Reportagem e Perfil

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Reportagem Perfil

Naturalmente Alternativa Por dentro da maneira distinta de levar a vida de Yung Quando é perguntada sobre quais estilos ela mais se identifica, logo responde “Se olhar para o meu cabelo e falar Emo...” e todos ao redor começam a rir. Essa é a bem-humorada Tawana Bonfimm Yung, de 19 anos, que tem uma vida praticamente igual à de todas as outras pessoas da sua idade, estuda, sai com os amigos, pratica esportes, mas por onde passa destaca-se, de forma positiva, por sua maneira de vestir-se e comportar-se. Ao passar deixa paz e alegria. Uma pessoa de opostos: mulher e menina, simples e complexa, séria e despojada, segundo suas palavras “Tenho essa coisa meio camaleão, consigo me adaptar a várias situações até por ter vários gostos”. Realmente a tribo com a qual mais se identifica não é a Emocore, para alívio da mesma, já que virou uma bagunça, “Tudo o que é diferente virou Emo, porque é o estilo alternativo mais próximo das pessoas”, mas isso sem um discurso preconceituoso. Quanto ao seu estilo, como as pessoas não a conhecem, já passou por uns problemas. “Uma vez eu quase apanhei de uns punks perto do Pátio Brasil. Eles pensaram que eu era um viado (risos). Muito páia (sic). Eu corri muito”. Contudo, lembra que esse tipo de atitude é muito rara, as pessoas geralmente vêem e respeitam. Nenhuma tribo conseguiria englobar o seu ser. O alternativismo seria o que mais consegue defini-la e pode dar uma base de como ela é e qual é a sua visão de mundo, mas foram “As outras pessoas que me rotularam como alternativa”. Seu estilo de se vestir é considerado alternativo pela combinação de roupas, mas é uma

coisa natural, ela compra o que a agrada e veste o que estiver no armário na hora. Como também trabalhou com moda, é bastante fashion. Apesar de não ser fácil abarcar todas as suas manifestações, o alternativismo sempre foi ligado às pessoas mais rebeldes e críticas. Nana Yung, como é mais conhecida, não se encaixa no estereótipo de “rebelde sem causa”, porém é crítica, não feroz, somente tem uma visão formada sobre os assuntos. “É muito difícil me convencer, um cara para me convencer de alguma coisa tem que ser bom, não que eu seja intransigente, é possível me convencer, mas não acredito no que as pessoas dizem facilmente”. Ao mesmo tempo ela é esperançosa, acredita que as coisas podem dar certo, e é isso o que a dá forças para seguir em frente e lutar pelo o que deseja. Batalhadora, nunca teve um emprego oficial, mas já trabalhou com uma tia nos Correios selando cartas; trabalhou com moda; no restaurante de um tio; desfilou com 16, 17 anos; fotografou casamentos; trabalhou em algumas festas como bargirl, pois havia feito teatro e aprendido algumas coisas circenses, como rodar malabares e cuspir fogo. Hoje ela não pára um segundo. Faz dois cursos superiores, Publicidade e Letras; participa do núcleo de fotografia em uma das universidades; malha no mínimo três vezes na semana; às vezes joga futebol com as “Peladeras”, grupo de futsal feminino de Brasília; e estuda francês e latim. Ademais, fala inglês e já fez street dance e balé. Como se percebe, é hiperativa, mas só descobriu isso depois que cresceu. “Filho de pobre não descobre que é

hiperativo, descobre que é danado e apanha por isso (risos)”. Teve uma infância de anos dourados, sempre fez muita coisa, e nunca foi suficiente. Hoje ela mora com oito pessoas, fora os parentes transitórios. Sua mãe é formada em Artes Cênicas e Plásticas, e hoje é engajada no meio político. Seu pai, já falecido, assim como sua mãe, marcou sua infância e a influenciou bastante. “Meus pais eram pessoas diferentes, minha família era diferente, por conseqüência fui uma pessoa diferente desde criança”. Por esse motivo, ela não se tornou alternativa, apenas descobriu-se. Pessoa de muitas habilidades, afirma que “Habilidade tem a ver com treinamento, não é nada excepcional ser mais ligada ao artístico porque sempre fui criada no meio, foram coisas que fui adquirindo naturalmente, de acordo com as experiências que tive quando era criança. Só tive as experiências mais cedo do que as pessoas costumam ter, esse seria o diferencial”. Do lado materno, pode-se dizer que ela herdou o lado cultural, desde pequena aprendeu a mexer com argila, fazer escultura, em casa tinha sua própria parede onde podia pintar e expressar-se à vontade, além de sua mãe influenciar para que gostasse de música, cinema e teatro. Seu “pai herói”, mesmo estando na sua presença somente até os doze anos, deixou marcas profundas no seu gosto musical e abriu um caminho para a cultura oriental, que é uma característica particular em sua vida. Seu pai sempre foi um grande fã de Chuck Norris e Bruce Lee, então desde pequena aprendeu a tomar gosto pelas

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Reportagem Perfil lutas. Já fez Kung Fu, Boxe Chinês, teve interesse por Aikido, por muitas lutas, Karatê mesmo, também já fez o boxe tradicional, “Quando você pratica uma luta, você conhece outras lutas, se interessa e acaba praticando várias”. De forma alguma ela é uma mulher bruta, somente luta pelo o que quer. Esporte é uma coisa presente no seu dia-a-dia, jogou vôlei por sete anos, jogou futebol, fez escalada e praticou outros inúmeros esportes. A presença oriental na sua crença começa a ser percebida quando ao responder se tem alguma superstição, diz que quase nunca sai sem um anel, que segundo disseram, ao dar a ela, podia trazer o equilíbrio para a pessoa, equilibrar a energia, fazer entrar nos eixos. Ela afirma que essa crença também vem da yoga, que não é apenas um exercício e sim uma filosofia. O Oriente é bastante vasto e abriga muitos pensamentos diferentes, mas existem umas coisas que são iguais como a questão de equilíbrio com as coisas, do respeito com o que está em volta, a busca de equilibrar-se para estar bem com as outras pessoas. Tawana sentencia, “Tem que ter fé, tudo o que você tem fé dá certo. Se você acreditar que uma camisa amarela vai fazer você ser ‘O Cara’, essa camisa amarela vai fazer você ser ‘O cara’”. Alternativa até mesmo espiritualmente, a religião que mais a completa é o Budismo. “Eu nem posso me dizer budista de fato porque ainda tem muita coisa que eu não conheço, mas é a religião que me identifico mais atualmente”. Sua família é católica, meio espírita, que acredita um pouco em Umbanda porque uma parte é de Salvador. Ela sempre viveu perto de muitas religiões e achava interessante, mas nunca se considerou uma pessoa religiosa. Fez catecismo, crisma, “mas eu definitivamente não me achava uma pessoa religiosa”. Depois começou a estudar muito a filosofia do Budismo e a se identificar com a questão de respeito das pessoas e da natureza. Apesar de nessa religião não haver um deus, ela acredita que exista, crê em algo mais forte que os homens não têm domínio, o Budismo seria apenas um estilo de vida. “Dentro da filosofia budista, isso é um ponto positivo,

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você pode ser budista e kardecista, budista e católico, não existe nada contra isso. Porque você acredita no que Buda diz, não significa que você não pode acreditar em Shiva, Jesus Cristo ou Maomé”. Apesar de ter dúvidas no âmbito de criar coisas, materializar, ela acredita também em Jesus Cristo, “mas todos os dias os homens operam milagres”. Com toda essa bagagem oriental, ela não tem descendentes de lá, apesar de ter uma semelhança japonesa. Sua admiração é quanto à evolução dos japoneses, ao respeito às pessoas, ao forte ensinamento. É difícil funcionar, mas “é uma coisa muito bonita alguém que está bem com tudo, é uma coisa quase zen”. Seu sangue é uma verdadeira mistura de povos, mas é basicamente indígena e alemão, já que seu avô veio fugindo da guerra. Sua família possui muitas particularidades, muitas histórias, a história mesmo do avô que era do exército e veio da Alemanha é uma delas. Mas a característica mais engraçada é jogar buraco, jogos no geral, é um vício do mais novo ao mais velho. “Minha família é quase que extremamente competitiva, só que de uma maneira saudável internamente, ser bom nos jogos é uma coisa cultuada na minha casa, mas só jogos nerds”. No geral, é uma família normal em termos, “É uma bagunça, é a famosa família Buscapé”, porém não tem muitos absurdos, a avó é bem mais liberal que a mãe, geração invertida. Segundo Tawana, sua mãe ficou mais protetora depois que seu pai faleceu.

É exatamente sua família o que a deixa orgulhosa, principalmente sua irmã de 17 anos que está terminando o ensino médio, “ela é muito nerd”. Seus amigos também são muito especiais, “São pessoas que me fazem crescer, eu olho para elas e penso ‘que bom, essa pessoa está bem’, isso para mim já é suficiente”. E por prezá-los, tem amigos de todos os jeitos, se dá bem com todo mundo. O momento em que conheceu essas pessoas é considerado por ela um dos momentos mais marcantes de sua vida; assim como o momento em que nasceu, não que ela se lembre obviamente; e quando aprendeu a andar de bicicleta. Como todas as pessoas, alguns momentos não foram os mais agradáveis, como quando seu pai morreu; quando perdeu muitos quilos por uma doença; quando teve catapora aos 15 anos e foi obrigada a ter uma espécie de reclusão; e a primeira vez que não passou no vestibular. Escolher o curso de vestibular naturalmente foi a decisão mais difícil a ser tomada, já que era uma vestibulanda nata e pensava em vários cursos. De acordo com ela, foi em um momento de “teoria das três da manhã”, enquanto estava curtindo com os amigos, deixando claro que ela não bebe, mas se diverte do mesmo jeito, que falou uma das frases mais inteligentes para ela: “Todas as pessoas inteligentes têm dúvidas”. Depois que percebeu a veracidade deste pensamento, “O tempo todo se pode estar achando que se está fazendo o que é certo e depois descobrir


Reportagem Perfil que não adianta porque não é nada daquilo”. As coisas na sua vida aconteceram muito bem, não há nada da qual se arrependa. Ficou um ano parada estudando, em vez de ter entrado na universidade no meio do terceiro ano, como teve opção, mas por ser uma pessoa otimista e por estar hoje fazendo até mesmo dois cursos, não vê isso como uma perda de tempo. “Trabalhei, estudei mais algumas coisas do ensino médio que deveria saber, reforcei, ganhei uma bagagem cultural muito grande. Sou uma pessoa que leio muito, então ganhei muito conhecimento que me trás muitas oportunidades de vida”. Hoje vê que fez a escolha certa ao estar estudando Publicidade nesse momento da sua vida, já que quer trabalhar na área de fotografia e cinema, “Mas eu sou tão definida que faço dois cursos (risos)”. Os alternativos levam uma vida diferente das outras pessoas, alguns porque querem ser os “do contra”, mas não é o caso da Yung. O conhecimento de coisas que poucas pessoas conhecem, o “conhecimento alternativo”, é que acaba determinando o dia-a-dia que a pessoa leva. “O intelecto e o estilo de vida são duas coisas interligadas. Eu tenho necessidade de conhecer filmes, bandas, ir ao teatro para suprir minha vontade intelectual, quer dizer, pego e crio um estilo de vida em cima disso, crio hábitos”. Um dos seus vícios é justamente o cinema. Ela gosta de todos os tipos, seja hollywoodiano, seja iraniano ou europeu, o importante é ser bom. A única coisa que diferencia um do outro é a intenção na hora de ir assisti-lo, se é para se entreter, ou para olhar a técnica, por exemplo. Suas influências no cinema são inúmeras, os principais são Tarantino, cinema dinamarquês, Danny Boyle, aquela coisa do punk. Gosta do Almodóvar (que seria o mais famoso no meio alternativo), Stanley Kubrick, do Laranja Mecânica. Já nos filmes franceses o que admira é a imagem. Outro destaque é Bernardo Bertolucci, diretor do The Dreamers, e não pára por aí, “Tem muita gente boa”. Gosta muito de descansar, ver televisão, “trocar de canal é uma mania”. Durante a semana está na faculdade e

quando não está em casa estudando, vai para a academia. Também gosta de teatro, ou balada mesmo, porque tem amigos que tocam e eles a chamam sempre que tem festas, “mas se tiver que ficar em casa eu gosto também, ver filme, comer pipoca...”. Outra paixão é a música. Toca instrumentos, piano quando criança, atualmente instrumentos de corda. Já tocou em banda, estava aprendendo a tocar bateria com seu primo, mas no momento está parada. Sobre os estilos de música afirma “Sou muito eclética, meu gosto vai desde o maracatu ao eletro rock, muita coisa... Canto até Victor & Léo”. Comer é uma tentação, porém ela pode esbaldar-se já que não tem propensão a engordar. Alternativa até na mesa, ela é vegetariana. Foi uma extremista por muito tempo, até ter uma doença que a deixou muito magra. Depois disso, por conselho de uma nutricionista, voltou a comer peixe e alguns frutos do mar, mas nunca sentiu falta, “Eu nunca gostei de comer carne, no meu prato era simbólica, eu colocava um pedaço porque minha mãe falava que tinha que comer”. Nana se considera uma pessoa de fácil acesso, de bom relacionamento e simpática. É muito raro sentir raiva de alguém, quando tem algum problema prefere guardar para não atingir o próximo. Quanto aos defeitos assume que às vezes é teimosa e completa “Eu tento dosar as coisas, me acho uma pessoa equilibrada, reconhecer defeitos é uma coisa muito ‘divã’, não sei todos os meus defeitos”. Além disso, é muito fácil agradá-la por ser simples, e simplicidade é algo que admira e busca nas outras pessoas. Apesar de considerar a imagem importante, já que trabalha com isso, não considera a beleza física o ponto mais importante. Procura ver a beleza nos detalhes e não gosta de complicação, isso é inteligência para ela. Odeia autoritarismo, sobreposição de idéias e coisas básicas como inveja e falar mal por trás, mas principalmente não gosta de injustiça e desrespeito com as pessoas. Se algum dia tiver poder para fazer alguma coisa em relação, pretende ajudar crianças. “O principal é trabalhar a pessoa enquanto é nova,

sou hoje o que sou porque meus pais me ensinaram o que precisava enquanto estava em processo de formação. É muita sacanagem o que umas crianças passam”. Sua família já tem uma creche e por isso tem esse espírito solidário. Contudo, sabe que o caminho é longo e cheio de pedras, “A gente não muda o mundo assim, de um dia para o outro, é uma coisa que vai entrando devagar na cabeça das pessoas para que todo mundo passe a pensar e possa fazer alguma coisa a respeito”. Para o futuro pretende se formar, aprender muitas línguas, fazer Eurotrip, viajar. Ter uma vida sossegada, basta ter computador, cama, televisão, controle remoto e “comida, muita comida (risos)”. Como não tem vergonha, às vezes, procura extravasar, uma vez até pulou de um carro em movimento, “Estava a uns 30 km por hora, senti vontade, abri a porta e pulei, foi um tombo muito doido (risos)”. Tawana vive intensamente cada momento de sua vida, que não é totalmente diferente das demais, é apenas naturalmente alternativa, e termina ao dizer “As pessoas acabam perdendo a oportunidade de ter esse acréscimo que só as culturas alternativas podem proporcionar”.

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Reportagem

Direito de ser GAY Os homossexuais que durante muitos anos foram oprimidos, agora saem do armário e lutam por seus direitos Por Bruno Dantas “A orientação sexual não é uma escolha”. Essa foi o nome da campanha patrocinada pelo Ministério de Igualdade de Oportunidades e por grupos de defesa dos direitos dos homossexuais da Itália. Em outra campanha publicitária uma anorexa aparecia nua, nessa um recém-nascido é identificado como homossexual, em alusão ao fato de, segundo os próprios gays, já nascerem com essa orientação. Obviamente ambas as publicidades causaram muita polêmica, sendo a Igreja e os conservadores os principais críticos. Forza Italia, partido de Silvio Berlusconi, comentou em Toscana, local onde a foto foi veiculada em outdoors e postais, que “para afirmar um modelo alternativo de sociedade, na qual domina a indeterminação sexual, a região Toscana não vacila em utilizar um recém-nascido de forma instrumental e ideológica”. Porém os partidos liberais e organizações dos direitos humanos apoiaram a iniciativa. O grupo LGBTT de Brasília – Estruturação (ver Box 1) – também fez uma campanha, restrita aos ambientes GLS, porém em vias públicas, em que o tema era “Na adolescência acontecem as primeiras declarações de amor. E todas elas merecem respeito”. Foram utilizados cartazes e faixas com uma arte e inscrições que imitam as frases de amor escritas em árvores por casais apaixonados. O objetivo segundo Welton Trindade, presidente do Estruturação, foi mostrar que o amor e o desejo entre pessoas do mesmo sexo acontecem da mesma forma dos heterossexuais, nem melhor, nem pior, apenas normais e legítimos. Essas foram umas das campanhas que são divulgadas para maior aceitação dos gays e têm o objetivo de acabar com estigmas contra segmentos da sociedade, como por exemplo, de que o homossexualismo seria uma doença ou distúrbio, sendo que essa possibilidade já foi descartada pela Organização Mundial de Saúde (OMS). Essa questão, contudo, não foi esqueci-

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Cartazes das campanhas brasiliense (esquerda) e italiana (direita)

da, já que cientistas americanos de três universidades de Chicago começaram uma pesquisa, intitulada “Estudo da Genética Molecular da Orientação Sexual”, que procura investigar uma possível relação da homossexualidade com o DNA. Segundo Alan Sanders, da Evanston Northwestern Healthcare Research Institute, um dos próprios líderes da pesquisa, é provável que não seja encontrado nenhum gene que “provoque” o homossexualismo, mas disse que espera observar a existência de vários elementos que estimulem a homossexualidade quando interagidos com o ambiente. Mesmo que seja comprovado que haja alguma carga genética que cause ou estimule o homossexualismo, alguns gays vêem nisso uma possibilidade de se fazer entender e provar que essa orientação sexual não é uma coisa imoral, como alguns conservadores dizem, e sim, algo motivado pela genética. Rafael* (ver Box 2) declara, “Acredito muito na comprovação cientifica genética a respeito do fato em questão, já que tira a hipótese de ‘doença’ ou ‘pecado divino’, e por ser da área da saúde e trabalhar no campo de pesquisa e educação ficou muito feliz com as últimas descobertas”. As descobertas em questão se referem ao fato de biólogos da Universidade de Utah, nos Estados Unidos, conseguiram manipular geneticamente um grupo de nematóides (espécie de parasitas) para que eles fossem atraídos por animais do mesmo sexo. A experiência traz novas evidências de que a orientação sexual de um indivíduo pode ser profundamente influenciada por fatores genéticos. “Existe um debate sobre se o cérebro é influenciado por hormônios sexuais produzidos nas glândulas sexuais ou se um comportamento é derivado apenas da função cerebral”, disse Erki Jorgensen, chefe da equipe que organizou o estudo, “Neste caso, está claro que o cérebro é sexualizado”. O estudo foi publicado na revista científica Current Biology.

A infelicidade mascarada

A intolerância e o preconceito são o que fazem os homossexuais levarem uma vida periférica em relação à sociedade, já que o medo e a insegurança andam presente no dia-a-dia dessas pessoas. Apesar de estarmos no século XXI e haver a Declaração dos Direitos Humanos para ampará-la, ainda acontecem muitos casos de violência contra a comunidade GLS. Um dos últimos casos foi o do assassinato de Osvan Inácio dos Santos, de 19 anos, que ocorreu no dia 15 de setembro em Alagoas. Ele foi violentado sexualmente e espancado logo após sair do local onde havia ganhado o concurso de Miss Gay Arapiraca. A causa da morte ainda não foi confirmada, apesar de se ter quase certeza de que foi motivada por discriminação, pois havia ferimentos nos genitais do rapaz. Porém os criminosos ainda não foram encontrados. A violência física talvez ainda não seja a pior maneira de desmoralizar um gay. A violência verbal, segundo alguns psicólogos, pode causar conseqüências para toda a vida. Esse tipo de agressão geralmente começa na infância, e se o homossexual se assume ou é visto como efeminado esse “fantasma” o persegue no ambiente familiar e profissional. De acordo com Edith Lopes Modesto, escritora e fundadora do primeiro grupo de pais de homossexuais pela internet, “Os homossexuais desde cedo se percebem diferentes e aprendem que são considerados inadequados. As pessoas injustamente os vêem como anormais. Eles têm que esconder a homossexualidade de colegas, vizinhos e, principalmente, de seus pais! Vivendo em conflito, se fecham em si mesmos. Eles têm poucos amigos e, sobretudo, não têm quem os oriente. Qualquer criança quando jovem, quando sofre, procura a mãe: ‘Mamãe, fulano me chamou de tampinha... de gorducha... de


Reportagem quatro-olhos...’ Os nossos filhos homossexuais, quando ofendidos, ao contrário, tendem a se retrair, não denunciando nem procurando ajuda, pois sabem que a sociedade discrimina o diferente. E sofrem calados, sem poder se dar o direito da proteção materna. Ficam sós, jogados à própria sorte, lutando em segredo contra o seu autopreconceito e contra o preconceito social”. Essa retração e o fato de ser considerado, e se considerar, excluído levam muitos jovens a ter atitudes extremas. No último dia 14 de novembro, cerca de trinta especialistas na saúde da comunidade GLBT se reuniram nos Estados Unidos para discutir a alta porcentagem de suicídios que ocorrem entre os homossexuais. Uma pesquisa americana já afirmava que o índice de suicídios entre jovens gays é três vezes maior que entre os heterossexuais, porém ainda não há dados conclusivos sobre a extensão do problema, mas está claro que as elevadas taxas de depressão e solidão influenciam os jovens a tirar a própria vida. Ademais, eles discutiram medidas preventivas, já que há pouca atenção para entender os fatores específicos que podem contribuir para proteger a população do suicídio. As questões físicas e mentais da comunidade GLS também estiveram em pauta e foram analisados, por exemplo, os riscos do uso de drogas como influência. O encontro durou dois dias e foi organizado pela American Foundation for Suicide Prevention (AFSP) e a Gay and Lesbian Medical Association (GLMA). De certa forma, quanto mais desenvolvido o país é, e principalmente se for do Ocidente, maior são a tolerância e o respeito, nada que chegue a ser o ideal, mas não se compara a países como os do Oriente Médio, que ainda têm métodos brutais e desumanos para combater esse “mal” que aflige a sociedade. Prova maior de negação do homossexualismo, foi a declaração do presidente do Irã, Mahmoud Ahmadinejad, no dia 24 de setembro em Nova York, onde participou da Assembléia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), em que dentre outras coisas, depois de questionado sobre os abusos sofridos por mulheres e homossexuais no seu país, afirmou que “Nós não temos homossexuais no Irã e as mulheres têm liberdade”. Muitos gays e crimes provam o contrário. Em julho de 2005 dois gays, sendo um de 18 anos e outro de menor, foram enforcados em praça pública na cidade de Mashhad, nordeste do Irã, por terem mantido relações sexuais. Segundo a lei islâmica, em que a Justiça iraniana é baseada, o sexo gay é punido com pena de morte. Os

acusados, na época, afirmaram terem tido relações quando o maior tinha 16 anos, mas desconheciam a lei. A clemência não foi aceita e ambos ficaram presos por 14 meses e receberam 228 chibatadas cada um antes de serem executados. Obviamente o governo do país negou, dizendo apenas que foram mortos por terem estuprado um garoto de 13 anos. Já nesse ano, políticos iranianos reconheceram que o governo executa os homossexuais. A revelação ocorreu durante um encontro da União Inter-Parlamentar entre políticos britânicos e iranianos em maio passado, mas só agora o jornal The Times teve acesso às conversações do dia. O periódico apurou que quando o parlamentar Mohsen Yahyavi foi questionado sobre a execução da comunidade GLBT no país, ele disse que os homossexuais deveriam ser mortos, ou torturados, se possível os dois, para ele “a homossexualidade é contra a natureza humana e os humanos estão aqui para reproduzir. Homossexuais não reproduzem”. Essa também é a base da crítica cristã. Por parte católica, muitos os consideram contraditórios, já que os próprios padres não se reproduzem. Religiosos e conservadores também se valem de versículos bíblicos como, por exemplo, Levítico 17,22, em que diz “Não te deitarás com um homem, como se fosse mulher: isso é uma abominação”. Porém nesse caso entra a crença pessoal. A homossexualidade sendo considerada “correta” ou não, não pode ser combatida com violência e o respeito é a base das relações. Infelizmente, não só os países do Oriente Médio como muitos outros continuam a

utilizar leis desumanas e a discriminar desmascaradamente os homossexuais. Na Cingapura, apesar dos esforços de grupos ativistas gays e outras personalidades simpatizantes, o Parlamento descriminalizou a sodomia entre heterossexuais, mas manteve a pena de prisão de dois anos aos homossexuais que forem pegos no ato sexual. O prefeito de Moscou, Yuri Lushkov, foi inocentado de difamação por ter dito em janeiro passado que a Parada Gay era “um ato de satã”. A Parada acabou em agressões e prisão, já que foi barrada pelo segundo ano seguido pelo prefeito. E semana passada os Estados Unidos concedeu asilo a um jamaicano ameaçado de morte em seu país por ser gay. No Brasil, para tentar suprir a ausência de informações e dados sofre violência sofrida pela comunidade homossexual, o Centro de Referência GLBT de Campinas, da Secretaria da Cidadania, Trabalho Assistência e Inclusão Social, lançaram no dia 7 o Mapa da Violência e Discriminação. Esse Mapa é resultado da coleta de dados que se referem a crimes no ano 2006 em Campinas, o objetivo é ajudar a implantação de medidas que combatam tais atos. Nesse ano o Centro de Referência coletou 56 denúncias, sendo que 51,8% dos relatos são sobre violência verbal e 23,2% violência física. Os gays foram os mais vitimados, sendo seguidos pelas travestis. Apenas 10% das pessoas agredidas fizeram um boletim de ocorrência e 50% não conseguiram reconhecer o agressor. Um dado preocupante é que 8,9% das agressões partiram de comerciantes. O grupo homossexual de Brasília afirmou que dentro de uns 15 dias sairá um levantamento da

Box 1 – A Estrutura brasiliense O Estruturação – Grupo Homossexual de Brasília é uma organização não-governamental e sem fins lucrativos. O grupo, fundado em 9 de janeiro de 1994, é a entidade de trabalho pela defesa, garantia e promoção da cidadania de lésbicas, gays, bissexuais, transgêneros e transexuais (LGBTT) mais antiga do Centro-Oeste e uma das que existem há mais tempo no Brasil. Como reconhecimento de sua ação inovadora e ampla, o Estruturação recebeu o Prêmio Nacional de Direitos Humanos 2003, concedido pela Presidência da República. Essa foi a primeira e única vez em que tal honraria, a mais importante de Direitos Humanos do país, foi concedida a uma organização LGBTT. O Estruturação é membro-fundador da Associação Brasileira de Gays, Lésbicas e Travestis (ABGLT) e filiado à Associação Internacional de Lésbicas e Gays (ILGA), que atua em vários países. É a entidade brasileira mais citada em relatórios de ações de 2003 da América Latina, feito pela International Gay and Lesbian Human Rights Commission, dos EUA. O grupo fez a 1ª campanha de prevenção de DST/Aids para lésbicas no Carnaval; tem o único time de futebol de lésbicas, mulheres bissexuais e simpatizantes da América Latina; é uma das únicas organizações de bissexuais do Brasil; também fez a 1ª campanha de voto consciente para eleitorado LGBTT (eleições 2002); é a entidade LGBTT que mais possui núcleos de ação no Brasil; e é uma das entidades da América Latina que mais promove reuniões para o público. Site: www.paroutudo.com/estruturacao

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Reportagem situação na capital federal, o relatório será divulgado no site do Estruturação. Um estudo desenvolvido pela Escola de Negócios e Economia Whittemore, da Universidade de New Hampshire, divulgado no mês passado pela Reuters, mostrou que a discriminação contra os gays, por exemplo, é mais comum em profissões de baixa qualificação, como nas áreas de construção e limpeza. A pesquisa durou dois anos e analisou dados de trabalho e renda de 91 mil casais héteros e homossexuais, obtidos no censo norte-americano de 2004. Os dados também mostram que os gays são mais discriminados que as lésbicas no ambiente de trabalho e ganham 23% a menos do que os héteros casados.

Homossexuais, parte da sociedade

A comunidade gay, nos últimos anos, vem vencendo a guerra contra a discriminação e conquistando seus direitos. O tema cada vez mais vem sendo tratado em debates, conversas, e a mídia tem uma papel decisivo nessa maior aceitação dos homossexuais. Nos últimos anos várias novelas têm personagens gays no seu elenco. Foram cerca de 30 novelas que englobaram esse tema e mais de 50 personagens homossexuais. Porém somente nos últimos anos o tema é tratado de uma forma mais séria e ocupa um papel mais importante dentro da trama. Os últimos exemplos a se destacar são: os personagens Júnior (Bruno Gagliasso) e Zeca (Erom Cordeiro) na novela América, o drama deles cativou o público, mas decepcionou a comunidade GLS ao vetar o beijo entre os dois no último capítulo; na novela Paraíso Tropical, o êxito foi mostrar o relacionamento, estável e discreto, sem estereótipos, que Tiago (Sérgio Abreu) e Rodrigo (Carlos Casagrande) levavam; já em Duas Caras, do autor Aguinaldo Silva, um dos que mais escreveu personagens homossexuais, a cena que recentemente mais causou polêmica foi a que Bernardo (Nuno Leal Maia) pega seu filho Bernardinho (Thiago Mendonça) dormindo abraçado na cama com outro rapaz; no escândalo causado, o pai chega a dizer “Eu queria que ele tivesse morrido de meningite quando era criança, juro por Deus” e depois discutem a possibilidade de chamar um exorcista, referindo-se ao filho como uma pessoa anormal e à homossexualidade como doença. Atualmente ainda há personagens gays nas novelas Caminhos do Coração, interpretado por Cláudio Heinrich, o Danilo, e em Dance Dance Dance, com o personagem Christian (Lorenzo Martin) que recentemente se assumiu para a sua família. Também já está confirmado que na próxima minissé-

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Box 2 – A face de um mascarado Rafael*, 25 anos, enfermeiro e mestrando, é bastante incisivo ao declarar “Somos os negros de um passado recente, sofrendo paralelamente o sofrimento a eles um dia dedicado”. Ele não se declara um ativista da causa homossexual, mas sim, um lutador pelo respeito, e para se ter direito a tal, os gays devem se dar mais respeito, essa seria a chave para o reconhecimento de uma boa causa. O que comumente as pessoas não entendem é que não ocorre uma “descoberta” da homossexualidade, está ligada a natureza do ser, e com o Rafael não foi diferente. “É algo além do instinto sexual. Nascemos homossexuais”. Quando se atentou aos instintos de querer descobrir o sexo, somente pôde ter uma confirmação após ter tido relações heterossexuais e homossexuais, experimentando com essa última um sentimento de plenitude. No começo teve medo e repulsa, já que todos são educados com padrões dogmáticos de que o ato gay é errado, mas depois se aceitou com naturalidade. Teve uma infância perfeita, menino de classe média alta, estudou desde os três anos, nunca teve uma religião, mas obteve uma educação moral e cristã. Somente um irmão que o importunava ao dizer “esse menino vai ser gay”. Não assumido completamente até hoje, iniciou seus relacionamentos homossexuais com 21 anos. O primeiro namoro durou mais de um ano, mas foi difícil, o companheiro era complicado e foi este quem em um acesso de raiva contou para a mãe de Rafael sua verdadeira orientação. Rafael foi expulso de casa por dois meses. Durante a descoberta conversou com sua mãe, já que ela, como todas as outras, pensa que o filho vai passar a usar saia e criar trejeitos femininos. Com o tempo provou o contrário, mostrou que nada mudava e que havia uma parte da comunidade GLBT que merecia respeito, mas não era o seu caso. “Lembro do dia que ela me ligou de volta ‘Filho, eu te amo, volta para casa... A gente vai aprendendo a viver juntos’. Foi a melhor notícia recebida, acredito que na minha vida toda”. Depois disso, só veio o alívio. Hoje está tudo ótimo em relação à família, somente um irmão que nunca o aceitou e segundo o Rafael “Também não tem obrigação de me aceitar, cada um sabe e tem uma maneira de pensar, só deve me respeitar assim como faço com ele”. Contudo, apesar da família saber, ele não se assume para a sociedade, somente seus amigos de fato sabem e nada mudou por isso. O fato de “tirar a máscara” para todos, complica na hora de conseguir um emprego e o preconceito sempre existe, mesmo que seja silencioso. Por isso, não sofre discriminação diretamente, mas quando está com alguns amigos efeminados sempre ouvi piadinhas do tipo “Vira homem!”. Do mesmo modo freqüenta o meio GLS, assim como o hétero. Gosta de coisas que indeferem à sua orientação, como dançar, ler, conversar e escrever coisas. E trabalha em um plano de saúde, onde está muito satisfeito. Já namorou quatro vezes, inclusive com uma travesti. Sua mãe conheceu todos e o motivo da separação sempre foi traição ou mentira. “Falta nos homossexuais hoje uma maior educação voltada à monogamia e o sentimento dedicado à reciprocidade”, queixa-se Rafael. Como todos os outros gays, ele tem esperança, “Espero no futuro a mesma perspectiva que ocorre com os negros, uma melhoria lenta, mas uma melhoria no quesito respeito”. * O nome foi trocado para preservar a identidade do entrevistado. rie global Batismo de Sangue, de Helvecio Ratton, uma travesti será interpretada por Odilon Esteves. Não é só nas novelas que a comunidade GLBT vem ganhando seu espaço, até o cinema, que é considerado um meio mais liberal para tratar de temas polêmicos, vem fazendo grandes filmes em que a temática principal é homossexual. Um dos últimos grandes sucessos foi O Segredo de Brokeback Mountain (Estados Unidos, 2005), dirigido pelo taiwanês Ang Lee. Um filme espetacular, rude como os personagens e sensível “por dentro”, tem algumas cenas fortes, mas nada vulgar, enfim, soube mostrar o poder de um amor escondido entre os caubóis Ennis Del Mar (Heath Ledger) e Jack Twist (Jake Gyllenhaal). Ganhou três prêmios Oscars, o almejado Leão de Ouro, Me-

lhor Filme de 2005 pela Associação de Críticos de Filmes de Los Angeles, Melhor Filme do ano pelo Sindicato de Produtores dos Estados Unidos, além de quatro prêmios na 63ª edição do Globo de Ouro. Ao que tudo indica não pára por aí, a tendência agora é que os gays ocupem seu lugar em folhetins, filmes e, conseqüentemente, na sociedade. Aos poucos os preconceitos vão sendo quebrados e os homossexuais serão vistos como pessoas normais, com suas diversidades, como é até percebido através de novelas, onde aparecem os gays “afetados”, os revoltados, os românticos, e a lista segue adiante. Mas ainda há muito caminho pela frente, principalmente tratando-se de homosse-


Reportagem xuais homens e travestis. Um exemplo é a diferença de aceitação entre gays e lésbicas. Na novela Senhora do Destino, o casal de lésbicas a todo o momento davam selinhos e em determinada cena elas aparecem abraçadas na cama, aparentemente nuas, o episódio não foi tão criticado, porque não há “problema” ver duas mulheres agarrando-se, é até uma fantasia sexual de alguns homens, já um beijo gay não é visto com bons olhos. Talvez somente quando o machismo da sociedade for superado é que essas barreiras poderão ruir e, assim, haver uma maior igualdade até mesmo na representação da realidade. No dia-a-dia, e ao redor do mundo, muitos homossexuais estão lutando por seus direitos, e melhor, estão conseguindo. A conscientização de héteros contribui para uma maior igualdade. Um caso que chamou a atenção, em Hollywood recentemente, aconteceu na série médica Grey’s Anatomy. O ator Isaiah Washington foi demitido depois de chamar seu colega de trabalho, o agora assumido T.R. Knight, de “faggot” (bicha, em inglês) nos bastidores da série e na sala de imprensa da 64ª edição do Globo de Ouro, em janeiro passado. Após esse episódio, não só T.R., como outros atores, gays ou não, vêm lutando contra o preconceito. A comunidade gay americana também comemorou o fato de a Igreja Batista de Westboro (Kansas) ter de pagar 10,9 milhões de dólares por protesto homofóbico durante o funeral de um fuzileiro naval americano morto no Iraque. O processo movido pelo pai do fuzileiro, acusa a Igreja de mandar alguns de seus membros ao funeral levando cartazes em que se liam “Graças a Deus pelos soldados mortos”, “Você está indo para o inferno” e “Deus odeia bichas”. Conforme publicou a BBC, um promotor havia pedido para que a punição fosse forte para desencorajar outros atos semelhantes a este. Já no Brasil, o banco HSBC revolucionou ao anunciar que os funcionários homossexuais podem incluir parceiros nos planos de saúde e odontológico. Já em São Paulo foi assinado no dia 24 de outubro, um Termo de Cooperação Técnica e Institucional que facilita a luta contra a homofobia na cidade. Todas as denúncias serão encaminhadas à Secretaria de Justiça para instauração de inquérito. São Paulo, por sinal, é uma cidade destaque por conseguir reunir cerca de três milhões de pessoas na maior Parada do Orgulho GLBT do mundo. E várias outras cidades dão sua contribuição, como Salvador que reuniu 600 mil pessoas na sua Parada. Vários países têm avançado muito nessa batalha por dignidade. Em Jerusalém,

esse ano foi um ano de vitória. Os participantes da Parada foram protegidos todo o tempo por policiais, já que no ano passado foi cancelada por protestos de judeus ultraortodoxos e em 2005 um judeu feriu três participantes com uma faca, ele foi condenado a 12 anos de prisão.

Parada do Orgulho Gay de Jerusalém

Talvez o maior dos direitos conquistados pela comunidade GLS, em alguns países, seja poder ter uma união reconhecida pelo Estado. Em 2005, o primeiroministro da Espanha, José Luis Rodríguez Zapatero, legalizou o casamento gay indo ainda mais longe, referindo-se como “matrimônio”, o que elimina qualquer distinção do casamento heterossexual, e para completar, ainda permitiu que casais gays adotassem crianças. Conseqüentemente houve muitos protestos, mas nada que pudesse acabar com a comemoração dos homossexuais no país. Outros países também adotaram essa política como a Holanda e a Bélgica. Os governos da Áustria e da Irlanda apresentarão projeto de união civil homossexual em 2008, além, deste último, permitir a adoção de crianças pelos casais. A África do Sul legalizou o casamento em novembro passado. E a capital argentina Buenos Aires, em 2002, teve a união civil entre pessoas do mesmo sexo aprovada. A América Latina como um todo vem sendo influenciada pela legalização espanhola. Um exemplo é o caso dos mexicanos Gilberto Aranda e Mauricio List que após viverem muitos anos juntos conseguiram, em abril, se unir civilmente na Cidade do México. Uma pesquisa divulgada no último dia 8, pela ABC News/Washington Post, revela que 55% dos americanos são a favor da união civil homossexual, embora a maioria ainda seja contra o casamento gay. O estudo também revela o crescimento da aceitação. Em 2004, a união era aceita por 51% da população e em 2006 havia caído para 45%. Grande parte da aceitação vem dos democratas, enquanto a crítica parte dos republicanos. Outro dado interessante da pesquisa, realizada por telefone com

1131 pessoas entre 29 de outubro e 1° de novembro passado, mostra que a maioria das pessoas a favor da união tem faixa etária de até 30 anos.

Brasil em busca da diversidade

No governo brasileiro a comunidade GLBT tem muitos aliados que vem influenciando para que alguns projetos sejam aprovados. Em outubro foi aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania da Câmera dos Deputados o Projeto de Lei 81/07, da deputada Fátima Bezerra (PT-RN), que institui o dia 17 de maio como o Dia Nacional de Combate à Homofobia. Por ser de caráter conclusivo o PL, que já havia sido aprovado pela Comissão de Educação e Cultura, seguiu direto para o Senado onde aguarda apreciação. Outra Fátima tem ajudado bastante os gays a adquirirem seus direitos. Está em tramite no Senado Federal o parecer da senadora Fátima Cleide sobre o PLC 122/2006, que criminaliza a homofobia em âmbito nacional e do qual é relatora. Os motivos para sua aprovação são vários. Ainda não há proteção na legislação federal contra a discriminação por orientação sexual e identidade de gênero, portanto, 10% da população do Brasil, segundo o Relatório Kinsey e o Grupo Gay da Bahia, continuam sofrendo discriminação e abusos de forma impune. Muitos países, inclusive da UE já perceberam a importância de legislação desta natureza, e o Brasil ainda não deu um passo em direção à igualdade social independente de sexo. Além disso, com a aprovação do Projeto de Lei, o Brasil seria um destaque em toda a América Latina como um país que preza a diversidade e promove a paz. Vários setores fazem uma crítica feroz ao Projeto, principalmente setores religiosos fundamentalistas, em especial os cristãos. Parte da população também é contra, como podemos ver nas palavras de Jorge, de 36 anos, “Com a aprovação da lei, o país virará um pandemônio, homossexuais poderão ficar se agarrando em frente a nossa casa e nada poderemos fazer, nem mandá-los sair, pois poderemos ser acusados de homofóbicos”. Essas críticas, em sua maioria, não têm argumentos objetivos e concretos, apenas são carregados de informações parciais, idealismos religiosos, principalmente bíblicos, e preconceitos. Os opositores não levam em conta o mérito do Projeto, sua adequação, o avanço quanto aos direitos humanos ou o respeito legal. Algumas críticas ainda tentam desqualificar o Projeto procurando brechas que, segundo eles, são inconsistentes. Julian Rodrigues, do Instituto Edson Neris e consultor do projeto

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Reportagem Aliadas, no site deste último, contestou algumas dessas críticas. A primeira acusação seria de que o PLC 122/2006 restringe a liberdade de expressão, porém essa é uma mentira já que o Projeto apenas pune condutas e discursos preconceituosos, como no caso do racismo. Entretanto, a liberdade de expressão não é absoluta ou ilimitada, ela não pode servir de desculpa para justificar crimes, difamação, preconceito, ataques ou outras ações ilícitas. Outra afirmação é de que a lei ataca a liberdade religiosa. O Projeto de forma alguma interfere na liberdade de culto ou pregação religiosa, o que será coibido são as manifestações notadamente discriminatórias, ofensivas ou de desprezo, particularmente à comunidade GLBT, esteja partindo de alguma instituição religiosa ou não. A Igreja pode manifestar livremente juízos de valor teológicos, como considerar a homossexualidade um “pecado”, mas não propagar inverdades científicas, principalmente através da mídia. Nada e ninguém está acima da Constituição. Uma última “inconsistência” se refere ao fato dos termos ‘orientação sexual’ e ‘identidade de gênero’ serem inconsistentes e não definidos no PLC. Essa acusação é que é inconsistente já que esses termos são consolidados cientificamente em várias áreas do saber humano, além disso, a legislação penal está repleta de exemplos de definições que não são explicadas na lei. De acordo com cada caso, cabe ao juiz decidir se houve preconceito ou não em virtude dos termos descritos na lei. Alguns cidadãos já declaram abertamente que não seguirão a lei se aprovada. No site de relacionamentos Orkut, já existe uma comunidade intitulada Lei da Homofobia? Serei preso! Muitos consideram essa total liberdade como o “fim dos tempos”, afirmam que “É por isso que o Brasil não vai para frente”. Talvez seja essa intolerância e falta de visão que não levam o Brasil adiante. Ser gay não é crime, mas como afirmou Caetano Veloso, no dia 11 de setembro, sobre sua música inédita, Amor mais que Discreto, que ele classifica como gay e que canta durante a turnê de Cê, “‘Gay’ é uma palavra americana que quer dizer ‘alegre’. Mas, hoje, ninguém mais pode dizer que uma coisa é gay, porque um grupo neonazista skinhead pode aparecer. Não sei se é certo a pessoa ser gay, só sei que é uma possibilidade”. E essa possibilidade deve ser respeitada.

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Box 3 – Dor ao avesso Na música Avesso, de Jorge Vercilo, pode-se perceber as incertezas, medos, ameaças e preconceitos que os homossexuais sofrem, assumidos ou não. Nós já temos encontro marcado Eu só não sei quando Se daqui a dois dias Se daqui a mil anos Com dois canos pra mim apontados Ousaria te olhar, ousaria te ver Num insuspeitável bar, pra decência não nos ver Perigoso é te amar, doloroso querer Somos homens pra saber o que é melhor pra nós O desejo a nos punir, só porque somos iguais A Idade Média é aqui Mesmo que me arranquem o sexo, minha honra, meu prazer Te amar eu ousaria E você, o que fará se esse orgulho nos perder? No clarão do luar, espero Cá nos braços do mar me entrego Quanto tempo levar, quero saber se você É tão forte que nem lá no fundo irá desejar O que eu sinto, meu Deus, é tão forte! Até pode matar O teu pai já me jurou de morte por eu te desviar Se os boatos criarem raízes Ousarias me olhar, ousarias me ver Dois meninos num vagão e o mistério do prazer Perigoso é me amar, obscuro querer Somos grandes para entender, mas pequenos para opinar Se eles vão nos receber é mais fácil condenar ou noivados pra fingir Mesmo que chegue o momento que eu não esteja mais aqui E meus ossos virem adubo Você pode me encontrar no avesso de uma dor

O Segredo de Brokeback Mountain: “O Amor é a força da natureza”

Universidade Católica de Brasília - UCB. Comunicação Social - Jornalismo Redação Jornalística 1 Bruno Dantas Mendes de Oliveira


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