Migração e Desenvolvimento - Uma Perspectiva Teórica

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Migração e desenvolvimento – Uma perspectiva teórica1 José Maria Lopes Gaspar Tiago Albino Torres Maciel Bruno Miguel Machado Oliveira

Resumo Este trabalho baseia-se no “working papper” de “Hein de Haas” editado em 1998 pelo Instituto Internacional das Migrações. A obra chama-se “Migration and Development – A theorical perspective” e aborda a evolução das teorias relacionadas com a migração e o desenvolvimento. Começa por apresentar as bases das teorias gerais da migração, evoluindo depois para uma explicação das abordagens de transição, onde os estudos rígidos e homogéneos são substituídos por uma visão mais dinâmica. Logo a seguir ao confronto entre as teorias “optimistas” e “pessimistas”, apresentamos o surgimento das teorias mais pluralistas terminando com uma análise aos novos estudos empíricos realizados na área da migração e desenvolvimento. Palavras-chave: Migração; Migração Internacional; Desenvolvimento económico; Remessas Código JEL: O15; F22; O16; F24

I.

Introdução

Nos últimos anos tem ressurgido o interesse pelas questões do desenvolvimento e da migração (Kapur 2003; Ratha 2003). Este despertar para a questão deve-se, em grande parte, ao aumento das transferências reenviadas pelos migrantes. Nos últimos quinze anos o valor das remessas dos emigrantes passou de 31,1 biliões de dólares para 167 biliões, um aumento das transferências superior a 400% (de Haas 2008, p.1). Acreditase que estas transferências são uma forma de redistribuição mais eficaz do que muitas políticas contra a pobreza (Kapur 2003). Ao longo dos anos muitos foram os autores a explorar a questão da migração e do desenvolvimento. No entanto, as suas abordagens pecaram sempre pela rigidez da análise. Trata-se de uma questão bastante heterogénea que tem de ser estudada tomando em consideração a necessidade de uma abordagem pluridisciplinar. Outra das debilidades da pesquisa sobre a migração é a tendência que os investigadores têm para estudar as suas causas e efeitos de forma separada (Taylor 1999). Existe uma clara 1

Trabalho realizado para a disciplina de Seminário I da licenciatura em economia da Faculdade de Economia do Porto


necessidade de estudar os impactos da migração no seu contexto social já que ela é uma parte integrante do processo de transformação que origina o desenvolvimento.

Período

Tendência da análise

Até 1973

Teorias optimistas

Base da Política

As transferências de capital e conhecimento ajudam os países em desenvolvimento. 1973 – 1990 Teorias pessimistas A migração tende a ser uma consequência do capitalismo e gera ainda mais desigualdades 1990 – 2001 Teorias mais subtis devido Persistência do cepticismo ao aumento da pesquisa face à migração empírica Depois de 2001 Explosão do número de Ressurgimento do artigos: geralmente teorias optimismo face ao aumento optimistas exponencial das remessas. Fonte: Adaptado, Hein de Haas, 2008 “Migration and development: A theoretical perspective”, p.2 Como podemos observar no quadro anterior, ao longo dos anos, o conhecimento e os estudos sobre a migração e o desenvolvimento foram-se alterando. Isto aconteceu porque nunca houve a exclusividade de uma ciência no estudo deste tema e porque o fenómeno é complexo de mais para ser estudado á luz de uma única área do conhecimento. O mais certo é que nunca se chegue a uma teoria geral sobre a migração e a sua relação com o desenvolvimento (Salt 1987; Van Amersfoort 1998).

II. As teorias gerais da migração – Neoclássicos, estruturalistas históricos e o modelo push-pull Várias foram as teorias que ao longo dos anos contribuíram para o estudo do fenómeno da migração. De entre as quais, há três perspectivas que se caracterizam por constituirem o principal pilar da análise da relação entre migração e desenvolvimento: perspectiva neoclássica, perspectiva estruturalista histórica e modelos push-pull. A primeira contribuição para o estudo das migrações foi publicada no século XIX pelo geógrafo Ravenstein (1885; 1889). Para este autor, a migração era uma parte inseparável do desenvolvimento e as suas causas eram fundamentalmente económicas. Segundo esta contribuição, os migrantes tendiam a deslocar-se de áreas de menor densidade populacional para áreas com maior população. Esta ideia de que a existia um equilíbrio espácio-temporal nos movimentos dos migrantes permaneceu viva no trabalho de muitos outros académicos servindo mais tarde de base às teorias push-pull. Durante vários anos, as explicações económicas para a migração mantiveram-se como base do estudo académico sobre o tema. A nível macroeconómico, a teoria neoclássica baseava-se no modelo de Heckscher-Ohlin para explicar a deslocação dos indivíduos.


Segundo este modelo, a diferença da remuneração do trabalho entre países faz com que a mão-de-obra se desloque das áreas com salários mais baixos (abundantes em trabalho) para as áreas onde o factor é melhor remunerado (escassas em trabalho). O capital tende a mover-se no sentido oposto. Num mundo neoclássico perfeito isto resultaria numa convergência salarial entre as diversas áreas do globo (lei do preço único), fazendo com que a longo prazo, os incentivos à migração deixassem de existir (Harris & Todaro 1970; Lewis 1954; Ranis & Fei 1961; Schiff 1994; Todaro & Maruszko 1987). “A nível microeconómico, os neoclássicos vêem os migrantes como seres individuais, actores racionais, que decidem deslocar-se com base num cálculo custo-benefício” (de Haas 2008, p.5). De facto, o modelo neoclássico considera a escolha dos indivíduos completamente racional e individual sem considerar uma panóplia de factores que podem influenciar a sua decisão. Nesta perspectiva os indivíduos escolherão locais de destino onde serão mais produtivos, pois nessas regiões auferirão de salários mais elevados. Todaro (1969) e Harris & Todaro (1970) elaboraram um modelo que explica as migrações laborais entre zonas rurais e urbanas. O denominado “Harris and Todaro model” permanece a base da teoria neoclássica até aos dias de hoje. Este modelo surge na tentativa de explicar a continuação do fenómeno das migrações entre zonas rurais e urbanas tendo em conta o amento do desemprego nas cidades. Harris e Todaro chegaram à conclusão que estas migrações não se baseiam apenas na diferença de salários entre os trabalhos das duas áreas mas sim nas expectativas que os migrantes têm em receber um salário superior, isto é, na diferença de salário ajustada à probabilidade de arranjar emprego. Ou seja, este modelo conclui que um individuo vai migrar sempre que sinta que o risco de ficar desempregado è inferior aos benefícios causados pelas diferenças salariais. Em 1998, o modelo de Harris e Todaro sofre algumas “afinações” por parte de Bauer e Zimmermann. Estes autores acrescentam ao desemprego outros factores que vão influenciar as expectativas dos migrantes. São exemplos os custos das viagens associadas à migração, o desemprego temporário na altura da deslocação e os “custos” psicológicos relacionados com a mudança. Estes riscos e custos associados à migração explicam o facto de não serem normalmente os mais pobres a migrar, e também o porquê de as redes sócias serem tão cruciais na integração e na minimização dos custos materiais e psicológicos relacionados com a mudança. Apesar do modelo de Harris e Todaro ser inicialmente desenvolvido para a migração interna, com algumas modificações ele pode ser também aplicado à migração internacional. Borjas (1989; 1990) estabeleceu uma ligação entre os dois tipos de migração, e em 1987, Todaro e Maruszko desenvolveram um modelo que toma o de Harris-Todaro como base, mas que lhe adiciona a probabilidade do indivíduo ser capturado e deportado – taxa de ilegalidade. Para os neoclássicos a migração é vista como uma decisão de investimento, totalmente ponderada pelos indivíduos que dispõem de informação total. As diferenças de expectativas no retorno deste investimento explicam as diferentes propensões dos indivíduos para migrar. Indivíduos mais novos e com educação superior exibem, normalmente, mais propensão para migrar uma vez que as suas expectativas são tendencialmente superiores. Becker e Sjaastad (1962) referem que pessoas com certas habilidades físicas ou com um grau de educação superior sabem que se migrarem irão


ter mais oportunidades. Estas expectativas podem explicar as diferentes propensões para a migração por parte dos indivíduos. O modelo neoclássico tem sofrido críticas pelo facto de considerar apenas características económicas para a explicação do fenómeno. A migração acontece num contexto social, político e cultural que não pode ser negligenciado. Note-se que as teorias neo-clássicas não consideram as medidas governamentais da migração como por exemplo as restrições às migrações impostas pelos Governos. Uma interpretação totalmente diferente da migração foi introduzida em 1960 pelo paradigma do estruturalismo histórico que se baseia fundamentalmente nos pilares intelectuais do Marxismo (Castles & Miller 2003:25). Para os estruturalistas, o poder de decisão divide-se de forma desigual entre os países ricos e os países pobres, considerando assim que os indivíduos têm diferentes possibilidades de acesso aos recursos. Numa resposta clara aos neoclássicos, os estruturalistas argumentam que o capitalismo reforça estas desigualdades, aumentando ainda mais o fosso entre ricos e pobres. “Os estruturalistas históricos não desenvolveram a teoria da migração de forma específica, mas encaram-na como uma das muitas manifestações da penetração do capitalismo e do aumento das desigualdades dos termos de troca entre os países desenvolvidos e em desenvolvimento” (de Haas 2008, p.7). Os defensores deste modelo criticam severamente a teoria neoclássica da migração porque segundo eles, os indivíduos não migram de livre vontade, pelo contrário, são obrigados a fazê-lo para se integrarem no sistema político-económico global. As famílias dos meios rurais vêem-se privadas da sua forma tradicional de sustento e são obrigadas a deslocar-se para zonas urbanas, acabando por se tornar parte do proletariado. “Em relação a este modelo, tem havido um consenso alargado de que a migração não pode ser culpada pelos problemas do subdesenvolvimento. No entanto, não se pode dizer que o seu efeito seja exclusivamente positivo. Tudo depende das circunstâncias e dos grupos em que a migração acontece. A incorporação do capitalismo pode trazer efeitos positivos numas áreas e negativos noutras. Da mesma forma, as migrações laborais não podem ser vistas como uma fuga desesperada à miséria, até porque empiricamente, não são os mais pobres que geralmente migram.” Uma visão relativamente diferente é introduzida nos modelos push-pull. Tanto a teoria neoclássica como a estruturalista histórica falham ao explicar o porquê de certas pessoas em determinados países migrarem e outras não (Massey et al 1993; Reniers 1999:680) e também não esclarecem o porquê das pessoas tenderem a migrar para locais concentrados e de forma não aleatória. Em 1966 Lee fez uma revisão à teoria de Revenstein, introduzindo os modelos pushpull chegou à conclusão que a decisão de migrar é determinada pelos seguintes factores: factores associados com a área de origem, factores associados com a área de destino e factores pessoais. Segundo Lee, os migrantes concentram-se em determinados focos não só devido ao facto de as oportunidades tenderem a estar localizadas em determinadas áreas, mas também porque o feedback de informação que retorna dos países de destino facilita a passagem de futuros emigrantes.


O modelo push-pull é basicamente um modelo de equilíbrio e escolha individual, e é largamente análogo ao modelo neoclássico. Este modelo ganhou imensa popularidade na literatura sobre a migração e tornou-se o modelo dominante no ensino secundário e superior. Segundo vários investigadores, a decisão de migrar também é afectada por factores ambientais, demográficos e económicos. O esgotamento dos recursos naturais nas zonas rurais devido ao crescimento da população e as condições económicas atractivas nas cidades também fazem parte das causas que influenciam a decisão de migrar. (Skeldon 1997:20; cf. King and Schneider 1991:62-3; Schwartz and Notini 1994). No entanto, o modelo push-pull tende a ser bastante limitado a diversos níveis. Um dos seus problemas prende-se com o facto de ignorar a heterogeneidade e a estratificação da sociedade. Outra característica negativa tem que ver com a relação espelhada entre os factores push e os factores pull. Por exemplo, se salários elevados representam um factor pull, logicamente que salários baixos encaixam nos factores push. Este tipo de modelos falha ao não assumir que a migração também é um processo social, e não esclarece o porquê de os indivíduos se deslocarem. “O modelo push-pull pode ser criticado por ver de forma irrealista a migração como um cálculo custo-benefício por parte dos indivíduos, sem prestar qualquer atenção ao facto de os indivíduos terem geralmente acessos desiguais aos recursos” (de Haas 2008, p.11). O modelo é estático e limita-se a focar os factores externos que causam a migração, não explicando a posição desta no processo de transformação de que faz parte. Na realidade, a propensão para migrar depende fundamentalmente das aspirações das pessoas, um elemento que é geralmente ignorado pelos três modelos (neoclássico, estruturalista histórico e push-pull).

III.

Teorias de Transição

Os modelos vistos anteriormente são excessivamente estáticos e não são consistentes com a evidência empírica observada. Felizmente, vários investigadores trabalharam no sentido de obter teorias mais dinâmicas às quais chamaram modelos de transição. De modo a compreender melhor a relação dinâmica entre migração e desenvolvimento é importante analisar as teorias espácio-temporais desenvolvidas por Zelinsky (1971) e Skeldon (1997). Zelinsky (1971) assume existir uma relação directa entre a transição da mobilidade e a transição demográfica – à qual chama transição vital. O autor distingue cinco fases da transição vital: (a) A sociedade pré-moderna tradicional (elevada fertilidade e mortalidade); (b) A primeira sociedade de transição (rápido declínio da mortalidade, maior crescimento populacional); (c) A última sociedade de transição (maior declínio da fertilidade, desaceleração significativa do aumento natural); (d) A sociedade avançada (fertilidade e mortalidade estabilizadas a um nível baixo) e por último; (e) A futura sociedade “super-avançada” (baixa mortalidade e natalidade). Segundo Zelinsky cada uma destas fases está ligada a uma forma distinta de mobilidade num processo ao qual chamou “mobility transition”.


A cada uma destas fases da transição vital está associado um comportamento diferente de migração. Na fase (a) a migração era caracteristicamente circular. Na fase (b) todas as formas de migração aumentaram (circular, rural, rural-urbana, internacional). Na fase (c) a migração internacional diminuiu rapidamente, a rural-urbana estabilizou embora permanecesse com níveis elevados e a circular aumentou consideravelmente. No período (d) a mobilidade residencial, urbana-urbana e circular tornaram-se mais importantes e os países transformaram-se em redes de imigração (substituindo as redes de emigração). Na última fase (e), a maior parte da migração interna tornou-se urbanaurbana e residencial enquanto que a imigração dos trabalhadores continuou. O que Zelinsky pretendia salientar era a importância que estas “fases vitais da transição” têm no comportamento e tendência das migrações. Por exemplo, a migração tende a aumentar particularmente nas fases iniciais do desenvolvimento uma vez que este gera uma melhoria nos transportes e na comunicação, um aumento do nível geral de bem-estar e como consequência origina uma maior motivação nos indivíduos para migrar (De Haas 2006). Sendo uma teoria neo-clássica, esta hipótese de Zelinsky assume que todas as sociedades passam pelo mesmo tipo de processo. Esta universalidade da teoria é ao mesmo tempo a sua força e a sua fraqueza. Na realidade, migração e desenvolvimento não afectam as áreas da mesma forma (Findlay et al 1998). A teoria da mobilidade transitória (mobility transition) também tem sido criticada pelo facto de falhar ao explicar a relação entre as transições demográficas e as mudanças na mobilidade (Skeldon 1997:32-34). “Em primeiro lugar, a relação entre as mudanças demográficas e a migração são mais indirectas do que directas, e além disso, são fundamentalmente não determinísticas. Afinal de contas, as pessoas não migram por causa do crescimento populacional. Se o crescimento da população coincidir com um crescimento económico, como acontece nos países do Golfo, a maioria das pessoas não irá migrar. Da mesma forma, populações com um crescimento estável podem viver um período de explosão migratória sobre condições de fragilidade económica tal como aconteceu em vários países da Europa de Leste” (de Haas 2008, p.14). Apesar de todas as criticas ao modelo, ele parece ser mais consistente do que todos os outros (neoclássico, estruturalista e push-pull), sendo aquele que mais se aproxima da evidência empírica. Existe de facto uma relação entre a migração e os processos de desenvolvimento socioeconómicos e demográficos (Skeldon 1997:40). Apesar de a migração não ser um fenómeno novo, as suas características mudaram consideravelmente com a revolução tecnológica do último século. Os avanços nos transportes e nas comunicações facilitaram e de que maneira este processo de globalização. Existe actualmente uma ampla evidência empírica que corrobora o facto de a migração ser estimulada pela combinação do desenvolvimento socioeconómico com uma transição demográfica relacionada com o aumento da população (Bauer and Zimmermann, 1998).

Surto migratório Martin (1993) e Martin e Taylor (1996) argumentaram que um aumento temporário da migração tem sido parte usual do processo de desenvolvimento, tendo constatado que era necessário um certo nível de riqueza para as pessoas migrarem, pois a migração


tinha custos e riscos a suportar. Verificaram que nas fases anteriores ao desenvolvimento ocorria um aumento da riqueza que originava um aumento da migração. Em detrimento deste aumento começaram a surgir redes (networks) de migrantes que, juntamente com o aumento da riqueza, levou a que cada vez mais pessoas tivessem capacidades e aspirações a migrar, a selectividade da migração diminuísse, e que as aspirações a migrar aumentassem por via deste processo de “desenvolvimento”. O modelo transitório, já referido por Zelinsky, “pode ser visto como um “migration hump” avant la lettre” (de Haas 2008, p.16). De facto, as aproximações de Zelinsky, Skeldon e Martin e Taylor podem ser integrados numa única perspectiva “transitória” espaço-temporal, que reconhece outras formas de migração e os processos de transformação que decorrem a nível social, tecnológico e económico no termo “desenvolvimento”. Posteriormente surge uma abordagem de desenvolvimento diferente, a de Amartya-Sen (1999), que não se baseava apenas no rendimento, utilizando o conceito de capacidade humana em que cada pessoa vive a vida que pretende, tendo a migração como uma possibilidade de atingir melhorias de vida. O desenvolvimento económico e os diferenciais salariais decrescentes com os países de destino tendem a representar um curva J ou uma curva U invertida na emigração. Em suma, a ideia fundamental é que o desenvolvimento socioeconómico tende a aumentar as capacidades e aspirações das pessoas a migrar. No entanto, enquanto o efeito do desenvolvimento na capacidade de migrar é mais ou menos linear, o efeito sobre as aspirações das pessoas para migrar é mais propenso a se assemelhar a um J ou U invertido da curva como consequência da diminuição dos níveis de privação relativa.

Fonte: Hein de Haas, 2008 “Migration and development: A theoretical perspective”, p.18

A figura retirada do trabalho do autor remete-nos para a relação entre desenvolvimento e as diferentes formas de migração de acordo com os modelos transitórios. Assim, numa perspectiva transitória é possível que ocorra um aumento da propensão das pessoas a migrar. Primeiramente, para as pessoas migrarem internamente, e só em fases posteriores, é que se acentuará a migração internacional. No longo prazo, com a diminuição de oportunidades tanto internamente como internacionalmente, tal poderá levar à redução das aspirações das pessoas a migrar. Contudo, não existirá uma


diminuição da mobilidade mas antes uma diversificação dos fluxos migratórios, pois apesar de se poder verificar uma diminuição na migração rural-urbana e internacional haverá um aumento da imigração. Em que medida a migração irá ocorrer, e onde os migrantes vão, depende da interacção entre muitas variáveis (cf. Russell, 1995) tais como: económicas, políticas, geográficas, culturais, sociais, entre outras. Em conjunto estes factores determinam o nível de distribuição de riqueza e outras oportunidades bem como a capacidade e aspirações a migrar. O valor das teorias transitórias consiste na capacidade para explicar a ocorrência de formas específicas de migração, no contexto de um processo socioeconómico de desenvolvimento para uma perspectiva espaço-temporal, recusando ideias como a de que “pobreza gera migração”. Estes modelos transitórios apresentam a incapacidade de integrar as causas e os efeitos da migração dentro de uma perspectiva mais teórica sobre o desenvolvimento, o que constituiu um entrave à investigação até àquela data. Assim, a migração surge como sendo um elemento constitutivo dos processos de desenvolvimento, que deve ser considerada como uma variável dependente e independente.

IV. Dinâmicas Internas e feedbacks: teoria das redes e dos sistemas migratórios Capital social, migração em cadeia e teoria das redes A migração actual não pode ser explicada apenas pelos motivos económicos que a explicaram no passado. Lee (1966) relata que os migrantes que se estabelecem em certas zonas irão facilitar a entrada de mais migrantes para essas zonas, reduzindo: custos psicológicos e materiais para os futuros migrantes. Estes primeiros migrantes são referidos como “bridgeheads”. Mais tarde, Appleyard (1992) refere que as comunidades de migrantes atraem os seus para essas comunidades. As redes podem ser definidas como um conjunto de laços inter-pessoais que ligam os migrantes, migrantes antecedentes, não migrantes do país de origem e das áreas de destino através de graus de parentesco, laços de amizade e de partilha da mesma comunidade de origem (Massey et al 1993:448). Isto explica o porquê dos migrantes mandarem remessas substanciais para os não migrantes, algo que as teorias neoclássicas não conseguiam explicar, pois estas não tinham em consideração as remessas. Massey (1989) revela que quando as redes atingem um nível crítico a migração autoperpetua-se, na medida em que cria a estrutura social para sustentar a migração (processo de endogeneização). Assim, além de recursos como capital humano e materiais, o capital social surge como um terceiro recurso que leva ou não à aspiração do indivíduo a migrar. O ponto fraco desta teoria reside no facto de esta não fornecer a visão de que estes mecanismos irão contribuir para o enfraquecimento ou desmoronamento destas redes. Pela lógica desta teoria, no sentido circular das teorias, a migração tenderia para o infinito (ad infinitum). De referir que estas redes actuam também como exclusoras de


certos migrantes que não pertencem ao seu grupo. Assim pode-se denotar um carácter selectivo por partes destas redes. O capital social aumenta as relações de um grupo específico mas também fortalece a exclusão de outros não identificáveis com esse grupo. “Os mesmos laços fortes que ajudam membros de um grupo, ao mesmo tempo excluem quem não pertence a esse grupo” (Portes e Landolt 1996:3).

Teoria dos sistemas de migração

Com base na teoria das redes surge a teoria dos sistemas de migração que refere que a migração tem consequências sobre o espaço de desenvolvimento na qual opera, quer para os países emissores, quer para os receptores. Ao contrário dos modelos de transição que procuram explicar o modo como amplos processos de desenvolvimento afectam a migração, a teoria dos sistemas migratórios estabelece uma relação recíproca e dinâmica entre migração e desenvolvimento, o que coloca a migração numa perspectiva mais ampla de desenvolvimento. O fundador da teoria dos sistemas de migração, o geógrafo Mabogunje (1970) define sistema de migração como um conjunto de fluxos e contra-fluxos de pessoas, serviços, bens e informações entre lugares, que favoreciam a troca de informações e consequentemente a migração entre os lugares. Releva a importância das informações que os migrantes forneciam ao seu país receptor, e o caso de que se estas fossem favoráveis, as informações favoreceriam a migração para esses locais. Por a análise de Mabogunje incidir sobre a migração rural urbana dentro do continente africano, mais tarde surgem extensões da análise de Mabogunje para a migração internacional. O que se verificou com esta extensão da análise de Mabogunje foi a existência de comunidades transnacionais (cf. Vertovec 1999) em que se verificam os já referidos fluxos e contra-fluxos de pessoas, bens, informações e serviços. Assim como a nível micro existiam sistemas de migração específicos, com a extensão da análise de Mabogunje à migração internacional, verificou-se igualmente a existência de sistemas de migração específicos a nível macro, nomeadamente de regiões em desenvolvimento para regiões desenvolvidas. Em 1989 Fawcett referiu a importância das redes nacionais e transnacionais e que estas tendiam a estar interligadas, demonstrando a distinção entre a migração nacional e internacional (Martin 1992:458; McKee & Tisdell 1988:418). Neste contexto surgem processos como o leapfrogging e o relay migration (Arizpe 1981). Leapfrogging refere que a migração internacional é primeiramente antecedida por migração interna, enquanto que o relay migration referia que os migrantes que retornavam podiam causar a migração de um membro da sua família por causa das ditas redes transnacionais e nacionais. Decorrente da alteração das condições iniciais em consequência da migração, as causas e as consequências da migração devem fazer parte do mesmo sistema e processos de estudo. Massey (1990:4-5) referiu que a migração induz mudanças nas estruturas sociais e económicas o que torna a migração mais provável. Devido aos fluxos e contra-fluxos de pessoas, bens, serviços, informações, ideias, capital entre outros que se estabelecem entre os locais receptores e emissores de migrantes.


Muitos estudos têm como fraqueza principal o facto de no estudo das causas e efeitos da migração se centrarem muito na migração e nos migrantes, não analisando os não migrantes, o que acontece com a teoria dos sistemas de migração. Esta ultima e a teoria das redes focam-se principalmente nos factores que causam, modelam e perpetuam a migração.

V.

Optimistas versus pessimistas e evolução histórica

Quadro das teorias diametralmente opostas: crescimento desenvolvimento assimétrico (Taylor 1999). Optimistas

Pessimistas

Funcionalistas

Estruturalistas

Neo-clássicos

Neo-marxistas

Modernização

Desintegração

“Ganho de cérebros”

“Fuga de cérebros”

Desenvolvimento

Dependência

Menos migração

Mais migração

equilibrado

versus

Fonte: Adaptado, Hein de Haas, 2008 “Migration and development: A theoretical perspective”, p.24

Perspectivas desenvolvimentalistas Teorias neo-clássicas: • •

Lucro individual Igualização dos preços dos factores (lei preço único)

Teorias desenvolvimentalistas: • • • •

Remessas Novas ideias Conhecimento Atitudes empreendedoras

As perspectivas desenvolvimentalistas representam uma evolução das teorias neoclássicas através da progressiva difusão espacial da modernização dos países emissores enquadrando-se assim no âmbito das teorias que perspectivam a migração com optimismo. De facto, estas perspectivas optimistas são consistentes com factores históricos. O modelo “Mirab” (Bertram 1999; 86) releva a “descolagem” económica dos países em desenvolvimento, facto que sustenta as expectativas optimistas face ao processo migratório desses países.


Perspectivas estruturalistas Na década de 1960 foram observadas algumas economias onde a migração teria agravado os seus problemas já existentes de subdesenvolvimento. Uma das principais preocupações era com o fenómeno denominado de “fuga de cérebros” que se traduz na emigração de trabalhadores altamente qualificados, facto que é negativo para o desenvolvimento (Adams 1969 e Baldwin 1970). As perspectivas estruturalistas inserem-se num quadro de pessimismo face ao processo de migração, considerando estas que a migração tende a aumentar as discrepâncias inter-individuais e espaciais em termos de desenvolvimento. Um exemplo comummente utilizado é o de aumento das tendências consumistas e não produtivas dos “não migrantes”. Este processo está patente na teoria de “Desenvolvimento do subdesenvolvimento” (Almeida 1973). A teoria das causas cumulativas (Myrdal 1957) denuncia o aprofundamento das discrepâncias no bem-estar e nos rendimentos auferidos. Crescimento assimétrico, crescente subdesenvolvimento e aumento da dependência face aos países receptores mais desenvolvidos são factos sustentados pela evidência empírica, principalmente durante a década de 1980, que caracterizam as consequências dos movimentos migratórios para algumas economias menos desenvolvidas. (“Síndrome migrante”, Lipton 1980). Com efeito, nesta época os investimentos aparecem em 4º lugar no que concerne aos gastos provenientes das remessas dos emigrantes (o que nos remete para a questão do aumento das tendências não produtivas dos “não migrantes”). Ao mesmo tempo, a conjugação do aumento das remessas com aumento das tendências consumistas levou a surtos inflacionistas causado pelo consumo excessivo. Transição para uma perspectiva mais pluralista É, no entanto, essencial ter discernimento na atribuição de importância à evidência empírica histórica, conhecendo o comportamento cíclico das consequências dos movimentos migratórios para o desenvolvimento. O facto de grande parte das teorias sobre a migração se basearem em evidência empírica de um reduzido horizonte temporal faz com que estas tenham permitido ser antagonicamente classificadas como pessimistas ou optimistas. Quer se encontrem num extremo ou no outro sabemos que só muito dificilmente estas poderão ser explicativas do fenómeno da migração num trend de longo prazo. Existe maior suporte empírico das teorias migratórias que se enquadram numa perspectiva pessimista sobre a migração. No entanto, existem várias razões para que se venha a adoptar, cada vez mais, uma perspectiva pluralista sobre a questão da migração. Os modelos em que se baseiam as teorias das perspectivas pessimistas assumem uma correlação negativa entre desenvolvimento e migração, o que é incorrecto, como comprovam as teorias de transição. Estas ultimas revelam que relação entre migração e desenvolvimento é uma curva J ou U invertida. Outra questão que se pode levantar nestes modelos é a da incoerência entre origem dos migrantes e as causas que levam à migração. Por fim, investigação empírica mais recente expõe benefícios recíprocos entre migração e desenvolvimento, o que é oposto ao defendido pelas perspectivas pessimistas.


A complexidade e variação entre migração e desenvolvimento é demasiado elevada para fazerem parte de modelos determinísticos (como os neo-clássicos mais simplificados). Tal decorre da natureza estocástica dos impactos da migração sobre as diferentes economias. Por outro lado não devemos depender de modelos demasiado empiricistas, pois já é conhecido o carácter cíclico das consequências da migração sobre o desenvolvimento. De seguida discutir-se-á alguns modelos recentes no âmbito de perspectivas mais pluralistas.

VI. Perspectivas pluralistas sobre migração e interacções de desenvolvimento O NELM (New economics labour model) trata-se de um modelo que surgiu como melhoria dos modelos no âmbito da teoria neoclássica da migração (Massey et al 1993:436). O indivíduo deixa de ser considerado como decisor relevante dando lugar a um contexto mais abrangente, colocando a família no centro da teoria da migração (Stark 1978, 1991). Stark defende que a tendência crescente de incorporação do risco como factor de decisão vem retirar importância ao foco nas decisões tomadas unicamente com base em diferenciais salariais. As famílias conseguem gerir o risco através da diversificação do seu portfolio (neste caso, escolher que indivíduos são mais adequados para o sector urbano, por exemplo). Os objectivos são a minimização do risco e acesso a canais de maiores rendimentos. Segundo o NELM, as remessas dos emigrantes têm um papel fundamental na medida em que permitem ultrapassar certos constrangimentos do mercado de crédito e de seguros, mercados estes que são tipicamente menos acessíveis para grupos não pertencentes à elite. Uma das críticas que surgem a este modelo é a sua falta de rigor analítico. Um modelo que parte de premissas semelhantes às do NELM é o de estratégia de subsistência familiar. Neste modelo vê-se incorporada a capacidade de os agentes fazerem escolhas e imporem essas escolhas ao mundo, ou seja, surge o conceito de agência humana (Lieten & Nieuwenhuys: 1989). Consideram-se diferentes categorias de bens (naturais, sociais, humanos e financeiros) muito heterogéneas entre os indivíduos e até mesmo entre diferentes agregados familiares. A migração é muitas vezes uma das formas de aumentar os rendimentos do núcleo familiar. A Migração não é uma fuga desesperada à miséria, mas sim uma decisão deliberada e pensada (decisão contra a incerteza do futuro). Tanto esta teoria como a do NELM devem ser integradas numa perspectiva sobre a migração e desenvolvimento mais abrangente. No âmbito das novas perspectivas mais pluralistas enquadra-se ainda uma última: a perspectiva transnacional sobre migração e desenvolvimento. Tem havido crescente reconhecimento do aumento das possibilidades para as famílias migrantes viverem transnacionalmente e adoptarem identidades transnacionais (Desenvolvimento tecnológico). Num mundo em que a vida dos migrantes é cada vez mais caracterizada pela circulação e compromisso entre duas ou mais sociedades em simultâneo torna-se difícil distinguir entre origem e destino, permanente e temporário (de Haas 2005). Isto implica que a integração nas sociedades receptoras e o compromisso com as sociedades emissoras deixam de ser substitutos para se tornarem complementares.


Segundo esta perspectiva considera-se que o pessimismo anterior face à migração prendia-se com a perda de relações com as sociedades de origem, com impacto negativo na sustentabilidade das remessas dos emigrantes; mas com a difusão das novas tecnologias sabe-se, hoje, que esta perda de relações não é factual. No estudo das comunidades migrantes a perspectiva dos turnos transnacionais corrobora as abordagens do NELM e da subsistência familiar, colocando ênfase na necessidade de ver o fenómeno da migração como parte integral das estratégias de subsistência transnacional das famílias.

VII. Nova compreensão empírica sobre migração e desenvolvimento Actualmente, hipóteses optimistas têm sido confirmadas por estudos empíricos mais recentes, nomeadamente a partir da década de 1990. Estes estudos apontam para um papel potencialmente positivo das remessas dos emigrantes. A migração deixa de ser vista como uma fuga à miséria, passando a servir de instrumento (no âmbito das ultimas teorias referidas anteriormente), principalmente no que concerne a questões como a diversificação do risco e melhoria do estatuto social e económico como principais motivos para emigrar. Por oposição às teorias neo-clássicas ou modelos push-pull, a maioria da evidência empírica mostra que a migração é uma reacção à privação relativa e não absoluta, não sendo assim possível linearizar a migração a factores como rendimento ou diferenciais de oportunidades. O papel das remessas assume especial importância à medida que se vai apresentando como uma fonte de fluxos monetários menos volátil e menos pró-ciclica do que outros fluxos de capital para os países em desenvolvimento. Note-se, no entanto, que aumento da riqueza e da estabilidade do rendimento não se traduz exactamente em diminuição das disparidades ou da pobreza, isto porque a migração é um processo selectivo. A selectividade da migração tende a diminuir devido ao estabelecimento de redes migratórias e da evolução dos sistemas de migração, reduzindo os custos e os riscos da migração. Através deste processo de difusão, o efeito negativo das remessas sobre a equidade do rendimento pode ser reduzido e até resolvido. Outra inferência a partir de estudos empíricos mais recentes é a de que, no longo prazo, agregados familiares receptores de remessas apresentam uma maior propensão ao investimento, ao contrário do que era perspectivado pelos teóricos mais pessimistas. Ao mesmo tempo, a questão das consequências negativas do fenómeno designado de “fuga de cérebros” tem-se vindo a tornar cada vez mais ambígua, quando confrontado com o fenómeno oposto do “ganho de cérebros” (traduzido do inglês brain gain). É ingénuo pensar que as remessas dos emigrantes poderão compensar um instável contexto político, políticas macroeconómicas mal conduzidas, burocracia e corrupção, sendo por isso a questão sobre se elas poderão contribuir para um crescimento económico e desenvolvimento sustentável muito discutível. Contudo, a migração tem pelo menos o potencial factual de diversificar e aumentar o rendimento, bem-estar e produtividade, assim como o de aliviar, até certa medida, a pobreza. A questão prende-se com os tipos, destinos e selectividade da migração assim como com os constrangimentos específicos das origens e destinos a nível de desenvolvimento, sendo que estes factores são determinantes para os objectivos dos agregados familiares, já mencionados, serem atingidos.


VIII. Conclusão A principal ilação que retiramos da análise deste trabalho, num âmbito mais teórico, é a de que não é possível compreender o impacto da migração sobre o desenvolvimento sem ter em conta as causas estruturais e desenvolvimentalistas da migração. O processo de migração não pode ser visto como uma variável independente determinada por um conjunto de factores, mas trata-se sim de um processo endógeno que afecta e é afectado por esses mesmos factores, tornando-se evidente a relação recíproca entre migração e desenvolvimento que se forma durante este processo auto-perpetuante. Num quadro conceptual geral para a análise das interacções entre migração e desenvolvimento devem distinguir-se três conjuntos de variáveis: I. Contexto de desenvolvimento a um nível macroeconómico; II. Contexto de desenvolvimento a um nível regional; III. Factores relacionados com o migrante e o seu ambiente socioeconómico (de Haas 2008, p.43). O contexto macroeconómico determina em que medida há oportunidades para migrar, quer internamente, quer no estrangeiro; determina parcialmente o contexto de desenvolvimento a nível local ou regional. O contexto a nível regional determina até que ponto poderão as pessoas conduzir as suas vidas e melhorar as escolhas de que dispõem (Sen 1997), assim como afecta a propensão das pessoas para migrar através da influência do desenvolvimento sobre a capacidade para migrar. Por outro lado, o processo de migração afecta e altera o próprio contexto de desenvolvimento regional, com impactos a vários níveis (como já foi referido nas secções anteriores), sendo que a natureza destes impactos é espacialmente muito heterogénea. Alterações sobre o contexto de desenvolvimento local poderão eventualmente afectar o contexto de desenvolvimento ao nível macroeconómico (efeitos limitados à magnitude das variáveis que poderão afectar os níveis agregados da economia, como as remessas). Este quadro conceptual ilustra bem o processo de endogeneização das relações entre migração e desenvolvimento. Os avanços empíricos e teóricos no estudo da migração e do desenvolvimento puseram em causa o determinismo pouco realista das perspectivas optimistas e pessimistas, abrindo caminho a teorias mais subtis e pluralistas, como o NELM e as abordagens transnacionais e de subsistência familiar, as quais, dependendo do contexto de desenvolvimento específico de cada economia, viabilizam resultados tanto negativos como positivos sobre o desenvolvimento do fenómeno da migração. No entanto, mesmo estas abordagens mais pluralistas não carecem de problemas. Estes prendem-se com questões fundamentalmente relacionadas com: “a potencial reificação do agregado familiar enquanto unidade de tomada de decisão; a maneira quase redundante como ligam motivos e consequências da migração; chauvinismo disciplinar, problemas de incomensurabilidade e a relacionada incapacidade ou falta de vontade para ultrapassar divisões disciplinares; reinterpretação imprecisa de abordagens pluralistas como o NELM como optimistas” (de Haas 2008, p.45). As reinterpretações incorrectas do NELM e de outras abordagens pluralistas geralmente acabam por sugerir um mecanismo automático através do qual migração conduz ao desenvolvimento (ou o inverso), o que implica ignorar a evidência acumulada da natureza heterogénea das interacções entre desenvolvimento e migração. Embora as leis postuladas por teorias estruturalistas careçam de legitimidade, não se deve estabelecer uma implicação no sentido de que a perspectiva optimista é correcta, apenas porque a


pessimista está errada. (Keely & Tran 1989:524). Da complexa interacção entre desenvolvimento e migração é possível inferir também a capacidade limitada de migrantes individuais em ultrapassar certos constrangimentos estruturais, factor que deve servir de aviso às teorias optimistas ingénuas mais recentes. Actualmente, o optimismo sobre a influência da migração sobre o desenvolvimento tem uma dimensão fortemente ideológica, enquadrando-se nas filosofias políticas neoliberais. O aumento da importância das remessas de emigrantes coaduna-se com a crescente percepção de que os imigrantes, e não os governos, são os maiores fornecedores de ajuda externa (Kapur 2003:10). Existe um perigo de que a amnésia em relação a evidência empírica anterior conduza a teorias excessivamente optimistas como as desenvolvimentalistas - descurando os aspectos relacionados com a supracitada heterogeneidade da natureza das relações entre migração e desenvolvimento: “A euforia excessiva relacionada com as remessas tolda a relevância dos constrangimentos específicos e da limitada capacidade de os indivíduos as ultrapassarem, assim como a importância do papel dos estados e instituições internacionais na criação de condições favoráveis ao desenvolvimento económico e social” (de Haas: 2008, p.49). Da análise feita, concluímos ainda que debates políticos e académicos sobre as teorias da migração e do desenvolvimento têm tido um comportamento cíclico, predominando o pessimismo estruturalista durante as décadas de 50 e 60, para perspectivas mais matizadas durante a década de 90 até ao renascimento, desde 2000, das teorias mais optimistas assim como a proliferação de estudos empíricos sobre esta temática. Hein de Haas esforçou-se por denunciar de uma forma positiva, ao longo do texto que serviu de base para o nosso trabalho, as virtudes e vicissitudes das diferentes teorias e tendências existentes sobre a migração e desenvolvimento, abstendo-se de uma análise excessivamente normativa. Na nossa opinião, estas tendências não devem ser dissociadas de alterações dos paradigmas das teorias do desenvolvimento. Um argumento utilizado ao longo desta análise é o da necessidade de uma multidisciplinaridade entre as teorias, por forma a criar um modelo híbrido. Um modelo que não seja demasiado determinístico sob pena de assumir pressupostos pouco realistas, pois já sabemos que os factores que condicionam e relacionam a migração e o desenvolvimento estão em constante mutação, mas que não seja também radicalmente empiricista, sob pena de carecer do suporte teórico necessário para realizar extrapolações e servir de auxílio a eventuais políticas de migração. No entanto, tentativas neste sentido são dificultadas por diferenças metodológicas e epistemológicas, e questões de incomensurabilidade entre teorias que se encontram diametralmente opostas. Consideramos, pois, que os teóricos que procurem debruçar-se sobre os temas relacionados com a migração e o desenvolvimento deverão renunciar à obstinação decorrente das suas próprias orientações ideológicas e adoptar uma visão pluridisciplinar sobre estes dois fenómenos, cada vez mais complexos, heterogéneos e profundamente inter-relacionados.

IX.

Referências bibliográficas

Referência principal


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