedos dos pés, o coração retumbando nos ouvidos. — Quero dizer, eu tentei não pensar em você — continuou ele. Mais uma nuvem de gelo seco flutuou pelo salão, obscurecendo parte do rosto dele. — Porque sempre que eu pensasse em você, eu me perguntaria se você estava com Kara, depois eu começaria a me perguntar sobre todas aquelas vezes que ficamos juntos e você disse que estava saindo com suas amigas, e se podia haver mais alguma coisa rolando... — As palavras de Jeremiah saíram rapidamente e Brett podia ouvir a respiração acelerada dele através do gelo seco com aroma de baunilha. — Quero dizer, isso meio que me fez entrar em parafuso. Jeremiah tirou uma mecha de cabelo ruivo dos olhos verde-azulados e penetrantes e respirou fundo, encarando Brett fixamente. — Mas a coisa decisiva era que eu só queria ficar com você, e só precisava saber se toda aquela... Kara... — ele tossiu, dizendo o nome dela. — A história que eu ouvi sobre você e Kara... era verdade? Brett de repente teve sede de um copo do ponche doce e pegajoso que flutuava pelo salão em copos de plástico. Não queria mentir para Jeremiah, mas era só uma coisinha, algo que a cada dia parecia mais distante no retrovisor. Só uns beijinhos. Ela podia contá-los em uma só mão — ou nas duas. Jamais voltaria a acontecer. Brett podia sentir o corpo de Jeremiah se retesando ao esperar pela resposta, os músculos pulsando sob a fantasia, e ela queria sentir sua pele quente contra a dela. Brett sabia como fazer seu desejo se tornar realidade. — Não — disse ela, balançando a cabeça. — Jamais aconteceu coisa alguma entre nós. Uma onda de alívio passou pelo rosto de Jeremiah. Ele pôs as mãos fortes na cintura de Brett e a puxou para ele, e de repente Brett sentiu como se estivessem de volta à praia de Nantucket, descalços, queimados de sol e seminus. Os lábios de Jeremiah tinham gosto de cerveja morna, e em pouco tempo Brett também se sentiu embriagada, a cabeça girando numa vertigem que não lhe vinha havia muito, muito tempo.
frasco de perfume de Benny tinha se esvaziado havia muito tempo, Callie não estava nem perto de onde devia e a Pirão de Monstro não duraria muito para ela. Ainda não havia sinal de Easy, seu penteado estava desabando e seu estômago estava embrulhado de decepção. Ela procurou em meio a uma multidão que se formava em volta de um trio de veteranas vestidas de Meninas Superpoderosas, tentando localizar Benny, que prometera encontrar mais álcool. Enquanto a festa se arrastava, os presentes deixavam para trás os acessórios de suas fantasias um por um — Callie pôs a gargantilha no bolso da capa de chuva quando ela começou a pinicar e segurava as luvas azul-bebê nas mãos — e assim o Clube dos Docentes Prescott começava a parecer sua festa sem graça nos Hamptons ou, no caso de Callie, em Hilton Head: meninas de roupas bonitas e justa e meninos as admirando. Angelica Pardee subiu ao palco, a saia e a anágua de Dorothy enfurnando a sua volta. Deu um tapinha no microfone provocando uma onda de retorno por todo o salão. Esperou até que os gemidos e risinhos esmorecessem e o ambiente estivesse relativamente silencioso. — Daqui a trinta minutos, estaremos apurando os votos para a melhor fantasia, então, por favor, tratem de entregar suas cédulas! Callie revirou os olhos. Ouvira dezenas de pessoas soltando ooohs e aaahs sobre como Jenny estava gata, e que ela sem dúvida venceria o concurso. Ela só tinha visto Jenny agora, perto da cabine do DJ, luminosa com um vestido branco de decote fundo e elegante nas costas. Certamente estava bem, mas Callie não estava com humor para ver sua colega de quarto baixinha no palco em toda a sua glória, não depois da noite decepcionante de espera desesperada por Easy. Jenny era um lembrete constante dos defeitos de Callie, do que afastara Easy dela. Toda noite, quando ela e Jenny iam para a cama em silêncio em lados opostos do quarto, Callie só pensava: As pessoas que não estão falando comigo: duas. Callie balançou a cabeça, decidindo que era hora de ir para casa. Partiu para a chapelaria, depois parou. Viu a cabeleira de cachos escuros de Easy na porta do salão e rapidamente foi na direção dele, as sandálias de vidro fazendo com que qualquer requebrado elegante fosse impossível. Ela se firmou para não tropeçar. Easy, porém, não teve tanta sorte. Logo depois de passar pela porta, tropeçou, caindo sobre uma vassoura de bruxa abandonada. Recuperou o equilíbrio no último minuto. Enquanto Callie passava pela multidão, ansiosa para chegar a ele, viu que a vassoura era só parte do problema. Os olhos vidrados de Easy percorriam o salão e ela sabia que ele estava doidão. Ele semicerrou os olhos, adaptando-se à escuridão. Callie passou a mão no penteado bagunçado, perguntando-se se ainda estaria bem. Tentou olhar Easy nos olhos, na esperança de que ele percebesse a presença dela, e que ela se tornasse um farol num mar nevoento. Mas ele só a viu quando Callie estava praticamente em cima dele.
— Oi — disse ela, resistindo ao impulso de se atirar nos braços dele e sentir o calor de seu corpo. A roupa de Easy parecia uma espécie de fantasia de caubói relapso — ele combinou a Levi’s suja com Doc Martens surrados, e uma de suas camisas de flanela que davam a impressão de que se desintegrariam se entrassem na máquina de lavar mais uma vez. Desejava tanto passar o rosto naquele tecido macio. — Fantasia bacana. — As palavras de Easy pareciam enrolar em sua língua. Ele mal olhou para ela, preferindo se concentrar nas teias de aranha que pendiam da porta. Callie fez uma mesura. — Obrigada. — O que é mesmo? — perguntou ele, ainda sem olhar para ela. — Cinderela, seu bobo — respondeu Callie de brincadeira. Ela sentiu que Easy estava em um de seus maus dias e quis desesperadamente virar a maré, mas pelo menos ele estava falando com ela. Isso devia ser um bom sinal. — Bom, você é mesmo uma princesa — respondeu Easy, os olhos vagando pelo salão. Então soltou um suspiro longo e um bafo de bebida enevoou o ar. — A Cinderela não é uma princesa — Callie o corrigiu, de pronto percebendo o erro que cometeu. Easy parecia estar com um sorrisinho maldoso. Ele nunca fazia isso, não para ela, e Callie murchou sob o olhar dele. Sentiu as pessoas em volta cutucando e se virando para olhar. — Podemos ir para algum lugar mais reservado? E conversar? — sugeriu em voz baixa. Ela tocou a manga de flanela da blusa de Easy, mas ele se afastou. — Acabei de chegar. Pelo canto do olho, Callie viu Benny e Celine, com copos de ponche na mão, fingindo não prestar atenção na conversa que se desenrolava entre ela e Easy. — Olha. — Callie apertou os lábios. — Você precisa me dar uma chance de explicar. — Eu não preciso fazer nada. — Easy a olhou de cima, os olhos azul-escuros encontrando os olhos castanhos de Callie pela primeira vez em semanas. Mas em vez do olhar familiar e amoroso que ela estava acostumada, a expressão de Easy era fria e distante. — Nem sempre você consegue o que quer, princesa. — Você está bêbado. — O tom de Callie foi mais acusativo do que ela pretendia, mas Easy não a ouvira. Já estava abrindo caminho pela multidão, indo para o caldeirão de ponche. — Seu problema é que você faz as merdas que quer e nem liga se outras pessoas se dão mal com isso — Easy falou com rispidez, mal olhando para trás. — Desde que você fique feliz. — Você pode... esperar um segundo? — disse Callie, desesperada, atraindo mais olhares. Um cordão de luzes prateadas caiu do teto, despencando numa grande massa embolada no chão, mas ninguém pareceu perceber. A última coisa que queria era começar uma briga na frente de todo mundo, mas não podia deixar Easy se afastar daquele jeito. Será que ele realmente pensava que ela estava feliz? Easy se virou e finalmente pareceu perceber que as pessoas estavam olhando. Uma expressão de constrangimento passou por seu rosto, e Callie reprimiu o impulso de colocar o rosto no peito dele. Easy enfiou as mãos nos bolsos da Levi’s enquanto encarava os olhos desesperados de Callie. Ele tinha certeza absoluta de que ficaria enjoado depois, mas por ora reprimiu a onda que vinha com o álcool. Dissera a si mesmo que não queria esbarrar em Callie na festa de Halloween, mas na verdade foi a ideia de vê-la que o impeliu a deixar o quarto e a garrafa de Jack Daniels aninhada debaixo da cama. Passou as últimas duas semanas matando aula para cavalgar Credo até que o sol da tarde desaparecesse no oeste, deixando de jantar em favor de alguma coisa na cidade, comprando meia garrafa de J.D. e se entocando no quarto. Sua raiva
pela quase expulsão de Jenny e a participação de Callie nisso lhe dera vontade de arrancar os cabelos. Quem faria uma merda dessas? Tentar conseguir a expulsão de uma colega de quarto inocente porque estava com ciúme dela? Callie até que estava bonita de princesa de conto de fadas — para quem gosta desse tipo de coisa. Parte dele queria tomá-la nos seus braços e tirá-la do salão, levando-a para onde ela quisesse ir — qualquer lugar, menos de volta ao fedor de uísque de sua prisão no alojamento. Mas ela não podia só agitar uma varinha mágica e fazer tudo sumir — embora, ao que parecia, ela pensasse que sim. Continuava a Callie de sempre. Por que não podia deixar as coisas rolarem? Ele deu um passo na direção dela e baixou a voz. — Só não entendo por que você está fazendo isso comigo de novo. — O que estou fazendo de novo? — perguntou Callie, indignada, cruzando os braços na defensiva. — Não consegue ver o quanto eu... — Easy não conseguiu terminar a frase; doía estar apaixonado por alguém que ele queria odiar. — O quê? — rebateu Callie. — Não consigo ver o quê? — Pare de me torturar — pediu Easy com raiva. Alguém com um lençol na cabeça e dois buracos para os olhos passou por eles. — Estou pronto para um pouco de tortura. — Ele miou e arranhou o ar antes de ser tragado pela multidão. — Eu não estou fazendo nada! — exclamou Callie. Ela sacudiu espasmodicamente a luva azul-bebê. — Você não entende, né? — Easy se virou para ela, sentindo se romper completamente a represa que continha a raiva dentro dele. — Você é uma filha da puta, Callie. Uma filha da puta mimadinha e não há nada que eu possa fazer para mudar isso. Callie sentiu o queixo cair. O fato de que dezenas de pessoas olhavam enquanto o suposto amor de sua vida a chamava de filha da puta não foi a parte que mais a deixou arrasada — foi o fato de que Easy Walsh, seu Príncipe Encantado, realmente pensava isso dela. Ele não queria ouvir a versão dela da história — nem mesmo se importava. Callie tampou os ouvidos com as mãos e fugiu de Easy, atravessando a multidão, um lado do penteado desabando completamente. Procurou pelo casaco na chapelaria lotada, mal conseguindo enxergar graças às mechas louro-arruivadas que caíam na cara. Ela tirou os sapatos de vidro aos chutes pela parede do saguão e se preparou para a noite fria ao passar de supetão pela porta. Mas enquanto saltava pelos degraus do clube dos docentes, a única coisa que sentia era o rosto ardendo das lágrimas. Callie pegou o celular, os dedos mal conseguindo discar o número, tremendo na escuridão, — Mãe? — Callie prendeu a respiração para que a mãe não soubesse que ela estava chorando. — Mudei de ideia. O carro pode chegar aqui bem rápido?
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Caixa de Mensagem Instantânea
TinsleyCarmichael: Cinderela, como está a festa? Tá pronta pra minha grande entrada? TinsleyCarmichael: Ei!?
insley não teve pressa alguma para atravessar o campus na fria noite de outubro, olhando as árvores que estendiam os braços quase nus para um céu preto como breu. Ao andar, ela se perguntou que diabos tinha acontecido com a Waverly que ela conhecia e amava. As últimas semanas foram um tédio completo. Bom, ela estava prestes a fazer seu retorno esta noite — o baile anual de Halloween era dela, como tinha sido nos últimos dois anos. Antes de Tinsley Carmichael, não se ouvia falar de um calouro ganhar o prêmio de melhor fantasia. Mas Tinsley, em seu traje de Scarlett O’Hara, assombrara a plateia, conseguindo parecer ao mesmo tempo insanamente gata e incrivelmente classuda. Era o segredo do concurso, afinal, e algo que muitas calouras da Waverly não conseguiam compreender. A cem metros ela podia sentir o baixo fazendo estrondo no clube de docentes e Tinsley apertou o passo, a pelerine de lã azul-marinho vintage mantendo pelo menos os ombros aquecidos. Uma lufada de ar frio de inverno atravessou o pátio aberto gelando suas pernas cobertas por meias, mas a expectativa de um salão cheio de gente virando a cabeça na direção dela foi o bastante para mantê-la em movimento. Queria chegar elegantemente tarde, e passou de propósito a última meia hora em seu quarto, ouvindo o novo CD do Black Eyed Peas e esperando o relógio de seu iPhone chegar à hora certa. Só as wannabes e as muito esforçadas chegavam quando uma festa começava — todo mundo sabia disso. Alguns podem dizer o mesmo sobre ir a festas sozinho, mas havia uma linha tênue separando as coisas, Tinsley sabia, e ela sempre estava do lado certo dessa linha. Ela morreria se tivesse de chegar com um grupo. Subir os degraus vazios do prédio do clube dos docentes lhe trouxe uma onda de lembranças agradáveis. A última vez que ela esteve no prédio foi para o baile de inverno de seu primeiro ano, com Johnny Pak, um veterano asiático e alto da equipe de remo que tinha um corpo sarado maravilhoso. Ele a levou de fininho à adega do clube, nas profundezas do Prescott, e os dois esvaziaram a garrafa de cabernet mais cara disponível, conversando sobre cinema francês e se beijando. Nas vidraças altas do saguão do clube dos docentes, Tinsley teve um vislumbre de si mesma — seu vestido prateado aparecendo por baixo da pelerine, as mechas compridas elegantemente enfiadas sob uma peruca loura que lhe coube perfeitamente, uma peruca de qualidade cinematográfica e não algo encomendado de um site fantasia.com ou algo assim. Uma faixa prata mantinha o penteado no lugar, uma única pena violeta — para destacar a cor de seus olhos — colocada de um lado. Ela estava fabulosa, uma jovem de antigamente, com cada parte da fantasia perfeita e inteiramente elegante de uma forma que ela sabia que ninguém dentro da festa podia questionar. Se a tradição se mantivesse, todos estariam
vestidos de coelhinhas da Playboy ou personagens de desenho animado. Ela tirou o casaco e o pendurou habilidosamente na parte da frente da chapelaria, e estava prestes a abrir as imensas portas de carvalho para o salão quando elas se abriram num rompante na direção dela. Easy Walsh, com uma Levi’s suja e uma camisa xadrez surrada que parecia um lenço imundo, passou disparado por ela. — Não me diga... Brokeback Mountain, né? — disse Tinsley para ele, irritada por ele não ter notado o quanto ela estava incrivelmente linda. Ela abriu a porta da frente com um ruído alto. Tinsley passou pela porta, evitando uma teia de aranha falsa pendurada na entrada, e avaliou o ambiente. Para sua aprovação, havia um número surpreendentemente pequeno de abóboras e feno e outros enfeites pobres de Halloween. O salão estava pouco iluminado e tinha uma aparência meio romântica, com luzes pretas e brancas, uma sinistra casa mal-assombrada à direita e bolas de discoteca girando lentamente. Nada mal para uma noite de quinta-feira. Celine Colista e Benny Cunningham de imediato correram para o lado de Tinsley. — Lindo, T. — Celine, com um corpete vermelho e calça vermelha justa como uma espécie de diaba, passou o dedo nas luvas de renda até o cotovelo de Tinsley. — Você parece a Daisy... Qual é o nome dela mesmo? A avoada do livro Gatsby? — Buchanan — disse Benny com a voz arrastada, procurando alguma coisa na bolsa. Pegou uma embalagem meio vazia de pastilhas de menta e colocou duas na boca, depois ofereceu o pacote para Tinsley, que o ignorou. A peruca loura de Benny deslizara para a esquerda, fazendo com que ela parecesse frouxa. — E não diga que a Tinsley parece uma avoada. Os olhos de Celine se arregalaram. — Eu não quis dizer isso. — Ela olhou nervosa para Tinsley e bateu o tridente de plástico no chão. — A Tinsley sabe disso. — Que tal parar de falar de mim como se eu não estivesse aqui? — Tinsley disse lentamente, os olhos já varrendo o salão, procurando por gente menos bebum e mais interessante com quem conversar. A julgar pela qualidade das fantasias no ambiente — uma dançarina com um vestido de vinil, Emily Jenkins como a garota irritante de Harry Potter, meia dúzia de hippies — não seria problema nenhum ganhar o concurso. — Trouxe alguma birita? — Benny se inclinou para Tinsley, o bafo de menta quente na orelha dela. — A minha acabou. — Benny mostrou um frasco de perfume vazio como prova, olhando para ver onde estavam seus vários acompanhantes. Tinsley sentiu o toque do frasco que escondera na cinta-liga frio em sua pele, mas balançou a cabeça em negativa. — Eu também. — Ela olhou a multidão, as cabeças subindo e descendo com “Dead Man’s Party” de Oingo Boingo, um grupo de calouros de Blue Men Group dançando break numa roda no canto ao olhar de alguém fantasiado de forma inusitada de uma privada gigante. Apesar do break, a festa deu arrepios em Tinsley. Podia sentir uma multiplicidade de olhares na sua direção, vendo como seu vestido prata brilhava perfeitamente sob a luz espectral. O colar de pérolas verdadeiras com duas voltas caía pouco abaixo do peito, e a cada vez que ela pegava um cara que reconhecia deslizando os olhos para seu corpo, aprovando, ela se atribuía um ponto a mais. As últimas semanas foram deprimentes. A quase expulsão da Pequena-Miss-Inocente Jenny Humphrey foi o bastante para acabar com qualquer diversão extracurricular na Waverly, as festas evaporando inteiramente. Ridículo.
Tinsley foi até a tigela de ponche, mas só tinha sobrado a borra. Ela se demorou ao lado da tigela vazia, sentindo o peso dos olhos de seus companheiros da Waverly em sua fantasia. Ela colocou a piteira ultrafina e falsa nos lábios, espiando de canto de olho meia dúzia de meninos do time de hóquei olhar para ela — a viagem à Nova York para comprar a roupa definitivamente valera a pena. Sabia exatamente o que queria e também sabia que não podia ser encontrada nos brechós vagabundos de Rhinecliff. Ela teve uma leve crise de pânico quando entreouviu Verena Arneval dizendo que ia à Nova York procurar a fantasia, mas ficou aliviada ao ver Verena vestida de pirata de gala, cortesia da Abracadabra na 21 Oeste, onde Tinsley tinha comprado a fantasia de Alice no País das Maravilhas no segundo ano. A viagem à Nova York também foi uma espécie de escapulida. O humor sombrio no campus estava quase irritante demais para suportar, tanto que Tinsley chegou a pensar em um fim de semana fora com os pais, que ela esperava que ficassem surpresos quando ela aparecesse no apartamento de Gramercy Park. Mas eles estavam fora, ela soube pela mensagem de voz da mãe dizendo que iam à Amsterdã, então Tinsley passou a tarde vendo reprises de Sex and the City e bebendo alguns dos vinhos mais caros da adega. Tinsley afugentou a lembrança de seu fim de semana solitário em Nova York, voltando sua atenção à festa. O riff de abertura de “Enter Sandman”, do Metallica, retumbou e a multidão vibrou imediatamente. Tinsley voltou lentamente para a entrada, esperando no fundo que Julian a estivesse espionando. Ela nem sabia se ele estava na festa — era o tipo de coisa que ele seria descolado demais para fazer, mas também era o tipo de coisa que ele estaria totalmente disposto a encarar, de uma forma nada irônica. Ele a andava evitando e ela sabia o porquê — toda a história da Jenny, é claro. Mas ela também sabia que um dia Julian ia superar aquilo. Além de tudo, Jenny não foi expulsa. E também não parecia que Jenny e Julian estavam mais juntos. Então, porra, não era a hora de ele voltar para ela? Tinsley foi até a pista, todos se movendo para lhe abrir espaço enquanto ela gingava ao ritmo da música, dançando alguns passos aqui e ali com os vários gatos com que topava, honrando-os com alguns momentos de sua presença antes de passar ao seguinte. Mas ela não conseguia deixar de pensar em Julian. Onde ele estava? Sentia-se furiosa por se importar tanto, embora ele tivesse coragem de largá-la como se ela tivesse lepra. Por um momento achou que o soldado da Guerra Civil fosse ele, mas era alto demais. E quando viu o cabelo louro escapando pelo quepe, ela percebeu que era um armador de basquete do último ano que todo mundo sabia que tinha cecê. O Frodo era baixo demais. O James Dean era gordo demais, e o cara vestido de Han Solo era... feio demais. Ela desistiu de procurar pelo salão, sem querer realmente saber se Julian a estava observando ou não. Só podia imaginar que estava e, com sorte, que estava repensando. Ela inspirou reconsiderações a vida toda. Tinsley pegou o frasco e foi até Heath Ferro e Kara Whalen, que estavam parados num canto, cochichando de um jeito irritante. (Além da irritante conversão súbita de Jenny a semideusa da Waverly, havia a porra do Heath Ferro namorando uma aspirante a lésbica sem noção de moda — como é que isso foi acontecer?) Angelica Pardee, como uma Dorothy não muito convincente de O mágico de Oz, subiu à plataforma ao lado da tigela vazia de ponche com um microfone na mão. A música parou e um murmúrio de excitação tomou a multidão. — Alô? — disse Pardee no microfone, o vestido azul de saia rodada projetando-se como se ela estivesse de anáguas. O cabelo castanho arruivado estava em marias-chiquinhas, ambas modeladas em cachos com forma de salsicha. — Alô. O coração de Tinsley bateu mais rápido e, disfarçadamente, ela deslizou o frasco de volta à cinta-liga. Passou casualmente pela multidão, indo para a frente do salão, fingindo estar procurando alguém. — Com licença — murmurou ela, separando os Blue Men Group a caminho do palco.
— Esta noite temos muitas fantasias maravilhosas — entoou Pardee com seriedade, como se estivesse preocupada em não ferir os sentimentos de alguém. — O concurso deste ano foi uma parada extremamente dura, posso lhes dizer, mas todos deram seu voto e a espera acabou. Enquanto se aproximava do palco, Tinsley tocou de novo no frasco para ter certeza de que estava seguro — não queria deixar cair no palco para Pardee e todo mundo verem. — Mas esta noite temos só um vencedor. — Pardee parou teatralmente, balançando um envelope branco mínimo. Tinsley respirou fundo, sentindo os olhos da multidão se virando para ela, esperando que ela subisse ao palco e reclamasse a coroa que lhe era de direito. Ela encarou Pardee, o coração batendo acelerado, sentindo, enfim, que as coisas estavam voltando ao normal. — Pode me dar uma ajuda? — perguntou ela a Alan St. Girard, que estava vestido de Eminem. Alan estendeu o braço e Tinsley o pegou, prestes a se içar ao palco quando Pardee apertou os lábios no microfone. — E o prêmio vai para... — o público ficou em silêncio enquanto Pardee se atrapalhava com o envelope, sacando uma folha de papel quadrada e pequena. Tinsley levantou do chão um Manolo Blanik prata art déco, pronta para os aplausos. — Jenny Humphrey. Pardee olhou para Tinsley, confusa, como se ela fosse uma estrela do rock e Tinsley uma fã psicótica prestes a pular no palco e arrancar sua blusa. Tinsley cambaleou para trás enquanto a sala explodia em aplausos e assovios. Para Jenny! Tinsley sentiu os olhos arderem de raiva. Mas isso estava mesmo acontecendo? — Você está uma graça, Eminem — sussurrou Tinsley em uma voz sedutora, na esperança de que Alan estivesse bêbado o bastante para se convencer de que ela estava dando em cima dele, e não sendo arrogante demais para pensar que vencera. — A gente se vê depois. Tinsley atirou o cabelo curto para trás, querendo a segurança de suas mechas longas caindo nas costas. Sentiu-se fraca ao abrir caminho para longe do palco e ver Jenny Humphrey, com um sorriso todo inocente colado na cara, indo para o palco com uma espécie de roupa de escrava romana. Ela passou empurrando Benny e Celine, que aplaudiam loucamente. Traidoras. Inacreditável. O que houve com a tradição? Com Tinsley Carmichael ser escolhida a rainha do baile de Halloween? Ao que parecia, havia uma nova rainha ali — e a julgar pelos uivos da multidão, Tinsley era a última a saber.
chuva parecia ácida na língua de Easy enquanto rumava, bêbado, a seu lugar secreto no bosque, incapaz de digerir mais alguma coisa da festa idiota de Halloween. As botas de caminhada pelejavam pelo chão lamacento, e ele se contorcia pelos galhos, as folhas molhadas batendo em seu rosto. Deixou desabotoada a jaqueta de jeans forrada de pele, desfrutando da sensação do vento frio através da camisa. Quando finalmente chegou à clareira, cambaleou até uma pedra grande e se sentou, logo sentindo a umidade entrar pelos jeans. Estava molhado, com frio e desconfortável, e de algum modo parecia ser o certo. Dar o fora em Callie, depois de semanas sonhando com isso, não foi nada do que esperava. Leu poesia e viu pinturas suficientes para saber que um coração partido devia ser inspirador, e que o restabelecimento era justificável. Mas em vez de inspirado, Easy só se sentia um bosta. Ele pegou o baseado meio amassado que Alan St. Girard lhe dera mais cedo para animálo. Mas enquanto o acendia e olhava a clareira molhada onde pintou o retrato de Callie, só conseguia pensar naquele dia em que ela veio aqui posar para ele. Ela estava com os sapatos elegantes e o suéter caro. O cabelo ficou preso numa árvore e naquele momento Easy sentiu que não conseguiria mais respirar se não a beijasse no mesmo instante. Meu Deus. Essa era a Callie que ele amava. Essa era a Callie que ele queria tanto que as palmas de suas mãos começavam a suar quando ele esperava que ela aparecesse no estábulo, ou no bosque, ou no penhasco. Mas quando viu Callie como uma porcaria de uma princesa, andando com arrogância pela festa de Halloween como a debutantezinha que ela sempre fingiu não ser... Era essa a Callie que ele não suportava. Toda a raiva que ele acumulou nas últimas semanas, toda a frustração por ela se recusar a se importar por quase ter conseguido a expulsão de uma menina inocente, veio a todo vapor. Mas, em vez de ficar tomado de alívio por finalmente dizer o que estava em sua mente, ele perdeu toda satisfação com o olhar magoado de Callie. Algo o perturbava e ele jogou no chão o resto do baseado, voltando cambaleante ao campus. As janelas do clube dos docentes — quadrados mínimos borrados de luz na escuridão — apareceram em seu campo de visão. Será que ela ainda estava lá? Ele olhou para cima. A chuva fria no rosto parecia consoladora, mas não o ajudava a entender nada. Por que Callie tinha de ser tão submissa à Tinsley? Por que Callie tinha tanto medo de ser ela mesma, a pessoa gentil, divertida e generosa que Easy sabia que realmente era? Ele entendia a necessidade de se adaptar — mais ou menos —, mas por que isso era tão patológico em Callie? Ela sempre foi assim. Um dia, ele apareceu no alojamento dela para levá-la à peça do departamento de teatro Algemas de cristal e quando ele não a elogiou de imediato pelo vestidinho preto novo, ela o tirou na frente dele e vestiu uma calça jeans. Na verdade foi meio
excitante, agora que ele pensara em Callie tirando o vestido pela cabeça, só de calcinha e sutiã de renda cor-de-rosa. Mas também era maluquice. Que motivo Callie tinha para ser tão insegura? Easy tropeçou numa abóbora largada no pátio e caiu de cara numa poça de água da chuva, ensopando as roupas. Merda. Ele sentiu um arrepio profundo se agitando em algum lugar em seus ossos, mas o enxotou, colocando-se de joelhos, devagar e trôpego, levantandose para enfrentar o vento de tempestade que soprava pelo campus. As luzes do Dumbarton chamaram sua atenção e ele atravessou em ziguezague o gramado até o alojamento. O Dumbarton parecia uma abóbora de Halloween entalhada, as janelas escuras se destacando contra as luzes dispersas dos quartos daquelas que ou voltaram cedo da festa, ou não foram. Easy queria que ele e Callie tivessem faltado à festa — eles podiam se aninhar sob as cobertas, talvez nus, e comer pipoca de micro-ondas e balas de Halloween. Mas rapidamente tirou essa ideia da cabeça. Callie provavelmente teria reclamado de ficar em casa em vez de ir a um grande evento social. Ele se escorou na parede do Dumbarton, querendo vomitar e acabar logo com aquilo. Queria que o álcool saísse de seu corpo, junto com os sentimentos que tinha por Callie. Ela jamais mudaria e eles jamais ficariam juntos, então para que tudo isso? Ele avistou o velho carvalho que balançava ao vento, a mesma árvore em que uma vez subiu para surpreender Callie, que estava estudando em seu quarto no terceiro andar. Easy segurou o galho mais baixo, as mãos escorregando na casca fria e molhada. Desta vez ele estendeu as duas mãos e se içou. Antes de se dar conta do que estava fazendo, estava escalando. O chão começou a recuar à medida que ele lentamente subia nos galhos gastos pelos pés de várias corujas machos esperando ver uma garota. Passou pelas iniciais JDC + MEC, que alguém tinha gravado no tronco havia muito tempo, o entalhe quase um desenho numa caverna pré-histórica. Uma luz se acendeu na janela de frente para Easy, e ele se abaixou involuntariamente. Semicerrando os olhos, reconheceu uma menina de sua turma de história americana, vestida de Fada Sininho. — Oi, Sininho — chamou Easy, rindo. Quanto mais ele subia, melhor se sentia. Estava pensando seriamente se podia ou não passar a noite aninhado num dos galhos mais grossos, quando a árvore balançou violentamente ao vento. Easy ficou paralisado, equilibrando-se. Encostou-se no tronco, escorando-se em um dos galhos mais fortes do meio. Outra lufada de vento sacudiu a árvore, farfalhando as folhas. Easy fechou os olhos, o vento secando a fantasia molhada. A árvore balançava, curvando-se para o Dumbarton. Ele confundiu um estalo distante com um trovão e percebeu tarde demais que a árvore não estava se curvando ao vento — quebrava-se sob seu peso. O estalo explodiu em um longo som, alto e estático, enquanto as janelas do Dumbarton se aproximavam cada vez mais. Easy escorregou do galho, vendo o chão espiralando-se na direção dele. Estendeu a mão para um dos galhos mais baixos quando o alto da árvore se chocou com o alojamento. O som de vidro se espatifando encheu o ar e alguém gritou enquanto Easy caía com um baque no chão, pousando no coldre vazio que tinha comprado no mercadinho da cidade numa tentativa pífia de parecer um caubói, as tachas como pedras em sua pele fria. Easy não sabia quanto tempo ficou no chão antes que uma lanterna brilhasse em seus olhos. Horas podem ter passado, imaginou Easy, mas ele entendeu tudo quando viu o Sr. Quartullo, o segurança da noite. O Sr. Quartullo tinha a fama justa entre os docentes e os alunos de não tolerar tolices, e a presença dele significava que Easy estava seriamente encrencado. — Merda — murmurou Easy.
— Sim, Sr. Walsh — disse o Sr. Quartullo. — Eu diria o mesmo. A primeira sirene de um carro de bombeiros podia ser ouvida ao longe, e Easy se perguntou se os policiais estavam vindo para retirá-lo do campus. Sua mente criou mil mentiras, de que não era realmente culpa dele, que foram o vento e a chuva, que a árvore era velha. Depois lhe ocorreu a ideia contrária. Ele assumiria a responsabilidade pelo que fez e finalmente seria expulso da Waverly. Mas talvez esta fosse a pior coisa que podia acontecer. Sair da Waverly o afastaria de Callie. Vinte minutos depois, Easy esperava na sala da Sra. Horniman, de repente duvidando de seus planos. Ele se preparara para enfrentar o reitor Marymount e ficou meio confuso quando o Sr. Quartullo o levou à sala da orientadora. A conselheira sempre esteve do lado de Easy em todos os seus problemas — ela aparecia nas exposições de arte dos alunos para admirar seu trabalho e o lembrava constantemente de que a Waverly era um microcosmo do mundo, de que ele só precisava se formar para ver o que ele tinha a oferecer. Na sala dela, ainda meio bêbado e um tanto chapado, Easy ficou decepcionado consigo mesmo de uma forma que não esperava. A porta se abriu e a Sra. Horniman entrou, o cabelo puxado embaixo de um gorro marrom e azul de Waverly Owl. Ela bocejou, cobrindo a boca com a mão delicada. — Gostosuras ou travessuras? — perguntou ela ao se sentar. Easy se mexeu pouco à vontade na cadeira. O jeans estava ensopado e ele olhou as pegadas de lama que deixou no chão limpo. — Bom... — começou ele, mas não sabia o que dizer. A Sra. Horniman se recostou na cadeira, cruzando as mãos no colo. Vestia um cardigã de tricô grosso que ela puxava na cintura e Easy podia ver os restos de pasta de dente nos cantos de seus lábios. — Como é tarde, vou apenas expor a situação, está bem? Easy assentiu. Passou a mão no cabelo molhado e algumas folhas caíram no chão. Ele se sentiu completamente nojento — era uma mixórdia bêbada, prestes a ser expulso da escola para sempre, tudo porque deixou que Callie o afetasse. Que merda, o que ele estava fazendo? O aquecedor na sala da Sra. Horniman ligou e o calor arejou um pouco a mente de Easy. Era ridículo que tudo tenha chegado àquele ponto — foi preciso cair de uma árvore para perceber que era hora de deixar Callie para sempre e de consertar essa porcaria de uma vez por todas. O único problema é que era tarde demais. Visões do colégio militar encheram o cérebro de Easy. Seu pai ameaçara mandá-lo a uma das escolas de West Virginia se ele não conseguisse se formar na Waverly. Não haveria mais cavalgadas em Credo, nem arte, nem meninas — só um bando de homens fazendo flexões e tentando provar sua masculinidade. Por que ele não tinha pensado nisso antes? Easy sentia que estava prestes a desmaiar. — Esta é sua última tacada, Easy — disse a Sra. Horniman. Ela se inclinou para a frente, pousando os cotovelos na mesa com o queixo nas mãos. — Acabaria comigo ver um jovem tão talentoso como você ser expulso da Waverly. Então consegui convencer o reitor Marymount e ele concordou que você pode manter uma média B ou superior em suas matérias... — Tudo bem — disse Easy involuntariamente, o coração palpitando no peito. Ele não seria expulso? De repente só conseguia pensar na promessa de seu pai de que se Easy se formasse bem na Waverly e entrasse para uma universidade respeitável, teria um ano de folga depois da escola em Paris, com todas as despesas pagas. Paris seria muito melhor do que o colégio militar. E ficava ainda mais longe de Callie. — E você não pode sair do campus — concluiu ela.
Easy olhou para ela. — É? — perguntou ele, passando a mão nos lábios rachados. Tudo bem, isso não era tão ruim. Ele olhou a janela respingada de chuva atrás da cabeça da Sra. Horniman. Ele podia ter morrido da queda do alto da árvore. Ou pelo menos quebrado um tornozelo ou coisa assim. — É — respondeu a Sra. Horniman. — Escute o que estou dizendo, Easy. Isso é para valer. Notas B no mínimo, e fique no campus. Indefinidamente. — Ela sorriu para ele. — Isso significa nenhuma ida à cidade sem minha permissão por escrito, nenhuma longa caminhada no bosque que esteja fora da área da Waverly... Nada. Capisce? — Capisce. — Easy se recostou na cadeira, ansioso para chegar em casa e se livrar daquelas roupas pegajosas. — E, se eu fosse você, pensaria em se comprometer com algumas atividades extracurriculares. Sabe bem o quanto o reitor as aprecia... E, francamente, suas cavalgadas não contam. Experimente algo que não seja solitário. — A Sra. Horniman o olhou com um ar irônico. De todas as pessoas, ela sabia da falta de entusiasmo de Easy pelas atividades opcionais na Waverly. A Sra. Horniman se encostou na cadeira. — Eu sempre pensei que você se encaixaria perfeitamente num coral. Easy precisou de um momento para perceber que ela estava brincando e depois, pela primeira vez naquela noite, ele sorriu.
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JennyHumphrey: O que foi isso? BrettMesserschmidt: Sei lá. Tô bebum e prestes a desmaiar. E sonhar com Jeremiah. JennyHumphrey: Callie ainda não chegou. Devo me preocupar? BrettMesserschmidt: Não. Ela e Easy devem estar namorando depois daquela briga. JennyHumphrey: Tá.
allie encostou a cabeça cansada na janela embaçada do sedã preto de luxo com os olhos ainda molhados. Passou a manga do casaco de cashmere no rosto e reprimiu um bocejo, as palavras de Easy ecoando em seus ouvidos. Nada do que ele lhe tinha dito parecia tão cruel — nem mesmo quando ela usou um vestido balonê rosa Vera Wang para o baile de primavera e ele disse que ela parecia um cupcake com glacê. Ele não pretendia ser cruel na época — era só uma coisa qualquer dita por um sujeito sem noção. Ele passou o resto da noite tentando convencê-la de que adorava cupcake. Ela procurou um lenço no bolso da capa de chuva. Como pôde falar com ela daquele jeito? E na frente de todo mundo! A ideia de que ela e Easy deram pano para mil fofocas em e-mails e torpedos fez seu estômago embrulhar. Ele estava bêbado, é claro, mas Easy normalmente era de beber sossegado e melancolicamente, ao contrário dos Heath Ferros da vida que pareciam acelerar sempre que tocavam em álcool. Como ele pôde, como ele pôde, como ele pôde?, repetia ela ininterruptamente. A única resposta que fazia sentido era que ele não a amava mais. Seus olhos marejaram de novo. Quando ela ligou para a mãe para aceitar a oferta do spa, a governadora informou que o carro estava esperando no portão enquanto elas falavam — ela o chamou, só por precaução. Insistiu que Callie não precisava levar nada — o spa cuidaria de tudo. Sentindo-se meio como a verdadeira Cinderela aos cuidados de sua fada-mãe governadora, Callie correu para o sedã que a aguardava, grata por ele não ter virado abóbora à meia-noite. Fora do carro, a paisagem escura passava em disparada, pinheiros altos obscurecidos pela lua de Halloween alta no céu noturno. Ela pôs a mão no vidro frio. Através da divisória de vidro fumê, a nuca da motorista era visível. O carro era dirigido por uma mulher em seus 50 anos com uma juba de cachos grisalhos empilhados no alto da cabeça. Callie podia ouvir pela divisória os acordes fracos de música country, lembrando-a de cada menino que ela conheceu na Geórgia, e se perguntou se a motorista tinha vindo direto de Atlanta até a Waverly. Ninguém por aqui ouvia country. Nunca. A divisória de vidro fumê desceu e a motorista virou levemente a cabeça, a música country enchendo o carro. — Está bem aí atrás, querida? — Sim, estou bem. — Callie massageou as têmporas com os dedos e engoliu em seco, a boca ressecada de tanto ponche açucarado e batizado. — Obrigada. A mulher sorriu gentilmente.
— Tem garrafas de água no frigobar. E me diga se precisar parar para usar o toalete... É uma longa viagem. — Assim que a divisória subiu, Callie procurou pelo frigobar oculto. Abriu uma garrafa de água gelada e tomou um longo gole. Um arrependimento súbito encheu Callie por não ter tido a oportunidade de mostrar a Easy que afinal ela não era má pessoa. Mas não podia explicar tudo na frente das Barbies, Meninas Superpoderosas e do Blue Men Group. Queria olhar na cara de Easy enquanto ele absorvesse a informação, depois queria que ele a tomasse nos braços... Fazendo jus à princesa que ela era? Callie não conseguia impedir que as palavras ofensivas de Easy invadissem cada pensamento e se concentrou em olhar firmemente pela janela da frente, vendo os faróis dos carros na pista contrária se tornarem cada vez mais esparsos à medida que o sedã percorria as estradas como um veleiro cruzando o mar. Quando abriu os olhos de novo, o carro tinha saído da rodovia e os pneus esmagavam a entrada sem pavimentação ao se aproximarem lentamente de um canteiro de bétulas afundadas na neve branca e fofa. A lua se refletia nos bancos de neve, ofuscando Callie de tal modo que seus olhos cansados mal conseguiram distinguir o terreno do spa. Tudo brilhava e era coberto de branco, como se ela tivesse parado numa espécie de País das Maravilhas mágico de inverno. Ela teve a sensação estranha — mas agradável — de acordar na Islândia ou em um lugar igualmente distante da Waverly, de Easy e de tudo o que conhecia. Jamais ficaria tão agradecida à mãe por ter interferido em sua vida. O carro parou no que parecia uma pequena pousada de ski com as palavras WHISPERING PINES gravadas numa placa de madeira. Callie saltou do carro, o ar frio da noite acordando-a com um tremor. Suas pernas vacilaram e ela se encostou na porta aberta do carro para se apoiar. Esperava que a cozinha ainda estivesse aberta. Só o que comeu no dia foi um sanduíche de atum e aipo no almoço, e um punhado de pipoca doce na festa de Halloween. Imaginava que a cozinha do spa podia preparar todo tipo de iguaria e de repente ansiou por uma omelete de claras com cogumelos e queijo apimentado. Talvez um muffin inglês também, com manteiga e geleia. Uma jovem com uma parka laranja apertada desceu a escada de madeira da pousada que parecia incomum, a neve pendendo do beiral. — Que bom que chegou — disse ela numa voz baixa e tranquilizadora, piscando para se livrar do sono. — Meu nome é Amanda. — Ela estendeu a mão e Callie a apertou. — Callie Vernon — disse ela antes de enfiar as mãos rapidamente nos bolsos. De repente ficou grata por seu sobretudo longo, percebendo o absurdo que seria chegar a um spa no meio da noite com um vestido azul-bebê de Cinderela e sapatos de vidro. E ela nem tinha trazido mais nada. — Vamos acomodar você. — Amanda fez um gesto indicando a pousada. Callie se admirou com a pele impecável de marfim de Amanda e involuntariamente tocou o próprio rosto. Perguntou-se se era o ar do Maine ou algum tratamento maravilhoso do spa que conferia aquele brilho a Amanda. Uma combinação das duas coisas, imaginou Callie. Callie seguiu Amanda até um saguão escuro. — Seu quarto fica por aqui — disse Amanda olhando para trás, o casaco acolchoado farfalhando quando ela entrou no longo corredor à direita. O estômago de Callie roncou, mas ela não queria parecer exigente demais ou romper o silêncio pacífico da pousada perguntando sobre a cozinha. Talvez seu quarto tivesse um cesto de frutas, ou mesmo um daqueles chocolates com menta em cima dos travesseiros. O piso rangeu sob seus pés conforme seguiam em silêncio, virando num canto e pegando outro longo corredor. Pequenas luzes noturnas marcavam as paredes a intervalos
regulares, os globos minúsculos de luz revelando simples paredes bege com rodapé de madeira escura. Callie já se sentia relaxando. — Este é o seu. — Amanda apontou uma porta de madeira cheia de nós de pinho e pintura branca, um visual à la Pottery Barn que Callie adorava. — É meio tarde e gostaríamos de começar cedo, então você deve descansar. Callie olhou a saia de tafetá que saía por baixo do casaco. — Eu, er, esqueci de fazer as malas. — Talvez Amanda pudesse lhe emprestar um par daquelas confortáveis botas forradas de pele que ela calçava. Amanda acenou como se esta fosse uma preocupação boba. — Recomendamos a todos os hóspedes para virem sem pertences inconvenientes. — Ela sorriu. — Vamos lhe providenciar tudo de que precisar. — Que ótimo! — respondeu Callie com cordialidade. — Então eu, bem, vejo você de manhã? — Ela gostou da discrição tranquila de Amanda e se perguntou se faria ioga com ela no dia seguinte ou coisa assim. A pousada era meio fria e o ar gelado agitava os sentidos de Callie. Amanda colocou a mão no braço de Callie. — Posso lhe garantir que esta experiência será exatamente o que você precisa. — Ela acenou e puxou a parka para cima do pescoço, depois desapareceu no corredor. Callie abriu a porta, pronta para viver todo o luxo do spa. Tomaria um banho quente de espuma e se enroscaria na cama com a TV ligada. Callie acendeu a luz, ligando o único abajur de baixa voltagem no canto, uma base de bronze com uma cúpula branca e simples. Claramente o astral aqui era de simplicidade elegante. Um vento assoviou pelas janelas, que Callie demorou a perceber não terem cortinas. Ela se abraçou, tremendo, os arrepios subindo e descendo pelos braços. A cama no canto era pequena e o colchão parecia meio fino — na realidade, havia algo de monástico em todo o lugar. Callie investigou o banheiro, acendendo a lâmpada fluorescente, meio apavorada ao ver alguns artigos de toalete já na pia. Será que lhe tinham dado o quarto errado? Depois viu a porta para o quarto ao lado e percebeu o erro do spa — deram-lhe um quarto com banheiro compartilhado. Ela lembrou-se de quando sua mãe os levou ao México e elas foram colocadas num quarto simples em vez de na suíte master que reservaram. Foi um pesadelo completo partilhar um banheiro com a mãe porcalhona. Callie apagou a luz do banheiro e andou até a cama. Não precisava entrar em pânico. Talvez a velha Callie tivesse tirado Amanda da cama para reclamar do erro, mas Callie deu um tapinha nas próprias costas por ter jogo de cintura. Está vendo, Easy, ela não era nenhuma princesa — tudo podia esperar até amanhã. Ela tirou os sapatos e se aninhou na cama totalmente vestida, puxando o cobertor de lã até a cabeça e enterrando os frios dedos dos pés nas cobertas. Era meio como acampar ao ar livre. Uma pequena privação antes de ser mimada só aguçaria as sensações que esperavam por ela de manhã, só dali a algumas horas. Cochilou e sonhou com nuvens felpudas flutuando sob um céu azul brilhante. As nuvens começaram a se agitar no céu, escurecendo a cena. Callie começou a despertar e encontrou uma mulher grandalhona, parecendo do leste europeu, assomando sobre sua cama. A mulher apertava com força o braço de Callie e não soltava, embora Callie estivesse claramente acordada. — O sol nasceu — disse a mulher com um forte sotaque. — Hora de levantar. Callie piscou. — Hein?
A mulher bateu palmas com as mãos fortes e não se afastou da cama de Callie. Por que Amanda não a avisou sobre a tropa de assalto louca que se hospedava no quarto adjacente? — Que horas são? — perguntou Callie, grogue. Não tinha levado nada e, sem sua máscara de dormir ou o despertador portátil, ela se sentia totalmente desorientada. — Hora da marcha matinal — respondeu a mulher, pegando o cobertor de Callie e atirando até os pés dela. A primeira luz do dia entrou no quarto e Callie ouviu a batida agourenta de passos no corredor. Marcha matinal? Será que haveria algum cântico esquisito? E no que foi que ela se meteu?
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De: AngelicaPardee@waverly.edu Para: Moradores do Dumbarton Data: Sexta-feira, 1º de novembro, 6:25h Assunto: Danos provocados pela água Como alguns de vocês devem ter percebido, as fortes chuvas provocaram um infeliz acidente ontem à noite. O grande carvalho na frente do alojamento caiu sobre o prédio, quebrando várias janelas, rompendo um cano de água e provocando o alagamento de vários quartos. Nos próximos dias, enquanto os quartos atingidos estiverem sob reforma, agradeceríamos se pudessem acomodar nossas alunas desalojadas. Farei rondas para verificar tais alunas e suas respectivas anfitriãs. Muito agradecida pela Cooperação, Angelica
o som da porta de seu quarto se abrindo, Brett tirou a cabeça do livro de latim sobre o qual estivera cochilando. Seu cabelo se agitou perigosamente perto da vela com aroma de café que havia sobre sua mesa. Ainda era de manhã cedo naquela sextafeira e ela estava com preguiça demais para pegar sua xícara matinal no Maxwell Hall, então esperava adquirir alguma vibração da cafeína da vela. Jenny colocou a cabeça para dentro do quarto com os olhos castanhos arregalados de alegria. — Pronta para recapitular? — Ela entrou no quarto, vestida com uma blusa branca por baixo de um vestido vermelho sem mangas e calças de lã grossas, parecendo um lindo anúncio da Gap. — No todo, uma ótima noite. — Brett sorriu. Apesar do enjoo de estômago (será que Jenny nunca tinha ressaca?), ela não conseguiu tirar o sorriso da cara ao pensar, pela milionésima vez desde a noite anterior, que Jeremiah tinha aparecido do nada e a tirado da festa. — E isso além do fato de que você venceu. Jenny riu e colocou a bolsa LeSportsac no chão. Sentou-se no edredom fúcsia de estampa indiana de Brett. — Foi uma loucura, né? — Ela parecia relaxada, a pele corada num rosa saudável. — Nem tanto... Você brilhou total. — No momento em que viu Jenny com o vestido sensual e branco de Cleópatra, Brett entendeu que significava problema para a sucessão de vitórias de Tinsley. Estava mesmo na hora de alguém fazer com que ela percebesse que nem tudo seria entregue a ela numa bandeja de prata. O rubor de Jenny se acentuou quando ela se recostou num dos cotovelos. — Isso foi o glitter para o corpo que você me emprestou. — Ela brincou com o mix de pulseiras grossas no pulso. — Mas foi meio legal subir ao palco. Brett sorriu para a amiga e tirou um fiapo do jeans Earl azul-escuro. — Mas você sabe que eu quero saber da parte picante. — Que parte picante? — perguntou Jenny, cheia de inocência. Brett tombou a cabeça de lado e olhou pela janela. Mesmo no chuvisco cinzento, a Waverly era linda para ela. O pátio molhado estava coberto de folhas brilhantes e alunos com impermeáveis coloridos corriam para as aulas. — Eu vi você conversando com um estranho misterioso. Jenny mordeu o lábio, como se tentasse não sorrir demais. — Quer dizer o Zorro. Brett afundou na cama, ansiosa para saber dos detalhes. — Ele ficou, tipo assim, olhando você de longe?
— Sei lá. — Um longo cacho castanho caiu na cara de Jenny e ela rapidamente o afastou. Ela apertou as mãozinhas, como se tentasse evitar que a excitação viesse à tona. — Quero dizer, não quero parecer animada demais nem nada disso, mas tivemos uma conversa cheia de clima. — Mas e aí, quem é ele? — Por causa da fantasia preta e da máscara, Brett não conseguiu saber muito do cara, além do fato de parecer gostar de certa Cleópatra. — Ele não me deu o nome verdadeiro. — Jenny ergueu as mãos. — Foi um mistério total. Como o Zorro de verdade. — Tipo um bandido? — Brett arqueou uma sobrancelha. — Ele parecia tão... perfeito. — Jenny, parecendo estar cheia de falar de si mesma, rapidamente mudou o foco para Brett. — Mas e você, Srta. Scooby-Doo?... Eu vi pelo menos uma pessoa apreciando sua fantasia. Brett corou. Depois da festa, ela e Jeremiah vagaram pelo campus encharcado, de mãos dadas e conversando sobre as bilhões de coisas que aconteceram desde que eles se separaram. Por fim, a chuva começou a cair mais forte e eles conseguiram se abrigar no coreto, onde se deitaram e se beijaram nos lábios e nos rostos molhados apaixonadamente, como se não se satisfizessem nunca. Foi uma noite perfeita. — Ele estava ótimo. — Jenny sorriu com malícia. Brett passou a ponta dos dedos nos lábios, tentando manter o sorriso sob controle. — Eu não sabia que ele estaria lá... Achei que ainda estava chateado com a história da Kara. — É, mas... — Jenny se sentou ereta na cama. — Vocês nem ficaram juntas, né? — Eu sei. — Brett começava a se sentir menos culpada por sua mentirinha inocente. Era para o bem de Jeremiah, de qualquer modo. — Mas quando ele voltou para mim, depois de tudo, isso me fez perceber o quanto eu o amo... E quero que seja ele, sabe como é. Jenny ergueu as sobrancelhas. — É mesmo? Acha que está pronta para isso? Brett assentiu; há um mês, pensou que estava pronta para dormir com Jeremiah — e veio a novidade de que ele já dormira com outra. Mas agora ela falava sério. O fato de que tinha perdoado Jeremiah por dormir com aquela vagaba da Elizabeth e de que ele a perdoara por Dalton devia significar que eles realmente, verdadeiramente se amavam. Era fácil pensar que se amava alguém — mas depois que você era magoada, intencionalmente ou não, e ainda podia tê-lo de volta, era uma coisa muito mais profunda. Ela estava esperando que nesse fim de semana eles tivessem a chance de escapulir para um hotel romântico. Mas Jeremiah ia viajar para um jogo contra a Elrod College Prep e ficaria fora o fim de semana todo, o que queria dizer que não haveria escapadelas ilícitas do campus. Jenny olhou o teto. — Não seria ótimo se o Zorro fosse o cara perfeito para mim? — perguntou ela, sonhadora. — Mas você nem sabe o nome verdadeiro dele! — Brett riu, baixando na cama ao lado de Jenny. Ela olhou o teto, onde ainda pendiam os restos de um pôster do Flaming Lips que tinha pendurado e depois decidido arrancar, os dois cantos rasgados colados teimosamente na tinta branca. Jenny abriu um sorriso. — O que o nome dele tem a ver com isso? O riso das duas foi interrompido por um bipe no laptop de Brett.
— Ah, será que é a Callie? — Jenny olhou para o computador. — É totalmente estranho que ela não tenha voltado para o quarto ontem à noite... Acha que ela e Easy ficaram? Brett franziu a testa enquanto verificava o e-mail. — É só a Yvonne Stidder. Ela quer saber sobre a próxima reunião das Women of Waverly. — Vai ter uma próxima reunião? — perguntou Jenny, animada, sentando-se na cama de Brett. Inesperadamente, a imagem de Kara e ela se beijando na primeira reunião da WoW invadiu o cérebro de Brett. Ela podia sentir os lábios de Kara nos dela e quase sentir o gosto do gloss de cereja. Uma culpa imensa caiu como uma cortina sobre a felicidade que sentia por causa de Jeremiah. Afinal, ela mentiu para ele sobre Kara. A porta se abriu de repente e Brett ficou um pouco aliviada ao ver Tinsley na soleira, e não Pardee. Parada atrás de Tinsley estava Kara, espiando o quarto, insegura. — O que está rolando? — perguntou Brett. O que Tinsley estava fazendo com Kara? Ela tentou abrir um meio sorriso para Kara e uma meia carranca para Tinsley. Deve ter parecido uma doente mental. — A árvore que caiu no telhado quebrou um cano e alagou um monte de quartos no primeiro andar, caso não tenha ouvido nada. — Tinsley encostou-se despreocupadamente na soleira, com jeans cinza Habitual de cintura alta e uma camiseta térmica vermelha. Um par de argolas de prata pendia dos lóbulos das orelhas. — E agora a coitada da Kara não tem onde morar. Ela pode ficar com a gente? Kara abriu um sorriso amarelo. — E você é a nova mãe do alojamento? — perguntou Brett a Tinsley, irritada por Tinsley ter atirado isso na cara dela tão de repente, em especial na frente de Kara. Jenny riu, sem perceber, ou não se importar, com o olhar que Tinsley lançou a ela. — Só estou tentando ajudar minhas companheiras da Waverly. — Tinsley abriu um sorriso falso para Brett. — O que me diz? Será como nos bons velhos tempos. Na porta, Kara brincava com a bainha puída da camisa polo listrada de verde, nitidamente constrangida. — Posso achar outro lugar, se... — Não, não seja boba. Não tem problema nenhum. — assentiu Brett, sem querer que Tinsley sentisse como esse arranjo seria incrivelmente estranho para Brett, coisa que Tinsley claramente queria. — Demais — Tinsley falou alegremente, batendo palmas, o esmalte rosa com glitter cintilando sob a luz do sol. — Acho que ela pode dividir a cama com você. — Ela parou para ver a reação de Brett. — Ou não, sei lá. — Vamos pensar numa solução, obrigada. — Brett se levantou, cravando as unhas com esmalte roxo nas palmas, reprimindo o impulso de puxar o cabelo sedoso e preto de Tinsley, arrancando dois tufos gigantes. Jenny se levantou também. — Obrigada. — Os olhos castanhos e suaves de Kara examinaram o rosto de Brett. — Desculpe pelo incômodo. — Que nada — respondeu Brett, tentando dizer a Kara com os olhos que o problema era Tinsley. — Claro que não — Tinsley fez eco. Ela pegou sua jaqueta de tweed Nanette Lepore das costas da cadeira. — Bom, agora que está tudo resolvido, vou fazer outras boas ações. — Ela fez uma mesura e desapareceu no corredor. — Vou pegar minhas coisas — disse Kara com timidez, seguindo Tinsley. — A Tinsley pode ser um tremendo pé no saco — Brett bufou assim que elas se foram.
— Estou atrasada para a aula. — Jenny pegou a bolsa de carteiro do chão. Brett olhou o relógio. — Merda. Eu também. Peraí. — Ela procurava freneticamente a bolsa de livros no quarto quando as primeiras batidas da música “You Make Lovin’ Fun”, do Fleetwood Mac, berraram do telefone na mesa. Jeremiah. Ela ergueu um dedo para Jenny esperar. — Alô? — Oiê, amor — a voz grave de Jeremiah ribombou do outro lado. — O que tá aprontando? — Brett podia ouvir o farfalhar de Jeremiah fazendo as malas — provavelmente a bolsa de viagem L.L. Bean verde com suas iniciais desbotadas — para o fim de semana. — Estou indo para a aula com a Jenny. — Ela estava prestes a reclamar de Tinsley, mas mordeu a língua quando percebeu que Jeremiah não ficaria nada emocionado ao saber que Kara ia ficar com elas por uma ou duas noites. Ele só voltaria do jogo na noite de domingo e Kara já teria ido embora a essa altura, então qual o problema? — Eu queria não ter que ir — Jeremiah se lamentou, aquele sotaque de Boston logo de manhã deixava a voz dele lindamente rouca. — É um jogo idiota mesmo. A Elrod é uma droga. — Eu também queria que você não fosse — disse Brett sem fôlego ao telefone. — Queria que fossem as férias de Natal. — A voz de Jeremiah estava tristonha e ela praticamente podia ouvir em sua voz o crepitar do fogo em sua casa de inverno em Sun Valley. Depois da festa de Halloween, ele a convidou para passar as férias esquiando com sua família. Podia imaginar os dois, aninhados com um chocolate quente que os pais de Jeremiah temperavam com conhaque, vendo os flocos de neve caindo pela janela. Brett sentiu o rosto corar e queria que Jeremiah soubesse no que ela estava pensando. — Eu também. — Tenho que ir, gata — disse Jeremiah com tristeza. — Só queria ouvir sua voz. — Me liga depois — disse Brett. — Eu te amo. — Eu também. — A voz de Jeremiah era baixa e rouca. — Odeio pensar em você totalmente sozinha nesse fim semana... Faça alguma coisa divertida sem mim, está bem? — Pode apostar que sim. — Brett desligou o telefone e o encarou, paralisada. — O que foi isso? — perguntou Jenny, os olhos como pontos de interrogação. Mas Brett de repente se sentiu murchar, evaporando-se o humor feliz que sentia antes. Agora a sensação incômoda de que fazia alguma coisa errada começou a dominá-la e a última coisa que ela queria era falar sobre isso. — Ah, nada — ela se agitou, enfiando o livro de latim de 4 quilos na mochila. — Vamos dar o fora daqui.
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DrewGately: Eu disse que ia te achar. O Zorro sempre sabe onde deixou sua marca. JennyHumphrey: Ele não. Mas é bom saber que você tem nome. Onde posso te encontrar? DrewGately: Me encontra no estacionamento dos veteranos depois da aula? JennyHumphrey: Tenho hóquei na grama, mas depois sou toda sua. DrewGately: É isso que eu gosto de ouvir. =)
nquanto entrava na sala de aula da Sra. Horniman no Hopkins Hall na tarde de sextafeira, Brandon teve um estranho déjà vu. Na última vez em que se sentou nesta sala, para o seminário de Apresentação da Waverly da Sra. Horniman aos calouros, ele e Callie tinham acabado de ficar juntos, sua madrasta-monstro tinha dado à luz aos gêmeos demoníacos e ele era 8 centímetros mais baixo. Era como se mudar de sua cidade natal quando criança e voltar quando adulto — tudo parecia um pouco menor do que você se lembrava. Até a Sra. Horniman parecia ter encolhido, ou talvez fossem aqueles horríveis mocassins marrons sem salto que ela calçava. Havia vidraças imensas em todo o lado esquerdo da sala. Brandon escorregou para uma cadeira ao fundo. A sala aos poucos se enchia de alunos de ressaca. Benny Cunningham estava com enormes óculos de sol Marc Jacobs, e Heath e Kara pegaram dois lugares juntos, algumas filas na frente de Brandon. Ele sorriu quando Sage entrou na sala e foi para o lugar vago atrás dele. Depois que todos se sentaram, a Sra. Horniman se levantou atrás de sua mesa. — Obrigada a todos por virem hoje — entoou ela, brincando com o fato de saber que a presença de todos era obrigatória. Embora ninguém quisesse realmente estar ali, todos sabiam que era fundamental ter a aprovação de Horniman, e Brandon não teria se surpreendido se visse maçãs e chocolates de todos os alunos puxa-sacos na mesa da orientadora. A loção corporal com aroma de pêssego de Sage flutuou até Brandon e ele de imediato se lembrou dos amassos da noite anterior. Depois de acompanhar Sage até o Dumbarton, ele a puxou para trás dos pinheiros, o que não era característico dele, e os dois se beijaram sem parar enquanto os outros iam dormir. Por um motivo qualquer, a fantasia de Bond o deixara ousado, mas agora, na manhã seguinte, ele voltou a questionar cada atitude que tivera. Brandon pegou seu diário com capa de couro italiano e escreveu um bilhete para Sage com uma pergunta — Vai se candidatar para onde? Ele o dobrou em um triângulo pequeno e o abrigou na palma da mão. Não era o tipo de pergunta explosiva que pedia um bilhete disfarçado por sobre o ombro, e ele esperava que ela não achasse totalmente idiota. Mas ele não conseguia ficar sentado tão perto dela sem algum contato. Brandon passou o bilhete para trás, roubando um olhar por sobre o ombro para Sage. Ela estava linda, com um suéter Theory rosa com uma fila de botões na frente e jeans Paige de pernas largas, o cabelo comprido e sedoso puxado para trás com pequenas fivelas. Seus dedos delicados pegaram o bilhete da mão de Brandon, um passe perfeito. Ela estava com um anel de joaninha no indicador direito. Talvez ele rasgasse outra folha do diário e escrevesse algo sobre como a joaninha era quase tão linda quanto Sage. Ou isso seria ainda mais idiota?
— Agora, quero que todos sejam inteiramente francos comigo. — A Sra. Horniman bateu a beira do imenso volume de Grandes esperanças que segurava, como que para lembrar aos alunos o motivo de estarem ali. Seus caracteres dourados refletiam o sol da tarde. — Quantos de vocês vieram aqui hoje pensando que ingressarão na universidade só porque se formaram na Waverly? Depois de alguma hesitação, meia dúzia de mãos se levantou no ar, duas pertencentes a Heath Ferro. — Peraí, não é esse o motivo para virmos para a Waverly? — perguntou ele numa inocência fingida. Em seguida endireitou uma das mangas enroladas da camisa Ralph Lauren azul desbotada. Brandon revirou os olhos. O pai de Heath era presidente de um importante banco de investimentos em Nova York e a mãe era crítica de arte do New York Times. Os dois provavelmente teriam um ataque se Heath não entrasse para Princeton. A Sra. Horniman apontou o exemplar de Grandes esperanças para Heath. — Era o que eu pensava também. Mas fiquei na lista de espera de minhas três universidades preferidas, e sabe por quê? Ela não esperou pela resposta. Em vez disso, contornou a mesa e se empoleirou nela. Puxou o cinto do suéter imenso bordado com folhas de outono, apertando na cintura. — Porque eu não fiz nenhum curso preparatório. Este seminário se trata de como vocês se apresentam. — Ela baixou os olhos e observou a turma por cima do aro dos óculos, o olhar finalmente caindo em Brandon. — E passar bilhetinhos não é a melhor maneira de causar uma boa impressão. Brandon afundou na cadeira. Merda. — Vamos dar uma olhada, sim? — A Sra. Horniman andou até Sage e estendeu a mão. Sage olhou nervosa a sala e Brandon ficou feliz por não ter cedido ao impulso da joaninha bonita. Na verdade, a pergunta no bilhete era tão chata que era quase mais constrangedora ainda. — Deixe as partes obscenas de fora — bocejou Heath, olhando para a frente. — Não quero macular meus ouvidos virgens. A Sra. Horniman bateu de leve na cabeça de Heath enquanto ia para a frente da sala, com o bilhete na mão. Heath fechou a cara como um menino de 5 anos que queria a mamãe. A Sra. Horniman se empoleirou na mesa e examinou o bilhete. — Muito interessante — exclamou ela. — Peço desculpas, Sr. Buchanan. Não fazia ideia de que era relacionado com esta aula. — Ela se voltou à turma. — A pergunta é, “Para onde vai se candidatar?” A resposta: “Bennington, NYU, Columbia, Sarah Lawrence e... Harvard”. — A Sra. Horniman olhou para Sage. — Imagino que seja sua opção de segurança. — A turma explodiu numa gargalhada e Sage corou. Brandon esfregou a nuca e olhou seu relógio Dolce & Gabbana de titânio. — Agora — anunciou a Sra. Horniman —, o tema de hoje é o artigo de apresentação. Vocês formarão duplas para fazermos um brainstorming. Um entrevistará o outro para escolher os possíveis temas. Brandon sentiu as palmas das mãos se aquecerem com a ideia de puxar Sage para o canto e passar o resto da aula conversando com ela. — Vamos nos concentrar no tema de hoje — continuou a Sra. Horniman. — Na semana que vem vamos tentar dar alguma coerência a nossos temas. Então o brainstorming pode ser espontâneo. Mesmo que vocês pensem que o tema é muito bobo, ou muito pequeno, escrevam. Mais tarde vamos ajudar vocês a reduzir a lista. E lembrem-se de que às vezes dois
temas aparentemente díspares podem ser relacionados, um fortalecendo seu argumento com o outro... Todos começaram a formar duplas, as cadeiras se arrastando pelo piso de ladrilho xadrez. Brandon rapidamente virou a carteira para Sage. — Obrigada por me dar aquele flagra. — Sage sorriu. Seus olhos azul-claros estavam meio avermelhados e pareciam cansados, mas ela ainda estava linda. — Desculpe por aquilo. — Brandon deu de ombros timidamente. — Quer que ela seja expulsa antes mesmo de ter a chance de se candidatar à faculdade? — Heath riu enquanto ele e Kara ficavam de frente um para o outro, as carteiras desconfortavelmente perto das de Brandon e Sage. Brandon ignorou Heath. — Vamos separar vocês aí. — A Sra. Horniman fez um gesto de quem divide o mar Vermelho. — Sr. Buchanan fique com a Srta. Whalen. Sr. Ferro, forme dupla com a Srta. Francis, nossa aspirante a Bennington. Brandon abriu um sorriso tristonho para Sage e os quatro moveram as carteiras para que Kara ficasse de frente para Brandon e Heath de frente para Sage. Ele não pôde deixar de olhar nervoso para Heath, que se espreguiçava em sua carteira, a camisa subindo e revelando o cós da samba-canção estampada de smiley. — E aí, Sage — começou Heath, inclinando-se para a frente. Ele tamborilou os dedos na mesa de madeira. — O que estava vestindo em seu primeiro dia na Waverly? — Como é? — Sage corou. Brandon cerrou o punho, irritado porque sua namorada, de todas as pessoas na sala, formou dupla com seu eternamente inconveniente colega de quarto. — Ignore-o. — Kara se inclinou para Sage, revirando os olhos. — Ele só quer atenção. — Ela se virou para Brandon e pegou um caderno na mochila. — Vamos tentar bolar uns temas. Que tal... — Sua voz falhou enquanto ela passava os dedos nos brincos de pingente de coral que pareciam antigos e tentava não olhar de lado para Heath. Brandon bateu a caneta no caderno e olhou de banda para Sage. Ela esfregava o queixo. — Acho que eu estava com minhas bocas de sino de veludo cotelê Miss Sixty. Antigamente eu era meio hippie. — Ela riu e encontrou o olhar de Brandon (ele já estava imaginando Sage de veludo apertado, sem sutiã por baixo de uma bata branca) antes de se virar para Heath. — E você? — Minha camiseta da sorte do Aquaman. — Heath esfregou o rosto pensativamente, gostando da lembrança. — E sabe de uma coisa? Deu certo. — Ele piscou para Kara. Kara apertou os lábios, claramente tentando reprimir um sorriso. Bateu palmas para chamar a atenção de Brandon. — Tá legal, Brandon. Quem é seu super-herói preferido? — Não sei bem se há um artigo de apresentação aqui, Srta. Whalen. — A Sra. Horniman apareceu, pairando atrás da mesa de Brandon. Seus brincos abóbora tilintaram quando ela balançou a cabeça. — Mas gostaria de ouvir a resposta. Super-herói? Brandon sentiu o rosto corar. Os olhos de todos pareciam estar nele enquanto esforçava-se para achar um nome. Mas a única coisa que lhe vinha à mente era a lembrança torturante dele mesmo aos 5 anos, vendo Mulher Maravilha, enroscado no sofá com a mãe enquanto o pai trabalhava até tarde. Lembrava-se até mesmo de correr pela casa agitando um cinto de couro que fingia ser um laço mágico. Esta definitivamente não era a história que queria partilhar com ninguém — Heath já estava acumulando um monte de evidências da frescura de Brandon e ele não precisava dar mais munição ao colega. E o Super-Homem? Não, talvez fosse ainda mais gay. Sentiu Sage olhando em seu rosto, o que dificultou ainda mais o raciocínio. — É... James Bond?
Heath soltou o que só pode ser descrito como uma risadinha cretina, e até Sage e a Sra. Horniman riram um pouco. — James Bond não é um super-herói — observou Kara educadamente, a testa franzida como se estivesse imersa em pensamentos. — Pelo menos não no sentido convencional. — Claro, não no sentido convencional. — Brandon bufou. — Mas ele, bem, sempre fica com as maiores gatas. — Heath ergueu a mão para um cumprimento, mas Brandon o ignorou tentando olhar nos olhos de Sage. Ela piscou sedutoramente para ele — peraí, ela realmente gosta quando ele diz coisas de machão imbecil? Quando foi que ele ficou parecido com Heath? A Sra. Horniman colocou a mão no ombro de Brandon e apertou. — Boa tentativa, Sr. Buchanan. Agradeça por não ter ouvido a pergunta de seu entrevistador em Yale, ou, preciso lhe dizer, o senhor provavelmente não passaria seus anos acadêmicos em New Haven. — Ela lhe deu um tapinha encorajador, depois se virou para a turma. — Todos vocês: quero que escolham um tema da lista de hoje e escrevam um artigo para trazer na semana que vem. O que significa nada de preguiça por hoje — ela concluiu, depois se afastou de Brandon, indo para outro grupo. — James Bond? — Heath cutucou as costelas de Brandon com um dedo depois que a orientadora saiu. — Ele é muito mais tranquilão do que você. Brandon passou a mão no cabelo castanho-dourado espetado e se recostou na cadeira. — Cala a boca. A Horniman estava me deixando nervoso. — Meu cérebro hoje parece um tijolo. — Kara esfregou as têmporas. — Ficamos acordados até tarde ontem. — Bom, sugiro que a gente se reúna neste fim de semana com um pouco de incentivo. — Heath levou uma garrafa imaginária à boca e tomou um gole invisível. — As perguntas vão fluir mais livremente nessas circunstâncias. E as respostas também. — Ei, se vai me ajudar a entrar para Harvard, como eu poderia recusar? — Sage tombou a cabeça para Brandon, os olhos já faiscando de excitação. — Tem toda razão, hippie. — Heath estendeu o punho e Sage o socou. — Detalhes a seguir. Buchanan, tá dentro? Brandon suspirou, mas balançou a cabeça, concordando. Ele precisava de um tema para o artigo e eles certamente não iam fazer nada hoje. Uma coisa James Bond não tinha: um colega de quarto babaca.
insley desceu a escada do Dumbarton com os óculos de aviador brancos Oliver Peoples. O céu estava cheio de nuvens agourentas de uma chuva que ameaçava cair a qualquer momento. Ela fechou a jaqueta preta Diesel, sentindo-se comedida com jeans cinza J Brand apertados e sandálias pretas sem salto. Discreta, lembrou a si mesma enquanto reprimia o impulso de voltar para dentro e se enroscar sob os cobertores. Indiferente. Imperturbável. É claro que a coroação de Jenny na festa de Halloween foi um acaso infeliz — teria acontecido alguma campanha clandestina entre os calouros e outros manés para colocar um deles no palco? Deve ter sido armação. Mas Tinsley ficou surpresa com o quanto isso ainda a afetava na manhã seguinte. Ela dormiu mal, acordando sobressaltada e voltando a dormir só para achar uma Cleópatra de aparência piranhuda esperando por ela nos sonhos. Ela se concentrou em erguer o queixo enquanto atravessava o campus. De qualquer modo, ela não se importava de verdade com o concurso idiota de fantasias. Estava a caminho do Maxwell Hall para estudar para a prova de introdução à história da arte, onde espalharia os livros numa mesa de centro e se enroscaria em uma das luxuosas poltronas. Em plena vista do público, mostraria que o fato de a baixinha Jenny Humphrey ter roubado sua entrada triunfal não a incomodou em nada. O celular de Tinsley zumbiu em sua bolsa de carteiro Fendi de couro. Ao abrir a bolsa para pegar o telefone, caiu toda a pilha de fichas de estudo de história da arte, espalhando-se pela calçada de concreto molhado na frente do Maxwell. Porra. Ela se curvou para pegá-los, na esperança de que não ensopassem inteiramente. Enquanto estendia a mão para uma anotação sobre Botticelli, Tinsley percebeu um cara alto e magro descendo a escada do Maxwell, indo diretamente na sua direção. Julian. — Oi. — Tinsley olhou para ele brevemente, enfiando o cartão na bolsa, rezando para que Julian fosse cavalheiro o suficiente para ajudá-la, por mais chateado que ainda estivesse com a história de Jenny. Mas na verdade a rancorosa da historia não deveria ser Tinsley, uma vez que antes de mais nada ele agiu pelas costas dela e ficou com a piranhazinha? Ela ouviu o arrastar de tênis no concreto molhado. — Oi — disse ele por fim, andando até Tinsley e assentindo rispidamente. Só de ver Julian, hesitando ao pé da escada com o casaco de capuz verde-oliva e a calça de veludo cotelê marrom desbotada 7 For All Mankind, o cabelo comprido atrás das orelhas, os joelhos de Tinsley enfraqueceram. Enfim ele se abaixou para pegar algumas fichas espalhadas. — Obrigada — disse ela, com o cuidado de não deixar que suas mãos se perdessem para perto das dele enquanto ele pegava os cartões apressadamente.
Julian deu de ombros e soltou uma espécie de rosnado afirmativo. Entregou a ela a ficha de Michelangelo com uma folha de carvalho vermelha presa nos dados do verso. Tinsley mordeu o interior da bochecha. Um fio de cabelo se soltou de seu rabo de cavalo, caindo no rosto. Ela se levantou devagar para olhar Julian de cima. — Então, é... onde esteve ontem à noite? Julian não levantou a cabeça, entregando a Tinsley as últimas fichas molhadas. Pôs as mãos nas coxas e endireitou o corpo. Ela se esquecera de como ele era alto — quase uma cabeça mais alto do que ela. — No meu quarto — respondeu ele com indiferença. — Todo mundo estava procurando por você na festa — mentiu Tinsley, embaralhando a pilha de fichas na mão. Colocou um fio de cabelo atrás da orelha. — Ah, é? Tipo quem? — perguntou Julian num tom inexpressivo. Finalmente seus olhos castanhos encontraram os de Tinsley. Mas em vez dos olhos calorosos que ela conhecia, estes não traziam emoção alguma. — Bom, eu, pelo menos — disse Tinsley com doçura. Ela podia sentir a resistência de Julian, mas não conseguia evitar. Queria agarrá-lo pelos ombros, prender a boca na dele e fazê-lo se lembrar de como era bom. Ela avançou um passo na direção de Julian, arrastando as sandálias pretas Tory Burch no calçamento molhado. — Não tive vontade nenhuma — disse Julian, como se isso explicasse sua ausência. Ele enfiou as mãos nos bolsos da calça de veludo, completamente indiferente à confissão de que ela é que esteve procurando por ele. Mas pelo menos ele não se afastou. Se Julian não foi à festa, com certeza não viu a ascensão triunfante de Jenny ao palco, uma ideia que animou Tinsley. Deve ter restado alguma coisa entre os dois, não é? Ela piscou os olhos violeta e decidiu dizer de uma vez por todas como realmente se sentia. — Mas mesmo se eu fosse — disse Julian enquanto passava a mochila de lona preta de um ombro para outro —, não ia querer ficar com você. As palavras não foram ditas aos gritos, nem foram cuspidas, nem ditas com uma crueldade patente, o que a magoou ainda mais. Julian estava simplesmente dizendo a verdade absoluta como se Tinsley já não soubesse disso. A porta do Maxwell Hall se abriu e duas meninas de capa de chuva coloridas desceram a escada saltitando, rindo e abrindo a correspondência. — Julie! — Alan St. Girard chamou Julian do outro lado do pátio, onde ele e Ryan Reynolds jogavam frisbee. Julian levantou a mão para os meninos e com um último olhar quase de pena para Tinsley, deu-lhe as costas e se afastou sem dar outra resposta. Ela olhou a figura de Julian recuar na distância. Ele alcançou Alan e logo foram acompanhados por um grupo de meninos que iam para o salão de jantar. Que. Porra. É. Essa? Todo mundo queria ficar com Tinsley Carmichael — não é? Uma náusea a acometeu quando fez uma lista mental de coisas legais que ela fez por seus companheiros Waverlies. Fundou clubes bacanas como o Cinephiles para levar um pouco de diversão culta para a triste vida do campus. Ajudou Callie a superar Easy, pelo menos na primeira vez. Deu a festa na casa dos Miller, que terminou ainda mais animada do que planejara. Ela... Bom, a lista era interminável. Eu não ia querer ficar com você. As palavras cravaram tão fundo que Tinsley não conseguia se lembrar aonde ia, e se sentou na escada. Dobrou os joelhos e pousou o queixo nas mãos. Uma última ficha molhada e meio arruinada de história da arte se desintegrava na calçada, naquele momento parecendo um pouco seu coração.
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De: BrettMesserschmidt@waverly.edu Para: SebastianValenti@waverly.edu Data: Sexta-feira, 1º de novembro, 12:39h Assunto: En: Reunião Sebastian, Como não tive resposta a meu e-mail anterior e você não entrou em contato comigo na festa de Halloween — talvez não fosse o lugar adequado para discutir as coisas, de qualquer forma —, pensei em tentar novamente. Está livre para nos reunirmos neste fim de semana e estudar um pouco de latim? Estou livre o fim de semana todo, então, por favor, me fale. Abraços, Brett
enny viu o Zorro — vulgo Drew Gately — perto dos bancos na beira do estacionamento dos veteranos. Destacava-se num grupo de meninos do último ano com agasalhos de lacrosse e meninas de casacos acolchoados e calças de algodão. Ela parou e ouviu o chuvisco bater no guarda-chuva preto e branco Marimekko, preparando-se para se infiltrar no grupo de pessoas. Mas em vez disso, Drew pareceu sentir sua presença, olhando na direção dela. Com algumas palavras rápidas aos amigos, ele se afastou e foi até Jenny. Usando uma calça cáqui meio puída e uma camisa azul Abercrombie & Fitch por baixo de um casaco de capuz marinho Le Tigre, Drew parecia o protótipo do aluno de internato: bem-cuidado, jogador de lacrosse, candidato a uma universidade da Ivy League e diabolicamente sexy. — Não teve treino, hein? — Drew passou a mão no curto cabelo louro-claro e sorriu para Jenny. Ele era mais alto do que ela — é claro, seria um anão se não fosse —, mas só devia medir mais ou menos l,70m. Pelo menos Jenny desta vez se arranjou bem. Talvez isso desse mais certo do que se apaixonar por caras imensos como Easy e Julian, e sentir-se insuportavelmente tola comparada a eles. Certamente seria mais fácil beijar esse cara. — Cancelado. — Ela girou o guarda-chuva no ombro, curtindo a sensação dos amigos de Drew olhando para ela. Havia alguns rostos conhecidos — uma menina que todo mundo chamava de Jinxy e que morava no primeiro andar do Dumbarton, um cara que ela vira com a Tinsley algumas vezes — mas ela não reconheceu a maioria deles. — O vento dificulta um pouco as coisas. Drew abriu um sorriso torto para ela e colocou um boné desbotado dos Mets na cabeça. Olhou para Jenny sob a aba baixa. — Que chato. Aquelas saias de hóquei na grama são lindas. — Não quando estão cheias de lama. — Por cima do ombro de Drew, Jenny olhou para os amigos dele, que estavam, todos, olhando para os dois. Ela meio que queria que ele a convidasse para conhecê-los. Com o jeans James de pernas largas, Doc Martens e um suéter cinza angorá supermacio, Jenny se sentia muito aluna chique de internato. Quando ela abriu a boca para sugerir sair da chuva e tomar uma xícara de café, Drew voltou a falar. — Quer dar uma volta de carro? — E você tem carro? — perguntou Jenny, surpresa. Ela apertou o cinto da capa quando a chuva começou a cair mais pesada. — Pensei que era só para os alunos diaristas. — É do meu colega de quarto — explicou Drew. — Ele conseguiu que os pais assinassem uma espécie de bilhete médico que diz que ele precisa de um carro. — Eles
começaram a andar para o estacionamento e Jenny reprimiu uma onda de decepção por não conhecer os amigos dele. Bem, mesmo que ninguém os visse, ainda seria bom passar algum tempo sozinha com Drew. Afinal, ela precisava descobrir se ele era seu admirador secreto. Drew destravou as portas de um Mustang preto conversível e abriu a porta do carona para Jenny. Sorriu para ela, corando irresistivelmente, como se estivesse pensando em beijá-la. De repente, a lembrança do primeiro beijo de Jenny e Julian a atingiu como um choque elétrico. Sentada naquele toco de árvore, na frente do celeiro, sob o céu claro de uma noite cheia de estrelas como diamantes. O beijo foi tão inesperado, e no entanto tão natural, como se os dois soubessem o tempo todo que ia acontecer. Bom, foi perfeito. Até ela descobrir que ele andava com Tinsley Carmichael. Aqueles primeiros dias depois de ele ter contado sobre Tinsley foram horríveis. Ela só conseguia pensar em Julian comparando os beijos dela com os de Tinsley. Ele lhe mandou e-mails e torpedos, tentando explicar, pedindo a Jenny que por favor lhe desse outra chance. Mas era tarde demais. Era impossível pensar em beijar Julian de novo sem pensar que a língua de Tinsley também estivera na boca dele. Eca. Drew se sentou no banco do motorista enquanto Jenny se colocava à vontade no do carona. — Eu, er, acho que nunca entrei num Mustang — observou ela, na esperança de que ele não detectasse a hesitação em sua voz. O carro era muito brega. O interior era todo em couro preto e cintilava como se tivesse sido polido recentemente com uma fralda de pano macia, e não havia sinal das embalagens normais de McDonald ou guimbas de cigarro amassadas. Mas o cheiro de Drakkar Noir permeava o interior e Jenny abriu um pouco a janela automática, o suficiente para entrar algum ar fresco sem ensopar o carro de chuva. Um S gigantesco e platinado, com o que Jenny esperava que não fossem diamantes de verdade, pendia numa corrente no retrovisor. Drew corou ao ajeitar o retrovisor. — Tem muita classe, né? — Ele passou a ponta do dedo no S. — Acho que vou ter que garantir que sua primeira vez no Mustang seja uma experiência e tanto. — Ele deu marcha a ré e pisou no acelerador. Jenny sentiu o estômago revirar um pouco quando o cascalho molhado girou sob os pneus e eles saíram do estacionamento. Os galhos nus de árvores molhadas se estendiam dos dois lados do carro enquanto eles aceleravam pelos portões da Waverly. Jenny se recostou, sem saber para onde iam — ou por que, exatamente —, mas ela sem dúvida ia gostar. — Coloque a música que quiser. — Drew limpou um trecho embaçado do para-brisa com a manga do casaco Le Tigre. Jenny se recostou e vasculhou uma caixa gasta de CDs com um adesivo do Dropkick Murphys colado na frente. Olhou as lojinhas de Rhinecliff passarem num lampejo e quis que estivesse ensolarado, para eles poderem caminhar de braços dados. — Meu colega de quarto é de Nova Jersey e ele tem um gosto meio estranho. — Drew fez um gesto para a caixa de CDs. — Mas ele é legal. — De onde você é? — perguntou Jenny. Ela se perguntou o que o pai diria sobre ela andar de carro com um cara que acabou de conhecer. Bom, ela sabia o que ele ia dizer. Mas de algum modo se sentia totalmente à vontade com Drew. Jenny passou por Bon Jovi e My Chemical Romance, procurando alguma coisa um pouco mais... Ela não sabia. Um pouco menos Jersey, talvez. — Eu me mudei muito quando era criança — respondeu Drew, passando a mão no cabelo curto e louro enquanto a outra continuava no volante. — San Francisco, Chicago, Vermont, alguns anos em Guam, um tempinho na Alemanha.
— É mesmo? — Ela não fazia ideia do que era Guam, mas parecia exótico. — Deve ter sido interessante. — Na verdade, não. Eu meio que queria ter uma resposta menos complicada quando alguém me pergunta de onde eu venho. — A boca de Drew se curvou num meio sorriso. — E você, de onde é? — Nova York — proclamou Jenny, um tanto surpresa com o orgulho que tinha do fato. Ela viu um CD com uma foto em preto e branco de um elefante de cartola. — Ah, eu adoro os Raves. — Ela colocou o CD no som e aumentou o volume. — Meu irmão tocou com eles — acrescentou ela, sem querer se gabar do fato de que ela ficou um tempo com a banda, parte do motivo para ser “convidada” a não voltar à Constance Billard no ano passado. — Para onde seu irmão foi? — Drew aumentou um pouco o volume, o que Jenny tomou como uma aprovação tácita de sua decisão musical. — Ele está em Evergreen — disse ela. — No estado de Washington. — Ela sentia falta de Dan e esperava que ele esquecesse do plano idiota que mandou para ela por e-mail na semana anterior. Ele estava pensando em passar o Dia de Ação de Graças trabalhando em casas da Habitat for Humanity em Spokane. Será que ele não podia ser normal pelo menos uma vez na vida e ir para casa para o famoso jantar de leitão superassado, peru recheado e torta de cranberry-marshmallow-inhame de Rufus? Ela sorriu com a ideia. — Tem irmãos ou irmãs? — Qual é o seu lugar preferido em Nova York? — perguntou Drew ao mesmo tempo, tamborilando os dedos no volante. Os dois riram. — Acho que o Central Park — disse Jenny, surpresa pela rapidez com que saiu. — A Strand, é claro. As lojinhas na St. Marks. O Met. — Adoro o Central Park — disse Drew. Ele entrou com o carro numa rua muito arborizada, as árvores quase nuas formando um dossel escuro sobre suas cabeças. — Já veio aqui? — perguntou ele, olhando para Jenny. — É onde mora a elite de Rhinecliff. — Ele reduziu a velocidade ao passar pela primeira casa, uma Tudor esparramada com um Porsche vermelho na entrada. — Nada mau. — Jenny viu uma casa moderna toda de vidro, madeira e ângulos agudos. Parecia a casa onde, segundo Brett, morava Eric Dalton. Ela se perguntou se ele estaria lá dentro agora, se agarrando com alguma outra menina menor de idade, ou se tinha ido embora de vez da região. Drew pousou a mão despreocupadamente na alavanca de câmbio enquanto eles passavam por uma casa georgiana monstruosa com dois Hummers na entrada. — E aí — perguntou ele de repente, a voz baixa e sugestiva. — Está feliz por não ter sido expulsa? — Dããã — respondeu Jenny, brincalhona, virando-se no banco de couro para ficar de frente para ele. Ela atirou o cabelo cacheado e castanho nos ombros. — Eu não estaria passeando de Mustang agora. Os olhos de Drew se enrugaram quando ele sorriu. — A perda seria minha. — Eles saíam da rua arborizada, voltaram para a rua principal e Jenny foi tomada pela decepção. De certo modo ela esperava que Drew quisesse... Sei lá o quê. Estacionar em algum lugar? Pareceu tosco quando ela pensou no assunto. — Alguém me contou que você estava de malas prontas e tudo — acrescentou ele. — É verdade?
Jenny se lembrou daquela tarde medonha, atirando ao acaso as roupas e os pertences pessoais nas bolsas de viagem e malas, tentando desesperadamente segurar as lágrimas. Ela estremeceu e mudou de lugar no banco. Queria bancar a descolada com Drew. — Não foi nada demais. — Ela passou o dedo no embaçado que se formava na base da janela. — Não tenho tanta coisa assim. Drew riu. — Bom, ainda bem que deu certo. Lá ele estava de novo, a mesma coisa que ele disse na festa de Halloween. O que ele queria dizer com “deu certo”? Diga, pensou Jenny. — É? — perguntou ela, tentando, com os olhos, incitá-lo a falar mais. Será que Drew realmente pagou à Sra. Miller para dizer que as vacas começaram o incêndio? Se foi assim quanto tempo ele ficou olhando Jenny de longe? E como é que nunca disse nada? — É — respondeu Drew com tranquilidade. — Se você fosse embora da Waverly, a gente nunca teria se conhecido. — Ele olhou enquanto entrava no trânsito da rua principal. — E eu queria muito te conhecer. Jenny riu. — Bom, eu gostaria muito de conhecer quem me salvou. — Gostaria? — Mas é claro. — Jenny mordeu o lábio inferior com malícia. Ela procurou no rosto de Drew por algum sinal inconfundível, mas ele se concentrava na rua. Uma senhora entrou no cruzamento na frente do Nocturne, o novo restaurante 24 horas que rapidamente se tornou o lugar preferido da Waverly. Ela agitou a bengala com raiva, como se Drew tivesse chegado perto demais dela. — O que você diria a ele? — perguntou Drew com uma expressão diabólica aparecendo no rosto. Ele acelerou enquanto a velha saía do cruzamento. Sem perder tempo, e sem realmente saber de onde isso vinha, Jenny disse: — Talvez eu não dissesse nada. Talvez eu mostrasse a ele. — Um raio de sol atravessou momentaneamente as nuvens de chuva e desapareceu. Jenny desejou que eles pudessem arriar a capota e que todos a vissem com Drew, rodando pelas ruas de Rhinecliff. Drew parou no estacionamento da Waverly. Circundou o estacionamento de visitantes, procurando por uma vaga em meio a Range Rovers e BMWs. Entrou entre um Mercedes SClass azul e um Volvo batido com um adesivo no para-choque que dizia BATA, NÃO PODE ME MACHUCAR. Jenny estendeu a mão para a porta enquanto Drew desligava o carro. — Então — disse ele. — Então... — ela se interrompeu. Seus olhos se encontraram e os dois aproximaram os rostos. Jenny percebeu o sorriso doce nos lábios de Drew quando sua boca encontrava a dela. Ela sentiu o corpo derreter e relaxar quando ele se aproximou dela, a boca quente e doce, exatamente o que ela queria. Um calor a tomou ao sentir a mão se estender para tocar o pescoço de Drew. Uma batida alta, vindo de trás, arrancou Jenny de seu devaneio agradável. Ela saltou, afastando-se de Drew, o coração quase voando para fora do peito. Drew recuou lentamente. — Acho que meu colega de quarto quer o carro de volta. — Jenny girou e viu um rosto na janela do carona. — Ah — disse Jenny, respirando fundo. — Parece que sim. A porta do motorista se abriu e o colega de quarto enfiou a cabeça para dentro. Ele olhou surpreso para Jenny, como se estivesse esperando outra pessoa. Os olhos escuros sorriram misteriosamente para ela.
— Cleópatra, né? — Jenny reconheceu o colega de quarto de Drew da festa de Halloween, era o cara lindo de cabelo escuro que se vestiu como alguém dos Sopranos. Inexplicavelmente, ele ainda estava com a roupa de gângster, a camiseta branca e fina estranhamente inadequada para o clima, as correntes de ouro ainda no pescoço. — Acho que sim. — Jenny saiu do carro, os sapatos afundando no cascalho molhado. — Esse é o Seb — disse Drew, apresentando-o. Ele encostou os cotovelos no capô do carro e tombou a cabeça para Jenny. Parecia ainda estar pensando em beijá-la. — E esse é o carro do Seb — acrescentou Seb, pegando a chave da mão de Drew. — E ele tem um treco para fazer, então obrigado por trazê-lo de volta. — Tudo bem — disse Jenny, sorrindo para o sotaque de Jersey de Seb. Ela abriu um sorriso rápido para Drew e ergueu a mão, acenando. Sabia que ele queria que ela ficasse para namorar, mas ela estava flutuando por causa do beijo e queria poupar para depois. Talvez ela tomasse uma xícara de chocolate quente no Maxwell e fingisse ler Muito barulho por nada enquanto repassava o beijo perfeito em sua mente. Ela estava feliz por ter dado certo.
asy esperou debaixo do beiral do salão de jantar na tarde de sexta-feira enquanto a chuva apertava. Um borrifo de água das calhas escorreu por seu blazer da Waverly já molhado e ele se xingou por deixar no quarto o casaco impermeável North Face. Não conseguia parar de pensar que se começasse a usar o blazer da Waverly por aí e parecesse mais o estudante modelo que o reitor queria que ele fosse, talvez Marymount ficasse menos tentado a lhe comprar uma passagem só de ida para o colégio militar. A chuva abrandou por um momento, e ele saiu debaixo do beiral, espirrando água pelo pátio até o ginásio de esportes. A sugestão de despedida da Sra. Horniman de que ele se envolvesse em algumas atividades extracurriculares era menos uma sugestão e mais uma ordem direta, uma ordem que Easy sabia que não poderia ignorar. Era meio tarde para ingressar nos times esportivos, mas que alternativas havia? Entrar para o grupo de teatro e pegar um papel em uma das peças minimalistas pseudointelectuais onde dois personagens ficavam sentados e falavam sobre morte na língua do P? Além disso, o treinador Cadogan, o técnico de futebol de vinte e poucos anos, tentou convencer Easy a entrar para a equipe depois de ver Alan St. Girard e ele manterem no ar uma bola de footbag na primavera anterior por duas horas e meia, um recorde na Waverly. Quem sabe ele só ficaria no banco? Teve um interesse passageiro pelo hóquei feminino quando começou a namorar Callie, mas não devia ser isso que Horniman tinha em mente. A porta do ginásio se abriu e um vento tóxico de suor e cremes mentolados permeou o ar. Ouviu uma sinfonia de pesos de metal batendo ao se aproximar da porta. Parou antes de passar por ela e encontrar Heath malhando no canto mais distante com seus amigos do futebol, Lance Van Brachel e Teague Williams. Ao que parecia, era preciso ter três caras para o levantamento de pesos — um para malhar e dois para ficarem ali, dando força. Junto à parede dos fundos, sob as flâmulas marrons e azuis da Waverly, alguns rapazes jogavam basquete horse na meia quadra. Lá estavam Brandon Buchanan, com o que pareciam tênis brancos, Ryan Reynolds, Lon Baruzza, Erik Olsen e Alan, que era o kicker do time de futebol americano e por isso era impiedosamente sacaneado. Ele afirmava amar o esporte porque nunca ficou em campo por mais de dois minutos por partida, nunca. Tirando estes, o ginásio estava vazio — sem as saias das meninas do hóquei de grama fazendo alongamento ou ginástica. Easy respirou fundo. Talvez alguma atividade o ajudasse a se concentrar e desviasse sua mente de Callie, uma obsessão que lhe trouxe advertências demais, meia dúzia de reuniões com professores, condicionais múltiplas e várias quase expulsões. Ele passou por uma fase Nietzsche na primavera anterior, depois do curso de Introdução à Filosofia do Dr. Rosenberg,
e se lembrou de uma citação de um dos livros surrados da biblioteca: “Ah, as mulheres. Tornam as alturas mais elevadas e os baixos mais frequentes.” — Está perdido, Walsh? — Heath arfava ao se levantar do banco de halteres. A camiseta cinza clara SORRIA SE VOCÊ QUISER ME BEIJAR estava ensopada de suor. Easy empinou o queixo, como vira os atletas se cumprimentando no campus. Não tinha nada a dizer a Heath, mas não conhecia bem Lance e Teague e achava que tinha entrado em território inimigo. — Cadê o treinador Cadogan? — perguntou Easy, de repente constrangido com seu blazer da Waverly quando todos os outros caras estavam de camiseta suada e short. Lance, um aluno do terceiro ano com uma cabeça imensa, apontou o polegar no ar. — Na sala dele, nos fundos — disse ele. — Dizem que a chuva dá dor nas costas dele. Easy não tinha certeza se devia incomodar o treinador Cadogan, mas também não sabia se aparecer no ginásio contaria pontos com a Sra. Horniman. Olhou o quadro branco na frente da sala do treinador Cadogan e viu o recado: TODOS OS ESPORTES CANCELADOS HOJE DEVIDO À CHUVA. MALHEM, SEUS MOLENGAS. Brandon soltou um uivo quando uma bola arremessada de longe quicou no aro e voltou em arco para o banco de haltere. — Cuidado! — gritou ele. A bola de basquete bateu numa pilha de esteiras azuis e gastas e rolou até Heath. — Meninas! — Heath gritou ao chutar a bola para a quadra. — Estamos tentando malhar aqui! Cuidem de suas bolas. Brandon pegou a bola e a passou quicando a Easy. — Quer entrar? — perguntou ele. Seu cabelo normalmente com gel e perfeito estava molhado e arrepiado, e ele parecia muito mais relaxado do que de costume. Aparentemente, namorar Sage Francis estava fazendo bem a Brandon. Easy deu de ombros e largou a bolsa de lona no chão, colocando o blazer da Waverly por cima. — Claro. — Ele levou a bola até a quadra, os sapatos molhados guinchando. — Andou — brincou Alan enquanto corria atrás de Easy e tentava roubar a bola dele. — Vocês estão jogando horse? Qual é a letra de cada um? — perguntou Easy, quicando a bola na frente e mantendo Alan às costas com o braço. Seus irmãos mais velhos costumavam obrigá-lo a jogar basquete para que pudessem ter quem derrubar no chão. Não admira que ele achasse que os atletas eram babacas. — U — gritou Ryan, pulando sobre as bolas dos pés sem sair do lugar. Parte dele estava sempre em movimento — ele ficava batendo o pé, estalando os dedos, esfregando os joelhos — e Easy queria que ele ou tomasse um Valium, ou fosse derrubado. Easy olhou a cesta. — Não tem U em Horse. — Estamos jogando Fudido — respondeu Lon, avançando para Easy numa tentativa de pegar a bola. — Parece que você não consegue tirar os cavalos da cabeça. O que você faz com eles no estábulo o dia todo, aliás? — Ele olhou Easy de lado. — O mesmo que você faz com a Benny. — Easy quicou a bola algumas vezes. Sentiu as marcas das mãos calejadas ao arremessar a bola. Abriu os olhos a tempo de ver que ela quicou com força na tabela e foi direto para Lon, que todo mundo sabia não ter chegado a lugar nenhum com Benny Cunningham depois de semanas levando-a às ocultas ao coreto. — Nada.
— Perdeu! — gritou Ryan, batendo o punho no peito e rindo. Ele estendeu os braços para a bola. Lon a passou para ele, depois, de bom humor, driblou Easy. Ryan quicou a bola e a arremessou à cesta, a rede da parte inferior sibilando quando a bola acertou o alvo. — Eu ainda nem vi as bichinhas fazerem uma cesta — gritou Heath, tirando a camiseta e correndo para a quadra, aparentemente precisando ficar seminu para arremessar corretamente. — Fique à vontade — disse Brandon. Ele jogou a bola para Heath. Heath a pegou e driblou no mesmo lugar. — Porra, que tédio — disse ele. Ele lançou a bola mais para Brandon do que para a cesta. — A gente tem que ficar engaiolado aqui por quanto tempo? — É, também acho — disse Lance. — Vou sair para correr um pouco. Quem vai? — Eu — disse Teague. — É só uma chuvinha. Os outros olharam Lance e Teague vestirem os agasalhos marrons da Waverly e saírem para a chuva. Easy coçou a cabeça e tentou entender por que alguém ia querer correr, e ainda mais na chuva. Lon treinava seus arremessos enquanto os outros ficaram nas laterais. — Sabe o que a gente precisa fazer? — perguntou Heath de repente, olhando uma faixa grande que dizia “WAVERLY — CAMPEÃ DE FUTEBOL MASCULINO DE 1977”. — Precisamos organizar um clube Men of Waverly. — Um o quê? — gritou Lon da quadra. — Você me ouviu bem — respondeu Heath. — Precisamos de uma coisa para horas como essa, quando não temos para onde ir e nada para fazer. As garotas têm seu clubinho, então por que não a gente? — Quer dizer um clube de pôquer ou coisa assim? — perguntou Ryan, limpando as gotas de suor da testa e parecendo nem um pouco entusiasmado com a ideia de passar o tempo com um bando de homens. — Strippers, pôquer, claro, o que quiser. — Heath passou as mãos no peito nu, imerso em pensamentos. — A questão é que somos em número suficiente para nos unir e fazer frente às damas. Easy pegou preguiçosamente a bola de basquete e a girou nas mãos. Era improvável que a Sra. Horniman considerasse o clube de strip e pôquer de Heath uma atividade extracurricular digna — mas se eles ficassem na área da escola e fraudassem um pouco a declaração de missão, talvez passasse. — Não é má ideia — concordou Brandon. Easy olhou para Brandon, surpreso ao ouvir seu apoio a Heath. — Obrigado pelo voto, Buchanan — disse Heath. — Quem mais está dentro? — Ele levantou a mão como uma criança e logo os outros o imitaram, todos encarando Easy, que ainda estava com as mãos ao lado do corpo. Easy deu de ombros. O pai pertencia ao Century Club em Lexington, onde velhos depravados fingiam adorar golfe e raquetebol para dar em cima das universitárias que passavam o verão lhes servindo coquetéis. Sempre que Easy pensava em qualquer tipo de vínculo masculino, vinham-lhe à mente esses imbecis. Mas o colégio militar tinha de ser pior. — Tá, claro, tudo bem — respondeu Easy por fim. — Ótimo — disse Heath. — Vamos agitar as coisas por aqui. — As veias em volta do olho esquerdo pulsaram e Easy não sabia se era de levantar pesos ou dos planos loucos e um tanto ilícitos que ele elaborava para o clube Men of Waverly. Pelo menos parecia oficial.
ma dor aguda explodiu nas costas de Callie quando ela girou sem força e com as duas mãos o machado. A lâmina cega bateu no toco de madeira, arrancando um pouco da casca, mas mal rachou a lenha. — Use seus músculos! — gritou Natasha, batendo as palmas das mãos musculosas e grossas como uma líder de torcida satânica. Natasha não era o nome verdadeiro de sua treinadora, mas Callie não conseguira entender quando a huna velha cuspiu seu nome ao romper da aurora. Nem parecia Natasha — era mais gutural e parecia cruel. — Estou escorregando! — protestou Callie, apontando as botas de trabalho imensas que Natasha lhe entregara. Ela recebeu calças de brim padrão (chamá-las de jeans seria um elogio que elas não mereciam — eram de cintura alta e pareciam ser feitas de papelão) e uma camisa de flanela. Flanela? E agora, cortar lenha? Ela não usava flanela desde que a avó lhe dera um pijama cor-de-rosa com gatinhos na terceira série — e parecia de cetim, se comparado com esse pano asqueroso. Este lugar não era um spa nem aqui nem na China. No segundo em que Natasha saiu de seu quarto depois do despertar brutal pela manhã, Callie de imediato procurou seu Razr prata para ligar para a mãe. Precisava (A) dar um esporro nela — ela devia fazer uma massagem facial, e não cortar lenha! — e (B) dar o fora dali. Mas, para seu pavor, Callie descobriu que o celular tinha sido confiscado. Ameaçou a Natasha chamar a polícia, dando um ataque no quarto mal mobiliado. Mas é claro que ligar para a polícia exigiria um telefone. Relutante e imaginando que não ia durar para sempre, ela vestiu a grossa calça de trabalho e amarrou as botas, que pelo menos não eram tão grandes e pareciam ter sido usadas por cem pessoas antes dela. — Use seus músculos — rebateu Natasha, inclinando-se para Callie de um jeito ameaçador. Callie olhou para ela e plantou as botas com mais firmeza na lama. Deu as costas para Natasha e piscou os olhos rapidamente. Era positivamente ártico ali — até seus dentes estavam frios — e ela podia sentir o cabelo frisando sem seu condicionador de reparo intensivo Oscar Blandi. O bolinho de farelo de trigo que Callie foi obrigada a engolir no café da manhã no refeitório moveu-se perigosamente em sua garganta. O refeitório era pouco mais do que um jogo de mesas de piquenique espremidas numa sala apertada e revestida de madeira, como se fosse uma espécie de campo de prisioneiros. Ela esperava ter alguma empatia com as outras hóspedes — isto é, presidiárias —, mas ninguém tirava os olhos dos bolinhos, que apareceram por uma porta de vaivém no canto da sala, carregados em bandejas de prata por dois homens de costas rígidas, vestidos de branco da cabeça aos pés. Ela se sentia em Um estranho no ninho, o filme de hospício totalmente apavorante que eles viram no curso de inglês do primeiro ano.
Mais perturbadora do que o bater silencioso de lábios e o engolir inaudível era a mulher com o cabelo metido num daqueles gorros com protetores de orelhas que nem comeu seu parco café da manhã, preferindo enfiá-lo nos bolsos. O que isso dizia sobre o almoço? Callie nunca pensou que sentiria tanta falta do salão de jantar da Waverly. Ela daria qualquer coisa por um bagel torrado e lambuzado de manteiga. As internas cujo trabalho era levar a lenha cortada se postaram com as mãos nos quadris ao lado de Natasha. Callie pegou firme o punho do machado e o ergueu sobre a cabeça, balançando perigosamente enquanto ele ameaçava empurrá-la para trás e derrubá-la no banco de neve de 2 metros. Ela olhou a face achatada do toco e marcou bem onde queria que o machado caísse. Era como no campo de hóquei, disse ela a si mesma. Era preciso ficar de olho na bola, ou, neste caso, no ponto. Callie baixou o machado com toda a força que seu corpo cansado conseguiu invocar. O machado ricocheteou no toco e caiu no chão, torcendo o pulso de Callie de modo que de repente a dor nas costas tinha companhia. — Ai! — ela gritou. — Deixa pra lá — rosnou Natasha, empurrando Callie de lado. Ela pegou o machado e Callie percebeu que a mulher nem de luvas estava. Natasha baixou o machado com autoridade e o toco se fez em pedaços. As outras internas se mexeram para recolher a lenha antes que umedecesse na neve. A raiva fervilhou no cérebro de Callie. Por que merda a mãe republicana a mandou para esse retiro fascista? Como se deixou ser enganada com tanta facilidade? Não havia ninguém na aula de cálculo da sexta-feira à tarde se perguntando onde diabos ela estaria agora? Natasha entregou o machado a Callie e colocou outra tora no toco, gesticulando para Callie tentar novamente. As pontas dos dedos de Callie estavam dormentes e os dedos dos pés, prestes a congelar. Duvidava de que ainda estaria viva na hora do jantar — se é que serviam jantar nesse buraco. Começou a nevar um pouco, e Callie piscou para se livrar de alguns flocos que caíram em seus cílios. Doze horas antes estava no campus da Waverly — infeliz, é claro, mas pelo menos estava lá. E onde estava agora? — Vamos rodar isso de novo, princesa! — ladrou Natasha para ela, com um brilho nos olhos que praticamente pedia a Callie para errar. Ao levantar o machado, Callie percebeu que não pensara em Easy nem uma vez desde que foi rudemente despertada ao amanhecer. Talvez esse inferno de neve servisse para alguma coisa. Se toda a dor a fizesse esquecer Easy, podia valer a pena. Se conseguisse sair dessa viva.
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De: AngelicaPardee@waverly.edu Para: JennyHumphrey@waverly.edu Data: Sexta-feira, 1º de novembro, 16,15h
A mãe de Callie Vernon acaba de informar que mandou Callie passar algum tempo em um spa de saúde particular no Maine. Peço desculpas por não informar antes sobre o paradeiro de sua colega de quarto. Atenciosamente, AP
ão me diga que é a semana de folga da empregada. — Kara estava à porta do quarto 121 do Dumbarton na noite de sexta-feira, os olhos castanhoesverdeados arregalados ao explorar a chuva de roupas que cobria metade do quarto de Tinsley. O colchão de Kara, envolto num lençol do Super-Homem de cores vivas, estava encostado de qualquer jeito no batente da porta. Vestida com uma calça de ioga preta e camiseta American Apparel cinza e larga que parecia ter sido lavada mil vezes, Kara estava informal e relaxada — tudo o que Brett não era. Brett chutou uma pilha de roupas sujas de Tinsley para o canto do quarto da rainha do gelo com a ponta de sua bota Juicy Couture de salto gatinho. — Deixa eu tirar esse lixo do caminho para você — resmungou ela, irritada por Tinsley tratar todo o quarto como se fosse um closet pessoal. Brett chegou da aula na hora do almoço e encontrou Tinsley vasculhando o armário, atirando roupas em cada espaço livre do quarto. Normalmente vestia a primeira coisa que pegava e ficava incrível de qualquer maneira. Mas quando Brett perguntou o que diabos ela estava fazendo, Tinsley só a olhou com secura e desapareceu porta afora, deixando aquela bagunça. Outro chute lançou uma bota delicada Kate Spade marrom-chocolate na cômoda de Tinsley. Frasquinhos mínimos de perfume e maquiagem caíram numa avalanche no chão. Kara bufou um pouco e o som familiar de seu riso melhorou o astral do quarto. — Epa. — Acho que ela nem vai perceber. — Brett afastou do rosto uma mecha solta do cabelo vermelho-bombeiro, que agarrou nos brincos de ouro pequenininhos que usava no alto de cada orelha. Surgiu um silêncio estranho. Elas podiam ouvir o som de Pretty Woman no laptop da triste Suzanna Goldfinger no quarto ao lado, um filme que a garota via pelo menos uma vez por semana. Brett puxou uma calça jeans True Religion preta do emaranhado de roupas de Tinsley. Se ela e Kara continuassem conversando, disse Brett a si mesma, as coisas não ficariam desconfortáveis. Ela não pensaria em ter mentido descaradamente para Jeremiah, ou no fato de que de certo modo traíra Kara, dizendo a ele que não tinha acontecido nada entre as duas... — Acho que meu colchão ficou molhado. — Kara bateu nas costas do colchão e Brett tomou o non sequitur como um sinal de que Kara também estava nervosa com aquele arranjo temporário. — A água acabou com tipo, metade de meus livros. — Isso é terrível. — Se a situação fosse inversa, Brett sabia que Kara não teria pensado duas vezes antes de deixar que ela acampasse em seu quarto, o que fez com que Brett se sentisse ainda pior. — Acho que a Waverly tem uma espécie de seguro que cobre
esse tipo de coisa. — Brett passou a mão no cabelo, desprendendo-o dos brincos. Ela estava mesmo falando em seguro? Até que ponto podia ser tão idiota? — É, de repente tem. — Kara pareceu em dúvida. — Deixa eu te ajudar com isso. — Brett avançou para pegar um canto do colchão de Kara. Juntas, elas o enfiaram no espaço que foi aberto no chão. — Madeiraaaa... — Kara sorriu enquanto elas soltaram o colchão no tatame de bambu feito à mão que Brett comprou numa butique em Hoboken. O colchão caiu com um baque que sacudiu o chão. Quase de imediato um pequeno camundongo cinza correu de debaixo da cama de Tinsley e disparou pela porta aberta. Brett gritou e pulou em sua cama. — Merda! — Kara apoiou as costas na porta, alarmada. — Aquilo foi um camundongo? — Ou um rato? — Brett, ofegante, levou a mão ao peito. Uma vez, no metrô de Nova York, um rato passou correndo pelo bico de seus mocassins de camurça vermelha Ferragamo enquanto ela esperava pelo trem C, e ela nunca se recuperou disso. — Ao que parece, tem um buraco na lateral do prédio. — Era sem dúvida um camundongo. — Os olhos de Kara percorreram os cantos do quarto. — Mas quem sabe se ele tem algum amiguinho? — Maldito reino animal — bufou Brett, pulando da cama. O chão estava gelado, e ela de repente se sentiu culpada por fazer Kara dormir num colchão molhado e frio com Mickey e seus amigos. Houve uma batida na porta, e Angelica Pardee, com um moletom de veludo vermelho apertado demais, apareceu à porta. — Só pensei em dar uma olhada em todas as minhas refugiadas antes do apagar das luzes. — Pardee tinha secado o cabelo castanho no secador e todo o rosto estava bem maquiado, como se ela estivesse pronta para sair e só precisasse vestir uma roupa melhor. — O prédio está de pernas para o ar, um caos. Estou muito feliz por vocês lidarem bem com isso. — Quanto tempo vai ficar assim, até a gente poder voltar ao nosso quarto? — perguntou Kara com impaciência. — A manutenção está trabalhando — disse Pardee a Kara, olhando o relógio. — Mas não temos garantias. Tem água, água em toda parte... e nem uma gota para beber. — Ela riu da própria referência literária brega. — Dias, semanas ou meses? — pressionou Kara, cruzando os braços. — Meses não, é claro — respondeu Pardee vagamente. — Precisam de alguma coisa, como camas, travesseiros extra ou quem sabe toalhas? — Ela saiu do quarto, a mente claramente em outro lugar. Brett se perguntou se havia alguma veracidade nos boatos de que Pardee se separou do marido — que andava desaparecido nas últimas semanas. Segundo constava, ele estava morando no Holiday Inn na cidade e parecia que Pardee estava prestes a escapulir para um encontro não tão secreto. Brett tentou olhar nos olhos de Kara, mas ela fitava com insegurança o colchão de Super-Homem. — Bem, bons sonhos, como dizem — disse Pardee. — Ah, e... — ela olhou para Brett —, agradeço muito por dividir o quarto com Kara. Em tempos de crise, as Waverly Owls precisam cuidar das companheiras. — Pardee sorriu, o batom rosa-vivo nem um pouco adequado para sua pele clara. — Soube pela Sra. Horniman que você vem fazendo muito isso ultimamente. Continue assim. Brett abriu um sorriso forçado. Odiava que todo mundo na Waverly falasse de tudo. Ela podia ouvir a Sra. Horniman avaliando o progresso de Brett com Pardee, com talvez o reitor Marymount ouvindo, balançando a cabeça careca. Entretanto ela teve muita sorte por eles não decidirem retirá-la da posição de representante júnior de turma depois de todos os escândalos
em que se envolveu. Com um último aceno, Pardee fechou a porta e elas ouviram seus passos apressados voltando ao próprio quarto no final do corredor. — O que ela quis dizer com isso? — Kara chutou o colchão com a ponta do mocassim Ugg marrom para que ele ficasse achatado no chão. — Nada — disse Brett, com um gesto de desdém. Não estava com vontade de falar de sua nova tarefa de monitoria. Sebastian ainda não se deu ao trabalho de responder ao e-mail, o que Brett achou extremamente grosseiro e arrogante. Kara passou a mão distraidamente no cabelo castanho na altura do ombro. Parecia perdida no meio do quarto, como uma órfã extraviada. Brett não pôde deixar de se lembrar dos bons tempos, não muito distantes, quando escovavam o cabelo uma da outra enquanto uma delas lia os gibis de Kara em voz alta. Elas passaram uma noite no quarto de solteira de Kara vendo The Hills e tomando um gole de schnapps de pêssego sempre que alguém dizia “like”. (Elas ficaram bêbadas na metade do primeiro episódio.) Apesar do que disse a Jeremiah, Brett e Kara se beijaram muitas vezes naquela noite. Não pense nisso, disse Brett a si mesma. Elas agora eram amigas. Kara só precisava de um lugar temporário para dormir. E era só isso. — Vou trocar de roupa — anunciou Kara, pegando a bolsa e indo para o banheiro. Brett aproveitou a ausência de Kara para fuçar as gavetas de sua cômoda. Olhou a camisola Oscar de la Renta preterida. A maciez da seda sempre a ninava, por mais estressada que estivesse. Ela a empurrou para o fundo da gaveta e em vez disso pegou um velho pijama de flanela Calvin Klein xadrez verde e branco. Brett tirou a roupa e vestiu o pijama desagradavelmente quente. Kara reapareceu na porta, usando calça de algodão amarrada com cordão e uma camiseta de manga comprida igual. Aparentemente, partilhava da necessidade de Brett de revelar o mínimo de pele possível. Era muito ridículo, e Brett teria rido se a sensação irritante de que ainda mentia para Jeremiah não pairasse sobre ela. — Acha que o Mickey vai voltar? — Kara estava nervosa. — Com reforços? — Seus olhos castanhos percorreram o chão, procurando por sinais de seu amigo roedor. — Espero que não. — Brett olhou a cama vazia de Tinsley. Onde ela estava? E quais eram as chances de ela ficar fora a noite toda? Poucas. Brett sabia que em geral Tinsley chegava em algum momento depois da meia-noite. Ela imaginava a cena se Tinsley chegasse e encontrasse Kara em sua cama. Mas Brett também não podia deixar que Kara dormisse no chão. — Pode deitar na minha cama comigo — disse Brett despreocupadamente, como se a ideia tivesse acabado de lhe ocorrer. — Esse colchão parece desconfortável. Kara torceu o nariz e brincou com o cordão da calça. Apareceu uma faixa estreita da barriga e ela rapidamente puxou a blusa para baixo. — Tem certeza? Brett assentiu. — Não é nada demais — disse ela, antes que perdesse a coragem. Ela foi até a cama e levantou o edredom fúcsia de estampa indiana, revelando seu lençol de algodão egípcio rosachoque. — Toma, pode ficar com o edredom... Já estou meio com calor mesmo. — Brett empurrou as cobertas de lado da cama excessivamente estreita, claramente projetada para desestimular a partilha, e puxou os lençóis para si. — Tá legal. — Kara se sentou com cautela no outro lado da cama. — Obrigada. — Sem problema. — Brett ligou o pequeno ventilador na mesa de cabeceira e ele ganhou vida, zumbindo. Ela olhou para Kara. — Tudo bem assim?
Kara assentiu e começou a afofar o travesseiro. Tombou a cabeça de lado e lançou um olhar curioso para Brett. — Você, er, mudou de pasta de dente? — Hein? — De repente, era meio estranho que Kara percebesse que Brett tinha abandonado sua Close-Up preferida de canela e foi obrigada a usar a reserva, a Colgate de menta. Quer dizer, bom... Kara conhecia a boca de Brett. Como cheirava... E que gosto tinha. — Ah, sim — murmurou Brett. — É, troquei. Um silêncio estranho invadiu o quarto enquanto Kara se enroscava sob o edredom e Brett se deitava rigidamente, coberta por um lençol. Um fio de suor escorreu pelas costas de Brett, imóvel, tentando evitar que os ombros vagassem perigosamente para Kara. Kara se afastou um pouco para o lado oposto. Brett tentou não pensar na cama vazia de Tinsley zombando dela. Um calor do deserto a envolveu e ela fechou os olhos, ouvindo a chuva bater na janela, rezando para o sono vir e dar um fim a sua tortura.
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DrewGately: Bom-dia, minha linda. JennyHumphrey: E aí, estranho? DrewGately: Estava pensando em você. Tá no seu quarto? JennyHumphrey: É sábado de manhã... Onde mais eu estaria? DrewGately: Que bom. Não se mexa.
s corredores do Dumbarton estavam sinistramente silenciosos no final da manhã de sábado enquanto Tinsley ia para o quarto de Callie. Ela batia as botas Miu Miu de salto alto para ver até onde iria o eco. Àquela hora, normalmente havia uma agitação de portas se abrindo e se fechando enquanto as meninas se preparavam para jogar ou fazer compras, junto com um alvoroço de e-mails sobre quem tinha garantido a bebida e onde se encontrariam à noite. Mas Tinsley não ouvia nada. Desde quando o Dumbarton tinha virado um convento? A inundação do primeiro andar na noite anterior tinha transformado o alojamento numa festa de sonâmbulas, as refugiadas tomando os corredores, procurando por uma cama vazia ou um lugar para secar o colchão meio molhado. Com ajuda de Pardee — e uma mãozinha de Tinsley, piscadela, piscadela — todas tinham um novo lar temporário. Mas a graça de espremer Kara com Brett tinha perdido seu charme. Na noite anterior, Tinsley dormiu no sofá da sala de estar do segundo andar vendo seu filme francês preferido de todos os tempos A Bout de souffle, perguntando-se se elas estariam namorando lá em cima — e por que ela achava tão divertido colocar duas ex no mesmo quarto. Mais precisamente, no quarto dela. Callie ainda devia estar dormindo — andava calma desde a festa de Halloween, sem atender ao telefone ou responder aos torpedos. Tinsley parou na frente do quarto 303 do Dumbarton, olhando o quadro branco cheio de recados para Jenny. Ela reprimiu o impulso de limpar todas as mensagens de Parabéns, Cleópatra! Você é a rainha! com a manga do vestido suéter Generra bege. Não valeria a pena; o vestido só podia ser lavado a seco. O som de risos escapou por baixo da porta fechada e Tinsley se irritou, sentindo-se excluída. Será que Callie estava dando alguma festa secreta-secreta sem ela? Tinsley bateu duas vezes e invadiu o quarto. Estava enevoado de incenso e do cheiro fraco de fumo. A cama desfeita de Callie parecia abandonada. A cama de Jenny, porém, não estava. Encostada na cabeceira, Jenny estava sentada, aninhada com um cara. Tinsley semicerrou os olhos ao ver Jenny, com aquele jeito de baixinha atrevida de sempre. Estava com calça risca de giz que parecia de grife cara, mas que Tinsley desconfiava de que era Banana Republic, com uma bata branca por baixo de uma camiseta Abbey Road apertada. Que coisa hipster mais irritante. Sentado ao lado dela estava um aluno bonito do último ano, transferido, que uma vez tentou pegar Tinsley em seu Mustang quando ela estava voltando a pé de Rhinecliff para o campus. Ela o mandou se foder, não gostou de seu excesso de autoconfiança. Drew. Era esse o nome dele. — Oi — disse Jenny, lançando a Tinsley um olhar frio, embora sua voz parecesse quase brincalhona. Ela claramente dominava o tom que as meninas usavam quando eram cretinas
umas com as outras, mas não queriam que os meninos soubessem. Tinsley tinha inventado aquele tom. — Experimente bater primeiro. — Eu bati — disse Tinsley, mais na defensiva do que pretendia. Ela se encostou ao batente da porta, tentando parecer despreocupada, mas uma farpa agarrou seu vestido bege. — Cadê a Callie? — Está em algum spa no Maine — respondeu Jenny, recostando-se no travesseiro. Drew piscou para Tinsley num cumprimento, mas Tinsley o ignorou. — Do que está falando? Que spa no Maine? — Tinsley pôs as mãos nos quadris de um jeito acusativo. Callie podia ser imprevisível, era verdade, como na vez em que se encontrou com todo mundo em Aspen no feriado de Natal do primeiro ano quando devia estar em um jantar elegante de Estado em Atlanta. Mas ir para o Maine de repente? Era duvidoso. — Por acaso o Easy a arrastou para lá ou coisa assim? — perguntou Tinsley. O cheiro de incenso era forte demais e Tinsley tapou o nariz. — Acho que não. — Jenny balançou a cabeça. Estava sentada juntinho de Drew e seus lábios estavam extravermelhos. Era óbvio que eles andaram se beijando. — Foi uma coisa que a mãe dela arrumou. — Jenny tombou a cabeça de lado inocentemente. — Que foi, ela não te contou? Tinsley passou o dedo no relógio Cartier masculino no pulso, emprestado de um velho amigo, esquecido e jamais devolvido. Algo não estava certo, ela sabia, mas não conseguia situar o que era. Precisava falar com Callie mais do que nunca. Tinsley não ligava que Jenny não gostasse dela — na realidade, ela queria assim. Mas sentia falta do jeito como Callie, Brett e ela costumavam mandar na escola. Precisava que Callie a ajudasse a pensar em como recuperar tudo isso. Jenny se levantou e foi até a porta. — É só isso? — perguntou ela com um sorriso falso na cara. — Não quero que a Pardee sinta o cheiro da fumaça. — Jenny pôs a mão na porta como se fosse fechá-la. — Posso falar com você por um segundo? — perguntou Tinsley, baixando a voz. Ela olhou por sobre o ombro de Jenny e viu Drew olhando o iPod dela. Jenny suspirou. — O que é? — Está tudo bem aqui? — perguntou ela com brandura, assentindo para Drew. — O que quer dizer? — O sorriso de Jenny vacilou. — Claro que sim. — Tenha cuidado — avisou Tinsley. Por que estava se incomodando em dar conselhos a Jenny, aliás? Só lhe faria bem se Drew ferrasse com a garota. Mas apesar de não gostar de Jenny, ela não queria ver um Casanova como Drew — Tinsley tinha certeza de que ele tinha um gene de Heath Ferro em algum lugar — conseguindo mais do que merecia. — Esse cara é encrenca. — Ah, é? — Jenny cruzou os braços defensivamente no peito imenso. — É, você devia ter cuidado. — Tinsley podia ver seu aviso rebatendo no sorriso de Teflon de Jenny. Ela parecia a mãe irritante de alguém, dizendo a Jenny para comer seus legumes, ou esperar meia hora antes de nadar depois de uma refeição. — Obrigada — disse Jenny com tranquilidade —, mas você é a última pessoa no mundo de quem eu aceitaria um conselho. — Ela recuou para o quarto 303 do Dumbarton (o antigo quarto de Tinsley) e fechou a porta. Tinsley deu um passo atrás para não ter o nariz esmagado. Ela que se foda, pensou. Virou-se e respirou fundo, como fazia antes de sacar numa partida tensa de tênis. Tinsley voltou para seu quarto, desta vez arrastando as botas Miu Miu em vez de batêlas no chão. Uma porta no corredor de repente se abriu e uma menina que ela não reconheceu
se dirigiu ao banheiro. O corredor se encheu de risos e gritos, e Tinsley deu uma espiada no quarto, tendo um vislumbre de Sage, Benny e duas meninas experimentando vários vestidos e exibindo-os para as outras como modelos. Então afinal o Dumbarton não virou um convento — ela só estava totalmente excluída dali. Que merda, pensou Tinsley. Eu também não aceitaria um conselho meu.
cheiro do sabonete de Drew permeava o quarto, dando um bom complemento masculino ao cheiro de menina dos produtos capilares e frascos de perfume de Jenny e Callie. Drew passou os dedos pelo cabelo de Jenny e seu corpo formigou quando as pontas dos dedos de Drew roçaram o couro cabeludo. Os dois estavam sentados na cama, recostados na cabeceira de madeira gasta. Ela pensou em como foi fácil fechar a porta na cara de Tinsley. Por que ela não fez isso desde o início? Por que deixou que Tinsley a aborrecesse tanto? Algumas semanas antes, Jenny fazia as malas com raiva, pronta para ser expulsa. Agora aqui estava ela, relaxando com seu salvador, um aluno do último ano que obviamente estava apaixonado por ela. Enquanto isso, Tinsley se sentava no alto da pilha das cinzas da Ex-Popular. — Você é muito bonita. — Drew tocou o rosto de Jenny repetindo o que disse pelo menos dez vezes desde que ela o encontrou. Jenny corou pela décima vez também, as bochechas rosadas sempre a entregando. — Foi o que você disse. — Ela gostava do modo descolado como as palavras saíam de sua boca, como um anel de fumaça soprado pelo quarto. — Como é que você não tem namorado? — perguntou Drew. Ele passou a mão pelo queixo com a barba por fazer. Os pelos deixavam ainda mais definidas as maçãs do rosto pronunciadas. — Quem disse que não tenho? — Jenny mudou um pouco o peso na cama, tentando endireitar as costas curvadas contra a cabeceira. O pai dela — em uma tentativa canhestra de ter “a conversa” — disse que se ela um dia ficasse na cama com um rapaz, jamais, nunca deveria chegar perto de se deitar. Jenny saiu da cama para reacender o bastão de incenso na cômoda. Quando voltou, tratou de se sentar de pernas cruzadas. Se Drew se importou, não deixou transparecer. — Andei perguntando sobre você. — Ele se recostou de braços cruzados. Seu suéter de lã verde acentuava os olhos verdes brilhantes. — Fiz o dever de casa. Sou um bom aluno. — Ah, é? — Causou-lhe arrepios que alguém andasse por aí perguntando sobre ela. Ela o imaginou no vestiário do Lasell, pegando as roupas de ginástica e dizendo casualmente, “E aí, o que você sabe sobre aquela menina, a Jenny Humphrey?” É claro que ela não queria ser assunto de conversa de meninos em vestiários ou, pelo menos, não de conversas sujas — do tipo ela-não-é-uma-coisa, se ainda existiam. — Bom, não acredite em tudo o que ouve — disse Jenny com timidez. Ela se aproximou um pouquinho dele, perguntando-se exatamente o que ele tinha ouvido, e de quem.
Drew sorriu novamente e pôs o braço em volta dela. Jenny esperou pelo inevitável, a gravidade de seu braço puxando-a para a órbita de outro beijo. Mas em vez disso a mão de Drew só ficou pousada frouxamente em seus ombros, como se eles fossem alunos da quinta série indo para casa depois da aula. Era bom. — E por que não? — perguntou Drew, coçando a nuca com a mão livre. Uma mecha de cabelo cor de areia se espigou. — Ninguém falou nada de ruim. Jenny semicerrou os olhos castanhos de um jeito sedutor. — Tipo o quê? — perguntou ela, tentando não parecer ansiosa demais. O braço de Drew estreitou o aperto, puxando Jenny para mais perto. Todo o corpo dela pareceu se eletrizar. — Tipo, não só você é divertida e bacana, mas também foi definitivamente eleita a boca mais beijável da Waverly. — É mesmo? — Jenny começou a falar, mas depois os lábios de Drew estavam nos dela. Ela retribuiu o beijo, os lábios dele tinham gosto de pasta de dente. Drew passou a mão livre para o joelho de Jenny. Seu aperto era firme e ela sentiu a mão dele arder através de suas calças de lã. A emoção de Callie agora estar fora deixou Jenny um tanto ansiosa — a rede de segurança de interrupção de repente se fora. — Ei, acabo de me lembrar — recuou Jenny; estendeu a mão e entrelaçou os dedos nos dele, parando sua mão errante. — Está passando Casablanca no Berkman. — O BerkmanMeier, o prêmio de música, tinha um pequeno auditório onde às vezes exibiam filmes antigos nos fins de semana. — Já vi. — Drew bocejou, mostrando as filas de dentes perfeitos. Jenny se perguntou brevemente se os pais dele seriam ortodontistas. — Tá, mas é um clássico — protestou Jenny brandamente enquanto Drew tirava seus cachos compridos do pescoço e a beijava bem abaixo da orelha. Era tão bom que ela achou que ia desmaiar. — E é em preto e branco. — Ela quase acrescentou, O que é muito mais romântico, mas se segurou. Drew deu de ombros. — Nunca vejo um filme duas vezes. — Seu hálito quente estava no pescoço de Jenny. — Nunca? — perguntou Jenny, incrédula, tentando ter pensamentos nada sexies, o cheiro da comida enlatada de seu gato Marx, o jeans afunilado que Angelica Pardee usava naquela manhã. Ela empurrou Drew de leve. — Nunca — respondeu Drew resolutamente, os olhos na boca de Jenny, como se não conseguisse parar de pensar em beijá-la, mesmo quando não a estava beijando. Era meio meigo. — Eu vi Pulp Fiction tipo umas cem vezes — confessou Jenny. Ela estendeu a mão e torceu o cabelo comprido num nó na nuca. — E Amor à queima-roupa umas cento e cinquenta. — Brad Pitt está lendário nesse filme — concordou Drew. Ele fingiu estar fumando maconha em um cachimbo invisível feito de um pote de ursinho vazio e fez a melhor imitação de Brad-Pitt-como-Floyd: — Eles, er, saíram pra conseguir provisões. — Clube da luta foi demais — Jenny se arriscou. Ela só vira uma vez e tentou ler o livro, mas não sabia bem se entendeu inteiramente o que estava acontecendo. Alguém tentou lhe explicar que Brad Pitt e Edward Norton eram a mesma pessoa, mas isso não fazia sentido nenhum para ela. — Não vi — disse Drew. — Toda aquela coisa de machão não faz o meu gênero. — Ele a puxou para mais perto. — Prefiro passar meu tempo com o belo sexo.
Jenny riu nervosa com a palavra sexo. Ela lhe deu um beliscão no lábio antes de saltar da cama. — Então vamos. Não pode haver nada mais romântico do que Casablanca na telona, né? Drew deu de ombros. — É verdade, acho que não. — Ele se levantou e procurou pelos sapatos. Ela nem se lembrava de que Drew os havia tirado. Ele a seguiu para a porta sem nenhuma resistência. Ela deixaria que ele a beijasse depois do filme e talvez uma vez durante a exibição. Afinal, ele era seu salvador. E o herói sempre ganha um beijo.
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De: TinsleyCarmichael@waverly.edu Para: Undisclosed Recipients Data: Sábado, 02 de novembro, 16:15h Assunto: MAÑANA — DIA DE CINEMA Improvisado! Meus caros, Tive muita sorte em obter — por vários meios secretos — uma cópia de divulgação do novo filme de Ryan Gosling/Jennifer Connelly. Não me perguntem como, só apareçam para ver. Amanhã às duas da tarde na sala de projeção Cinephiles. Todos são bemvindos — tragam os amigos! Pipoca de graça e brindes para todos. Vejo vocês lá! Bjs, Tinsley
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HeathFerro: E aí, bro? Venha a nossa primeira reunião dos MEN OF WAVERLY — só um bando de caras se juntando para tomar uma cerveja. JeremiahMortimer: Parece divertido, pelo menos a parte da cerveja. Mas não sou da Waverly. =) HeathFerro: Estamos dispostos a fazer vista grossa para isso. Hoje à noite, ginásio, 6 horas. JeremiahMortimer: Cara, tô num ônibus vindo de VT — só vou chegar tarde. Fica pra próxima. HeathFerro: Beleza. Mas vai perder a guerra de cosquinha!
omens — entoou Heath Ferro de sua posição no alto de uma montanha de colchonetes azuis no canto dos fundos do ginásio. Estava bem embaixo de um cartaz marrom gigante que dizia CAMPEÃO DA SEGUNDA DIVISÃO DE 1978 e trazia uma silhueta de um bastão de lacrosse. — Liguem os motores! — Ele ergueu a garrafa de vidro de um litro de cerveja King Cobra e abriu a tampa, triunfante. Espalhados por ali estavam Brandon, Lon, Ryan, Alan e Teague Williams, todos com roupas esportivas variadas. Easy revirou os olhos ao atravessar o piso de borracha verde usando Levi’s e jaqueta de lã preta. O ginásio cheirava vagamente a suor e suporte atlético. Ele se sentia de volta a Lexington, onde passava os verões no bosque com uísque furtado de armários de bebida destrancados, atirando as garrafas vazias nos trens de carga que passavam. Não era melhor ficar sentado com um bando de alunos de escola preparatória de camisa polo e tênis caros num ginásio com pouco aquecimento? — Walsh. — Heath assentiu quando Easy se aproximava, pulando dos colchonetes feito um ginasta. Ele empurrou Easy para uma bolsa da Waverly aberta no chão. — Pegue uma gelada. Easy se curvou e levantou um moletom marrom da Waverly relativamente limpo, revelando uma fila de Cobras apoiadas em um saco fechado de gelo em cubos. Ele estendeu a mão e pegou uma cerveja suada. O primeiro gole tinha gosto de serragem, mas o segundo desceu mais fácil. Ele não conseguia arrumar a bagunça em sua cabeça desde a noite da festa de Halloween, e Callie ainda estava sumida. Ele lhe mandou torpedos e e-mails, sem resposta, querendo se desculpar por suas palavras desnecessariamente ásperas. Ainda estava irritado com ela, mas era a maneira errada de terminar as coisas e ele lhe devia um pedido de desculpas. Easy olhou os cantinhos no Maxwell Hall, onde Callie gostava de espalhar o dever de casa e então ler a Vogue, mas não havia sinal dela. Deve ter fugido para a cidade para ficar num hotel de luxo e engordar algumas contas de cartão de crédito. Ele tomou outro gole da cerveja, tentando afogar todos os pensamentos em Callie. — Estamos todos presentes? — perguntou Brandon com impaciência. Ele abriu a tampa de sua cerveja, tomou um gole comedido e a fechou. — Jeremiah, nosso membro honorário da St. Lucius, não pôde vir — disse Heath, olhando a roda e assentindo para todos os meninos, que portavam cervejas com olhares de expectativa. — Mas, tirando ele, acho que estamos todos aqui. Bem-vindos à primeira reunião do clube Men of Waverly. — Heath ergueu a garrafa, que estava pela metade, e os outros fizeram o mesmo.
Um silêncio caiu no ginásio quando todos beberam das garrafas, cada um deles esperando que o outro dissesse alguma coisa. E agora? Easy se perguntou o que a Sra. Horniman pensaria de sua nova atividade extracurricular. — Todo mundo viu aquela saia que a Jenny Humphrey estava usando no almoço? — perguntou Lon Baruzza. — Era tipo assim. — Ele ergueu a mão até a coxa para demonstrar. — Ela é uma gata — concordou Alan, esfregando o queixo com o punho. O colega de quarto de Easy saiu do alojamento uma hora e meia antes da reunião para dar uma volta no bosque. Ele foi à Vermont na semana anterior e voltou com algumas mudas recém-cultivadas dos pais hippies. — Ela também estava demais na festa de Halloween — acrescentou Brandon, tomando um gole da cerveja. Easy sentia que tinha perdido completamente o contato com Jenny. Ele ainda se sentia estranhamente protetor com relação a ela e era desagradável ouvir os homens falando dela desse jeito. Mas como Jenny conseguiu se reinstalar na Waverly, era sempre cercada de um bando de gente. Brett e Alison, naturalmente, mas também uma tonelada de outras meninas e meninos que Easy nem reconhecia. Mas não Julian, observou ele, pensando nisso pela primeira vez. O que aconteceu com aquela história? — Cara. — Lon apontou a boca da garrafa para Brandon e se recostou num suporte de pesos. — O que Sage pensaria disso? — Nada. — Brandon deu de ombros. Ele passava a garrafa de uma mão à outra. — Não somos casados. — Vou beber a isso — disse Heath, tomando outro gole imenso. — As namoradas são ótimas... Mas isso não quer dizer que não possamos olhar outras meninas. — Também não quer dizer que elas não possam olhar outros caras... ou meninas, se preferirem — disse Ryan despreocupadamente, apoiando a cabeça na pilha de esteiras. Estava com um cardigã cinza de tricô aparentemente macio demais para ser usado por um homem. — Valeu a tentativa, Reynolds. — Uma expressão sonhadora atravessou o rosto de Heath, o que ultimamente parecia acontecer sempre que Kara era lembrada. — Kara pode olhar todas as meninas que quiser. — Ele se encostou no banco de halteres e cruzou os tornozelos. — Sou a porra do cara mais sortudo do mundo. Easy sentiu o rosto esquentar enquanto continuava a beber a cerveja. Nunca foi de beber muito — pelo menos não até recentemente — mas esperava que Heath tivesse trazido o bastante para todos terem uma segunda rodada. A conversa em volta dele começou a ficar nebulosa e ele fechou os olhos por um momento, sentindo o zunido entrar em seu cérebro. — Nada de dormir, Walsh — exclamou Heath. — Se fechar os olhos, tem que beber. Os olhos de Easy se esbugalharam. — O quê? — Beba — ordenou Heath. — Agora. São as regras. — Então a gente vai, tipo assim, planejar alguma coisa? Ou este clube é só uma desculpa para se reunir e beber? — Brandon se manifestou, bocejando. Ele olhou o relógio prata Dolce & Gabbana no pulso, dando a impressão de que tinha outro compromisso. Easy se inclinou para a frente com os cotovelos nos joelhos, esperando pela resposta de Heath. — Não seja do contra. — Alan se levantou para esticar as pernas, depois voltou a se sentar em uma daquelas bolas de borracha azuis de abdominais que as meninas adoram. Callie tinha uma em seu quarto, mas a furou com um salto agulha quando estava com raiva de Easy por aparecer atrasado. Alan balançou-se um pouco na bola, depois se equilibrou e ergueu a cerveja, em triunfo. — Talvez Brandon possa nos falar de sua primeira menstruação — disse Ryan, e todos riram.
— Cavalheiros, cavalheiros. — Heath se ergueu, segurando-se na pilha de colchonetes azuis para se equilibrar. — Tenham decoro. Afinal, esta é a Waverly. Vamos deixar esse tipo de conversa para as crianças da escola pública. — Ele foi até o quadro branco. — Brandon tem razão. Este clube deve ser algo mais do que boa companhia e cervejas. Brandon abriu um sorriso forçado para Heath. — Valeu, cara. Heath pegou um marcador preto. — Vamos pensar em algumas causas e depois votar naquelas que queremos que este clube defenda. Mas primeiro — Heath foi até a bolsa e substituiu a garrafa vazia por outra cheia —, um brinde. — Ele abriu a tampa e a atirou na lixeira, a tampa caindo a 30 centímetros do cesto. — Voto em defendermos a reciclagem — exclamou Ryan. — Todo mundo anda verde ultimamente. E as garotas sempre estão falando de reciclagem. Heath escreveu a palavra reciclagem no quadro. Seu garrancho estava ainda mais torto do que o de costume. — Essa é boa. — Que tal plantar árvores? — Alan coçou o queixo com a barba por fazer. — As meninas estão sempre falando em plantar árvores ou coisa assim. Heath acrescentou plantar árvores à lista. — Pode ter também conscientização sobre a Aids — disse Brandon com ironia. Ele colocou a garrafa ainda cheia ao lado na esteira. — Tem um clube de segundanistas que faz isso — contra-atacou Lon. Easy pegou outra cerveja, satisfeito por ver o jogo idiota se desenrolando. No mínimo, desviava sua mente de Callie. Heath escreveu salvar as baleias e crueldade com os animais no quadro, a letra se tornando cada vez mais inclinada até que ele largou o marcador, que rolou para o chão. — Walsh, vamos começar a coisa da reciclagem agora, tá bem? — Heath apontou para as duas garrafas vazias sob a cadeira de Easy. Easy se abaixou, a cabeça começando a girar, e pegou as garrafas, passando-as a Brandon, que as olhou como se fossem ratos mortos. Ele as pegou e largou na bolsa de ginástica. A porta do ginásio se abriu, revelando uma silhueta no exterior chuvoso e escuro. Easy semicerrou os olhos para a porta, esperando ver Jeremiah com a jaqueta da St. Lucius. Ficou sobressaltado ao ver o reitor Marymount andando até o grupo. Estava com um impermeável caramelo por cima de um suéter de gola rulê azul-marinho, o cabelo cor de areia molhado da chuva. O coração de Easy palpitou em pânico no peito. Era a primeira noite de sua atividade extracurricular e ele estava prestes a ser flagrado. Heath rapidamente deslizou a garrafa de cerveja para a bolsa de ginástica antes que o reitor Marymount chegasse perto o suficiente para ver. Os outros fizeram o mesmo rapidamente e Heath fechou o zíper da bolsa. — Soube que havia um grupo proativo de jovens reunidos no ginásio — riu Marymount, a voz atravessando o prédio vasto e vazio. — Somos nós, senhor. — Heath enfiou as mãos nos bolsos da calça larga de veludo cotelê caramelo. Marymount chegou rapidamente ao grupo, olhando o rosto de cada um na roda. — Alan, Ryan, Lon, Brandon, Easy. — Todos murmuraram um oi, alguns colocando a mão em concha na boca ou coçando uma pereba fantasma para evitar que Marymount sentisse seu bafo de cerveja. — O que é isso? — Ele passou ao quadro branco, vendo a lista
de causas falsas que os Men of Waverly disseram apoiar por brincadeira. Marymount leu a lista para si mesmo. — Muito impressionante, cavalheiros — disse ele, assentindo judiciosamente, as mãos em concha às costas. Pelas costas de Marymount, Heath Ferro lançou a Brandon um olhar de “Caralho!”, depois abriu um sorriso largo. — Obrigado, senhor! — Estou impressionado com esta iniciativa. — Marymount assentiu, passando a mão na careca. — Fico feliz por terem encontrado alguma coisa construtiva para fazer com toda essa chuva. — Ele olhou a lista novamente e balançou a cabeça, satisfeito. — Estou especialmente feliz por ver o senhor aqui, Sr. Walsh. Easy estivera olhando a cena se desenrolar como se fosse um episódio de seu programa de televisão preferido, mas ouvir seu nome o arrancou do estupor. — Obrigado — disse ele, tossindo no punho numa tentativa de esconder o próprio hálito. Marymount andou até Easy, plantando as mãos em seu ombro. Pareciam um bloco de gelo. Easy ficou aliviado quando ele se afastou, ainda sorrindo carinhosamente para todos os meninos. — Bem, continuem, cavalheiros. Não deixem que eu atrapalhe sua busca pelas boas ações. — Ele balançou a cabeça, ainda sorrindo. — Queria ter tido um clube como este quando eu fui aluno da Waverly. E com essa, Marymount se foi, voltando para a chuva. Assim que a porta se fechou, Heath deu um tapa no joelho e soltou uma gargalhada alta. — Mas que merda — disse ele, colocando a mão em concha na boca. — Foi demais ou o quê? — Ou o quê — disse Brandon com amargura. — Meu Deus, todos nós podíamos ter pego uma suspensão. Heath ignorou Brandon e catou o marcador no chão. Voltou à bolsa de ginástica cheia de garrafas vazias de cerveja. Correu até o quadro e escreveu salvar os filhotes no final da lista. — Este é o melhor disfarce do mundo! Agora a gente pode operar total fora do radar... Com a bênção de Marymount. — Aos Men of Waverly! — gritou Ryan. — Não, peraí! — Heath levantou a mão. — Que tal Boys of Waverly? BoW. Entenderam? Será nosso sinal. Bow-wow. Porque somos uns cachorros. — Brilhante. — Brandon revirou os olhos. Pela primeira vez, Easy concordava. — Bow-wow — disse Alan, experimentando. Logo o salão se encheu de uivos e latidos, e foi tudo o que Easy pôde fazer para evitar seguir Marymount porta afora. Mas, gostando ou não, percebeu Easy, o BoW era seu ingresso para as boas graças de Marymount — e da Waverly Academy —, pelo menos por tempo suficiente para resolver as coisas de uma vez por todas com Callie.
randon se encostou na grade de ferro batido da escada do Dumbarton. Apesar de seus protestos, Heath o fez beber uma das duas últimas garrafas que sobraram depois que os Men — quer dizer, os Boys of Waverly encerraram a reunião. Heath descobriu a cerveja escondida no fundo da bolsa de ginástica depois que todos saíram e gritou abuso de álcool, um desafio infantil que Brandon, fraco demais, não conseguiu rejeitar. Por mais que Heath o irritasse, ele não podia dar para trás diante de um desafio desses. A indignação e a vergonha eram dois grandes motivadores, ele sabia, embora nunca soubesse o que incitava suas decisões quando Heath estava envolvido. — Elas não estarão aqui — disse ele a Heath. Seu colega de quarto tinha a mão em concha na janela da sala de estar do primeiro andar, espiando seu interior. Nenhum dos dois queria entrar no Dumbarton bêbados, não sem motivo. Felizmente, parara de chover uma hora antes. — Cara, fica frio. É um compromisso, lembra? Combinamos de fazer esta noite... Elas virão — Heath lembrou a ele. Ele abriu o BlackBerry e digitou uma mensagem. — Quando foi que falou com elas? — perguntou Brandon, segurando a grade com mais força. Sua cabeça parecia um balão de hélio. Heath o ignorou. — Olha as duas lá! — disse Heath, animado. Ele bateu a palma da mão na janela para chamar a atenção de Sage e Kara. Elas se viraram ao mesmo tempo e Brandon sentiu um sorriso elástico se espalhar pelo rosto. — Oi, meninos. — Kara abriu a porta da frente e desceu a escada até Heath, com jeans pretos de perna cigarette e um suéter de gola rulê preto e grosso. Ela plantou um beijo molhado em Heath. — Que pasta de dente é essa? Budweiser? — Cobra, gata — grunhiu Heath, puxando-a para outro beijo. — Vocês podem entrar... Ainda é horário de visita e os ensaios do clube de teatro da Pardee são nas noites de sábado. — Sage estava do lado de dentro da porta, esfregando as mãos nos braços, a calça preta aparecendo por baixo da blusa azul-rei. Brandon andou trôpego até ela, que passou os braços nele, com o cheiro delicioso de chocolate quente e pera. — Também escovou os dentes? — É — respondeu Brandon. Ele mirou um beijo na boca de Sage, mas acabou beijando o rosto macio. A sala de estar do primeiro andar estava vazia, a não ser por alguns cadernos abandonados, uma jaqueta de lã rosa-choque e uma bota de chuva quadriculada. Era parecida com a sala de estar do Richardson, mas muito mais feminina, o que não era de surpreender. O rodapé de carvalho escuro tinha sido pintado de branco e as paredes eram de um azul-ardósia,
e não verde-mata escuro, dando à sala um ar de Martha Stewart. As paredes eram decoradas com desenhos a bico de pena de veleiros e flores silvestres, e o piso de madeira encerada estava coberto de tapetes orientais marinho de aparência antiga. Heath futucou as cinzas frias da lareira. — Cara, estou com frio — disse ele quando Brandon perguntou o que ele estava fazendo. — O calor nunca fica nessa sala. — Kara se jogou num dos sofás de veludo azulmarinho e abraçou os joelhos. — A inundação piorou tudo. Agora está úmida e fria. Brandon se jogou no sofá de frente para ela, e Sage caiu com naturalidade ao lado dele, a saia de lã curta revelando um bom pedaço da coxa curvilínea e sarada. Se antes Brandon sentia frio, o calor do corpo de Sage — e seus pensamentos no corpo de Sage — foi o suficiente para aquecê-lo. Ele se sentiu sorrir descontroladamente. — Tá legal. — Heath esfregou o queixo como se estivesse imerso em pensamentos. — Vamos começar. — Ele apontou o atiçador de lareira para Kara e sorriu diabolicamente. — Nome de todas as posições sexuais que você queria experimentar, mas teve medo de perguntar. — Caraca, caraca, caraca. — Sage ergueu as mãos como um árbitro, as unhas curtas e bem-cuidadas pintadas com um esmalte rosa-claro que fez Brandon pensar em pirulitos. — Como diria a Sra. Horniman, não acho que haja um tema para o artigo aqui. Heath sorriu. — É, mas achei que o sentido era uma entrevista mútua sobre várias coisas para descobrir o que devemos escrever em nossos artigos — disse ele, fingindo inocência. — Não vou me candidatar à Universidade da Playboy — protestou Kara levemente, reprimindo um sorriso. Heath juntou as mãos numa oração fingida. — Ah, se existisse uma Universidade da Playboy. Brandon soltou uma risada alta. Ele tinha um pouco de medo de que Sage não soubesse que tipo de sujeito era Heath — ela uma vez disse, “ele não parece tão ruim”, o que irritou Brandon desde então —, mas ela só precisaria de uma noite de bebedeira com Heath fazendo perguntas grosseiras para perceber que Heath não era exatamente o herói romântico que ela pensava ser. Por mais sentimental — e meio feminino — que fosse com Kara, ele afinal ainda era Heath Ferro. — Antes que comece a falar nisso, Heath, acho que Kara e eu precisamos de um pouco disso. — Sage vasculhou a imensa bolsa vermelho-maçã YSL e pegou quatro copinhos de vidro fosco e um frasco elegante com uma imagem de cerejas em sépia. — Vocês já pegaram a dianteira. — Ela serviu duas doses puras e entregou uma a Kara, que bateu o copo no de Sage. — Assim está melhor — disse ela, balançando a cabeça loura enquanto bebia a vodca. — Vamos começar pegando leve. Banda preferida. — Radiohead — Heath e Kara disseram ao mesmo tempo. Eles se olharam e disseram: — Perdeu, me paga uma Coca. — Um grama ou um litro? — perguntou Heath, e Kara o socou de leve na barriga antes de devolver o copo a Sage para mais uma dose. — E você? — perguntou Brandon a Sage, batendo o joelho não tão acidentalmente na perna da namorada. Sua calça Ben Sherman de lã parecia áspera nas meias lisas e o atrito foi o suficiente para que a mente de Brandon rodasse com ideias de tirar as roupas dela. Será que ele sempre foi assim tão cheio de tesão, ou era Sage que o provocava? Ou quem sabe fosse a combinação de Sage e as cervejas? — Sei lá... Os Cowboys Junkies, provavelmente — admitiu ela.
Um momento de silêncio se passou e Heath soltou uma gargalhada como se estivesse prendendo a respiração há uma hora. — Como é? Nunca ouvi falar deles. — Kara lançou-lhe um olhar. — Eu também gosto dos Cowboys Junkies — Brandon mentiu. Ele nem sabia se conhecia alguma música deles e esperava que Sage não pedisse isso. Depois disse que o Linkin Park era sua banda preferida, o que não era tecnicamente verdade. Mas se admitisse em voz alta que às vezes ouvia pra valer NSYNC e que Madonna era ótima para malhar, Sage provavelmente o largaria no ato. — Muito bem, que tal o filme de prazer com culpa preferido? — perguntou Brandon, recostando-se no sofá e curtindo a sensação de seu braço colado no de Sage. Ele queria que Kara e Heath desaparecessem e que ficassem só os dois, conversando sobre bandas e filmes favoritos e se beijando, depois se beijando um pouco mais... — Er, não acredito que algum prazer traga culpa. — Heath pôs a mão no joelho de Kara e ela o afugentou. Todos o ignoraram. — Doce lar — exclamou Sage como se tentasse ser a primeira a apertar a campainha num game show. Ela sorriu timidamente para Brandon, que já sabia que ela adorava qualquer filme com Reese Witherspoon. — É um filme bobo, mas sempre que pego passando na TV, não consigo tirar os olhos. — Ah, esse é bom — concordou Kara, o rosto corado da vodca. — Eu diria De repente 30. — Quer dizer Quero ser grande. — Heath tentou de novo colocar a mão na perna de Kara. Desta vez ela cruzou os braços e o encarou até que ele a tirou. — É um remake de Quero ser grande, com Tom Hanks. — Não acho que seja um remake per se — Brandon o corrigiu. — Cara — disse Heath —, é um remake. — E o seu? — Kara incitou Heath, oferecendo-lhe um gole do copo recémreabastecido. — Um morto muito louco — respondeu ele automaticamente, secando o álcool sem fazer careta. — Mas é um dos melhores filmes de todos os tempos e não acho que deva me sentir culpado por isso. — E o seu? — Kara perguntou a Brandon. Brandon teve de morder o lábio para não revelar a verdade — seu filme favorito era Simplesmente amor. Mas isso parecia meio metrossexual demais para se admitir. Em vez disso, ele tossiu e disse: — Velozes e furiosos. — É um filmaço — disse Heath, levantando a mão para Brandon cumprimentá-lo. Brandon esticou os dedos e Heath bateu neles. — Acha que posso entrar para a Bennington com um artigo sobre Doce lar? — perguntou Sage de brincadeira. Ela riu e roçou o rosto no pescoço de Brandon. — O segredo mais constrangedor — disse Kara. A porta da frente se abriu e duas meninas de casacos acolchoados de cores vivas subiram a escada correndo num borrão laranja e vermelho. O frio entrou na sala e Sage esfregou os braços para se aquecer, apertando a perna na de Brandon. — Sem querer, deixei o cachorrinho da minha irmã do lado de fora quando éramos crianças e ele foi atropelado. — Sage baixou os olhos para os joelhos. Cobriu a boca com a mão como se estivesse arrependida de revelar o segredo. — Caramba, eu nunca confessei isso pra ninguém.
— Que coisa terrível. — Kara se inclinou para a frente, parecendo querer abraçar Sage. — O que houve? — Achei que ele podia sair e abri a porta para ele. Eu corri atrás, mas ele foi para a rua, na frente do caminhão de lixo. — Sage ficou pálida e Brandon não sabia o que fazer. Pôs o braço em seu ombro, e ela relaxou encostada nele, agradecida. — Oooh! — Heath piscou. — Caraca. — Menti e disse que o cachorro tinha saído sozinho. Até arranhei a parte de baixo da porta da cozinha com uma faca para parecer que eu estava dizendo a verdade. — É, mas você não sabia — disse Brandon. Ele imaginou Sage aos 5 anos com o cabelo louro num rabo de cavalo comprido e sedoso. — Foi sem querer. — Duvido que mesmo agora eu contaria isso a minha irmã — murmurou Sage a Brandon. — Ela adorava aquele cachorro. Ainda fala dele como se fosse um parente morto. — Ela enterrou a cabeça no pescoço de Brandon novamente. — Qual é o seu segredo sombrio? — Heath perguntou a Kara, virando-se para ela. — Primeiro você — Kara mostrou a língua para ele. — Vamos ver — disse Heath, revirando os olhos para o teto. — São tantos. — Ele franziu a testa como se realmente tentasse escolher um, e Brandon balançou a cabeça, irritado. — A vez em que eu e meus amigos jogamos um copo de xixi num cara que passava de bicicleta — disse ele. Ele sorriu timidamente quando ninguém riu e acrescentou: — Não foi ideia minha. Brandon viu o horror aparecer no rosto de Kara. Ele olhou de soslaio para Sage, que tinha uma expressão semelhante. Kara continuou a encarar Heath enquanto ele continuava a falar de como ele e os amigos alcançaram um cara de uniforme da Taco Bell que andava numa bicicleta de dez marchas. — Ele devia estar indo do trabalho para casa — disse Kara, com um tom de nojo na voz. — Quem sabe? — Heath, os olhos avermelhados de álcool, estava completamente desligado da cara feia de Kara. — Mas foi muito divertido. Quer dizer, era um copo da Taco Bell, se dá para acreditar nisso. — Que coincidência — disse Brandon, surpreso com a satisfação que sentia ao ver Heath cair no conceito das meninas. — Ai, não fale mais nisso. — Sage pôs as mãos nos ouvidos. — E você, Srta. Perfeita? — perguntou Heath a Kara. — Não sei de perfeição nenhuma — disse Kara —, mas não posso superar essa história. — Ela brincou com um botão da manga. — Vamos lá — Heath a instigou. — Não vai querer ouvir isso — disse Kara a ele. — É claro que vamos — disse Heath. Ele olhou para Brandon e Sage, buscando confirmação. — Não precisa fazer isso, se não quiser — disse Brandon, não porque não quisesse ouvir o segredo de Kara; a menina tinha mesmo uma aura de mistério, mas porque ele queria ser do contra: o que Heath dissesse ou fizesse, ele faria o contrário. Era seu novo estilo de vida. — Fiz uma dieta de sopa de repolho depois de sair da Waverly... O que fiz, principalmente, por causa de uma sacanagem sua. — Kara olhou para Heath, que tentava entender o que ela estava dizendo. — Comi sopa de repolho por um mês inteiro... No café da manhã, almoço e jantar.
— Minha mãe experimentou essa uma vez — disse Sage suavemente —, durou, tipo assim, um dia. — É um nojo mesmo — disse Kara, a voz leve e brincalhona de novo. — E também te deixa fedendo a repolho. Mas dá certo. — Não me lembro de ter sacaneado você — sussurrou Heath para Kara com os olhos suplicantes. Ele pôs a mão no coração como se jurasse dizer a verdade. — Você foi muito grosso — confessou Kara. — Como? O que eu disse? — perguntou Heath. Sua mão caiu no colo e o tom do ambiente mudou. Brandon podia sentir o barco de Heath afundando cada vez mais. Kara suspirou. — Não importa — disse ela. — Bloqueei tudo mesmo. — Bom, ainda bem que você voltou — disse Brandon diplomaticamente. Ele abriu um sorriso largo enquanto Heath estava mudo, incapaz de pensar no que dizer. — Concordo — disse Sage. Todos olharam para Heath, que estava totalmente sem palavras. Por fim, Kara voltou os olhos castanho-esverdeados para Brandon. — E aí, qual é o seu segredo? Brandon quis reprimir as palavras antes que elas deixassem sua boca, mas com toda a cerveja que bebeu, e ainda por cima com a dose de vodca, seu cérebro estava dois passos atrás. — Eu dormi com meu cobertor de bebê até os 11 anos. Fez-se silêncio e Sage o olhou como se ele fosse um aluno de jardim de infância que deixou cair o sorvete de casquinha. O coração de Brandon palpitava, as têmporas latejavam de nervosismo e da ressaca que certamente viria na manhã seguinte. Será que ele tinha mesmo acabado de confessar seu segredo de desenvolvimento retardado com o cobertor infantil? Não poderia ter inventado alguma coisa mais sexy — e mais perigosa? Sentiu o peso de uma tonelada de tijolos desabando sobre ele por ver todo seu trabalho árduo de fingir ser descolado caindo por terra daquele jeito. Sage nunca o veria da mesma maneira. — Isso é tão fofo — disse Sage de repente, as palavras se arrastando um pouco. Ela apertou a mão dele. Os olhos de Brandon se arregalaram. Seria possível que ela ficasse excitada com isso? E ele estivesse se preocupando à toa? Heath bufou. — Cara, de que cor era seu cobertor? — perguntou ele, esfregando o rosto com a mão numa tentativa de controlar os risinhos. — Azul — respondeu Brandon, sem querer recuar. — Tinha os logos de todos os times de basquete de um lado e era azul do outro. — Ele deu de ombros. — Mas depois de alguns anos, ficou meio cinza. — Aliás — Kara afastou-se quase imperceptivelmente de Heath —, nada disso pode sair desta sala. — Isso mesmo — concordou Sage. — Sem dúvida. — Brandon recostou-se no sofá azul, sentindo-se subitamente relaxado. Sage puxou Brandon para mais perto. O hálito era quente em seu ouvido e fios do cabelo louro fizeram-lhe cócegas no nariz. — Vai ter que me mostrar esse cobertor um dia desses. Brandon sorriu feito um idiota, sentindo-se mais leve e mais feliz do que em semanas. Ao que parecia, alguns segredos ficavam melhores quando eram contados.
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Caixa de Mensagem Instantânea
BrettMesserschmidt: Ei, recebeu meu e-mail? BrettMesserschmidt: Sebastian? BrettMesserschmidt: Sei que está aí!
allie afastou um pouco a cadeira da roda de mulheres espremidas contra o frio da sala mínima e mal mobiliada. Jurou que conseguia ver sua respiração. Natasha a fuzilou com os olhos e ela avançou com a cadeira de novo, ombro a ombro com a mulher ao lado, que não tinha falado uma palavra o dia todo. A sala cheirava a fósforo queimado, como se alguém tivesse desesperadamente tentado incendiá-la para se aquecer, mas tivesse fracassado. Callie se abraçou, o moletom largo demais para proporcionar algum calor de verdade. Apertou as mãos frias nas axilas do casaco e tentou se lembrar da viagem que ela e o pai fizeram ao Egito alguns anos antes — ela ficou o tempo todo infeliz no clima de 48 graus, mas agora pensava com ternura em como o calor tinha envolvido o corpo dos dois. — Todo mundo tem um vício, quer saiba disso ou não. — Natasha começou a falar sem nenhum preâmbulo. Por algum motivo, a equipe do Whispering Pines não precisava usar os mesmo uniformes desagradáveis das clientes ou seriam pacientes? A não ser que o moletom cinza da Universidade da Pensilvânia que Natasha usava desde ontem fosse uma espécie de uniforme. — Algumas pessoas comem a mesma coisa todo dia e não percebem que são viciadas naquela comida, não por causa do gosto, mas porque é uma muleta, e assim não precisam experimentar diferentes alimentos. E se perguntar a elas sobre isso, elas dirão, eu nem pensei no assunto. Mas seus vícios dominam seu mundo subconsciente. — Eu não tenho um vício. — Callie sobressaltou-se ao ouvir a mulher ao lado finalmente falando. Ainda estava com o gorro com abas nas orelhas, os braços sobre o peito. Baixou os olhos para o chão de madeira. Natasha sorriu pela primeira vez o dia todo. Seu cabelo louro era cortado rente ao couro cabeludo e os ombros imensos faziam Callie desconfiar de que ela era uma espécie de nadadora olímpica. — Bom, isso é o que todas vocês preferem pensar. Qual é o seu vício? Gostaria que todas relaxassem, e gostaria que tentassem falar. Este é um ambiente seguro... Ninguém aqui se conhece. Callie certamente não ia ser a primeira e não abriria a boca tão cedo. Cerca de 40 segundos de silêncio se passaram desde que Natasha convocou voluntárias. As mulheres espremidas na roda apertada de cadeiras dobráveis procuravam no rosto das outras por um sinal de confissão. Indignada, Callie cruzou os braços. Não era viciada em absolutamente nada — que pergunta imbecil. Hmm, houve uma época em que ela foi viciada em milk shake de cereja e Lip Venom DuWop, mas isso não fazia mal a ninguém. — Eu vou falar. — Uma menina magra que parecia uma versão distorcida de Brett se pronunciou. Tinha cabelo ruivo escuro e curto, com 5 centímetros de raízes castanhas, e uma argola de ouro encardida no nariz. Parecia Brett depois de dois anos sem lavar a pele e morando na rua. Callie queria ter o celular para poder tirar uma foto da menina e mandar para Brett, implorando por ajuda.
— Olhos fechados — ordenou Natasha. Era uma das regras que ela estabeleceu no início da terapia de grupo entre aspas: sem rir, sem insultos e sem olhar. Callie esperou que as outras fechassem os olhos, algumas voltando a cabeça para o teto para não trapacear. Que ridículo, pensou Callie enquanto pendia a cabeça cansada, com o queixo apoiado no peito. A escuridão repentina aumentou sua sonolência, os músculos doíam de cortar lenha e ela ficou preocupada porque podia começar a roncar. — Sou uma cleptomaníaca compulsiva — confessou em voz baixa a Falsa Brett. — Não consigo evitar. Entro numa loja e de imediato vejo três coisas que preciso ter. — Os olhos de Callie se abriram de repente, antes que se lembrasse de onde estava e os fechasse de novo. Ela imaginou Natasha olhando todo o grupo com uma mangueira, pronta para dar um banho de água fria na cara de qualquer uma que abrisse os olhos. A Falsa Brett continuou. — Meus pais não ligam se eu colocar no cartão Centurion AmEx deles, mas a questão não é essa. Comprar seria fácil demais. — Callie bufou. Se os pais da Falsa Brett tinham um Centurion AmEx e deixavam que ela usasse sem questionar, parecia que a garota tinha uma vida pra lá de perfeita. Do que ela estava reclamando? Por que não dava o fora desse lixo e ia para a Barneys? — A questão é o perigo... A gente tem medo de ser apanhada. Dos gritos. De levar uma bronca. Mas a emoção que sente quando coloca de fininho o cachecol Hermès na bolsa, não tem preço... Seus joelhos ficam fracos, você treme toda por dentro e quase não se importa se for flagrada, porque tudo faz parte da excitação. Callie olhou com as pálpebras semicerradas para a Falsa Brett — tinha certeza de que todas as outras na roda faziam o mesmo — e a viu gesticular loucamente, de olhos fechados, enquanto matraqueava a lista de perfumes, roupas e sapatos que roubou pela Quinta Avenida com o passar dos anos. Pague pelos malditos sapatos, sua maluca. Callie sempre achou que roubar nas lojas era incrivelmente idiota — adorava a sensação de entregar o cartão de crédito à vendedora e de ver todas as roupas lindas que comprou sendo embrulhadas em papel de seda delicado e colocadas em uma sacola de compras robusta com alças de seda trançada. Lembrava-se da vez em que ela e Tinsley experimentaram dezenas de vestidos no provador da Bendel’s, procurando por roupas dignas de uma festa de formatura. Callie não conseguia se decidir entre um Vera Wang de renda preta sem alças e um tubinho A.B.S. de seda vermelha — então Tinsley teve a coragem de colocar um deles na bolsa. Quando Callie estava no balcão, pagando pelo A.B.S., seu coração quase saiu pelo peito e os joelhos tremiam. Mas quando saíram pela porta e voltaram à calçada, Callie andou pela Quinta Avenida ao lado de Tinsley com dois lindos vestidos e a sensação de que era dona do mundo. Foi uma adrenalina e tanto — não muito diferente daquela que costumava ter sempre que Easy a beijava. — Sei o que quer dizer — soou outra voz, interrompendo os pensamentos de Callie. Ela sem querer abriu os olhos, focalizando em Yvette, a mulher que disse que não tinha vício nenhum. Um olhar frio de Natasha obrigou os olhos de Callie a se fecharem novamente. — É tipo assim, por que fazer as coisas do jeito normal? Se todo mundo paga por alguma coisa, então é uma chatice. Meus amigos dizem que eu sou do contra por reflexo, mas é só porque eles têm medo, são covardes demais para se manifestar contra alguma coisa. Eles só engolem tudo como uns peixes de aquário. — Callie deixou uma risadinha escapar de seus lábios, mas rapidamente começou a tossir para encobri-la. Yvette não pareceu se importar, de olhos ainda fechados. — Então, não posso evitar... Parece que todo mundo faz uma coisa de um jeito e eu tenho que fazer de outro... Estou sempre discordando das pessoas... causando brigas, sendo um pé no saco generalizado.
Callie se perguntou como funcionava ser do contra automaticamente — se outra pessoa começasse a falar, será que Yvette calaria a boca? Meu Deus, será que todo mundo aqui era totalmente esquisito? Sua testa ardia quando pensava na mãe organizando aquele passeio. Callie sabia que devia ter confiado em seu primeiro instinto sobre a suposta viagem a um spa. Será que a governadora Vernon sabia que era na verdade a Terra das Birutas? Toda a sessão de terapia não seria tão ruim se as pessoas tivessem histórias melhores — álcool, drogas, sexo. Mas viciadas em roubar em lojas? Ser uma chata? Não era tão interessante. — É um excelente começo. — Natasha bateu palmas quando Yvette parou de falar. Ninguém mais se manifestou. — Vamos fazer um exercício para descobrir quais são os seus vícios. Depois vamos começar a nos livrar deles. Callie revirou os olhos para a mulher grandalhona sentada de frente para ela, mas a mulher só lhe fez uma cara feia. — Façam o que digo e seu vício pessoal virá à sua mente. Não podem lidar com seu vício se não souberem qual é. A sala ficou em silêncio. Meu Deus, pensou Callie. Isso está acontecendo mesmo. Era noite de sábado — neste momento, era para estar se encolhendo sob o edredom confortável, descansando um pouco antes de vestir uma roupa sexy para uma festa e sair. — Fechem os olhos de novo — ordenou Natasha. Callie deixou as pálpebras caírem, querendo unicamente aninhar a cabeça no travesseiro fofo. — É importante ficar imóvel. — A voz de Natasha se abrandou, de modo que seu sotaque sumiu quase inteiramente. — Prestem atenção em seus pés. Concentrem-se em cada um dos dedos, depois sintam o chão com a sola do pé. Talvez pareça que o chão está empurrando seus pés. Callie mal conseguia sentir os pés, que dirá os dedos. — Pensem em sua cor preferida — sugeriu Natasha. — Seus pés estão mergulhados numa poça desta cor. Callie imaginou os pés numa poça amarelo-clara. — Agora observem que a cor começa a fluir por vocês, movendo-se suavemente para seus tornozelos, para os joelhos pelas suas pernas. — Natasha andava em silêncio em volta da roda, a voz aproximando-se e sumindo enquanto seus pés pisavam a madeira. — Enquanto a cor se move, sintam a pressão da cadeira em seu corpo. Sintam a cor fluindo para os ombros. Está correndo para a ponta de seus dedos. Callie podia sentir o metal frio da cadeira cravando-se em suas costas, mas uma calma a tomou e mais uma vez teve medo de dormir. Imaginou a ponta dos dedos se iluminando com o sol e pela primeira vez desde que chegou, se sentiu aquecida. — A mente vaga e vocês devem segui-la — disse Natasha com brandura. — Prestem atenção para onde ela vai, mas depois pensem em sua cor novamente. Callie ficou fascinada demais com o calor que a envolveu para dar atenção às instruções de Natasha. Um sorriso curvou seus lábios enquanto ela se banhava no brilho amarelo. Uma imagem de Easy cavalgando Credo por um campo de trigo momentaneamente bloqueou o calor, transformando o sorriso numa carranca. — Concentrem-se na cor — lembrou Natasha a todas. Callie tentou se concentrar em sua cor, mas ela agora desbotava, não era brilhante como o sol, mas cor de sopa de macarrão rala. A vez no segundo ano em que ela fez canja de galinha na cozinha sem recursos do Dumbarton para curar um Easy gripado apareceu em sua mente, levando a uma sucessão de imagens de Easy Walsh ao longo dos anos, como se ela tivesse um slide show gigante dele armazenado no cérebro, o que, aparentemente, Callie tinha mesmo. A primeira vez que da viu Easy, no primeiro ano, quando ele se sentou atrás dela na
sala de álgebra no primeiro dia de aula e prendeu o arame do caderno no cabelo dela. Uma passada rápida por alguns anos de desejo por ele, depois ficou com a imagem da ultima vez que o viu — quando ele disse que ela era uma filha da puta. Easy Walsh. Ela era viciada em Easy Walsh. — Está tentando combater a cor? — perguntou Natasha num sussurro firme. — O que está atrapalhando sua felicidade? Vocês têm o poder de impedir isso. Todas vocês têm. Um amarelo-vivo banhou as imagens de Easy, e Callie podia se sentir semicerrando os olhos, como se invocasse seus poderes de apagar as imagens dele. A sala pareceu zumbir, e justo quando Callie sentia que estava prendendo a respiração debaixo d’água, Natasha disse para abrirem os olhos. — Puxa vida. — A grandalhona na frente de Callie expirou. — Puxa vida. Callie assentiu, agora totalmente desperta. Seu corpo parecia ter rejuvenescido, como acontecia depois de uma ótima sessão de pilates, o sangue disparando como uma corredeira. Ela se lembrou da descrição da cleptomania da Falsa Brett — a excitação nervosa, o medo de ser apanhada. Estar com Easy era exatamente assim. Desde que eles começaram a namorar, ficava com um frio louco na barriga sempre que pensava nele, ou o via, ou o beijava. Era um vício — um vício que ela não estivera disposta a largar, mesmo quando ele a trocou por Jenny. Mas a luz amarela que ela vira por trás dos olhos era a promessa de algo novo — a luz no fim do túnel. Agora sabia que Easy era a sua doença. Sabia que precisava se livrar dele. Sabia que jamais, que nunca se permitiria se apaixonar por ele de novo. Enfim tinha acabado.
rett sonhou que estava no deserto, perdida, sem água nem sombra. O sol quente batia na cabeça, o cabelo improvavelmente penteado como o de quem participa de um concurso de beleza. Ela cambaleava pelo deserto, a areia queimando os pés descalços, os dedos dos pés cuidados e com esmalte vermelho. Uma pancada distante ecoou pelo deserto varrido pelo vento e o som ficava mais alto, até que tudo escureceu e Brett se sentou na cama, transpirando. — O que é isso? — sibilou Brett para ninguém em particular, o lençol quente na pele nua. No início daquela noite, quando trabalhava para consertar os danos da inundação, de alguma maneira a equipe de manutenção conseguiu quebrar o aquecedor, levando as temperaturas no Dumbarton à estratosfera. Tinsley insistiu em só abrir um pouco a janela, porque aparentemente sentia o frio entrando. Todas foram obrigadas a se despir e ficar praticamente só de calcinha e sutiã. Deitar-se na cama ao lado de Kara era um constrangimento a mais, com Kara de camisola cinza e samba-canção Calvin Klein da mesma cor. — Vá ver quem é — ordenou uma Tinsley sonolenta, como uma prima donna mesmo dormindo. — Deve ser a Pardee. — Feliz por ter uma desculpa para sair da cama, Brett se esgueirou até a porta, puxando para baixo a bainha do short Cosabella e esperando que os mamilos não estivessem se projetando pela camiseta curta de tecido macio. Que merda ela podia querer agora? Brett olhou o despertador ao lado da cama. Os números vermelhos diziam 1:34. Brett abriu só um pouco a porta, mas em vez de Pardee, Jeremiah estava na soleira com uma mecha de cabelo ruivo caindo na testa. — Oi — disse ele em voz baixa, olhando por sobre o ombro. — Voltamos do jogo esta noite em vez de amanhã, e eu queria muito te ver. — Ele espiou a escuridão atrás dela. — A Tinsley saiu? — Estou aqui — respondeu Tinsley, acendendo a luz ao lado da cama. Ela se sentou, revelando o sutiã preto e a barriga sarada. Do outro lado do quarto, Kara esfregou os olhos, com sono. Os olhos azuis-esverdeados de Jeremiah se arregalaram ao vê-la, seminua, deitada na cama de Brett. Um pavor passou pelo rosto de Brett quando viu a expressão azeda de Jeremiah. — Como é? Estão morando juntas? — perguntou ele com uma onda de pânico na voz. — Pensei que você tinha dito... — Não, não — disse Brett, tentando manter a voz baixa para que ele fizesse o mesmo e não acordasse o alojamento inteiro.
— Por que estão dividindo a cama? — perguntou Jeremiah, a raiva substituindo o pânico na voz. — Posso explicar? — perguntou Brett com tristeza. Jeremiah cruzou os braços, os músculos se flexionando sob a camisa como se ele estivesse prestes a ser derrubado. Brett sentia que ele também pensava em correr, como o vira fazer mil vezes no campo de futebol para evitar ser atingido. — Não sei. Pode? — rebateu ele. Estava claro que ele tinha ouvido os boatos sobre ela e Kara, e simplesmente acreditou em Brett quando esta disse que não era verdade. — Houve uma inundação no primeiro andar. — Brett partiu para a defensiva. — Uma árvore caiu em um dos quartos no segundo andar... — Você disse primeiro andar — Jeremiah a interrompeu. Ele alisou a mecha de cabelo que pendia de forma tão torturante na pele macia. — O banheiro fica no segundo andar, mas os canos explodiram e alagaram o primeiro. E o quarto de Kara foi inundado. — Brett imprimiu um tom de súplica na voz. Só queria uma chance de explicar tudo — o camundongo, o aquecedor quebrado, todo mundo na Waverly exagerando sobre o que ela teve com Kara só para se divertir, o risco que ela corria de ser expulsa se não dançasse conforme a música da Waverly, tudo o que ajudasse a explicar o que Kara estava fazendo na cama dela no meio da noite, as duas só de roupa íntima. — Ela está falando a verdade — disse Kara timidamente, sentando-se na cama e puxando o edredom acima dos joelhos. — Me colocaram aqui. Ela não teve escolha. Virando o rosto para trás, Brett sorriu para Kara, grata pelo apoio. Kara reprimiu o sorriso, provavelmente para que Jeremiah não visse, e Brett ficou duas vezes grata. — E obrigaram vocês a dormir na mesma cama? — perguntou Jeremiah, incrédulo. — O que acham que eu sou, burro? Por que não no chão? Ou na cama da Tinsley? Tinsley não pôde deixar de se intrometer — Eu não divido a minha cama com ninguém — disse ela friamente, animada por ver todo o problema que causou. Era justo. De onde Brett tirou a ideia de que podia ter um caso de amor lésbico e ilícito e ainda conseguir o namorado gato de volta? Tinsley rolou na cama, enterrando a cara no travesseiro para evitar a luz. Embora soubesse que devia estar feliz por ver outra pessoa se dando mal, suas próprias palavras ficavam soando nos ouvidos: eu não divido a minha cama com ninguém. Ela disse isso como uma tirada inteligente, mas no momento em que as palavras deixaram sua boca percebeu que era verdade. Ninguém estava interessado, em especial Julian — a única pessoa que ela não conseguia tirar da cabeça, por mais que tentasse. Ela tremeu sob o lençol, embora o quarto estivesse escaldante, envolvida por uma tristeza imensa, de modo que mal conseguiu ouvir a cena que se desenrolava só a alguns passos de distância. — Jeremiah, por favor— pediu Brett, pegando-o pelo braço e levando-o para o corredor escuro. Tentou ouvir a Pardee arrastando-se para fora da cama, mas só havia o silêncio. — Sei que parece estranho, mas é verdade. Foi só um conjunto ridículo de circunstâncias que... — Ela se interrompeu, passando a mão no cabelo ruivo e desgrenhado, que devia estar todo embaraçado. Jeremiah puxou o casaco, o rosto vermelho. — Está mesmo quente pra caraca aqui. — Seus olhos percorreram o corpo de Brett, segurando-a em seu tronco leve, sem sutiã por baixo da camiseta fina, e as pernas longas e magras. — Eu acho que, bem, exagerei, né? Desculpe, amor, mas olhe para você. Não pode me culpar por querer estar na sua cama, né? Os joelhos de Brett enfraqueceram quando Jeremiah a puxou e a envolveu em seus braços fortes.
— Logo será você — prometeu ela com um suspiro. A hora de eles ficarem juntos, sem distrações, estava demorando demais.
cheiro de pipoca amanteigada enchia a sala de projeção do Cinephiles no sábado à tarde enquanto Tinsley rearrumava os lanches gratuitos que comprou para suas companheiras Waverly Owls. Além de sacos de pipoca fresca, ela arrumou uma tigela de Snickers e Junior Mints pequenos, um jarro plástico de alcaçuz e uma pilha de Pixie Stix para os que preferiam controlar o açúcar. Um isopor cheio de refrigerante diet tinha gelo e estava pronto debaixo da mesa com alguns coolers de vinho enterrados no fundo, para o caso de Tinsley ficar muito inspirada. A quantidade de favores que ela teve de pedir para colocar as mãos no filme nunca seria conhecida por suas companheiras Owls, mas todos ficariam impressionados com a legenda FOR YOUR CONSIDERATION na base da tela, revelando que o contrabando tinha vindo de um júri do Oscar. Muito mais descolado do que se viesse de um dos camelôs de um canto indefinido de Chinatown, o que era meio como comprar perfume ou bolsas Fendi falsificados. Tinsley olhou o relógio no pulso esquerdo. Com a saia de brim Citizens of Humanity no meio das pernas, uma camiseta amarela apertada Urban Outfitters e suas botas Gucci vintage até os joelhos, que ganhou num leilão feroz no eBay, ela estava casual-sexy. Tentava não ficar nervosa... Mas onde estava todo mundo? A porta da sala de projeção se abriu numa fresta e Tinsley quase suspirou de alívio. Uma caloura sardenta espiou timidamente o interior. — Sou a primeira? — perguntou ela. O cabelo escuro e aparado estava afastado do rosto por um cachecol vermelho. Ela usava um suéter de tricô cinza e calça de veludo cotelê caramelo, e parecia ter saído das páginas de um dos catálogos gratuitos da J. Crew que eram enfiados na caixa de correio de Tinsley toda semana. Mas não no bom sentido. Se Tinsley fosse sincera consigo mesma, admitiria que era Julian quem esperava ver entrando pela porta da frente. Embora fosse improvável, ela quis a noite toda que ele aparecesse, a beijasse e tudo voltasse a ficar bem. Sem andar mais pelo campus sentindo que tinha cólera ou outra doença tosca sobre a qual aprendiam nas aulas de história mundial do Sr. Robinson, sem paranoia sobre as pessoas cochichando ou apontando para ela. Sabia que um beijo de Julian podia mudar tudo. De repente, Tinsley se lembrou de uma citação sublinhada num livro de Kurt Vonnegut que pegou emprestado com Easy Walsh no primeiro ano — “Somos o que fingimos ser, então devemos ter cuidado com o que simulamos.” Naquela época, ela achou que ele havia sublinhado para ela, pouco antes de emprestar o livro, como se estivesse tentando entrar na
cabeça de Tinsley. É claro que ela estava enganada — ele aparentemente não ligava para quem Tinsley fingia ser, um fato que ficou claro quando ele começou a namorar Callie. Mas pensar nisso agora a deixava... realmente solitária. Julian, pensou ela, também vira através dela. Mas ela estava igualmente enganada a esse respeito. Ou talvez ele tivesse mesmo visto através dela... E não tinha gostado do que viu. — Sirva-se — ofereceu Tinsley, a cabeça girando. A caloura foi até a pipoca e pegou uma única para colocar na boca. Olhou com avidez os Snickers e Junior Mints, mas não estendeu a mão para eles. — Estou morrendo de vontade de ver esse filme! — exclamou a menina, olhando as poltronas de couro reclináveis da sala de projeção como se procurasse por outra pessoa. — Como conseguiu? — Simplesmente consegui — disse Tinsley, de repente ficando enjoada com o cheiro de pipoca. — Vai ter... er... algum menino aqui? — perguntou J. Crew, sorrindo para Tinsley como se elas fossem da mesma fraternidade. Tinsley passou a mão no rosto, cansada. — Vou lá fora fumar um cigarro. Sirva-se do que quiser. Tinsley girou nos saltos das bocas e saiu da sala de projeção, indo para a tarde de outono cinzenta, protegendo os olhos da chuva para olhar o campus, procurando pelos grupos de cinéfilos que esperava. Alguns meninos usando fleece se perseguiam pelo pátio no que parecia um ritual matinal primitivo. Waverly Owls variadas, com os braços carregados de livros disparavam para a biblioteca, correndo pelo aguaceiro. Mas ninguém vinha na direção do Hopkins Hall. Será que ela ia mesmo levar bolo... de todo mundo? J. Crew não contava. Ela sabia como era cool se atrasar para as coisas, mas este era um Ryan Gosling. Um Ryan Gosling ilegal, se quiser ser técnica. Tinsley acendeu um Marlboro Light e deu um longo trago, protegendo o cigarro na mão em concha para mantê-lo seco. A porta da sala de projeção se abriu. — Não tem nenhum álcool, tem? — perguntou a J. Crew. Tinsley se sentiu murchar ainda mais. — No fundo do isopor. — Foi nisso que ela se transformou: uma aluna sem amigos e solitária distribuindo álcool a calouras excessivamente entusiasmadas. — Valeu — guinchou a J. Crew e desapareceu na escuridão da sala de projeção. O tabaco não podia esconder o sabor de fracasso que cobria a língua de Tinsley e formava um bolo em sua garganta. Que porcaria. Ninguém estava do lado dela? E cadê a Callie? Ela passou o fim de semana fora, é verdade, mas por que o telefone ainda estava desligado? Sem torpedos, nem mensagens, nada. Era como se tivesse morrido — uma ideia terrível e apavorante que Tinsley não conseguiu evitar, por mais improvável que fosse. Ela se abraçou quando um vento frio soprou pelo campus, sacudindo as árvores no alto, uma chuva de folhas caindo a sua volta, Tinsley sentia mais falta de Callie do que jamais pensou que sentiria, experimentando sua ausência bem no fundo do coração. Não conseguia se lembrar da última vez em que se sentiu tão só. Atirou o cigarro no chão e pisou nele, com o cuidado de pegar a guimba e levar para dentro. O ar no interior da sala de projeção tinha cheiro de uma combinação enjoativa de cooler de vinho e manteiga, e Tinsley mal conseguiu reprimir o vômito quando a caloura perguntou se ela queria sair em vez de ver o filme. — Por mim, tanto faz — disse a menina na melhor voz descolada, dando de ombros e colocando as mãos nos bolsos da calça de veludo caramelo idiota.
— Na verdade, acaba de me surgir um imprevisto — murmurou Tinsley, girando nos saltos e abrindo a porta da frente. — Sirva-se do resto do cooler de vinho. E apague as luzes quando sair. As pessoas me odeiam tanto assim?, perguntou-se Tinsley ao voltar para o Dumbarton na chuva, sem ligar para abrir o guarda-chuva, as gotas frias cobrindo sua pele num manto molhado. E eles adoravam tanto a piranha da Jenny para dar um bolo coletivo? Ela duvidava disso — sabia que não tinha caído tanto para que as pessoas a odiassem tão acintosamente. Era na verdade como se tivesse saído do radar deles. O que era muito, mas muito pior.
ma ventania chuvosa bateu na janela do quarto 303 do Dumbarton enquanto Drew servia a Jenny outra taça do delicioso vinho tinto que ele tinha comprado na cidade. Ela não fazia ideia de se era um vinho caro ou barato — não bebeu vinho suficiente na vida para saber a diferença —, mas, para ela, era delicioso. Quando Drew apareceu no sábado à tarde com um cesto de piquenique numa das mãos e uma única rosa vermelha na outra, o clima dentro do quarto de alojamento mudou de sombrio e tempestuoso para um céu azul ensolarado. — Achei que a gente podia fazer um piquenique no chão — disse ele, olhando o piso bagunçado. Ele estava de seu jeito normal deslumbrante, com um suéter verde-oliva de gola redonda e jeans True Religion desbotados. Enquanto se inclinava para beijá-la, o cheiro agradável de creme de barbear com aloe atingiu o nariz de Jenny. Jenny rapidamente enfiou tudo — roupas, sapatos sem par, cadernos rabiscados — embaixo das camas dela e de Callie para abrir espaço para a manta de tricô vinho Ralph Lauren que Drew abriu no chão. Ao se sentar de pernas cruzadas com sua calça BCBG cinzacarvão e top de jérsei preto, sentiu-se muito sofisticada. Aqui estava ela, fazendo um piquenique romântico com um aluno do último ano, no chão de seu quarto de alojamento, provavelmente bebendo um vinho tinto caro. Podia sentir o vinho fazendo cócegas no fundo da garganta, o estômago cheio de sanduíches de pepino e brie que pareciam não parar de sair do cesto de piquenique de Drew. Ele pegou um recipiente gigante de uvas vermelhas, sem sementes e lavadas, o orvalho ainda fresco na pele. — Abra a boca e feche os olhos — disse Drew de um jeito sedutor, erguendo uma sobrancelha castanha alourada para Jenny. Ele se recostou na beira da cama de Jenny, enrugando de leve a antiga colcha florida de azul e branco. — O quê? — Ela riu ao ajeitar a blusa. Teve uma visão de Cleópatra deitada de costas numa espécie de divã cravejado de ouro, com um lindo egípcio de toga abanando-a com uma folha de palmeira enquanto outro colocava uvas em sua boca. Era uma fantasia meio engraçada, mas não parecia muito certa para uma tarde de sábado no norte de Nova York. — Acho que não. Você. — Jenny ouviu a confiança sedutora na própria voz e se perguntou de onde diabos vinha. Talvez tivesse alguma coisa a ver com ter um lindo veterano encostado em sua cama, abrindo obediente a boca e fechando os olhos. Jenny atirou gentilmente uma uva em seus lábios abertos. Errou, quicando no nariz dele.
Lentamente, Drew abriu um olho verde faiscante. — Você é péssima. — Essa não. Me dê outra chance — pediu Jenny, mirando outra uva em sua boca. Enquanto a uva deixava a ponta de seus dedos, ele pulou para a frente e a atacou. Os dois caíram amontoados na colcha. — Chega de uva. Você é perigosa demais. — Os braços de Drew estavam em volta de Jenny, os olhos magnéticos fitando diretamente os dela. Os lábios de Drew estavam a centímetros de distância. Por fim ele se sentou e se recostou na guarda da cama, sorrindo para ela. Sábado foi um borrão. A tarde que passaram passeando em Sleepy Hollow, entrando e saindo dos sebos minúsculos que pontilhavam o centro pitoresco, transformou-se num jantar à luz de velas em um restaurante com vista para a margem do rio Hudson. O jantar se alongou numa caminhada à meia-noite pelo campus. Ficaram de mãos dadas na noite sem lua, Drew puxando-a para cantos escuros para apertar seu corpo no dela, os lábios procurando pelos de Jenny na escuridão. O corpo de Jenny ficou tão eletrizado que ela mal conseguiu dormir a noite toda. Drew tocou o rosto de Jenny. — Tem sido muito bom ficar com você, sabia? — Choques elétricos mínimos percorreram o corpo de Jenny. — Ontem foi mesmo divertido. — Jenny estremeceu ao som da própria voz dizendo algo tão idiota. Divertido? Que idade tinha, 12 anos? — Quer ver a chuva do coreto? — Drew perguntou timidamente, pegando a garrafa de vinho. Ele virou o rosto quando disse a palavra coreto, um famoso local de namoro no campus. Na linguagem secreta das Waverlies, era a palavra escrita em bilhetes e sussurrada para todo lado. Jenny nunca esteve lá. — Não precisamos ir, se não quiser. — Ele serviu gentilmente o resto do vinho na taça vazia de Jenny. Ela sorriu, passando o dedo pela borda da taça. Os cachos escuros caíam em cascata nos ombros e ela sentia como se eles estivessem interpretando uma cena de um dos filmes românticos que deixavam a pessoa sonhando dias depois. — Pode ser que eu queira — respondeu ela de brincadeira. Drew pegou outra uva e estendeu para Jenny, mas ela balançou a cabeça numa negativa. Antes que eles avançassem, precisava ter certeza de que ele era seu salvador. Jenny esperou que ele tocasse no assunto — e ela pensou em fazer isso ela mesma, embora o momento nunca parecesse o certo — e a questão estava implicada em tudo o que eles fizeram: a festa de Halloween, o passeio de carro pela cidade, a viagem a Sleepy Hollow, o namoro pelo campus e agora o piquenique. Mas Drew jamais confessava. Jenny estava disposta — e queria — a ir para o coreto, mas primeiro precisava saber a verdade. — Posso te fazer uma pergunta? — disse ela, mordendo o lábio. Rufus sempre tentou lhe ensinar a simplesmente fazer a pergunta, em vez de perguntar se podia fazer uma pergunta, mas era um hábito que ela não conseguia abandonar. Drew colocou uma uva na boca. — Pode me perguntar o que quiser — respondeu ele. Seus olhos verdes cintilaram de malícia. Ela se inclinou para a frente, em parte porque estava constrangida para fazer a pergunta em voz alta, em parte para dar a ele um bom vislumbre de seu decote. — Você pagou a Sra. Miller para me salvar da expulsão? — perguntou ela com brandura.
Drew parou de mastigar e um sorriso meio confuso se aninhou em seu rosto. Ele olhou Jenny nos olhos e disse: — Mas é claro, bobinha. Pensei que você soubesse. — Ele manteve o olhar em Jenny e ela sentiu que realmente sabia. De repente se sentiu idiota por perguntar. — Por que fez isso? — perguntou Jenny com curiosidade. — Você nem me conhecia. — Não — admitiu Drew, brincando com a bainha levemente puída do suéter verdeoliva. — Mas eu queria... Não queria perder minha chance. — Ele levantou a cabeça e seus olhos pareciam estar fascinados pelo rosto de Jenny. — Você é tão linda... E eu me apaixonei por você de longe desde que a vi pela primeira vez. Jenny sentiu um frio indescritível na barriga. Drew estava apaixonado por ela e ficou do lado dela quando ninguém fez isso. Nem Easy, nem Julian. Uma onda de emoção lhe atingiu ao lembrar como todo mundo a olhou durante a reunião com Marymount, como ninguém tinha se levantado e dito, “Isso é loucura. Jenny não provocou o incêndio”. As pessoas que ela achava que conhecia não fizeram nada — e Drew, que nem a conhecia, se dispôs a se arriscar porque estava apaixonado por ela. Foi a coisa mais doce que ouviu na vida. Jenny se levantou. — Vamos. — Ela apertou os lábios. — Vamos ver a chuva antes que ela acabe. — Um sorriso banhou o rosto de Drew, e ele assentiu. Ela foi até a cômoda de Callie e abriu a primeira gaveta enquanto Drew bebia o resto do vinho. Na verdade, foi um impulso louco. Ontem, pegar uma camisinha podia ser definitivamente irracional, mas hoje o sexo com Drew não parecia uma impossibilidade tão louca. Por que não estar preparada? Ficar com ele parecia simplesmente... o certo. Estava imensamente grata por ele ter aparecido. Jenny estremeceu quando pensou em como esteve perto de deixar que Easy fosse o primeiro, quando ele a trocou por Callie, arruinando a lembrança para sempre. Os dedos de Jenny remexeram na gaveta de camisolas Le Mystère de Callie até que tocaram um plástico enrugado. Ela puxou o canto da embalagem de camisinha, mas quando a embalagem apareceu do fundo da gaveta, não era camisinha, mas um envelope vazio com uma fenda de plástico, Jenny viu o endereço do remetente: o Estado da Geórgia — um cheque da mãe de Callie, sem dúvida. Provavelmente a mesada. Jogou o envelope de lado e procurou mais pela gaveta. Enquanto seus dedos vasculhavam o fundo da gaveta, Jenny percebeu um canhoto azulclaro aparecendo pelo canto do envelope da mãe de Callie. Sempre se perguntou de quanto era a mesada de Callie — imaginava que todo mundo na Waverly recebia milhares de dólares todo mês para gastar em roupas, música e maquiagem, menos ela — e agora era sua oportunidade de descobrir. Ela abriu com cuidado o envelope e o canhoto caiu na gaveta. Não foi a quantia que a fez vacilar. Foi o beneficiário: The Miller Farm Foundation. Jenny piscou e olhou o canhoto de novo. Não podia ser. Callie foi sua salvadora. E não Drew. Ela tremia, sentindo-se a heroína de um filme de terror que de repente percebe que o vilão não está do outro lado do telefone, mas em algum lugar da casa, pronto para atacar. Jenny se virou devagar. Drew estava de quatro, fuçando embaixo da cama de Callie. — Acho que perdi uma uva — explicou ele. O feitiço de Drew evaporou com suas mentiras e Jenny foi tomada por um alívio imenso por não ter cometido o maior erro de sua vida. Uma onda de emoção inundou seu corpo — ela queria gritar com Drew, chamá-lo de fraude. Mas só conseguia pensar que Callie não era quem ela pensava que fosse.
— Achei — disse Drew com um sorriso infantil, mostrando uma uva como uma pepita de ouro. Seus dentes perfeitos e brancos de repente pareciam perfeitamente cruéis. Jenny se virou e saiu do quarto, batendo a porta. Havia algo errado desde o início — a perfeição não existe — e ela se sentia uma tola por ser enganada no que agora era uma trama óbvia para levá-la para a cama. A única pessoa com quem ela queria conversar agora era com sua colega de quarto sumida. Precisava agradecer não só por salvá-la da expulsão — mas por salvá-la de cometer um erro imenso. As máscaras caíram e a verdade estava à mostra: Callie Vernon não era má. Ela era... uma amiga.
rett fechou o tabuleiro de gamão com um estalo alto. — Como é ser derrotado em três partidas seguidas? Jeremiah sorriu e puxou as mangas do suéter verde-escuro. — Sabe muito bem que eu deixei você vencer. — Seu iPod tocava suavemente ao fundo e o som permeava o ar. — Não é verdade! — Brett semicerrou os olhos e se inclinou para dar um tapa de leve no peito de Jeremiah. — Você é que é péssimo — ela zombou. Ela juntou os lábios e pensou em como Jeremiah tinha dito a ela que adorava o sabor cereja do gloss Balmshell. Os dois passaram a tarde de domingo juntos, estudando em um sofá num canto deserto do Maxwell Hall. Jeremiah fez Brett ler em voz alta Le Rouge et le noir porque “adorava os lábios dela se mexendo quando ela falava em francês”. Depois foram de carro até a cidade vizinha para comer no Chili’s, o restaurante de rede preferido de Brett, seu prazer com culpa. Passaram as últimas horas do tempo de visita no quarto de Brett, jogando gamão. Foi calmo e relaxado, e mais do que perfeito. A manutenção tinha consertado os canos naquela manhã, e esta noite Bret dormiria em sua cama sozinha. O melhor de tudo, era só uma questão de tempo antes de ela dormir com Jeremiah. Já tinham planos para a noite de sexta-feira: Jeremiah não teria jogo, então eles iam pegar o trem para Nova York, onde reservariam uma suíte no elegante Soho Grand. Depois de tudo por que passaram, ele queria que a primeira vez fosse perfeita. A única coisa que impedia Brett de arrancar as roupas de Jeremiah agora era o fato de que a primeira vez dela significava muito para ele. Jeremiah colocou delicadamente uma mecha do cabelo ruivo atrás da orelha de Brett e ela sentiu os joelhos tremerem. Estava pronta para jogar o Soho Grand pela janela e transar ali mesmo. Mas assim que os lábios de Jeremiah estavam prestes a tocar os dela para outro beijo demorado, a porta de seu quarto se abriu. — Brett, posso pegar emprestado... — Kara parou na porta, o cabelo castanho ainda molhado do banho. — Ah, desculpe. — Ela recuou assim que viu Brett e Jeremiah deitados cara a cara no edredom fúcsia de Brett. — Deixa pra lá. — Não, não seja boba. — Brett se apoiou num cotovelo, tentando não ver a reação na cara de Jeremiah. — Entra. O que quer emprestado? Kara colocou uma mecha de cabelo molhado atrás da orelha e entrou lentamente no quarto, sorrindo com timidez para Jeremiah. — Aquela jaqueta cortada sua, sabe? Aquela que parece... — Que eu vou a um comício pacifista? — Brett girou os pés para o chão e foi até o armário.
— Era exatamente o que eu ia dizer. — O queixo de Kara caiu e ela riu. — Como sabia o que eu pretendia falar? Você deve ter umas oitenta jaquetas cortadas. Brett vasculhou o armário por um instante antes de achar a jaqueta militar Ben Sherman vintage de que Kara falava. Ela a comprou num brechó no East Village no verão e, numa crise de tédio, costurou várias insígnias militares falsas e símbolos da paz. Ficou ótima, mas era mais boêmia do que Brett se atreveria a ser. Ela entregou a jaqueta a Kara. — Sei que você gosta dessa roupa. Vai ficar ótima em você. Enquanto Kara experimentava a jaqueta no espelho de corpo inteiro de Brett, ela lançou um olhar a Jeremiah. Está vendo? Somos meninas e amigas, e não namoradas, e conversamos sobre roupas. Poderiam as coisas ser mais inocentes? Mas o rosto de Jeremiah estava virado para o tabuleiro de gamão. Brett lançou um olhar desiludido a Kara. Como era uma excelente leitora de pensamentos, Kara falou enquanto ia para a porta. — E aí... O que vão fazer hoje à noite? Brett olhou para Jeremiah, e sua expressão preocupada revelava que a desconfiança não estava totalmente eliminada. Valsando pelo campus de mãos dadas hoje, parecia que nada tinha se interposto entre os dois. Jeremiah não tinha tocado no assunto de Kara nem uma vez. Mas no momento em que ela entrou no quarto, voltou a ser como na noite anterior. — Acho que vou andando — disse Jeremiah de repente. — Tenho uma prova de trigonometria amanhã e nem abri o livro. Brett olhou para ele do melhor jeito “não vá”, mas ele estava ocupado demais vendo Kara roer as unhas para perceber isso. — Também preciso correr — disse Kara às pressas, vestindo a jaqueta de Brett e lhe lançando um olhar de quem se desculpa. — Vou me encontrar com... Heath Ferro apareceu na porta, sem fôlego. — Achei você — disse ele a Kara. — Procurei por você em toda parte. — Qual é o problema? — perguntou ela, um olhar de preocupação flutuando em seu rosto. — Achei que eu ia me encontrar com você no Maxwell às cinco para a noite de recital. — Não houve nada. — Heath se inclinou para a frente e deu um beijo no rosto de Kara. — Eu só... Sabe como é... Estava pensando em você agora. Brett piscou os olhos. Heath? Era mesmo ele? Ela pegou o olhar de incredulidade em Jeremiah que parecia estar dizendo o mesmo — Heath Ferro? Vai a uma leitura de poesia? — e os dois trocaram um momento íntimo de riso reprimido. — E aí, bro? — Heath acenou para Jeremiah. Passou o braço na cintura curvilínea de Kara. — Sentimos sua falta na reunião dos Men of Waverly. — É, lamento não ter podido ir. — Jeremiah colocou os pés no chão e estendeu a mão para um cumprimento de Heath. Brett achou a exibição de afeto masculino dos dois inteiramente desconcertante. Sabia que eles eram amigos... Mas que grau de intimidade tinham? Sabia que Heath estava totalmente apaixonado por Kara e que a relação deles o abrandara, mas Brett não confiava que ele conseguiria ficar de boca fechada. Seu estômago se agitou de nervosismo. — Tudo bem, cara — Heath assentiu. — Mas vai na próxima. A coisa tá rolando. — O que exatamente vocês fazem? — perguntou Kara com ceticismo, enganchando os polegares nos bolsos da jaqueta de Brett. Ela parecia pronta para ir a um show em um bar apinhado do Brooklyn. — Falam de seus sentimentos? Heath respondeu lentamente.
— A gente meio que... faz caridade e coisas assim. — Ele deve ter percebido o quanto a resposta era ridícula e riu consigo mesmo. — Tá legal. Basicamente bebemos umas cervejas e falamos das gatas. — Que divertido — disse Kara com secura, abotoando a jaqueta. Ela nem olhou para Heath. — Está pronta para ir, amor? — Heath tocou as costas de Kara com ternura e ela se afastou quase imperceptivelmente dele. — Claro. Desculpe interromper. — Kara agitou os dedos para Brett e abriu um leve sorriso, a cabeça claramente em outro lugar. — Não esperem acordadas, crianças... Se entendem o que estou dizendo — disse Heath enquanto ele e Kara desapareciam pelo corredor, o som de suas vozes sumindo até que o alojamento ficasse de novo em silêncio. Brett voltou para a cama, aliviada por ficar sozinha novamente com Jeremiah. — Esses dois são malucos. Jeremiah se deitou ao lado de Brett, colocando a mão em sua barriga e roçando o nariz em seu pescoço. — Parece que nosso Heath foi picado pelo mosquitinho do amor — disse ele, que fingiu morder o pescoço de Brett, fazendo-a tremer com a leve sensação de seus dentes em sua pele. — Viu os dois na festa de Halloween? — perguntou Brett, o coração palpitando enquanto as mãos de Jeremiah corriam pelo cós de seus jeans largos. — Eles estavam praticamente colados. — Desculpe por ter exagerado antes, sobre, sabe como é, sobre tudo. — Jeremiah se apoiou num cotovelo para se afastar um pouco e olhar nos olhos de Brett. — Eu não devia deixar que uns boatos idiotas me afetassem. Desculpe. — Não tem importância — disse Brett, olhando de lado. Agora sabia que um dia teria de esclarecer tudo, mas o olhar de alívio completo de Jeremiah — quem imaginava que Heath Ferro servisse para alguma coisa? — a convenceu do contrário. Não havia nada a dizer, concluiu ela, e mesmo que houvesse, que sentido tinha falar do passado? Jeremiah não precisava de um relato detalhado de cada coisinha que ela fez depois que terminaram. Algumas coisas eram só dela. Ela encostou os lábios nos dele e ele a envolveu com os braços musculosos, o cheiro de sua pele invadindo o nariz de Brett. Só precisava aguentar até sexta-feira.
estômago de Callie roncava tão alto que estava certa de que ouviriam na Waverly. Dois dias antes, jamais teria imaginado que estaria louca para devorar um prato cheio de costeletas de porco marrom-acinzentadas regadas de molho de maçã, mas suas mãos tremiam ao estenderem a bandeja na fila do jantar na noite de domingo. Ela se apoiou na esteira de metal da estação de serviço enquanto baixava a bandeja para deslizá-la como todo mundo, a exaustão dos trabalhos do dia pegando seu corpo como uma gripe. Ela sorriu quando a atendente da sala de jantar colocou um prato com um monte de comida nada apetitosa na bandeja de Callie. Não importava — para ela parecia deliciosa, e Callie estava mais feliz do que em todo o fim de semana. A sessão de terapia da véspera na verdade foi meio divertida. Depois disso, ela e algumas meninas se espremeram num canto e pensaram em maneiras de se vingar de Natasha por ser uma feitora de escravos — teriam uma excelente pegadinha se pudessem colocar as mãos em algum removedor de pelos de potência industrial para despejar em seu xampu. Callie pegou uma caixa de leite desnatado e se virou para encontrar um lugar na sala abarrotada. A Falsa Brett, cujo nome por acaso era Meri, abreviatura de Meredith, acenou para Callie. Ela abriu espaço no banco de madeira dura. — Obrigada — disse Callie, a voz mal passando de um sussurro. Sua bandeja bateu na mesa quando ela se espremeu entre Meri e uma mulher que Callie vira cortando lenha com um só golpe de machado. Seu nome ou era Julia, ou Julie. — Dá pra acreditar nessa gororoba? — perguntou Meri. Ela meteu o garfo numa costeleta e a ergueu como prova. — Acho que nunca ouviram falar de vegetarianismo no Maine. — Ela a largou no prato e enfiou com tristeza o garfo numa ervilha murcha. — O molho de maçã também é um nojo — acrescentou Julie/Julia. — Tem gosto de soda cáustica. Callie riu. — Eca. — O riso era bom, infiltrando-se por seu corpo cansado. Durante as atividades da tarde, Callie se concentrou no que precisava fazer para cortar Easy de sua vida. Não podia ser assim tão difícil — só o que precisava fazer era bloquear todas as boas lembranças que tinha dele e se concentrar nas más. Na verdade era muito mais fácil quando estava com as roupas de outra pessoa. Ela se sentia alguém totalmente diferente usando as roupas banais do Whispering Pines — o máximo de antiprincesa que se podia ser. Mastigou um pedaço grande de costeleta e a empurrou para dentro com leite, a carne salgada fazendo suas papilas arderem. Callie parecia ter acabado de descobrir a existência das papilas gustativas. As companheiras de jantar, futucando a comida e fazendo gozação de Natasha, pareciam mais normais do que ontem, quando todas foram banhadas em suas cores preferidas, falando de seus vícios. Agora Callie podia praticamente imaginá-las sentadas em
uma mesa no salão de jantar da Waverly, dissecando um dia de aulas ou alguma roupa infeliz de uma veterana irritante. — E então, está pronta para seu solo? — Talia perguntou em voz baixa à mesa. Todas pararam de mastigar ao mesmo tempo. — Que solo? — perguntou Callie. A voz retumbou no silêncio repentino. — Soube de uma mulher que foi ao bosque e nunca mais voltou. — Julia/Julie arregalou os olhos, maquiados sutilmente com o delineador proibido. Como foi que ela conseguiu isso? Se Callie não tivesse desmaiado tão rápido na primeira noite, talvez pudesse ter escondido parte de sua maquiagem Clinique debaixo do colchão. — Nunca a encontraram. — Ouvi Natasha falando de alguém que perdeu um dedo do pé por congelamento — disse Meri, olhando de banda para ver se Natasha podia ouvir. Por sorte, ela estava devorando satisfeita duas costeletas a uma mesa do outro lado da sala. — Peraí, do que vocês estão falando? — Callie baixou o garfo atravessado no prato ainda cheio. — A gente não deve falar sobre isso — alertou Julia/Julie. Meri assentiu, passando o dedo nos buracos vazios de brincos pelo alto da orelha esquerda. Callie de repente ficou nervosa de novo. — Se te pegarem falando nisso, vai ser pior para você. Eu descobri por mim mesma. — Meri olhou novamente para Natasha e para as atendentes da sala de jantar antes de pegar uma folha de papel dobrada dentro do sutiã. — O que é isso? — perguntou Callie, involuntariamente baixando a voz a um sussurro. Meri abriu a folha. Alguém tinha rabiscado um mapa rudimentar do terreno, acrescentando uma bússola numa tinta diferente. Um X enorme marcava um local ao norte do perímetro. — Achei isso debaixo de uma das pernas de meu catre — disse Meri. — O que é? — perguntou Julia/Julie. — Um mapa do tesouro? — Acho que quem deixou isso estava tentando nos instruir... Ou nos alertar — disse Meri, cheia de segredos, empurrando o papel para Callie. — Eu só queria te mostrar porque pode vir a calhar quando você estiver lá fora. — Lá fora? — sussurrou Callie. E por que Meri estava empurrando o mapa para ela? — É um teste. Eles a obrigam a entrar no bosque por uma noite sem comida nem água, nem roupas quentes, para ver se você pode aguentar. — Meri dobrou o mapa. — Use isso, Callie. Depois me devolva ou entregue a Julia, quando você terminar. — Você vai amanhã à noite — Julia — graças a Deus alguém finalmente disse o nome dela — explicou a Callie. — Trabalho no escritório de Amanda à tarde e vi o cronograma. — Escritório de Amanda? — perguntou Callie, babando mentalmente ao pensar na conexão com a Internet. — E onde fica? — Bem colado no saguão. Quando a gente entra. — Julia se recostou na cadeira, parecendo mais relaxada do que Callie se sentia. — Quando é que eu vou? — perguntou Meri, com um toque de pânico na voz. Julia balançou a cabeça. — Eu só vi o de amanhã — disse ela, os olhos disparando pela sala de jantar, que começava a se esvaziar, as internas indo para as camas para descansar as cabeças. Callie teria dado qualquer coisa para se enroscar num sofá fofo com a manta Ralph Lauren de cashmere e um saco de pipoca queimada, cochilando enquanto via um pouco de TV. Era noite de domingo e ela tinha certeza de que agora as meninas no Dumbarton faziam exatamente isso, de pijama, brigando pelo controle remoto. Callie sentiu uma saudade imensa de todos eles.
— Mas começou a nevar quando terminamos as atividades da tarde — protestou ela. — E se nevar daqui até lá? Não podem me mandar pra lá, né? Julia olhou-a com advertência, como quem diz, Não conte com isso. — A propósito, sua mãe ligou hoje para saber como você está. Callie semicerrou os olhos. — Ela ligou para cá? — Ela e Natasha conversam todo dia — respondeu Julia, assentindo. Ela empurrou a poça de molho de maçã pelo prato e olhou com malícia para Callie. — Você realmente usou um cheque da sua mãe para pagar seu traficante? Os olhos de Callie se esbugalharam. Seu traficante? E então ela entendeu. Ela disse à mãe que precisava daquele cheque gordo para a Miller Farm Foundation para ajudar uma amiga a sair de uma enrascada. Mas era exatamente isso que as pessoas diziam quando precisavam de dinheiro para pagar os traficantes de drogas! Sempre era para uma amiga. Seus olhos percorreram a sala, percebendo pela primeira vez os olhares de ansiedade das outras mulheres, os tiques nervosos. Ela pensou na sessão de terapia com Natasha e no vício em roubo de Meri. AimeuDeus. Ela estava na reabilitação? — As luzes se apagam em 15 minutos — berrou Natasha, e o resto das internas correu para terminar o jantar e voltar a seus quartos antes que caísse a escuridão. — Toma, pegue isso também — disse Meri, empurrando pela mesa um chaveiro de diamantes com um pé de coelho. — Pra quê? — perguntou Callie, levantando a bandeja. Meri hesitou. — Pra dar sorte. — É, boa sorte — disse Julia ao se levantar da mesa. Callie olhou o pé de coelho. Queria perguntar a Meri se ela o havia roubado, mas isso não tinha a ver com a questão. A Waverly parecia muito distante, como nunca. Pegou o amuleto e o colocou no bolso do macacão, rezando para jamais precisar dele.
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De: HeathFerro@waverly.edu Para: BrandonBuchanan@waverly.edu; AlanStGirard@waverly.edu; EasyWalsh@waverly.edu; JeremiahMortimer@stlucius.edu; RyanReynolds@waverly.edu; LonBaruzza@waverly.edu; Data: Segunda-feira, 04 de novembro, 11:15h Assunto: E aí! Atenção, todos os membros do BoW, Vamos nos dar uma baita tapinha nas costas por nossa primeira reunião de sucesso. Parabéns! Bom trabalho, todos vocês, fingindose de sérios para Marymount. Próxima reunião a ser anunciada em breve. Alguém assuma a responsabilidade pelos refrescos, por favor. Como gostaria que nosso grupo providenciasse um ambiente seguro e aquecido para conversarmos sobre nossos problemas, sugiro que, em homenagem a Brandon, todos façam a gentileza de levar à próxima reunião o cobertor de bebê preferido. (E se alguém mais dormiu com ele até ter 11 anos, conte a Brandon para ele não se sentir tão esquisito, Ok?) Bow-wow-wow! Afetuosamente, HF
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De: BrettMesserschmidt@waverly.edu Para: SebastianValenti@waverly.edu Data: Segunda-feira, 04 de novembro, 14:19h Assunto: Último aviso Sebastian, Este é meu último aviso antes de eu ter de contar à Sra. Horniman que você não está disposto a cooperar. Não sei por que você anda me evitando — só estou tentando ajudar, mas se tiver problemas comigo, talvez deva conversar com a Sra. Horniman e ver se ela pode arrumar outra monitora com quem você se dê bem. Caso contrário, me informe quando será uma boa hora para nos reunirmos esta semana. BM
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De: CallieVenon@waverly.edu Para: TinsleyCarmichael@waverly.edu Data: Segunda-feira, 04 de novembro, 14:19h Assunto: SOS!!! T, AimeuDeus, você tem que me ajudar. Consegui entrar no escritório daqui e só tenho um segundo. A mamãe me mandou para um acampamento de reabilitação de guerra no Maine — Whispering Pines ou coisa assim. Acham que eu sou uma drogada! Vão me mandar para o bosque numa noite de nevasca — eu posso, tipo, morrer. Socorro! C
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AlanStGirard: Aí, é verdade o que seu melhor amigo está dizendo do colega de quarto dele? KaraWhalen: Hein? O que ele está dizendo? AlanStGirard: Que Brandon dormiu com um cobertor de criança até a quinta série! Isso é tão gay. KaraWhalen: Ele te disse isso? AlanStGirard: Pra todos os manos BoW. Acho que não existe segredos entre nós! KaraWhalen: Parece mesmo que não.
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SageFrancis: Hmmm, perguntaram a vc sobre o cobertor de criança de Brandon? KaraWhalen: Sim! Tem três chances de adivinhar quem foi. SageFrancis: O Brandon vai MATAR o cara... KaraWhalen: Não se eu matar primeiro.
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KaraWhalen: Precisamos conversar. HeathFerro: Qualquer coisa por você, amor. Antes do jantar? KaraWhalen: Na escada do Maxwell. Agora. HeathFerro: Está tudo bem? KaraWhalen: Td bem?
om as pálpebras pesadas de sono, Jenny se demorou na sala de estar na segundafeira depois da aula. Estivera evitando ao máximo seu quarto no alojamento, sem querer ser lembrada do piquenique idiota com Drew na véspera. Depois de sair num rompante do quarto, ela se entocou na lavanderia, sentada numa secadora, lendo um exemplar amarelado de O morro dos ventos uivantes que fora abandonado ali anos antes. Ficou ali até o término do horário de visita e pôde ouvir os passos pesados de Drew descendo a escada e saindo pela porta da frente. Foi covardia dela não confrontá-lo, mas não queria fazer uma cena, tirando as meninas de seus quartos no Dumbarton para ouvir toda aquela gritaria. Além disso, não importava realmente o que ele tivesse a dizer. Afinal, ele era só um babaca. E ela quase dormiu com ele. Jenny estremeceu na sala de estar, perguntando-se por que Pardee tinha de ser tão sovina com o aquecimento. Ela apertou o cardigã de algodão mesclado CeCe e enfiou os pés sob o corpo no sofá de veludo azul. Nunca na vida se sentiu tão idiota — nem quando Easy a largou para voltar para Callie, nem quando Julian lhe contou que tinha ficado com Tinsley. O nojo tomava conta de seu corpo. Easy e Julian; o que quer que tenham feito de errado, é claro que não pretendiam fazer mal a ela. Drew evidentemente só tinha uma coisa em mente. Estava louca para contar a Callie, mas a garota estava Deus sabia onde. Jenny achou que ela voltaria na noite anterior, mas ainda não tinha voltado do fim de semana. Será que ela não precisava ir à aula de hoje? Jenny nunca imaginou que voltaria a ficar ansiosa para conversar com Callie, mas estava dominada pela necessidade de limpar a barra e agradecer profusamente por salvá-la de quase ser expulsa. Por que Callie não contou nada? — Vai jantar? — Jenny viu Alison Quentin parada na frente dela, no meio da sala. Ela abotoou o longo casaco branco e colocou um gorro de tricô no cabelo preto e sedoso. — Vamos. O jantar era a coisa mais distante do mundo na mente de Jenny. — Er, não estou me sentindo muito bem. Vou pegar um lanche depois. Alison tombou a cabeça de lado, preocupada. — Vou te trazer uma maçã. — Ela acenou com sua luva vermelha enquanto desaparecia pela porta. Com um suspiro pesado, Jenny se levantou do sofá confortável. O que estava fazendo, toda deprimida por causa de um idiota como Drew? A raiva correu por suas veias. Ia vestir uma roupa legal e iria para o salão de jantar, decidiu Jenny, e com sorte esbarraria em Drew. Daria um fora nele na frente de todo mundo. A ideia lhe trouxe um sorriso aos lábios pela primeira vez naquele dia.
Jenny foi para o saguão e tomou um susto ao ver Tinsley indo para a porta, vestida num casaco Patagônia vermelho e botas de caminhada. Ela enrolou um grosso cachecol creme no pescoço, fechando o casaco até em cima. De repente Jenny se lembrou de que Tinsley tentara lhe avisar sobre Drew — o que foi legal, e surpreendente, considerando que Tinsley tentara fazê-la ser expulsa da escola. — Oi. — Jenny enfiou as mãos nos bolsos do jeans e tentou aparentar despreocupação enquanto Tinsley se aproximava. Os olhos violeta de Tinsley faiscaram para ela. — Soube alguma coisa sobre Callie? — Por quê? — perguntou Tinsley com uma voz gélida. Ela brincou com os restos de um bilhete de teleférico de esqui no zíper do casaco. Todo mundo sabia que a família dela tinha uma casa nos Alpes suíços, onde podiam calçar os esquis, sair pela porta da frente e descer as montanhas. — Ela ainda não voltou. — Jenny cruzou os braços no peito exageradamente grande, sempre consciente disso na frente da Tinsley de proporções perfeitas. Tinsley ergueu as sobrancelhas escuras e pegou no bolso um tubo de protetor labial Burt’s Bees. — E você se importa? — perguntou ela, passando o batom nos lábios. — Ela é minha colega de quarto. — Jenny soprou uma mecha de cabelo dos olhos. Na verdade, ela estava meio grata pela ausência de Callie o fim de semana todo, porque graças a isso ela pôde ficar a sós com Drew, mas agora só queria a colega de volta. — Eu me importo, tá legal? Tinsley semicerrou os olhos violeta para Jenny, surpresa com o tom de franqueza. Quem essa garota pensava que era? Roubou o namorado de Callie, depois roubou o namorado de Tinsley, depois roubou todo mundo — e ainda tinha a coragem de dizer que se importava com Callie? Em qualquer outra hora, Tinsley teria dado uma encarada gelada em Jenny para que ela soubesse que era tão importante quanto um fiapo de linha no bolso de seu jeans Rock & Republic. Mas os recentes acontecimentos — encimados pelo bolo de suas companheiras Owls na exibição do Cinephiles — abalaram a confiança de Tinsley. Ela olhou Jenny de cima. — Recebi um e-mail desesperado de Callie — Tinsley falou com sinceridade. Colocou o cabelo atrás das orelhas e olhou nos olhos arregalados de Jenny. — Ela está bem? — Jenny levou as mãos ao rostinho bonito, preocupada. — Não. — Tinsley olhou o rosto sardento de Jenny. Perguntou-se o que a Pequena Miss Inocente tinha feito com Drew, ou melhor, o que Drew tinha feito com ela. — Ela não está num spa. Recebi um SOS do acampamento de tortura no Maine onde está presa e vou até lá para pegá-la. — Tinsley deixou que essa última parte fosse apreendida. Era isso mesmo. Callie pediu a ajuda de Tinsley, e não de Jenny. — Eu também vou — respondeu Jenny rapidamente, já indo para a escada. — Deixa eu pegar meu casaco. — Er, não. — Tinsley balançou a cabeça, incrédula. — Você não vai comigo. — De jeito nenhum, ela queria acrescentar. — E por que não? — perguntou Jenny com a mão no corrimão. Tinsley deu de ombros. — Porque eu te odeio. E tenho certeza de que você me odeia também. O rosto pequeno de Jenny se franziu. — E como vai chegar ao Maine? Verena Arneval e Benny Cunningham desceram correndo a escada num redemoinho de cabelos e cachecóis esvoaçantes.
— Vão jantar? — disse Benny sem fôlego ao abrir a porta da frente, deixando entrar uma lufada de ar frio. Jenny e Tinsley só se encararam, os olhos suaves e castanhos de Jenny recusando-se a ceder. — Não — disse Tinsley para Benny, apenas virando o rosto. A porta se fechou nas costas das meninas. — Vou pensar num jeito — Tinsley garantiu a Jenny, embora ainda não tivesse pensado em nada. Tinha procurado Whispering Pines no Google e encontrado as dicas de como chegar lá — e uma lista de críticas de clientes aconselhando a jamais ir para essa clínica de reabilitação, a não ser que você soubesse fazer fogo com duas varetas. Mas ela ainda precisava chamar um carro ou algo assim para chegar lá — e era improvável que algum táxi a levasse numa viagem de seis horas. — Conheço alguém que tem carro — insistiu Jenny. Tinsley semicerrou os olhos. — Quem? — Vou te contar no caminho. — Jenny disparou para a escada, triunfante. — Fechado? — Ela gritou para baixo, a voz ecoando no poço da escada. As palavras não, droga estavam nos lábios de Tinsley, mas só o que ela pôde fazer foi assentir. Derrotada por Jenny de novo. Jenny reapareceu um minuto depois, desta vez com um casaco vermelho-vivo que parecia muito Old Navy e Keds cor-de-rosa minúsculos. — Vamos. — Tinsley seguiu Jenny pelo campus até o estacionamento dos veteranos. — É o Mustang preto. — Jenny apontou enquanto elas passavam. — Eca. O carro de Drew? — Tinsley olhou para Jenny. — Não, é do colega de quarto dele. — A voz de Jenny era amarga e colérica, e por um segundo Tinsley se perguntou se as coisas tinham fracassado tão rapidamente com Drew. Ela olhou a segundanista baixinha enquanto iam até o Baxter, um dos alojamentos masculinos dos veteranos. Uma onda de triunfo passou por ela. Ela a tinha avisado sobre Drew e era ótimo ter razão. Mas o que exatamente ele fez para escandalizar a Pequena Miss Inocente? Tinsley olhou Jenny subir a escada da frente do Baxter, abrir a porta e andar confiante pelo corredor como se fosse a casa dela. Tinsley a seguiu, meio impressionada. Jenny bateu o punho numa porta de carvalho simples no primeiro andar. Por um instante constrangedor, Tinsley olhou as paredes verde-claras e pensou num cara chamado Jamie que uma vez a agarrou neste mesmo corredor. A porta se abriu e um cara atraente com cabelos pretos e molhados olhou grogue do quarto escuro, só de toalha. Seus olhos estavam avermelhados — ou de dormir ou de embriaguez séria — e então o cheiro de maconha atingiu a cara de Tinsley. — Olá, senhoras. — O sujeito com cara de sono e peito sarado semicerrou os olhos para elas pela escuridão. Tinsley não pôde deixar de apreciá-lo. Agora se lembrava dele — um veterano metido do tipo encrenqueiro que andava principalmente com sua própria turma, mas aparecia de vez em quando para entrar de penetra nas melhores festas da Waverly. — Parece a realização de um sonho. — O Drew está aí com você? — perguntou Jenny, nervosa, espiando em volta dele. Sebastian, Tinsley se lembrou. Com um nome desses, como era possível se enganar? Que pena que ele era meio seboso demais para o gosto dela. Mas carro era um ponto positivo. Seb reprimiu um bocejo e apertou a toalha na cintura. — Eu pretendia perguntar a você... Acho você boa demais para aquele imbecil.
— Me conte uma coisa que eu não saiba. — Jenny revirou os olhos. — Olha, a gente precisa de um favor. — Eu faço favores. — Seb olhou Jenny, depois se virou para Tinsley, observando-a dos pés à cabeça de maneira tão fascinada que ela quase riu. — Por que vocês não entram e conversamos sobre isso? — Na verdade... — Jenny mordeu o lábio com inocência, claramente fazendo o jogo da garota indefesa. — Precisamos do seu carro emprestado. — Ela balançou a cabeça muito de leve, deixando que o cabelo escuro caísse em ondas na luz fraca do corredor. Tinsley franziu a testa de incredulidade. Será que Jenny fez isso de propósito? Tudo nela parecia tão pouco calculado. Isso irritou Tinsley. — De jeito nenhum. — Ao que parecia, não foi o suficiente para convencer Seb. Ele segurou a beirada da porta aberta com as duas mãos e balançou a cabeça. — Por mais que eu odeie dizer não a meninas lindas que aparecem na minha porta precisando de ajuda, isso eu não posso fazer. — É uma emergência. — Tinsley avançou um passo, desejando estar vestindo alguma coisa mais sedutora do que o casaco de esqui acolchoado. Odiava ser reduzida a uma pedinte, mas sem um carro não havia como chegar ao Maine numa noite de segunda-feira. O último ônibus saíra de Rhinecliff havia horas e só haveria outro pela manhã. E como exatamente ia resgatar Callie de ônibus, aliás? — O que vocês podem fazer por mim? — perguntou Seb sugestivamente. Tinsley sorriu com doçura para ele. — Er, que tal eu não te dar um chute na bunda? — ela perguntou com uma combinação letal de mel e veneno. — E vamos encher o tanque quando terminarmos — propôs Jenny, rindo. — O acordo é esse. Seb suspirou e Tinsley sabia que ele estava dividido. Ela baixou a voz e olhou bem em seus olhos castanhos e fundos. — Olha, a gente fica te devendo uma... Tá legal? — Ah, Deus. — Ele passou a mão no cabelo preto e denso, depois o deixou cair na testa de um jeito sedutor. Sorriu para Tinsley, aparentemente pensando em todas as formas com que elas podiam pagar. — Encontro vocês no carro. — Ele examinou o rosto das duas pela última vez. — A não ser que uma de vocês queira ajudar a me vestir. — Encontramos você no carro. — Tinsley abriu um sorriso malicioso para ele e puxou o casaco de Jenny. A porta se fechou e as duas meninas voltaram para o estacionamento em silêncio, a respiração formando nuvens de vapor no ar gelado da noite. — Eu dirijo — disse Tinsley com firmeza. De jeito nenhum ia colocar a vida nas mãos de Jenny. Jenny riu e olhou de lado para Tinsley. — Ótimo. Eu não sei dirigir mesmo. A confissão pegou Tinsley desprevenida e ela soltou uma risada. — Acho que isso resolve tudo. — Ela parou. — Como é que você não sabe dirigir? Jenny sorriu e deu de ombros. — Só tenho 15 anos — respondeu ela. — E fui criada em Nova York. Mas posso ser a navegadora. E DJ. — Nada de papinho meloso — avisou Tinsley. Jenny torceu o nariz num sorriso enquanto Seb se aproximava com jeans pretos e jaqueta de lã preta atirada no peito nu. Ele sacudiu as chaves do carro.
— Se voltar com um arranhão... — ele as avisou. — Tá, tá — disse Jenny. — A gente sabe. — E tratem de contar a sua amiga Ruiva que eu sou um cara muito legal. — Seb recuou, vendo as meninas entrarem no carro. Jenny piscou; ele conhecia Brett de algum lugar? Era por isso que estava emprestando o carro? O interior do carro cheirava a colônia barata e fritas gordurosas do McDonald’s. Jenny abriu um pouco a janela. Ela nem acreditava que tinha concordado em passar horas e horas presa num carro — neste carro — com Tinsley. Mas era por Callie. O cérebro de Jenny ainda disparava para entender o fato de que era Callie que a salvara. Jenny se ajeitou no banco do carona, olhando a caixa de CDs, como tinha feito quando Drew a levou para passear. A lembrança de Drew, conversando e rindo com ela, levando-a a crer que era seu salvador quando na verdade era só um depravado, deu-lhe dores no estômago. Ela olhou para Tinsley. Seu perfil de porcelana perfeito estava atento à rua e Jenny se perguntou pela primeira vez como Tinsley se sentiu quando descobriu sobre ela e Julian. Será que ficou irritada e ofendida por ele ter preferido uma aluna do segundo ano a ela... Ou ficou magoada? Como se sentisse o olhar de Jenny, Tinsley a olhou rapidamente. — Que foi? — ela rebateu com raiva, tamborilando as unhas bem-cuidadas no volante. — Alguma dificuldade para ligar o CD player? Bom, vamos às novas lembranças, pensou Jenny, e ligou o rádio. E sem meninos — pelo menos por algumas horas.
randon olhava o laptop com as mãos sobre o teclado. Devia saber muito bem que não podia confiar um segredo a Heath Ferro — em especial um segredo constrangedor como o do cobertor de bebê. Mesmo que Sage achasse fofo, não precisava de cada um no campus fazendo piada disso. E se Sage se cansasse das perguntas maliciosas, querendo saber se Brandon precisava ou não do cobertor quando eles namoravam, e decidisse que a relação não valia o esforço? Brandon afugentou a ideia desagradável e se concentrou no mais recente rascunho de seu e-mail de retaliação, o quarto naquela manhã: Arf, arf, membros do BoW. Se não quiserem seus tacos com uma borda de mijo... Brandon odiava como ficava no e-mail — sempre soava cretino. Frustrado, apertou o botão delete, vendo as palavras sumirem. A porta se abriu atrás dele e Brandon girou o corpo, surpreso ao ver Heath em pessoa parado no tapete marrom-escuro de Brandon. Estava completamente ensopado, com uma expressão confusa, como se tivesse perdido a memória e não soubesse quem era ou onde estava. — E aí — Brandon resmungou num tom neutro antes de voltar ao computador. Era melhor que Heath não soubesse quando alguém estava irritado com ele. Isso apenas o inspirava a causar ainda mais irritação. Heath não respondeu e se jogou na cama, de roupa molhada e tudo. Brandon o olhou, curioso. Gotas de água escorreram de seu cabelo pelo pescoço. A pele parecia pastosa e a expressão convencida de sempre tinha sido substituída pelo assombro. Brandon correu o e-mail na tela. — O que é que tá pegando? — perguntou ele, sem estar de fato interessado na resposta. — Cara. — Heath sufocava com as palavras. — A Kara acabou de terminar comigo. Um arrepio desceu pelas costas de Brandon. — Do que você está falando? — perguntou ele, querendo saber mais, mas sem querer parecer ansioso. — Ela terminou comigo agora — repetiu Heath em voz baixa. — Agora mesmo. Na escada do Maxwell. Brandon absorveu o que Heath dizia. Não conseguiu deixar de se perguntar se era uma espécie de piada complicada e podia sentir o corpo se preparando para o desfecho. — O que ela disse exatamente? Heath olhou o gramado pela janela, como se repassasse a cena toda. — Ela disse que eu era... — Ele não conseguia pronunciar as exatas palavras. — Ela disse que meu e-mail sobre você e seu cobertor a lembrou de quando eu a sacaneava. — A confissão aparentemente não trazia arrependimento nem reflexão pessoal. A simples declaração flutuou pelo quarto e morreu no ar rançoso.
Então porque você disse isso?, Brandon queria perguntar. Sentiu a fraqueza de Heath e estava prestes a aproveitar a oportunidade para criticar sua completa desconsideração pelos sentimentos dos outros. Mas olhar para Heath lhe disse que não era necessário. Nunca vira o colega de quarto tão abalado. Eles estavam em território desconhecido e qualquer coisa podia acontecer. — Que coisa chata — foi só o que Brandon pensou em dizer. Coçou o tornozelo com a ponta do mocassim John Varvatos. Heath passou as mãos no cabelo. — Ela disse que não estava a fim de mim como namorado. Disse que me achava mais um amigo divertido. Dá pra acreditar nisso? — Caraca. — Brandon se levantou da mesa e se sentou na colcha Ralph Lauren xadrez azul-marinho, levando o laptop. O Heath com Kara não era exatamente o Heath que todo mundo na Waverly conhecia e adorava — ou odiava. Ele ficava tão meigo com Kara, tão afetuoso. Mas ao que parecia, com a história do lançamento de xixi e a revelação do cobertor de bebê, ainda havia o bastante do velho Heath para desanimar a namorada. Brandon olhou as cuecas samba-canção Calvin Klein amassadas de Heath se acumulando em volta de sua cama, pensando que cinco minutos antes ele estava pronto para dar na cara dele. Afinal, este era Heath Ferro, que não pensava em ninguém, só em si e em seu pênis, que Brandon desconfiava de que ele batizara de Bruno, depois de entreouvir Heath falando no chuveiro. Mas Heath agora parecia alguém inteiramente diferente. Brandon suspirou e fechou o laptop. Reclinou-se na cama, encostado na parede. — Talvez ela só quisesse dizer que agora não quer sair com ninguém — propôs ele, incapaz de ver o sofrimento verdadeiro de Heath. Heath abriu um meio sorriso — como se tentasse acreditar em Brandon —, mas seu rosto se fechou de imediato. — Ela não disse que não quer um namorado. — Heath esfregou as mãos na cara. Sua voz era abafada. — Disse que eu não prestava como namorado. — Não prestava como namorado? — Brandon coçou a cabeça. Isso não parecia sair da boca de uma menina, especialmente de Kara. — Mas isso é besteira — continuou Heath. — Sou um ótimo namorado. Quero dizer, eu podia ser um ótimo namorado. É claro que não sou um artista como Easy nem nenhum daqueles outros fodidos... — Sua voz se elevou duas oitavas e falhou. — Acho que querer ser um namorado melhor é o instinto certo — disse Brandon, pegando um lenço de papel da caixa de Kleenex na mesa de cabeceira e se perguntando se constrangeria Heath se entregasse a ele. Mas ele precisava mesmo assoar o nariz. — Você disse isso a ela? Heath balançou a cabeça numa negativa. — Eu não sabia o que dizer — admitiu ele. — É bom dizer às pessoas o que você sente — aconselhou Brandon. Ele pôs o lenço de lado, concluindo que Heath não estava preparado para esse tipo de gesto. — Especialmente alguém como a Kara. Você não tem que ser implicante o tempo todo. — As pessoas gostam mais de mim quando sou implicante — disse Heath, deixando a cabeça cair nas mãos. — Elas sempre esperam que eu dê um show quando estou presente. Então é o que dou a elas. — Bom, tá certo. — Brandon teria dado seu testículo esquerdo para que Heath parasse de dar um show o tempo todo. Ele pegou uma camisa de squash da Nike ao pé da cama — o único item no chão que pertencia a ele — e a atirou tranquilamente no cesto de roupa suja da Pottery Barn. — Mas você confundiu tudo. Como em qualquer coisa, você precisa ter
moderação. Fica mais divertido, não entende? — Brandon nem acreditava nas palavras que escapavam de seus lábios. Mas havia algo naquela conversa sincera que também o fazia se sentir melhor. — É, mas ela ria de todas as minhas piadas — queixou-se Heath. Por fim, ele se levantou e tirou o moletom molhado da Waverly, deixando-o cair numa pilha ao lado da cama. — Eu pensei que a gente estava se dando bem. — Rir demais faz você chorar — disse Brandon, repetindo algo que ouviu num clip muito divulgado do Dr. Phil no YouTube. — Kara é sensível — continuou ele. — Quero dizer, todo mundo tem um lado sensível. Até você. — Ele não sabia exatamente aonde ia chegar com isso, mas queria que Heath admitisse que tinha um lado sensível. Um passo na direção certa. — O que você faria? — perguntou Heath, sem rodeios. — Só a esqueceria? — O que diz o seu instinto? — perguntou Brandon. — Eu só... gosto demais dela — disse Heath, murchando. O ar pareceu lhe faltar. — Não faço a menor ideia. Na verdade eu... — As palavras de Heath sumiram e lá fora o sol mergulhou abaixo das nuvens, lançando uma palidez cinzenta no quarto silencioso. O primeiro brilho de lágrimas apareceu nos cantos dos olhos de Heath, e Brandon atravessou o quarto, passando-lhe um lenço. Heath o pegou, agradecido. — Então... Prove a ela que você é mais do que ela pensa. — Brandon tossiu, voltando a seu computador por um segundo. Puxou o e-mail novamente e apertou o botão delete, vendo sua tentativa de retaliação desaparecer da tela. — E eu vou te ajudar no que puder — disse ele, falando com sinceridade. — Mas sem piadas de cobertores. — Tá legal — falou Heath. Ele ergueu o mindinho no ar. Brandon estendeu a mão e cruzou o dedo mínimo no do colega de quarto. Esse gesto um tanto ridículo o fez se sentir mais másculo do que nunca.
enny girou o controle do sistema de som do Mustang, procurando por uma boa emissora. Agora que tinham atravessado a divisa do estado, era impossível achar uma que não tivesse falação ou estática. A noite escura envolvia o carro e Tinsley segurava o volante, concentrada na estrada, os faróis lançando arcos amplos pela rodovia vazia. As luzes do painel eram vermelhas e roxas, e Jenny se sentia numa espécie de nave espacial high-tech. Jenny tinha prova de latim no dia seguinte, e fichas de estudo, em que ela quase não anotara nada, sem falar de ter tempo para olhar, estavam no bolso. Mas nada disso importava. Elas iam resgatar Callie. Jenny ainda não processara tudo o que Callie fez por ela — nem por quê —, mas Callie de repente virou uma espécie de parente precisando desesperadamente de ajuda. — Desista — disse Tinsley, despertando Jenny de seus devaneios. Ela se recostou no banco de couro, derrotada. Uma carreta passou por elas à esquerda, sacudindo o carro de Seb. Uma chuva leve começou a cair enquanto elas corriam pela Route 90 para Boston. — Experimente um CD ou coisa assim. — Sem tirar os olhos da estrada, Tinsley habilidosamente pegou um Pall Mall no maço meio amassado, acendeu e abriu um pouco a janela, o cheiro de fumaça tomando o interior do carro. — Tudo bem, tá legal. Calma. — Jenny escolheu ao acaso um CD e o enfiou no som. Os primeiros acordes dos Raves começaram, e Tinsley aumentou o volume, batendo a mão livre no volante. — Eu vi esses caras numa festa quando eles estavam começando — Tinsley se gabou. — É mesmo? — perguntou Jenny secamente. Por que Tinsley achava que cada experienciazinha que teve era de grande interesse de todos? E por que ela sempre era a primeira a fazer isso, ou a primeira a saber daquilo, como ter uma nova marca de roupas, ou ver uma banda antes que ela ficasse cool? — Eu saía muito com eles quando gravaram o último disco. Até fiz uma turnê com eles — Jenny se gabou também. Engole essa, Tinsley. — Legal. — A voz de Tinsley era indiferente, como se ela não se desse ao trabalho de ser cética com a história de Jenny. Isso irritou Jenny ainda mais. É verdade!, ela queria gritar. Ela olhou as orientações do Mapquest no colo, segurando o papel no alto numa tentativa de ler no escuro. Era muito mais fácil quando se morava num lugar onde o metrô — ou um táxi podia levar você exatamente aonde queria ir. Mesmo quando se estava a pé, sempre se sabia onde estava, porque as ruas formavam uma grade. — Acha que ainda estamos no caminho certo? Tinsley bufou. — Bom, a navegadora é você, não é?
— É, bom, é meio complicado ler no escuro — rebateu Jenny. Antes, Tinsley tinha gritado quando Jenny tentou acender a luz interna. — Então veja se tem uma lanterna no porta-luvas. Ela tem que ser uma cretina o tempo todo? Jenny abriu o porta-luvas, revelando um compartimento transbordando de lixo. — Então é assim que ele mantém o carro tão limpo — Jenny suspirou enquanto objetos ao acaso caíam para fora. Ela pegou dois tubos idênticos e apertou os olhos para eles, tentando ler os rótulos. — O que é isso? — perguntou Tinsley com curiosidade, alternando entre olhar a estrada e dar uma olhada de lado para os pés de Jenny. O S de metal na corrente de prata do retrovisor balançava quando elas faziam uma curva na estrada. — Gel capilar. Dois tubos. — Jenny riu, erguendo um tubo vazio com uma foto de um homem de topete. — Acho que Seb não passa sem eles. — Meu Deus, dá para sentir o cheiro daqui — Tinsley reclamou. — Coloque de volta. Jenny atirou os tubos no porta-luvas, ainda procurando uma lanterna. Puxou uma caixa branca meio amassada que estava no caminho, tentando ler as palavras gravadas, H. CHUTE STATIONERS. Tá legal, como já estava xeretando... Levantou a tampa e encontrou uma foto de Seb abraçado a uma mulher mais velha, os dois parados em um gramado vasto, verde e banhado pelo sol. — Um dedo decepado? — perguntou Tinsley. Ela deu um último trago no cigarro e atirou a guimba pela janela. — Acho que é uma foto de Seb com a mãe. — Jenny tirou de seu ninho a foto no portaretrato de prata. Quase a deixou cair quando ouviu um zumbido eletrônico e uma voz de mulher disse, “Estou orgulhosa de você, querido. Sentimos sua falta”. Um momento de silêncio caiu no carro enquanto as duas meninas reprimiram o impulso de rir. — Ela fala — Tinsley deu uma risadinha. — É um porta-retrato falante. — Jenny olhou a foto de novo, pensando que Rufus faria algo igualmente doce e brega, embora provavelmente tivesse gravado uma declaração muito mais biruta, tipo, “Meu botãozinho de petúnia, você sabe que é a cobertura de meu muffin de banana com chips de chocolate. Continue assim”. A gravação da mãe de Seb lhe parecia normal e meiga. — Isso é muito fofo. — Ou não — disse Tinsley com secura, parecendo entediada. Ela apertou replay no CD player com o dedo médio — que tinha de ser dirigido a Jenny — e a música que elas acabaram de ouvir recomeçou. Jenny recolocou o porta-retrato em sua caixa e fechou a tampa, aninhando o pacote no fundo do porta-luvas. A chuva tinha engrossado em neve e os flocos beijavam o para-brisa, lampejando momentaneamente e derretendo em minúsculas pegadas de patas. As árvores lá fora ficavam cada vez mais esparsas e de repente a sombra de florestas densas apareceu dos dois lados. Jenny não pôde deixar de se perguntar se Tinsley a estaria levando para uma parte remota do bosque a fim de matá-la, deixando o cadáver para que alguém o encontrasse na primavera, depois que a neve derretesse. — Os pneus não estão aderindo nem um pouco à estrada — reclamou Tinsley com um bocejo, querendo ter pensado em parar para um café quando ainda podia, antes de caírem na imensidão escura de sabe-se lá onde estavam. — Queria que ele tivesse gastado um pouco mais nos pneus e um pouco menos em gel capilar. — A estrada não era assim tão ruim, mas sabia, pelo modo como Jenny ficava olhando o mapa a cada cinco segundos, que ela era uma passageira nervosa. Era bom que tivesse mais medo. Estava bancando tanto a poderosa nas
últimas semanas; e só porque Tinsley se dignou a permitir que ela a acompanhasse, não queria dizer que as duas eram grandes amigas. Tinsley olhou o relógio. Não estavam nem na metade da viagem. Depois do dia terrível — dos dias terríveis — que ela teve, o último lugar em que queria estar era sentada num carro escuro com a baixinha Jenny Humphrey, a origem de pelo menos metade de seus problemas. Mas Callie precisava dela. A humilhação do Cinephiles ainda a magoava e era bom ser necessária. Não ia deixar Callie na mão, mesmo que tivesse de dirigir a noite toda com aquela segundanista e ladra de namorados irritantemente animada a reboque. Tinsley olhou pelo retrovisor, passando para a pista da direita para deixar um Escalade em alta velocidade ultrapassar à esquerda. O carro preto movia-se como uma sombra pela noite de inverno, borrifando uma névoa de chuva e neve no para-brisa. Jenny tombou a cabeça na janela embaçada do carona e pareceu cochilar. Tinsley ficou meio impressionada que ela quisesse vir junto. Seu pedido pegou Tinsley desprevenida, e embora a ideia de passar seis horas no carro com Jenny fosse quase tão agradável quanto a ideia de ter uma manicure com lixas e separadores sujos, ela ficou meio feliz por Jenny insistir em vir. Tinsley odiava dirigir a noite, em especial sozinha, embora nunca fosse confessar isso a Jenny. A neve caía a uma velocidade cada vez maior, chegando como confete, lembrando-a das paradas de rua em Johannesburg, quando Cheido a levou. Queria estar num lugar quente, longe do frio eterno que parecia grudar na Waverly nessa época do ano. Elas iam para o norte, para uma área ainda mais fria, ela sabia. Tinsley ligou o aquecedor, roçando na bola oito que Seb tinha colocado no lugar da alavanca de câmbio. O ar quente soprou na cara de Tinsley e suas pálpebras ficaram pesadas. A estrada passava em pinceladas de asfalto preto e tinta amarela. Pensou em Callie, presa no meio do Maine nevado, no lugar esquisito de recuperação a que a mãe a mandou. Ela pisou no acelerador, tentando encurtar a distância entre elas, na esperança de chegar ao Maine ao amanhecer. — De repente a gente pode fazer um jogo ou coisa assim — sugeriu animadinha a Pequena Miss Mongaphrey, levantando a cabeça. Tinsley aumentou o volume do som. — Cala a boca — disse ela num suspiro, com os olhos na estrada.
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De: BrandonBuchanan@waverly.edu Para: HeathFerro@waverly.edu; AlanStGirard@waverly.edu; RyanReynolds@waverly.edu; LonBaruzza@waverly.edu; JeremiahMortimer@stlucius.edu; TeagueWilliams@waverly.edu; EasyWalsh@waverly.edu; Data: Segunda-feira, 04 de novembro, 18:17h Assunto: BoW Levem a bebida. N達o precisa de cobertores. Brandon
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De: SebastianValenti@waverly.edu Para: BrettMesserschmidt@waverly.edu Data: Segunda-feira, 04 de novembro, 18:24h Assunto: Tá legal Brett, Não precisa ficar puta da vida. Se me quer tanto, vamos nos encontrar amanhã. Primeiro andar da biblioteca (eu sei onde fica). Da próxima vez, é só pedir com educação. SV
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JeremiahMortimer: Oi, gata. Vou à Waverly hoje à noite para uma reunião do BoW. Você podia ir. BrettMesserschmidt: O clube de meninos do Heath? Acha que posso entrar? JeremiahMortimer: As meninas sexies sempre podem entrar. BrettMesserschmidt: Como posso recusar? JeremiahMortimer: Que bom. Vamos jantar primeiro? Me encontra no Nocturne? BrettMesserschmidt: Parece bom. Talvez a gente possa entrar de fininho no alojamento depois, parece que T vai ficar um tempo fora. JeremiahMortimer: Não brinca — estamos esperando pelo Soho Grand... Mas estou disposto a deixar você tentar...
locos de neve caíam sobre Callie enquanto ela andava com dificuldade pelo bosque, a luz da lua roxa como se refletisse os galhos e bancos cobertos de neve. Ela estava com os jeans da prisão e as mãos dormentes, perdendo toda sensibilidade. Callie esfregou as duas varetas relativamente secas que achou no meio de uma pilha de lenha que alguém tinha abandonado no perímetro do centro de reabilitação. As varetas raspavam uma na outra sem eficácia alguma, alguns flocos secos de casca flutuando para o pequeno buraco que Callie cavara embaixo de um dos álamos gigantes. Um vento uivou, soprando neve em volta dela como caspa. Seus globos oculares estavam tão secos que ela achou que iam rachar se piscasse de novo. Perdeu quase uma hora tentando encontrar o X que marcava o local no mapa secreto de Meri, na esperança desesperada de que fosse uma espécie de abrigo, ou um ponto de ônibus. Uma sombra escura nas árvores caídas a levara equivocadamente a pensar que achara o local, mas a sombra por acaso era só isso, uma decepção escura que lhe custou tempo e a maior parte de sua esperança. Ela esfregava as varetas freneticamente. Parece tão fácil na TV e nos filmes, pensou Callie, rindo como uma louca enquanto as varetas continuavam a dar em nada. Foi nisso que Whispering Pines a transformou — numa doida. Esperava que a mãe ficasse feliz quando descobrissem seu cadáver depois do primeiro degelo, os dedos roxos perfeitamente preservados, como os de um homem das cavernas congelado na tentativa de acender uma fogueira. A morte espreitava em algum lugar no horizonte — não sabia se aguentaria até o amanhecer, quando seria resgatada de seu solo idiota se não voltasse. Lágrimas geladas desceram por seu rosto. Sentia que começava a flutuar acima do corpo, olhando a melancólica cena embaixo: uma menina tola de joelhos na neve, tentando desesperadamente produzir algo que não acontecia. Pensou em todas as coisas que tinham acontecido: a traição a Brandon Buchanan com Easy, partindo totalmente o coração dele. Tentando obrigar Easy a dizer que a amava e ficar tão carente com ele que o afugentou de seus braços ansiosos, colocando-o nos de Jenny Humphrey. Ela afastou Brett, entregando seu segredo sobre o Sr. Dalton a Tinsley, depois entregou a todo mundo o segredo dela sobre Kara. Callie estava com frio demais para sentir vergonha ou arrependimento — só se sentia uma idiota por fazer essas coisas horríveis com pessoas que gostavam dela. Elas não mereciam ser tratadas desse jeito. Jenny — ela começou mesmo a namorar Easy, não foi inteiramente culpa dela. Foi Callie que o afastou, antes de mais nada. E Jenny se sentiu mal por isso. Mas em vez de se reconciliar com Jenny, Callie deixou que Tinsley a prendesse a seu plano de expulsar Jenny. Seu grande esforço para compensar isso foi conseguir que a mãe cobrisse o incêndio com um cheque e livrar Jenny da culpa. Apagar tudo — e conseguir Easy de volta.
Queria tanto contar esse segredo a Easy, ver os olhos dele se iluminando quando ela revelasse não ser a menina que ele pensava. Não a princesa mimada que ele estava convencido de que ela era. Callie pensou em seu envolvimento no spa como uma maneira de apagar Easy de sua vida para sempre. Nem acreditava em como foi boba. De frio, as lágrimas se acumularam nos olhos, mas ela as incitou com sua saudade de Easy. Sabia de duas coisas: amava Easy e o jeito que ele lhe dispensou a magoou muito. Callie largou as varetas, chutando-as para longe, enojada. Sentou-se de pernas cruzadas no chão duro e gelado, esfregando os braços para se aquecer. Outra lufada de vento ártico soprou e ela sentiu que o fim estava próximo. Será que iam mesmo deixar que ela morresse ali? Podia sentir o sangue se espessando, mais lento em seu caminho ao coração, que batia cada vez mais devagar. Callie pôs a cabeça nas mãos, os dedos massageando as orelhas congeladas, que ardiam com o início do que Callie só podia imaginar ser uma ulceração pelo frio. Eles leram aquele conto terrível de Jack London no primeiro ano, sobre um cara que procurava ouro no Yukon ou coisa assim — um lugar frio de verdade, como o Maine. Ele congelou aos poucos até morrer na tundra nevada. Como Easy se lembraria dela? Ficaria arrasado pelas coisas que disse da última vez em que se viram, Callie sabia disso. Ela o imaginou repassando sem parar suas palavras a ela, até que começassem a assombrá-lo, dia e noite. Ele largaria a Waverly e passaria os 23 anos seguintes morando no quartinho sobre a garagem dos pais, fumando cigarros e comendo Cheetos, incapaz de dizer outra coisa que não fosse o nome dela. A ideia a fez se sentir um pouquinho melhor. Mas Callie na realidade queria que ele se lembrasse dos bons tempos. O primeiro beijo na biblioteca de livros raros, tão doce e delicioso. As guerras de bola de neve no pátio, quando Easy a atacava, toda vestida em seu casaco acolchoado e cachecol de cashmere grosso e luvas, e beijava seus lábios vermelhos e frios. Um soluço subiu do fundo de seu estômago vazio, latejando no peito. Riu dela mesma por acreditar que podia superar Easy. Ele era o amor de sua vida curta e lamentável. O soluço rompeu na garganta e ela gemeu ao vento, retesando as cordas vocais, a imagem de completa tristeza e de saudade, o coração cheio da poesia do Que Podia Ter Sido e do Que Jamais Seria.
única vez em que Brandon foi à sala de recreação no porão do Maxwell Hall foi na primavera anterior. Ele tinha entrado para o clube de francês da Waverly para passar mais tempo com Eloise Michaud, a aluna parisiense de intercâmbio de aparência espirituosa. Sua fase francófila foi breve: só precisou de cinco minutos sentado ao lado de Eloise em um dos sofás dilapidados para perceber que o desodorante era um prérequisito para uma relação. Por sorte, na noite de segunda-feira, todos os membros do BoW vieram de desodorante — ou, pelo menos, quase todos. Brandon avaliou o ambiente. Alan St. Girard e Easy Walsh estavam recostados em um sofá de poliéster verde, olhando o teto e parecendo chapados. Ryan Reynolds e Lon Baruzza trocavam insultos a uma imensa mesa de sinuca no canto. A sala era usada principalmente na parte da tarde em reuniões de clubes variados, onde as meninas podiam discutir decoração de bailes e os meninos podiam tentar se aproximar um pouco mais delas no sofá. Heath estava sentado numa poltrona de poliéster azul desbotado na lateral, com um moletom sujo da Dartmouth de mangas cortadas na altura dos cotovelos. Parecia um sem-teto deprimido. — Cara, pega mais leve — Brandon não conseguiu deixar de dizer. Latas amassadas se espalhavam aos pés de Heath. Brandon esperava, desesperado, que sair com os outros meninos fosse ajudar a levantar o astral de Heath — conversar sobre as calouras mais “factíveis”, para usar um termo de Ferro, sempre animava Heath —, mas esta noite ele estava fora do alcance de qualquer ajuda. — Esse troço é uma merda mesmo. — Heath abandonou a lata de cerveja e pegou um frasco na mochila verde Patagonia. Discretamente, limpou a cara no ombro do moletom. Brandon esperava que nenhum dos outros meninos tivesse percebido. Uma coisa era Heath Ferro desabafar no quarto — mas na frente de um monte de homens? Ninguém queria ver isso. — Coragem, cara. — Ryan, que nunca teve namorada por mais de meia hora, olhava para Heath da mesa de sinuca como se ele fosse um alienígena. Ryan mexia no piercing de platina no nariz, que parecia uma espinha infeccionada, e girava o taco. — Os ônibus passam a cada 20 minutos. — É isso mesmo — concordou Lon, largando o taco no feltro verde da mesa e sentando num sofá vazio. Colocou as botas lamacentas na mesa de centro já suja. — Quero dizer, Benny e eu terminamos o tempo todo, e não é nada demais. — Ele pegou uma cerveja na bolsa de ginástica no chão e jogou o anel da lata na lixeira do outro lado da sala. Sorriu com malícia. — Se você tiver um material bom, ela sempre volta. Brandon olhou para Heath a fim de avaliar sua reação. Heath se limitava a encarar, por cima da cabeça de todos, o enorme quadro de avisos na parede, apinhado de folhetos sobre testes de dança e de teatro.
— A gente se divertiu tanto juntos. — Ele olhou para Brandon, pedindo seu apoio. — Não foi? Brandon assentiu, tomando um gole da Budweiser. Os sofás davam a impressão de que as coisas podiam estar se intensificando entre eles, então ele se encostou na mesa de sinuca. — Eu namorei Emily Jenkins no primeiro ano — disse Ryan de repente, recolocando o taco no suporte da parede. — E ela me largou no meu aniversário. — Ele olhou em volta para ver se a sala partilhava de sua incredulidade com um ato tão cruel. — Era meu aniversário e ela ia me levar para tomar um milk shake, e terminou comigo. E — ele ergueu as mãos para dar ênfase — ela fez isso mandando um torpedo. — Cara, que chato. — Lon deu um tapinha no sofá ao lado dele, como se quisesse que Ryan se aproximasse para um abraço ou coisa assim. — Mas eu namorei uma menina por toda a oitava série e a gente pretendia vir para a Waverly juntos... Era só disso que a gente falava. Sabe como é, namorar nos quartos de alojamento, etc. — Ele olhou em volta timidamente. — E depois, quando eu soube que vinha, ela me conta que nem tinha se matriculado. Easy, esparramado no sofá da frente e zelando por sua primeira lata de cerveja, dobrou o braço acima do joelho e lançou a Lon um olhar de solidariedade. — Uma menina me deu o fora no alto de uma roda-gigante em Six Flags quando eu tinha 14 anos. A idiotice foi ter que dar mais oito voltas antes que a gente pudesse sair dali. — Easy balançou a cabeça, o cabelo preto e solto completamente descontrolado, precisando desesperadamente de um corte. — Só ficamos sentados lá, sem nos olharmos. — Por que ela te largou? — Brandon não dava a mínima, mas havia algo de satisfatório em saber que Easy já tinha sido abandonado por uma garota. Ele pegou uma das bolas na mesa e tentou rolar para uma das caçapas do canto. Easy passou a mão na nuca e abriu um sorriso torto. — Acho que ela ficou meio irritada porque eu não tinha carro. — Ele deu de ombros. — A garota tinha 18 anos. Brandon reprimiu um gemido. Essa era a pior história de rompimento de Easy? O fato de que ele namorou uma menina de 18 anos quando mal tinha chegado à puberdade contava mais como um triunfo do que uma decepção. Meu Deus, Brandon foi largado por Callie quando ela saiu de uma festa para ficar com Easy. Esta sim era uma história de rompimento. — Essa é boa — disse Heath de repente. O grupo quase se esqueceu dele, foi largado de lado, relegado a sua infelicidade. Ele ergueu o iPhone para que todos vissem uma foto dele e Kara vestidos de grupo de super-heróis na festa de Halloween. Os dois não demonstravam vergonha nenhuma, de dentes à mostra, com um sorriso verdadeiramente feliz. Não parecia que iam terminar dias depois. Heath aninhou o iPhone na mão, rolando por uma série de fotos. De vez em quando tomava um gole da cerveja na lata que mantinha no colo, naquela poltrona. Brandon previu mais uma crise de choro. Seu corpo se retesou como se ele estivesse vendo um acidente de carro iminente, incapaz de fazer algo para evitar. Ele não sabia bem quais eram suas responsabilidades. Sua empatia por Heath ainda era recente e ele não tinha certeza se eles voltariam a ser como antes, quando Heath ficasse sóbrio no dia seguinte. Era mais provável que Heath parasse de ficar assim e voltasse a ser todo machão e babaca só para provar que sua sensibilidade foi fugaz. Uma curta batida soou na porta e todos, menos Heath, apressaram-se para esconder as cervejas. A porta se abriu um pouco e Jeremiah meteu a cabeça para dentro, o rosto se iluminando com o sorriso totalmente americano de quando ele via que estava no lugar certo. — Desculpe pelo atraso.
— Entra aí — disse Brandon, gostando um pouco da posição de anfitrião nesta noite informal. Jeremiah abriu a porta e a boca de todos se abriu ao verem Brett atrás dele. — Meninas não! — berrou Heath, bêbado, colocando-se trôpego de pé. — Calminha, cara — Jeremiah riu. — Eu trouxe o suficiente para todos. — Ele pegou uma garrafa de Absolut dentro da jaqueta roxa e amarela do St. Lucius. — Então é esse o seu clubinho, né? — disse Brett, olhando a sala. Ela estava completamente deslocada com o vestido de gola rulê verde Nicole Miller e botas de couro pretas ultra-pontudas. Todos os meninos se sentaram um pouco mais eretos no segundo em que ela entrou e Brandon pegou Lon rapidamente verificando o bafo na mão em concha. — Este é o Boys of Waverly — Heath enfatizou, com um toque de desespero na voz. Ele se virou para Brandon. — Diga a ela, Brandon. Não pode entrar menina. — Brandon olhou de Heath para Brett e de volta a Heath, sem saber o que fazer. — Calma, Heath. — Brett colocou as mãos nos quadris. — Parece que me lembro de todos vocês nas reuniões das Women of Waverly. — Ela queria que a voz tivesse um tom brincalhão, principalmente porque não queria que o que começou como uma noite perfeita com Jeremiah — jantar no Nocturne e uma volta de carro romântica para o campus, Jeremiah estacionando o carro pouco depois dos portões para que eles pudessem entrar escondidos, enfiando-se atrás da biblioteca para uma sessão séria de amassos — fosse estragada pela embriaguez beligerante de Heath. — Então não tem recíproca? — Eu preferia nunca ter ido a essas reuniões — Heath resmungou. Ele encarou o iPhone enquanto os outros, sem graça, olhavam. Brett sentiu que ela e Jeremiah tinham entrado bem no meio de alguma coisa. — Então nada disso teria acontecido. — Nada do quê? — perguntou Jeremiah, olhando confuso para Heath. Ele abriu a garrafa de Absolut e ofereceu a Brett, mas ela balançou a cabeça. — Kara — respondeu Heath, tomando um gole da cerveja e colocando a lata vazia a seus pés. Brandon olhou para Brett como se estivesse prestes a explicar de que diabos Heath estava falando. Heath acrescentou: — A única coisa boa que ficou dessas reuniões foram as fotos. Brett sentiu o estômago afundar no chão. Ele estava falando do que ela pensava que ele estava falando? — Que fotos? — perguntou Ryan, aprumando de imediato os ouvidos loucos por uma fofoca. Ele saiu da mesa de sinuca e deu um passo para Heath. — As fotos — murmurou Heath novamente, com pouco sentido. Ele colocou o iPhone perto do rosto. — Heath. — A voz de Brett saiu um pouco mais aguda do que ela pretendia, mas Heath não a ouviu. Ela soltou a mão de Jeremiah. — Você está bêbado. — Boa ideia — respondeu Heath, colocando-se de pé com dificuldade, mas ainda conseguindo operar o iPhone com habilidade. — De que fotos você está falando? — perguntou Lon, esfregando as mãos, inclinandose para a frente no sofá. — Deixa eu ver. Brett tremia ao atravessar a sala. Não tinha ideia do que fazer — arrancar o iPhone das mãos de Heath era uma possibilidade que certamente provocaria um escândalo e levantaria suspeitas em Jeremiah. Precisava que Heath calasse a porra da boca, e já. Brett estendeu a mão para Heath, na esperança de poder, de alguma maneira, fingir reconfortá-lo e deletar as fotos com a outra mão. — Tem uma aqui. — Heath ergueu o iPhone, a tela grande e clara o suficiente para que todos na sala vissem a foto de duas meninas com os lábios grudados. Era um close, meio
borrado e fora de foco, mas o canto da foto era tomado por um cabelo vermelho-fogo inconfundível. A pele de Brett se inflamou e ela sentiu uma pancada surda nos ouvidos, como se alguém estivesse ensaiando com seus tambores longe dali. Sentiu toda a sala começar a girar. Os assovios encheram a sala de recreação e um sorriso bêbado apareceu na cara de Heath. — Eu tirei mais. São todas lindas. — Ele largou a cerveja para se concentrar no iPhone. — Seu babaca — Brett sibilou para Heath, tentando pegar o iPhone de sua mão. Ela olhou para Jeremiah. Ele estava postado na soleira da porta, de boca aberta, os olhos arregalados. Parecia que tinha acabado de ver toda a sua família ser assassinada. Encarava Brett com pavor, e deu um passo para trás. — Espera — gritou ela, dividida entre parar Heath e parar Jeremiah. Brandon avançou um passo e tirou o celular da mão de Heath. — Cara, isso não é legal. — Ele empurrou os ombros de um Heath doidão, mandando-o de volta a sua poltrona com um baque de peso morto. Brandon colocou o celular no bolso. Brett mal teve tempo de lançar um olhar agradecido a Brandon antes de partir atrás de Jeremiah. — Espera! — ela gritou de novo, seguindo-o pelo corredor. Seus saltos batiam no piso de linóleo. Jeremiah girou com uma expressão de completo nojo. — Então era verdade — ele cuspiu, socando um cartaz com um sapo que dizia, BEIJEME, EU NÃO FUMO. Seus olhos verde-azulados faiscavam de uma raiva que ela jamais presenciara. — Nem acredito que nesse tempo todo eu estava certo e você tinha mentido. De novo. O rosto de Brett ardeu. Sentia como se ele a tivesse chamado de piranha. — Eu posso explicar. — Você sempre tem uma explicação. — Ele tirou da testa uma mecha de cabelo castanho-arruivado e fechou o zíper do casaco. — Estou cansado de ouvir essas merdas. — Isso não é justo. — Brett cruzou os braços, as defesas se erguendo. Sempre havia uma explicação. — Não acredito mais numa só palavra do que você diz. — A voz de Jeremiah baixou e, em vez de raiva, uma expressão de repulsa cobriu seu rosto bonito. — Acabou. De uma vez por todas. — Ele se virou e subiu a escada do porão, o som reverberando nos ouvidos de Brett. Brett colocou as costas na parede com a garganta completamente seca. Olhou o cartaz do sapo e se deixou deslizar pela parede até se sentar no piso frio e sujo de linóleo. Seus lábios tremiam, mas ela não chorava. Estava tudo acabado com Jeremiah — verdadeiramente acabado. Desta vez não haveria mais namoros, nem deliciosas partidas de gamão, nem Soho Grand, nem Dia de Ação de Graças em Sun Valley. Pelo menos agora não precisava imaginar o que aconteceria quando Jeremiah descobrisse a verdade.
enny sentiu o chão mudar sob o Mustang e segurou o apoio para o braço no lado do carona, os dedos escorregando pelo interior de couro. Apertou os olhos para a estrada que desaparecia aos pouquinhos pelo para-brisa, faiscando de novo pela neve, depois voltando a sumir. Toda chuva que pegaram na Waverly nas últimas semanas tinha se transformado em neve e as laterais da estrada eram borrões de bancos de neve alvos. Tinsley inclinou-se para a frente, limpando o para-brisa com a mão. — Ligue o ar quente, por favor — exigiu ela com irritação. — Não estou enxergando merda nenhuma. Só o fato de Tinsley ter falado “por favor” já dizia a Jenny o quanto ela estava nervosa. Jenny se atrapalhou com os controles e soprou do painel uma lutada de ar quente e seco no rosto das duas. As mãos de Tinsley se agarravam ao volante, os ombros recurvados, os olhos semicerrados para a estrada, e ela parecia exatamente uma daquelas velhinhas que se recusavam a parar o carro mesmo quando não conseguiam ver nada diante do volante. — A gente não devia parar e esperar passar? — perguntou Jenny, insegura, mordendo o lábio inferior. A station wagon que elas estiveram seguindo ligou o pisca-alerta, a luz amarela anunciando que desistia e parava no acostamento. Tinsley não respondeu, continuou a se concentrar na estrada. Limpou o para-brisa de novo e passou a mão úmida no jeans desbotado. — Uma vez peguei uma tempestade de areia em Los Angeles — disse ela distraidamente. — Era igualzinho, só que marrom. Não dá para ver um metro à frente. Levaram dois dias para limpar toda a areia da estrada. Os carros das pessoas estragaram, cheios de areia. A história não atenuou o medo de Jenny de que elas estavam prestes a bater num carro que não viriam na frente, ou derrapariam para fora da estrada, descendo um barranco íngreme. De repente ela se perguntou se Tinsley queria morrer. Será que, sem querer, ela entrou em um carro com alguém que não tinha nada a perder? Jenny de imediato se arrependeu de alardear seu novo status de It Girl com Tinsley nas últimas semanas; não significava tanto quanto a própria vida. Naquele momento, a popularidade parecia remota como a Waverly, em algum lugar atrás delas, e como Callie, perdida em algum lugar à frente. — Ainda estamos na estrada? — perguntou Jenny. — Acho que sim. — Tinsley franziu o nariz perfeito. — Mas não estou vendo mais as faixas. Um pânico crescente fervilhou no cérebro de Jenny, e ela estava prestes a gritar para Tinsley parar naquele exato minuto quando o carro morreu. O motor rugiu antes de cair em completo silêncio. O carro vagou para o acostamento enquanto Tinsley pisava no acelerador.
— Que foi? O que é? — Desamparada, Jenny via o carro parar. — Por que estamos parando? — A porra do carro pifou. — Tinsley bateu o punho pequeno no alto do painel. O carro soltou um uf ao bater no banco de neve. Ela girou a chave algumas vezes e o motor tossiu desanimado antes de cair em silêncio. — Não pode ter pifado... O rádio ainda funciona! — gritou Jenny. Os últimos acordes de uma música nova de James Blunt saíam pelos alto-falantes antes de desaparecer inteiramente. Um silêncio estranho envolveu o carro. — Agora não podemos nem ouvir música enquanto morremos congeladas — disse Tinsley secamente. Ela colocou o carro em ponto morto e desligou a ignição, pegando a bolsa Balenciaga. — Cadê? — perguntou ela a si mesma, vasculhando a bolsa. — Arrá. — Ela pegou o celular e sua luz laranja lançou um brilho sinistro no interior do carro. Tinsley olhou o telefone, sacudindo-o numa vã tentativa de conseguir sinal. — Mas que droga. — Ela abriu a porta do carro, deixando entrar uma lufada de ar gelado, e saltou para fora, o telefone diante do rosto como uma forquilha, para buscar sinal. Jenny também saiu, os pés afundando em um metro de neve, de imediato congelando seus tênis de lona, Ela abriu o celular e viu que a bateria piscava, arriando na noite escura. O instinto a dominou enquanto mandava uma mensagem de texto para Easy, contando tudo a ele, os polegares se movendo com a maior rapidez possível contra a bateria que arriava. Ela apertou Enviar enquanto o telefone bipava e viu o ícone de texto antes que o celular desligasse, morto em suas mãos. — Não consigo sinal, e você? — perguntou Tinsley, batendo dente. — Acabou a bateria — admitiu Jenny. — Mas consegui mandar um torpedo para Easy. — E como sabe onde dizer a ele para nos encontrar? — perguntou Tinsley incisivamente, abrindo os braços para indicar o vasto silêncio em volta delas. Se não estivessem no meio da noite, e o carro não tivesse quebrado, e ela não estivesse com Tinsley Carmichael, Jenny podia ter gostado da paisagem da noite cheia de neve. O irmão, Dan, provavelmente teria vontade de escrever um poema sobre isso. — Não sei — respondeu Jenny, sentindo a neve entrar pelas meias. Por que ela calçou os Keds? — Contei a ele sobre a Callie. Tinsley apertou os olhos. — Por que não ligou para a emergência? — rebateu ela. — Ou você quer morrer aqui? Jenny deu de ombros com uma despreocupação maior do que sentia. — Vou voltar para o carro. — Tá legal — disse Tinsley entredentes, irritada. Ela seguiu Jenny, abrindo a porta do motorista. Mas, fala sério, Jenny era débil mental? Se tivesse ligado para a emergência, as duas podiam ser resgatadas. Ela sacudiu o telefone inútil de novo, tentando conseguir sinal. Sair mesmo que por dois minutos foi o bastante para gelá-la até os ossos e o aquecedor, é claro, também tinha pifado. — Talvez vá parar logo — disse Jenny cheia de esperança, esfregando as mãos. Talvez, pensou Tinsley, a raiva cedendo. As tempestades de neve não duravam para sempre, não é? E elas estavam na rodovia ou perto dela, não é? Então talvez a situação não fosse tão medonha como Tinsley pensou. Sua mente vagava e ela pensou no torpedo de Jenny para Easy. Era meio meigo que Jenny fizesse isso por Callie. Tinsley pensou nos velhos tempos, antes de Jenny, quando ela, Brett e Callie se cuidavam desse jeito. Não fazia muito tempo, mas parecia fazer um milhão de anos. Desde que elas romperam por causa de toda a história de E, sua estreita amizade tinha se dissolvido. Queria poder apagar os últimos meses e voltar a quando eram só as três, reinando no campus, para a inveja de todos.
As luzes no interior do carro diminuíram e houve um estalo alto. Jenny se virou para Tinsley com os olhos castanhos arregalados de pânico. Tinsley não sabia o que dizer. O carro tinha morrido, era simples. Não tinham outras roupas, então não havia como se proteger mais do frio. Jenny girou o corpo com a mão estendida para o banco traseiro. — Ele deve ter um moletom ou coisa assim aqui atrás. — Ela voltou um instante depois, puxando uma manta macia cor de vinho. — Ai, que nojo. — Tinsley torceu o nariz. — É claramente a manta de namoro do Seb. Acho que não posso usar isso. Jenny abriu um sorriso torto. — Que gozado, na verdade é do Drew. — Isso não melhora em nada... Na verdade, piora. — Tinsley pensou no modo esnobe como Jenny lhe respondera quando ela tentou avisar sobre Drew. — Peraí, vocês transaram nessa coisa? — Não! — gritou Jenny, afastando o cobertor de Tinsley e se aconchegando sob ele. — Nem acredito... — Um gemido penetrante soou lá fora e as duas meninas olharam, apavoradas. — O que foi isso? — perguntou Jenny. Tinsley estava prestes a perguntar a mesma coisa, mas não queria dar a Jenny a satisfação de saber que ela estava com medo. Elas iam morrer. Andou tudo isso para morrer num carro com Jenny Humphrey. — A gente devia ficar mais perto uma da outra. Para se aquecer. — Jenny ergueu parte do cobertor. Tinsley franziu o nariz, mas seu corpo frio não pôde resistir. Sabia que o que Jenny sugerira era verdade, que se elas quisessem sair dessa, teriam de trabalhar juntas. Ela pegou a manta e se enrolou nela, aproximando-se de Jenny até que os ombros estivessem comprimidos sob o cobertor. — Eu te odeio de verdade — disse Jenny com a voz trêmula. — Eu também te odeio — rebateu Tinsley. Um coro de uivos encheu o ar e elas se espremeram ainda mais uma na outra.
allie imaginava uma camada de gelo em sua pele azul enquanto se aninhava na clareira, balançando-se numa tentativa inútil de gerar calor. O chão era de pedra dura. Depois do fracasso tentando acender uma fogueira, vagou um pouco e desabou no chão. Talvez a melhor coisa fosse conservar sua energia. Parecia uma boa ideia se aconchegar encostada numa árvore, enfiando os joelhos por dentro do casaco, os braços cruzados por cima deles, as mãos nas axilas. Seu estômago vazio roncou, mas foi tragado pelo vento, que continuava a açoitá-la, soprando o cabelo louro-arruivado como se ela estivesse surfando num túnel de vento. Há muito tempo perdera a sensibilidade nos dedos dos pés e das mãos. De todas as mortes que imaginou para si — acidente de skydiving; tragicamente abatida por uma doença terrivelmente exótica, como a febre escarlatina; despencando de um penhasco, no estilo Thelma & Louise, num conversível vermelho em alta velocidade — morrer congelada nos bosques do Maine não estava na lista. Como será lembrada? Já podia ver os tabloides, a verdade distorcida para combinar com a imaginação voraz de todos — FILHA DE GOVERNADORA PERECE MISTERIOSAMENTE EM CLÍNICA DE REABILITAÇÃO SECRETA. Callie procurou manter os olhos abertos, mas a neve caía mais rápido, pesando em suas pálpebras, dificultando que ficasse acordada. Viu uma luz se mexer de um lado a outro ao longe e sentiu o coração emperrar — era a luz no fim do túnel, a única de que sempre falavam. Era real. Callie cogitou se devia se levantar para ir até lá, mas percebeu que a luz vinha na sua direção. O que era ainda mais perfeito. Não precisava fazer nada. Só me tire desse sofrimento. Ela fechou os olhos. Quando os abriu, estava alucinando. Easy estava parado acima dela, dando-lhe tapinhas frenéticas no ombro. Que máximo, pensou ela. Seu coração se encheu de calor — parecia tão certo que fosse Easy que a conduzisse para a luz. Como seu Virgílio — embora tentasse afastar a lembrança desagradável da leitura de A divina comédia de Dante no curso de literatura do segundo ano. Ela olhou o rosto de anjo doce de Easy e sorriu, pronta para se entregar à alucinação. Esperava que ele fosse a última coisa que veria antes de morrer. — Achei você — disse a alucinação. Ele sorriu e Callie sabia que era um sonho. Sabia que Easy estava com raiva demais para sorrir com tanta doçura, mas ela gostava desse novo Easy. Lembrava-se dele antes de ele ficar tão cansado e com raiva dela. — Que bom — sussurrou ela. — Está aqui para me levar? Easy assentiu. — Estou — respondeu ele, a voz parecendo a quilômetros de distância. — Não está com frio?
— Agora passou — disse Callie. Ela tentou se levantar, mas não conseguiu, esquecendo-se de que os joelhos estavam fechados sob o zíper da parka. Em vez disso, fechou os olhos, pronta para ser transportada para a luz branca e ofuscante. Talvez Easy pudesse levitá-la num facho de luz ou coisa assim. Mas não aconteceu nada. A neve parou e Callie abriu os olhos. Easy ainda estava parado na frente dela, mas tinha perdido o brilho angelical. Ela podia sentir o cheiro inconfundível de cavalo que o seguia a toda parte. Enquanto olhava sua jaqueta de lã Patagonia verde e surrada, Callie até podia ver pequenos pedaços de feno presos no tecido. — AimeuDeus! — disse ela subitamente. — É você mesmo! — Ela tentou se levantar e tropeçou na neve. — Está tudo bem, tudo bem. — Ele se curvou e a ajudou a se desemaranhar. Só o que Callie pôde fazer, porém, foi seguir os movimentos dele, manca, incapaz de tirar o nariz de seu pescoço, que tinha cheiro de estábulo, terebintina e creme de barbear, tudo ao mesmo tempo. Ele a levantou do chão com a facilidade com que erguia uma bicicleta que tinha caído. — Vamos — disse ele, puxando-a para mais perto e passando os braços em suas costas. Ela tremia. — Vou levar você de volta. Você precisa se sentar perto do fogo. E tomar um chocolate quente. — Ele tirou o cachecol de lã grosso e preto e enrolou no pescoço de Callie com ternura. — Como foi que me encontrou? — perguntou ela, pasma, tocando o rosto dele com os dedos nus. Ela precisava sentir a realidade da pele de Easy na dela. — É uma longa história. — Com um braço na cintura de Callie, como se jamais a fosse soltar, Easy a levou pela neve. — Mas basicamente... Jenny me contou tudo, sobre onde você estava. E sobre o cheque também. — Seu braço se estreitou em Callie. — Foi... é... um amor de sua parte. Callie sorriu, sentindo tanta felicidade que podia chorar — e teria chorado, se os dutos lacrimais não estivessem congelados. — Era o que eu queria te contar a festa toda — explicou ela, a língua ainda dormente nos lábios. — Mas você nem me deu essa chance. Easy a puxou para mais perto ainda. O calor de seu corpo parecia penetrar nas roupas de Callie. — Me desculpe — murmurou ele, passando as mãos em seu cabelo. Ah, meu Deus, meu cabelo, pensou ela brevemente. Estava todo cheio de nós e embaraçado, o rosto provavelmente vermelho, queimado pelo vento. Ele sorriu. — Eu sabia que, no fundo, você era assim. — Não sabia, não — disse Callie, fazendo um biquinho com os lábios rachados. Na realidade, a sensação do braço de Easy em volta dela apagava todas as reservas, escrúpulos ou preocupações que ela tivesse com relação aos dois. Quem ligava se ela era viciada em Easy, se isso era bom? Ele arqueou as sobrancelhas. — Sabia, sim. Tenho boa memória. Eu sentia falta da velha Callie. Pensei nela quando voava para cá. — Voava como? — perguntou ela. Um vento os atingiu e Easy a protegeu. — Fretei um avião para vir te pegar. — Como é? — A cabeça de Callie girava. Um avião? Easy? — Meu cavaleiro da armadura prateada — disse, sorrindo, embora seu rosto ainda parecesse congelado. — Mas peraí, como você sabia onde me encontrar? — Eu já te disse. — Easy olhou para ela, uma expressão de preocupação passando por seu rosto. — A Jenny me contou.
— Não. — Callie apertou o braço dele. — Como você sabia onde me achar aqui? — Ela abriu os braços, apontando as árvores e o céu de inverno gelado. — Foi onde disseram que deixaram você — disse Easy, confuso. Ele olhou por sobre o ombro. — O salão de jantar fica pouco depois desse barranco. Callie espiou a escuridão. Será que era verdade? Depois ela reconheceu o canteiro familiar de bétulas que vira quando Natasha a abandonou para seu solo. Nunca se sentiu mais boba — na verdade estava pronta para morrer, e eles provavelmente estavam olhando da janela, apostando em quando ela ia sentir o cheiro de batata cozida e perceber que estava a uns 50 metros do acampamento. — Isso é tão cruel. Easy pôs os braços em volta de Callie. Seu corpo mínimo se sacudia violentamente no frio e ele se perguntou que tipo de lugar fazia uma coisa dessas. Ele ouvira falar de acampamentos militares no deserto, onde morriam crianças. Seria a mesma coisa? Que diabos a doida da governadora Vernon estava pensando? No avião, ele teve visões, de que chegaria tarde demais, encontraria o corpo exangue de Callie estendido diante dele para que levasse para casa, a pele fria ao toque. No segundo em que recebeu a mensagem de Jenny, entrou em ação, pegando um táxi até o aeroporto local e gastando o saldo de sua conta bancária para fretar um avião que o levasse ao Maine imediatamente. Na realidade, foi loucura — sair do campus no meio da noite. Se ele fosse apanhado... Nem a Sra. Horniman poderia salvar sua reputação lamentável. Mas ele amava Callie, agora sabia disso. Lembrava-se de algo que entreouvira de um desses pregadores velhos da madrugada enquanto zapeava pela TV num verão, quando estava em Lexington: O perdão é um presente que você dá a si mesmo. Era assim que começava. Sentiu o alívio de se livrar de todos os rancores que guardava por Callie e tudo o que ela fizera. Mas quando ele viu seu rosto, entendeu o quanto ela se lamentava por toda a história. Ela era uma boa pessoa. Ele podia ser o único da Waverly que sabia disso — e Deus sabia que às vezes Callie não fazia nada em sua própria defesa — mas ele sabia. Easy suportou o peso de Callie enquanto voltavam para os prédios da clínica. Um táxi esperava pelos dois na entrada, pronto para levá-los ao aeroporto. — A gente precisa mesmo voltar. Pode mandar suas coisas depois? Callie deu de ombros e abriu um sorriso luminoso para ele. Seu cabelo era uma completa bagunça — ela provavelmente morreria se visse um espelho agora —, mas estava mais linda do que ele se lembrava de tê-la visto. — Tenho tudo o que preciso aqui mesmo. Easy tocou o queixo de Callie. Ele sentia a mesma coisa.
enny estremeceu e abriu os olhos. Sentiu-se desorientada ao ver um painel preto e liso diante dela — até ver o S de prata e diamante pendurado no retrovisor, e toda a noite lhe voltou num átimo. Insistindo em se juntar a Tinsley para a missão de resgate a Callie, pegando o carro de Seb emprestado, a nevasca de pesadelo que as obrigou a sair da estrada. Pela janela da frente, o sol surgia no horizonte, tingindo a neve de roxo e amarelo. O forte cheiro de morangos atingiu seu nariz e ela percebeu que a cabeça de Tinsley estava em seu ombro. Elas conseguiram. Sobreviveram à noite. Ela mexeu os Keds cor-derosa, que a neve tinha ensopado na noite anterior, e percebeu que podia sentir os dedos dos pés. Um bom sinal. Um ronco mínimo escapou dos lábios de Tinsley e Jenny examinou seu rosto. A pele era mesmo impecável. A 15 centímetros, não conseguia ver um poro que fosse. Que diabos ela usava? Um creme suíço raro para a pele que só os ricos conheciam, provavelmente. Que gozado, Jenny nem olhou para Tinsley o semestre inteiro — pegava a direção contrária sempre que Tinsley aparecia, numa tentativa de sair do caminho dela. Havia algo de exótico em examinar o rosto de Tinsley tão de perto, como olhar uma ave rara por um telescópio. Dormindo ela ficava tão... pacífica. Nada parecida com a víbora que Jenny pensava que era. Será que devia acordá-la? Dormiram contando histórias depois que Jenny, tentando quebrar o silêncio constrangedor entre as duas, sentadas ali, aninhadas sob o cobertor de Drew, deixou escapar toda a saga dele. Era um certo masoquismo da parte dela — Jenny sabia o constrangimento que era ser ludibriada por um imbecil como Drew e ver essa história ser espalhada pelo campus em questão de horas depois que elas voltassem. Mas não se importava muito. Para imensa surpresa de Jenny, em vez de rir dela, ou dizer Eu te avisei, Tinsley foi solidária. E até contou algumas histórias dela, trocando os nomes, é claro. Foi meio... divertido. Por fim, com o pescoço doendo da noite de sono no banco do carro, ela tirou o ombro da cabeça de Tinsley. Tinsley abriu os olhos e a encarou, sem mexer a cabeça, como se tentasse discernir onde estava e se estava sonhando ou não. Os olhos violeta, escuros de sono, caíram em Jenny. Um leve sorriso — seria forçado? — cruzou seus lábios antes de desaparecer. — Bom-dia — disse Jenny, massageando a nuca. Tinsley estendeu os braços por cima do volante e soltou um longo gemido. — Bom-dia. — Ela olhou a paisagem de inverno em volta. — Nem acredito que ainda estamos aqui.
— Se eu soubesse que íamos sobreviver, teria trazido uma escova de dentes — disse Jenny, provando a água. Rapidamente escovou o cabelo com as mãos e o colocou num rabo de cavalo com o elástico que sempre tinha no pulso. Tinsley abriu um sorriso. — É, eu bem que queria uma escova de dentes agora.— Ela procurou cigarros na bolsa, pegando um maço amassado de Pall Mall. Tirou um cigarro numa sacudida e parou antes de estender para Jenny. — Isto deve ter o mesmo efeito. — Ela girou a ignição novamente, o cigarro apagado pendendo dos lábios. Olhou para Jenny como uma daquelas garotas duronas dos filmes em preto e branco que passam a noite em claro. O carro gorgolejou quando Tinsley tentou ligar e ela desistiu, abrindo a porta enquanto acendia o cigarro com o isqueiro Bic vermelho. Era um gesto tão pouco característico de Tinsley se importar em não encher de fumaça o carro de outra pessoa. Uma lufada de ar fresco enxotou o ar viciado dentro do Mustang. Tinsley passou o isqueiro a Jenny, que acendeu seu cigarro e o devolveu. Ela nunca fumou na vida, mas não ia recusar a oferta de paz. — Acha que já mandaram um grupo de resgate para nos pegar? — perguntou Jenny, puxando levemente o cigarro, tentando não inalar demais e tossir. Ela também abriu um pouco a porta e expirou. — Hmmm, o trio mais descolado da escola está desaparecido. — Tinsley se recostou no banco e olhou o teto do carro. — Aposto que o lugar está num frenesi só. O trio mais descolado da escola? Isso significava que Jenny estava incluída, ou ela contava Easy? Independente de qualquer coisa, Jenny sorriu. Havia algo de indescritivelmente satisfatório em um elogio de Tinsley Carmichael. — Ainda não morremos — disse ela com ânimo, pesando que era meio legal matar a aula de álgebra da manhã de terça-feira. Ela abriu a porta e saiu. — Preciso esticar as pernas. — Talvez a gente consiga algum sinal — concordou Tinsley, puxando a gola rulê sobre o queixo. Jenny protegeu os olhos enquanto o sol subia no horizonte. Os bancos de neve cintilavam, como diamantes minúsculos espalhados pela paisagem. — Bom, isso tem que ser o leste. — Então o carro está apontado para o lado certo — Tinsley conjecturou. — Temos isso a nosso favor. As duas riram. A boca de Jenny estava amarga do cigarro e ela o atirou ao vento. Caiu na neve, apagando-se num chiado. Enquanto seguia o arco formado pelo cigarro no ar, algo chamou sua atenção. Ela olhou novamente, mas não havia nada. Jenny ficou imóvel, encarando, esperando que acontecesse de novo. — O que foi? — perguntou Tinsley. — Tem alguma coisa bem ali — disse Jenny, apontando. O ar frio doía ao tocar sua pele nua. Por que não pensou em trazer luvas? Ela deu alguns passos para o barranco e pulou nele para ver por cima da neve. — O que está vendo? — Tinsley de repente estava ao lado dela. Passou por Jenny no barranco e Jenny a seguiu. As duas ficaram paradas num pasmo completo, de boca escancarada para a bandeira americana que tremulava e batia com o vento. A bandeira em si não era nada extraordinária — mas, abaixo dela, uma estrutura baixa de madeira se esparramava até onde a vista alcançava, estreitando-se para um bosque de pinheiros. As palavras CHELMSFORD COUNTRY CLUB estavam pintadas em elegantes caracteres verdes e brancos numa placa na frente. Mesmo de longe, elas distinguiam um estacionamento cheio de carros sofisticados, reluzindo ao sol.
— Tá de sacanagem. — O queixo de Jenny caiu. — A gente praticamente ficou a noite toda no gramado da frente deles. — Então não vamos mais perder tempo. — Tinsley correu de volta ao carro, pegou a chave e bateu a porta. Sentia que tinha trapaceado com a morte, como naquela vez na Guatemala em que pegou um táxi no aeroporto e o taxista disparou por ruas escuras e desconhecidas que Tinsley só podia imaginar que significavam sua morte. Imaginou que o taxista a levava para a casa dele, ou de amigos, para pegar as malas dela e sei lá mais o quê. Ela riscou a face interna da porta, pronta para saltar no momento em que o táxi reduzisse a uma velocidade que lhe permitisse sobreviver. Sentiu-se uma boba quando o carro saiu do bairro e se misturou com a via expressa movimentada, o taxista murmurando algo sobre um atalho. Tinsley cambaleava pela neve na altura dos joelhos com Jenny em seus calcanhares. Pisou numa elevação e afundou até a cintura, ensopando os jeans — mas de algum modo, não importava. Ria histericamente enquanto Jenny tentava em vão libertá-la. Ela agarrou a mão de Jenny e se içou para cima, a neve caindo como uma segunda pele. Jenny lhe deu tapinhas, espanando a neve das costas e dos ombros de Tinsley. — Se não começar a derreter, você vai ficar bem — disse ela, toda prestativa. Tinsley olhou o rosto ultrarrosa de Jenny. Mordeu o lábio, rachado da noite fria e seca no carro. Tudo bem, essa menina às vezes era irritante de tão animadinha — mas não era tão ruim como Tinsley pensava. Com seu casaco vermelho curto e os Keds cobertos de neve, os cachos castanhos louros num rabo de cavalo frouxo, ela parecia doce, natural e inteiramente inofensiva. Era com essa menina que Tinsley se preocupava tanto? E daí que ela tivesse ganhado o concurso de fantasia de Halloween? E daí que... Ora, e daí que Julian tivesse preferido Jenny a ela? Afinal, ele era só um calouro. O que é que ele sabia da vida? — Meus pais eram sócios de um country club em Long Island que tinha as melhores banheiras de hidro — anunciou Tinsley, levantando os pés alto numa tentativa de andar rapidamente pela neve. — E uns massagistas que eram uns gatos. Os olhos castanhos de Jenny se iluminaram. — Bem que eu gostaria de um desses agora — disse ela. — E uma xícara de chocolate quente. — Um prato de waffles belgas, ensopados de xarope. — O estômago de Tinsley roncou ao pensar nisso. De jantar na noite anterior, ela trocou o notoriamente horroroso frango à la king do salão de jantar por uma tigela gigante de cereais Lucky Charms e seu estômago roncou de raiva a noite toda. Jenny tinha comprado uma barra de Twix quando elas pararam para botar gasolina em algum lugar em Massachusetts, mas Tinsley fingiu desinteresse. Agora se arrependia de não ter se esquentado com isso. — Panquecas com gotinhas de chocolate, com um pouco de creme batido por cima. — Vou chegar na sua frente — Tinsley a desafiou. — Quem perder vai ter que pensar na vingança perfeita contra Drew e todos os meninos maus da Waverly — disse Jenny. Ela arqueou as sobrancelhas. — Tenho algumas ideias — disse Tinsley, já partindo em plena correria para o country club. O ar frio entrou em seus pulmões naquela corrida, a mente delirante com a perspectiva de se aquecer. Então talvez Jenny Humphrey fosse legal, afinal de contas. Mas Tinsley preferia morrer a deixar que ela a derrotasse até a hidro.
rett entrou pelas portas duplas da biblioteca na manhã de terça-feira com a bolsa de lona Strand balançando no braço. Marchou decidida pelo gramado, como se estivesse indo para um emprego em que todos dependiam de sua capacidade de decisão, mas na realidade não fazia ideia se Sebastian realmente apareceria para o compromisso. Benny Cunningham acenou pela janela de uma das salas de estudo, na realidade, da Absinthe, a revista de literatura da Waverly. Benny apontou um dedo para a própria têmpora e fingiu apertar um gatilho. Brett deduziu que o gesto tinha a ver com a qualidade do trabalho nas pilhas de originais na mesa diante dela. Atividades extracurriculares. Ela xingou a Sra. Horniman e toda a direção idiota da Waverly — não era justo da parte dela pedir a Brett para fazer uma coisa que não podia recusar. Será que ela já não fez o bastante nesta escola? Era a representante de turma. Tinha reuniões do comitê disciplinar toda semana, e reuniões particulares com o reitor Marymount e a Srta. Rose, a conselheira do CD. Ela criou o maldito clube Women of Waverly — já não era alguma coisa? Teve uma vida social dos infernos esse ano e ainda conseguia tirar boas notas A. Relativamente falando, Brett devia ser oradora da turma na formatura. Ou pelo menos assim ela pensava. Brett esfregou os braços do blazer da Waverly, que usava num esforço para estabelecer pelo menos um mínimo de autoridade com Sebastian. Ela virou a esquina, pensando que encontraria a sala de estudo envidraçada que reservara escura e vazia. Em vez disso, Sebastian estava recurvado sobre a mesa, meio adormecido, apesar das fortes luzes fluorescentes. A cabeça morena caía nos braços por cima de um livro didático aberto. Uma lufada de colônia soprou na cara de Brett quando ela abriu a porta, e seus olhos lacrimejaram um pouco. — Toc, toc. — Brett fechou a porta depois de entrar. Encolheu-se ao ouvir a própria voz — será que ela precisava falar como uma professora? E ainda por cima imbecil? Ela alisou a lateral dos jeans apertados e pretos Habitual. Sentia-se uma merda depois de tudo o que houve na noite anterior e a última coisa que queria era andar pelo campus parecendo ainda pior do que se sentia. Então chegou a um meio termo com o jeans preto, as botas pretas Taryn Rose na altura dos joelhos e um suéter de gola rulê carvão Design History que ela sabia que realçava seu cabelo vermelho. Sebastian levantou a cabeça, piscando, e Brett o viu pela primeira vez. Tinha cabelos escuros, quase pretos, e uma pele morena, e mesmo sentado ela via que era alto. Os cílios eram incrivelmente longos, parecendo quase femininos ao se abrirem e fecharem sobre os olhos castanhos escuros e fundos.
— Oi — disse ele com a voz grave. Com a camiseta branca básica e uma corrente de ouro no pescoço, ele se parecia com todos os meninos que foram criados em Jersey — mas com maçãs do rosto perfeitas. Teria sido isso que a Horniman quis dizer quando falou que eles tinham uma formação semelhante? Ela achava que Brett era brega também? — Obrigada por vir — disse ela com sarcasmo, na esperança de encobrir sua surpresa. — Eu sou, er, a Brett — acrescentou ela, como se não fosse evidente. Ela largou a bolsa na mesa e puxou uma cadeira, reprimindo um bocejo. Depois da reunião desastrosa dos BoW na noite anterior, ela desabou na cama, os joelhos fracos por saber que havia acabado pra valer com Jeremiah. Tinsley não voltou para casa e o quarto ficou silencioso a noite toda. Mas mesmo com o quarto só para si, Brett não conseguia dormir. Era perseguida pela imagem de Jeremiah chamando-a de mentirosa. Nem ligava para o fato de que meia dúzia de meninos da Waverly tinham visto as fotos dela com Kara — isso não importava nem um pouco. — Beleza. — Seb a olhou, sentando na cadeira. — Umas garotas roubaram meu carro ontem à noite, então eu não tinha nada melhor para fazer. — Ele sorriu. — Ou, se tivesse, não teria como chegar lá. — Por que não chama a polícia? — disse Brett, distraída, pegando as fichas de estudo na bolsa. Passou uma hora preparando as fichas na tarde da vespera, na esperança de que pudesse só repassá-las e ela não precisasse de muita falação a mais. Seb claramente não queria ouvir nada que ela tivesse a dizer, de qualquer forma. Mas ele tinha uma prova de latim avançado esta semana e a Sra. Horniman destacou que desta vez ele realmente precisava não tirar um D. — Polícia? — Ele encarou Brett como se ela tivesse acabado de sugerir que ele chamasse a mamãe. — E o que eles fariam? — Er, o trabalho deles? — Por que ele era tão agressivo? Ela só estava tentando conversar. Por fim, suas unhas pintadas de rosa-bebê deram com o gordo maço de fichas presas por um elástico. Ela o tirou da bolsa. — De onde eu venho, não se chama a polícia — disse Seb teatralmente. — E de onde você vem? — A mente de Brett vagava naquele bate-papo. Sua mente era coberta por uma imagem de Jeremiah desaparecendo na escada do Maxwell, indo embora para sempre, o celular desligado ou caindo direto na caixa postal. E se ele estivesse... com... a piranha da Elizabeth de novo? — Paterson — respondeu Seb, passando as mãos no cabelo brilhante. Brett tentou se concentrar. — Já estive em Paterson. — Então ele era de Jersey — até parece que podia ser de outro lugar. Ela pegou uma caneta na bolsa, não porque precisasse tomar notas, mas porque sempre gostava de tê-la como esteio. Fazia com que se sentisse mais no controle. Ela pensou em Bob Dole, que costumava segurar a caneta em seus discursos. — Não é assim tão ruim. — Derrubaram o Hurricane em Paterson — disse Seb, olhando para ela. Brett o encarou. Ela já sabia que ele era um daqueles garotos irritantes que sempre falavam em piadas enigmáticas, sem jamais dizer alguma coisa que prestasse. Se ele era assim com os professores, não admirava que fosse tomar bomba. — O que quer dizer com isso? — perguntou ela. Seb ergueu os olhos para o teto, como se ele é que estivesse lidando com alguém difícil. — O que é isso? — perguntou, apontando as fichas de estudo. Ele tinha um anel de prata no indicador direito, claramente sem ligar para o fato de que não combinava com o colar de ouro.
— Achei que você podia precisar de um lembrete do vocabulário. — Ela folheou as fichas para se certificar de que todas estivessem viradas para cima. Ergueu a primeira ficha. Na frente, a palavra aedificium estava escrita na letra bem-feita de Brett. — Acho que meu colega de quarto já teve isso uma vez. — Ele sorriu com malícia. — Duvido. — Brett fechou a cara e se sentou mais ereta na cadeira. — Olha, não é por mim que eu estou aqui. — Ela se encolheu enquanto uma das frases preferidas da mãe lhe escapava pelos lábios. A verdade era que Brett gostou da distração e no fundo ansiava pela sessão de estudo — achou que ia enlouquecer se ficasse mais um minuto que fosse sozinha, repassando a cena com Jeremiah. — Vamos dar uma olhada nessas fichas para saber em que pé você está. Ela continuou a folhear as fichas, sem realmente ouvir as respostas de Seb, a mente incapaz de se concentrar. Não conseguia deixar de pensar que se pudesse ao menos se sentar e explicar tudo a Jeremiah, ele veria que ela não pretendia enganá-lo, que na verdade só estava tentando protegê-lo. Além disso, só porque ela beijou Kara — e gostou — não significava grande coisa. Ele dormiu com Elizabeth e ela o perdoou. Sua mente disparava ao pensar em todos os altos e baixos da relação dos dois — os últimos meses pareciam ser completamente caracterizados por traições e perdões, de ambas as partes. Brett tremeu involuntariamente. — Está com frio? — perguntou Seb. — Eles são muquiranas demais com o aquecedor por aqui. Quer meu casaco? — Ele acenou para a jaqueta de couro preto e surrado na cadeira ao lado. Brett ficou tão comovida com o gesto que quase irrompeu em lágrimas. O lábio inferior tremeu quando ela reprimiu o poço de emoção que sentiu pressionar de dentro para fora. — Está tudo bem. — Ela tocou a fivela de borboleta que prendia uma mecha do cabelo ruivo. — Mas obrigada. — No que você estava pensando? — perguntou ele, colocando os cotovelos na mesa. Os olhos dele tomaram o rosto de Brett e um meio sorriso brincou em seus lábios. — Quer dizer, antes. — Como assim? — perguntou Brett, sobressaltada. Ela baixou as fichas. O meio sorriso dele se abriu em um sorriso largo, e Brett se perguntou quantos corações ele já havia partido. Com a jaqueta de couro e o problema de atitude, ele sem dúvida tinha o apelo típico do rebelde, mas também tinha um sorriso muito doce que o fazia parecer meio... seguro. — Quero dizer que você não estava prestando atenção — ele a repreendeu jovialmente. — Você levantou uma ficha que dizia omnibus e eu disse Mustang, e você simplesmente passou à ficha seguinte como se a resposta fosse certa ou coisa assim. Brett sorriu, sem jeito, todo o calor de seu corpo tomando o rosto. — Desculpe. — Ela mexeu com as pulseiras de cobre no pulso. — Quer que eu comece de novo? — Está tudo bem. — Seb balançou a cabeça de leve. — Sei o que elas querem dizer... A maioria delas. Só estava brincando com você. — Ele pôs os pés em cima da mesa e Brett entendeu que a sessão de estudos estava terminada. Os olhos de Seb a fitavam com expectativa, esperando por... Pelo quê? — Quer saber mesmo? No que eu estava pensando? — Brett cerrou as mãos embaixo da mesa. Seria totalmente louco desistir com tanta facilidade e, em vez de ajudar Seb, que a evitou a semana toda, ela o usasse como terapeuta? — Estou morrendo de vontade de saber.
— Tá legal, então. — Brett bateu as unhas na mesa. — Meu namorado terminou comigo. — Seb ergueu uma sobrancelha, como se dissesse “E?”. Brett apertou os olhos para ele, sentindo a necessidade de lhe mostrar que ela também podia chocar. — Porque ele descobriu que eu fiquei com uma menina quando terminamos da última vez. O queixo de Seb caiu. — Caraca, Ruiva. — Ele passou a mão no queixo com a barba por fazer, esperando ouvir mais. E assim ela vomitou a história toda, tudo sobre Kara, e as reuniões da WoW, e a inundação, e Jeremiah voltando de seu jogo antes da hora, e as fotos idiotas que ela e Kara mandaram a Heath para comprar seu silêncio. As palavras saíam e ela se sentiu esvaziar fisicamente enquanto refazia a última cena com Jeremiah para Seb, as mãos agitando-se pela cabeça como passarinhos engaiolados. Ela se recostou na cadeira, exaurida, perguntando-se o que foi feito daquela hora. — Caraca — disse Seb em voz baixa. — Isso é incrível. — Ele olhou para ela com simpatia, e onde pensou que podia só conversar com alguém, Brett percebeu que contar em voz alta só piorava tudo. Sentia mais falta de Jeremiah do que nunca e o buraco em seu coração só ficara maior. — Você está mesmo fodida. Brett teve que rir. — É essa a sua brilhante opinião? Desabafo todos os meus problemas com você, e só no que pode pensar é que estou fodida? — O que esperava? — perguntou Seb, com um estranho brilho nos olhos enquanto via Brett guardar suas coisas. O que foi, ele achava que ela era louca? Imbecil? Uma piada? Mas não, o olhar não era nada disso — era como se ele a visse pela primeira vez, mais ou menos isso. — Não vou passar de ano. — Tome. — Ela lhe entregou as fichas de estudo. — Vai usar? Ele fez uma mesura brincalhona. — Como você quiser. — Ele lhe lançou um último longo olhar enquanto ela desaparecia porta afora, murmurando alguma coisa sobre se reunir naquela semana para trabalhar mais. Brett ficou tão perturbada ao perceber que as coisas com Jeremiah estavam além de qualquer conserto que o olhar de Seb mal foi registrado. Até mais tarde, depois que ela voltasse ao quarto para se deitar, quando só conseguiria pensar nisso.
avião voava pelo céu de inverno, voltando para a Waverly através de uma almofada de nuvens cinzentas. Callie segurava com força a mão de Easy enquanto o pequeno avião pelejava com o vento. A cabine do avião era pequena e meio ultrapassada — as paredes eram revestidas de um material bege e grosso que parecia carpete — mas, para Callie, era o paraíso. Estava enroscada no banco ao lado de Easy, enrolada num delicioso cobertor quente que eles acharam dobrado no compartimento de cima. Ela olhava nos olhos azul-escuros de Easy enquanto ele tocava seu rosto e passava as mãos no cabelo dela. O toque de Easy era quente, e sua pele agradecida se banhava nele. Achou que jamais saberia o que era ficar aquecida de novo, mas Easy aparecera e a resgatara da morte certa por congelamento. E daí que ela estivesse a 50 metros daquele acampamento idiota? Ela não sabia disso. Mas o que, Natasha pretendia sair correndo no exato segundo antes que ela fosse tomada por ulcerações pelo frio? Vacas, todas elas. A mãe devia processar o lugar e acabar com aquele negócio. — Está bem aquecida? — murmurou Easy no ouvido de Callie. Ela aninhou a cabeça no pescoço dele, apreciando o cheiro doce de sua pele. — Estou bem — respondeu ela. — Mas faminta. — A vida era perfeita de novo. O zumbido do avião era como uma máquina do tempo, transportando os dois de volta ao dia em que se conheceram, na festa da Absynthe na sala de livros raros da biblioteca. Quase podia ouvir Benny berrando o poema que tinha escrito, como a lua simbolizava o que nunca podemos saber, como pendia acima de todos, alardeando seu caráter misterioso. Easy, que ficou olhando Callie a noite toda, revirou os olhos, depois pegou Callie com um olhar que a derreteu completamente, como se ele nunca visse uma menina na vida e ela tivesse despertado todos os seus sentidos. Ela levava a lembrança por tanto tempo que ficou até gasta, não conseguia recordar a seu bel-prazer como costumava fazer. Mas lhe voltou inteiramente enquanto beijava o pescoço de Easy, como se tudo tivesse acontecido ontem. Callie mal acreditava que já se passara mais de um ano. Ela se arrependia de tudo o que tinha feito para afastar Easy e fez uma promessa silenciosa a si mesma de que desta vez tudo seria diferente. Eles seriam diferentes, seria bom de novo. Ela nunca se sentiu tão otimista com nada na vida. Easy mexeu na bolsa de lona a seus pés e pegou uma barra de Snickers semidevorada. — É o máximo que posso fazer... Não acho que tenham aqueles saquinhos de amendoim nessa linha aérea. — Eu nem ligo. — Callie abriu a barra e a colocou na boca, saboreando o caramelo e o chocolate, sem pensar em quantas calorias estava consumindo. — Hmmmmmmmm — ela gemeu de prazer.
Easy beijou a testa de Callie, sentindo o calor de sua pele. Ele jamais admitiria em voz alta, mas estivera convencido de que encontraria o corpo congelado de Callie num banco de neve. Ele sabia que nunca seria capaz de se perdoar se suas palavras ásperas na festa fossem a razão pela qual ela fugira para as florestas do Maine, assustada por quão babaca ele podia ser. Quando viu Callie de joelhos na neve, teve certeza de que estava sonhado acordado, que era uma espécie de truque que sua mente lhe pregava, que passaria o resto da vida vendo-a em janelas de restaurantes, ou no trem, ou do outro lado de salas lotadas, sempre meio fora de foco, ou afastando-se quando ele tentava chamar sua atenção, levada pelo barulho que sempre parecia cercá-los. Mas não desta vez, pensou ele consigo mesmo, incapaz de tirar as mãos do cabelo louro e ondulado de Callie. Quando a pegou no chão e segurou seu corpo trêmulo, ele sabia que ia dedicar o futuro a agir direito com Callie. As desculpas dela pareciam a tagarelice de uma louca, mas ele sabia que ela era sincera, sabia o tempo todo que ela não era capaz das coisas que fez sem estar sob a influência de Tinsley e de outras conspiradoras da Waverly que sempre tentavam tornar a vida infeliz para todo mundo. Mas não Callie. Ele a conhecia, conhecia desde que a viu pela primeira vez. Easy percebeu com alguma vergonha que subestimou o quanto Callie era especial, o quanto eles verdadeiramente pertenciam um ao outro. — Nem acredito que eu fui tão babaca com você na festa. — Easy afagou o braço de Callie através do cobertor grosso e olhou o céu que clareava enquanto o aviãozinho contornava os prédios mínimos que compunham o aeroporto de Rhinecliff. Easy tentou não pensar na aula de química que teria dali a uma hora. — Você estava... muito linda. Eu queria ter dito isso. Callie ficou radiante, com manchinhas de chocolate pontilhando os cantos da boca. — Nunca é tarde demais. Easy se inclinou para beijá-la de novo. A boca de Callie tinha gosto de doce. O avião taxiou na pista do aeroporto de Rhinecliff, o sol finalmente saindo no horizonte. Easy apertou a mão de Callie, uma promessa entre eles de que as coisas desta vez seriam diferentes. — Eu te amo — disse ele. Ele gostou do olhar de surpresa de Callie, como na primeira vez em que disse isso. Callie pegou o cachecol de Easy, puxando-o para ela. — Eu sei. Podiam ter ficado assim pelo resto do dia, se o avião não tivesse parado num solavanco, o piloto desligando o motor e retirando os fones de ouvido. A cabine de repente se encheu dos barulhos diários da vida em terra. Eles desceram a escada de metal pela porta do avião de mãos dadas, recebendo o ar frio e limpo. Não fazia muito tempo que Easy estivera pronto para desistir da Waverly Academy — e de Callie Vernon — completamente. Se ele tivesse opção além do colégio militar, poderia ter ficado tentado a fazer as malas e pegar o próximo trem de Rhinecliff. Mas ele ficou, e percebeu que Callie era o tipo de menina que ele sempre desejou que fosse. Talvez nas férias de inverno pudessem ir a Paris juntos, só os dois. Fumar cigarros com cafés e croissants, dormir tarde, zanzar pelos quiosques de livros na margem do Sena. Ele até deixaria Callie arrastá-lo a uma daquelas butiques exclusivas nos Champs-Élysées. Mas todas as ideias de baguetes e Gauloises desapareceram do cérebro de Easy no meio da escada. O reitor Marymount estava parado no asfalto, com os lábios apertados numa linha fina. A Sra. Horniman estava ao lado dele, segurando uma garrafa térmica gigante de alumínio, com um imenso cachecol de lã que cobria as orelhas.
— Ah, merda — murmurou Easy, todo o corpo murchando. Callie apertou sua mão e olhou para ele em pânico, o cabelo louro e ondulado ainda desgrenhado. — Não pode estar enrascado... Você salvou a minha vida! — É, bom... — Easy mexeu no zíper da jaqueta e foi até os dois docentes, devagar, sem pressa nenhuma de alcançar Marymount. — A Horniman meio que... me colocou em condicional — explicou ele. — E me disse que se eu saísse do campus de novo... — Sua voz falhou. Ele não suportou olhar para Callie. — Reitor Marymount, eu posso explicar. — Callie falou, assim que eles se aproximaram com a voz tremendo de medo. Ela chutou uma pedra solta com uma bota de caminhada grossa que Easy nunca vira na vida. Mas o reitor Marymount não parecia estar com humor para explicação nenhuma. Ele mal olhou para Callie, concentrando todo o seu olhar em Easy. Com um sobretudo de lã preta e bolsas sob os olhos, ele parecia muito mais ameaçador do que com os coletes e suéteres de costume. O reitor tossiu nas mãos sem luvas. — Sr. Walsh — disse ele —, pode adivinhar se isto — ele gesticulou para o avião — viola ou não os termos de sua condicional? Easy tentou engolir o bolo gigante que tinha na garganta. — Acho que não preciso adivinhar, senhor — finalmente ele conseguiu dizer, ignorando o olhar imponente de Marymount e encarando o cascalho sob seus pés. Ele olhou de lado para Callie, cujos olhos estavam vermelhos e inchados, e pareciam estar prestes a se debulhar em lágrimas. Talvez ele e Callie afinal não tivessem uma segunda chance.
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AlisonQuentin: AimeuDeus, coitada da Brett! Alan disse que Jeremiah foi totalmente grosso. BennyCunningham: Ele disse alguma coisa sobre as fotos dela e Kara? Eu sabia que ela não ia durar com Heath — ele é 100% homem. AlisonQuentin: Ao que parece, Brandon deletou todas. Coitada da Brett. BennyCunningham: Não se sinta tão mal por ela. Eu vi que ela estava na biblioteca com aquele veterano seboso numa conversa intensa total. AlisonQuentin: O Seb? Tá brincando. Ele é um gato! Eles estavam juntos? BennyCunningham: É. Representante de turma a fim de um seboso? Não se anime.
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HeathFerro: EZ realmente impediu que Callie morresse numa nevasca? Que romântico! Eu nunca fiz isso. BrandonBuchanan: Ainda bem que você está melhor. HeathFerro: HF sempre volta de pé. Acha que Walsh vai ser expulso? BrandonBuchanan: Parece que sim. Soube que Marymount está furioso. HeathFerro: Vc vai largar a Sage e reconfortar Callie? Acha que pode cair de boca nas duas? BrandonBuchanan: Caraca, voltou a si mesmo. É bom ter vc de volta.
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CelineColista: Se EZ for expulso, eu vou sonhar com quem? RifatJones: Sempre pode tentar o Heath — soube que ele agora tem um lado sensível. CelineColista: Tá. Vai durar quatro horas.
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BrettMesserschmidt: Já soube? Jenny foi de carro ao Maine com Tinsley para salvar Callie. Não é esquisito? KaraWhalen: É, eu soube que T tentou alimentar um urso com a J! BrettMesserschmidt: Parece mesmo ela... Mas quando elas chegaram aqui, pareciam meio... bem uma com a outra. KaraWhalen: Será que a vida está desmoronando? BrettMesserschmidt: Talvez tudo faça parte de um plano mestre de T — fazer amizade com Jenny, depois destruí-la! KaraWhalen: Isso faz mais sentido =)
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JennyHumphrey: Oi. Vc achou uma luva rosa minha? TinsleyCarmichael: Pensei que tivesse dado ao garçom como lembrança. Ele estava caidinho por vc. JennyHumphrey: É, pedindo o seu número! Eu disse a ele que vc tem herpes... Espero que não se importe. TinsleyCarmichael: Não, ele era baixo demais mesmo. É mais o seu gênero. Anã. JennyHumphrey: Valeu, rainha do gelo. Vc é uma amiga de verdade. TinsleyCarmichael: Mantenha sempre os amigos por perto — e os inimigos mais perto ainda.
Fim
Infamous (Garotas em Festa)