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CARTA DA CACHOEIRA LITERATURA:
Assim como Carolina de Jesus, as mulheres negras de Cachoeira e a arte de escrever. URBANIDADE:
25, o lugar em que a história e a boemia de Cachoeira se encontram. E MAIS:
O Recôncavo segundo Paulo Gabriel Nacif.
N. 1 - Março 2018
[CHEGANÇA]
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ESTA TERRA CHAMADA RECÔNCAVO BAIANO PÁGINAS NEON: DANIELA ABREU
CARTA DA CACHOEIRA Editor-chefe: Bruno Leite Direção de Arte: Bruno Leite Revisão de texto: Bruno Leite Reportagens: Adailane Souza, Bruno Leite e Eliane Cruz Colaboradores: Adryelle Novaes, Giovane Alcântara, Iana Joaquina, Jamile Novaes, Paulo Gabriel S. Nacif, Thainá Dayube e Uanderson Lima Orientador: Prof. Me. Juliano Mascarenhas
E SE CACHOEIRA FOSSE UMA MULHER? A PROGRESSÃO HISTÓRICA E A BOEMIA DE CACHOEIRA SE CRUZAM: RUA 25 DE JUNHO HIP-HOP COMO FERRAMENTA DE AFIRMAÇÃO E RESISTÊNCIA O PROBLEMA BANCÁRIO DE CACHOEIRA LINHA ENTRE ESTUDANTE E DONO DE CASA
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[EDITORIAL]
ESTA TERRA CHAMADA RECÔNCAVO BAIANO
Artigo publicado originalmente no ‘A Tarde’ em 16 de agosto de 2010.
Em 1989, quando o IBGE definiu novos critérios para a regionalização do Brasil, o antigo traçado do Recôncavo continuou como referência, verificando-se grande semelhança entre o que o IBGE denominou de Mesorregião Metropolitana de Salvador (com 38 municípios e 11.200 Km2) e o velho Recôncavo Baiano. É extraordinária a permanência dos vínculos que determinam a existência dessa região. Contribuem para isso o subespaço longamente elaborado e por muito tempo estável, a presença de Salvador e da Baía de Todos-os-Santos, e, como lembra o geógrafo Milton Santos (1926-2001), “as iconografias que mantém a idéia de região através da noção de territorialidade, que une indivíduos herdeiros de um pedaço de território”. Percorrendo o Recôncavo, é possível observar entre seus habitantes uma sensação de pertencimento à região, o reconhecimento de uma história comum e uma interessante referência a muitos hábitos e tradições. Evidentemente, tudo isso foi forjado “aos trancos e barrancos” – no sentido que Darcy Ribeiro emprestou ao termo. Na segunda metade do século XX o Recôncavo passou por muitas transformações. Mudanças da matriz de transportes criaram uma densa rede de estradas e redefiniram o protagonismo de determinados centros urbanos. A área mais próxima de Salvador se constituiu numa região metropolitana (não confundir com a Mesorregião Metropolitana de Salvador). A exploração de petróleo e a instalação do Pólo Petroquímico de Camaçari definiram novos subespaços. O desenvolvimento de Feira de Santana estabeleceu sombreamentos de áreas de influências. Com tudo isso houve uma redução da coerência funcional da região, mas não suficiente para diminuir territorialmente ou conceitualmente o Recôncavo. Certamente, valorizar o Recôncavo tem importância estratégica para aqueles que consideram relevante, como ensinou Milton Santos: “... pensar na construção de novas horizontalidades que permitirão, a partir da base da sociedade territorial, encontrar um caminho que nos libere da maldição da globalização perversa que estamos vivendo e nos aproxime da possibilidade de construir uma outra globalização, capaz de restaurar o homem na sua dignidade”.
POR PAULO GABRIEL S. NACIF
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termo recôncavo, originalmente usado para designar o conjunto de terras em torno de qualquer baía, se associou, no Brasil, desde os primórdios da colonização, à região que forma um arco em torno da Baía de Todos-os-Santos. Essa região se caracteriza não apenas pelas suas incríveis variáveis físico-naturais, mas, sobretudo, por sua história e dinâmica sociocultural. É bastante conhecida a emergência do complexo canavieiro ao norte dessa Baía (nos solos localmente denominados massapês), associado, no sul do Recôncavo e ao norte de Salvador, à produção de gêneros alimentícios, madeiras e fumo. Nesse processo, os colonizadores portugueses dizimaram dezenas de aldeias tupinambás e fizeram do Recôncavo um dos principais destinos da diáspora africana. Aqui, as ações dos donos do poder encontraram infinitas formas de resistências por meio de rebeliões, fugas, negociações e redimensionamentos culturais, exercitadas pelos povos dominados. O Recôncavo produziu grandes riquezas, no entanto, a resistência às inovações está entre os motivos que determinaram um grave atraso na sua modernização socioeconômica. A modernidade no Recôncavo, inclusive em Salvador, só ocorreu com a exploração do petróleo a partir da década de 1950, quando aconteceram importantes mudanças nas relações de poder nessa sociedade. Todo esse processo ajuda a explicar o lugar do Recôncavo nas divisões do trabalho em escalas global e nacional e seus desdobramentos locais. É notável a similaridade entre alguns mapas do Recôncavo propostos desde o século XVIII até o presente. Nesses estudos o Recôncavo forma um semicírculo (com cerca de 10.500 Km2), abrangendo o norte de Salvador até Mata de São João e Alagoinhas; a área de solos massapês, localizada ao norte da Baía; as terras baixas de Maragogipe a Jaguaripe; e as regiões mais elevadas de Cruz das Almas e Santo Antonio de Jesus.
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PÁGINAS NEON: DANIELA ABREU
A professora que mapeia as histórias da juventude periférica de Cachoeira e São Félix explica sua pesquisa.
POR BRUNO LEITE
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rofessora da universidade Federal do Recôncavo da Bahia e Doutora pela Universidade Federal de Minas Gerais, Daniela Abreu coordena desde 2015 o grupo de pesquisa “Juventude e Territórios Periféricos: Praticas Culturais-Comunicacionais em Cachoeira e São Félix”, cujo objeto do trabalho são as vivências e experiências das juventudes periféricas do recôncavo baiano, um dos 27 territórios indenitários do estado.
Nesta entrevista, Daniela relaciona as produções do seu grupo de pesquisa às juventudes – como prefere chamar –, aponta a carência de políticas públicas específicas e fala sobre a participação de instituições como a igreja e aescola na construção de histórias de resistências juvenis.
Carta da Cachoeira: Como surgiu essa pesquisa? Daniela Abreu: Essa pesquisa é uma continuidade da minha pesquisa desenvolvida no doutorado em Comunicação. Eu fiz um estudo sobre juventude e narrativas a partir de grupos localizados em comunidades periféricas da cidade de Salvador, analisando a produção textual e comunicacional desses grupos com a perspectiva de identificar o que eu chamo de potencial de resistência dessas narrativas juvenis. Então eu comecei essa pesquisa no doutorado analisando produtos de cinco bairros de Salvador e quando eu cheguei aqui na UFRB acabei cadastrando esse projeto em 2014. A ideia é tentar continuar essa perspectiva de investigação da produção narrativa de grupos juvenis, mas agora com foco nas cidades do recôncavo, inicialmente nas cidades de Cachoeira e São Félix, mas agora já com um inicio na cidade de Maragogipe também. 5
“Os estudos de juventude estão muito articulados, muito preocupados com essa implementação de politicas de juventude”. CC: De que forma essa pesquisa pode CC: Qual o perfil dessa juventude analicontribuir para a potencialização dessa sada pela pesquisa? juventude periférica? DA: É difícil falar em perfil, um primeiDA: Bom, o objetivo da pesquisa é identi- ro ponto que a gente tem que parar para ficar grupos, conhecer o modo de organi- refletir é que a gente evita trabalhar com zação desses grupos e fundamentalmente a ideia de juventude, mas sim com a ideia identificar as narrativas e os produtos, que de juventudes, no plural. Percebemos que eu chamo de produtos culturais-comuni- embora o termo juventude seja um idencacionais, que esses grupos elaboram. Para tificador macro, é muito mais produtivo assim tentar fazer um tensionamento entre pensarmos em juventudes porque dentro as narrativas hegemônicas sobre juventu- desse conjunto temos uma infinidade de des e periferia, e o que eu chamo, os teóri- experiências de vida e inserções que vão cos chamam de contra narrativas, que são fazer com que essas experiências aconteas narrativas produzidas pelos grupos que çam de forma diferente para cada um. Por vão tensionar uma representação muitas exemplo, é muito diferente você ser um jovezes marcada por valores, por identifica- vem morador da sede de Cachoeira e você ção, características com as quais os grupos ser um jovem morador de um distrito rural não se identificam. De forma muito geral a ou de uma comunidade quilombola. Cada gente percebe que os grupos juvenis, prin- uma dessas experiências vai trazer traços cipalmente das periferias das grandes, das desse grupo que vão vir acompanhadas de médias cidades, ou que estão deslocadas de demandas e formas de viver essa experiênuma certa centralidade de poder, eles vão cia. São perfis. tentar produzir histórias, produzir narrativas e lugares de pertencimento diferen- CC: De que forma essa pesquisa pode tes daqueles produzidos hegemonicamen- incentivar a promoção de políticas te. Quando eu falo de narrativa eu falo de públicas para essa juventude? narrativas de diversos formatos, um vídeo é uma narrativa, uma fotografia é uma nar- DA: Os estudos de juventude estão muito rativa, um grafite, um espetáculo de teatro, articulados, muito preocupados com essa de dança de poesia. Identificando essas implementação de politicas de juventude. narrativas, uma contribuição interessante é Temos no Brasil desde 2005, uma Política visibilizar elas, trazendo aqui para o âmbi- Nacional de Juventude, ela tem marcas basto da academia essa produção, que é muito tante interessantes, contemplando essa diintensa e que tem sido produzida no Brasil. versidade juvenil, mas como tantas outras 6
Foto: Thainá Dayube
[PÁGINAS NEON]
CC: Qual o cenário atual dessa juventude?
políticas é um arcabouço legal muito complexo, mas que não se verifica na prática, temos uma dificuldade de implementação dessas políticas. Ao pesquisar e visibilizar as juventudes estamos visibilizando as faltas, as demandas e com isso a gente consegue fazer um processo de cobrança, e consequentemente contribuir para esse movimento da sociedade civil em torno da efetiva implementação das políticas públicas.
DA: Os jovens como todos nós somos perpassados por muitas forças institucionais, o que Barbero vai chamar de mediações construtivas, O jovem esta na escola, ele está no grupo de capoeira, está no grupo de hip-hop, em um grupo religioso. Em alguns casos, os grupos têm alguma relação com alguma instituição como a igreja, uma ONG ou a própria escola, em outros casos, eles têm uma relação um pouco menor com essas instituições. Isso não significa dizer que os grupos juvenis são tutelados por essas organizações, mas sim que muitas vezes essas transversalidades acabam contribuindo em alguma medida para a articulação. Alguns grupos surgem por meio de uma provocação de uma ONG, outros por meio de uma provocação da escola, mas esse não é o padrão, o padrão é que seja uma articulação mais autônoma.
CC: No decorrer da pesquisa, quais foram as dificuldades identificadas que esses jovens encontram para a construção dessas narrativas? DA: Eu acho que os jovens vão driblando essas dificuldades para estarem juntos. Existem as dificuldades de inserção territorial e social, são jovens de comunidades mais afastadas, normalmente são lugares onde você tem ainda uma escassez de serviços públicos. Só que isso na minha perspectiva é uma dificuldade se transforma em um motor nesse processo de empoderamento. 7
E SE CACHOEIRA FOSSE UMA MULHER? Aidil Lima e Giselle Oliveira têm muito a contar. Duas mulheres negras unidas pela literatura e pela naturalidade - ambas nascidas em Cachoeira -, seguem o caminho que mulheres como Carolina Maria de Jesus, Conceição Evaristo e Elisa Lucinda traçaram na literatura.
[CAPA]
POR ADAILANE SOUZA E ELIANE CRUZ
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froempreendedora, cadeirante e escritora, essa é Giselle Oliveira. Autora de poesias eróticas, começou a escrever ainda jovem no caderno do colégio, mas foi após ter sofrido um acidente automobilístico, o qual lhe deixou paraplégica, que ela voltou a escrever de forma mais constante. De início, tudo o que escrevia guardava para si, e foi assim que acabou perdendo alguns conteúdos. Na universidade, ajudou a fundar o movimento negro que hoje tem o nome de ACOFENA, e foi lá onde surgiu a oportunidade para participar do livro “Cenas do Paraguaçu”, publicado pela editora UFRB. Ela conta que publicar um livro tem suas dificuldades por conta do mercado, que é muito fechado e dominado por homens. Ao longo da sua carreira, a cachoeirana carrega participações em grandes eventos, como o a Feira Literária Internacional de Cachoeira e o “Caruru dos Setes Poetas”, acontecimento importante no cenário da poesia na Bahia. Lá ela foi uma das sete pessoas homenageadas, ao lado de uma de suas inspirações, Elisa Lucinda. Como afroempreendedora, Giselle uniu o útil ao agradável, amante da moda e artesã, possui uma marca chamada Quilombelas, fundada dentro da universidade com a parceria de duas amigas e que tem como direcionamento uma moda complementar, ligada à cultura afrobrasileira. Atualmente Giselle coordena a marca, gere a loja virtual e produz as peças sozinha.
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[CAPA]
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rofessora de literatura, a escritora, jornalista e também filosofa Aidil Lima cresceu rodeada de livros dos mais variados autores como Machado de Assis e Erico Verissimo. Ela conta que a literatura sempre foi sua carta de alforria, começou a escrever contos, poesias e crônicas sobre questões do cotidiano; tudo sem nenhuma pretensão e como forma de desabafo para as opressões vividas. Grande parte de seus escritos relatam histórias de mulheres negras que sofreram preconceito e não tinham coragem de falar.
A escritora relata que desde muito cedo sentiu falta de autores negros que falassem de si, dos seus anseios, sempre viu pessoas brancas falando sobre pessoas negras. “Eles [brancos] não sabem o que os negros sentem”, revela. Aidil teve uma coluna literária no “Cachoeira Online” por alguns anos. Começou a participar de concursos literários, com várias colocações, integrou vários livros de antologias. Os seus contos “Letras Bordadas”, “Ponto de Cruz”, “Fio de Silêncio” foram selecionados no Mapa da Palavra da FUNCEB, sendo “Letras bordadas” publicado em “Cartografia”. Participou da Flica 2016 e do Profundanças II. Outra temática explorada por ela é a das lavadeiras, sobre o sofrimento e a rotina dessa classe trabalhadora. “É através do canto que elas esquecem a dor. E a dor que eu escrevo é a dor de ser discriminada, de não ter visibilidade”. Tem livros engavetados. O livro “Mulheres Sagradas”, que tem uma narrativa poética e possui uma linguagem que canta fiel a expressão das mulheres que se reinventam a todo instante, ganhou primeiro lugar num concurso da Editora Kazuá, mas não foi publicado.
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A progressรฃo histรณrica e a boemia de Cachoeira se cruzam: Rua 25 de Junho
[URBANIDADE]
POR GIOVANE ALCÂNTARA
A memória de uma rua, na cidade de Cachoeira, que presta homenagem a luta pela independência do Brasil e que, hoje, é reconhecida como área boêmia da cidade. (Foto: Reprodução/Adrielly Novaes)
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heguei por aqui em setembro de 2016. Lembro como se fosse hoje eu deixando minha cidade natal, junto com uma amiga, para me aventurar no desconhecido — nesse caso, Cachoeira. Me apaixonei pela cidade histórica, heroica e tesouro nacional. Tudo aqui me remetia a um universo que eu admiro muito. Da arquitetura barroca do século XVIII a história de luta e emancipação que Cachoeira carrega. Para quem nunca veio à Cachoeira ou não conhece, a cidade foi importante e participativa nas lutas emancipatórias, inclusive pela independência do Brasil. Além de ter sido extremamente importante para o desenvolvimento político-econômico da Bahia, nos séculos XVIII e XIX. Antes conhecida como Vila de Nossa Senhora do Rosário do Porto da Cachoeira e do Paraguaçu, a cidade, construída no lado esquerdo do Rio Paraguaçu, teve sua história pautada no genocídio dos povos indígenas e na escravidão e exploração do povo africano. A riqueza de Cachoeira era advinda da plantação e colheita da cana-deaçúcar e da cultura do tabaco. No século XIX, a implementação da navegação fluvial elevou ainda mais a importância de Cachoeira no fluxo econômico da Bahia e do interior do Brasil. A Vila tinha tamanha importância no panorama político-administrativo que por aqui passaram os imperadores D. Pedro I e II e, também, Princesa Isabel. Cachoeira perde sua importância econômica pela reestruturação das vias de circulação terrestres e pela queda do poderio da cana-de-açúcar e da cultura do tabaco. E isso é apenas um resumo da história dessa cidade. O nosso ponto de encontro, na verdade, é na Rua 25 de junho — ou apenas “25”, como é conhecida por seus habitantes e por quem está em Cachoeira apenas para visitação. Foi aqui na cidade heroica, no dia 25 de junho de 1822, que os senhores de engenho, intelectuais e membros das irmandades da cidade, com o apoio das câmaras municipais
das cidades de Jaguaripe, Maragogipe, São Francisco do Conde e Santo Amaro e com apoio da Igreja Católica proclamaram D. Pedro I como príncipe regente do Brasil. Os mais ricos da cidade, reunidos e com o objetivo de liderar um movimento contra o regime português, decidiram que proclamariam o já citado príncipe como regente do Brasil e para isso era necessário que fizessem a contabilidade das armas do corpo de polícia; o número exato de praças que existiam na cidade; que conseguissem chumbo e pólvora suficientes e que só fosse tomada uma decisão no dia 27 de junho, porém uma falsa notícia que se espalhou fez com que todo esse processo fosse acelerado. No dia 25 de junho, um batalhão de aproximadamente 400 homens listados em Belém e no Iguape, coordenados pelos coronéis Rodrigo Antônio Falcão e José Garcia Pacheco, deram o primeiro passo a liberdade cachoeirana. O corpo municipal da Vila se reuniu às 9 horas da manhã, na atual Casa de Câmara e Cadeia Pública de Cachoeira, e todos ali presentes foram consultados, declarando D. Pedro de Alcântara “Regente Constitucional e Defensor Perpetuo do Brasil”, assim como foi feito no Rio de Janeiro. Depois, todos se dirigiram a Igreja Matriz de Nossa Senhora do Rosário, onde uma missa solene do Te-déum, foi realizada pelo Vigário Francisco Gomes dos Santos e Almeida como forma de agradecimento ao poder de decisão do império. Porém, na volta para suas casas, o povo e a tropa foram atingidos, na rua principal da cidade, por tiros disparados pelo português Manoel Machado Nunes — que quebrou a promessa de defesa do major Joaquim José de Bacelar e Castro e da escuna de guerra do império português. Às 20 horas do mesmo dia, a escuna disparou contra a Vila e contra o povoado de São Félix, trazendo problemas as edificações, principalmente a casa do juiz de fora Antônio de Cerqueira Lima. No dia 26 de junho, a cidade novamente
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é atacada por tiros que vinham das casas dos portugueses Manoel Machado Nunes e Antônio Pinto Lemos Bastos. Os dois portugueses atacaram policiais e as canoas que atravessavam o Rio Paraguaçu. Tal atitude dos portugueses revoltou a população e fez com que a corte portuguesa junto aos nomes principais da província, convocassem uma assembleia e instituíssem a junta conciliadora de defesa. Os membros da junta dirigiram-se ao comandante da escuna e pediram que fosse cessado os ataques a Vila. De nada funcionou. A escuna imperial atacou, nos dias 27 e 28, de forma ainda mais violenta a Vila. A população cachoeirana, indignada com a forma hostil na qual vinha sendo tratada, resolveu, na noite do dia 28, contraatacar, prostrados em vários pontos do cais e na rua dos Arcos — atual Praça Teixeira de Freitas— Fizeram as pessoas que estavam a bordo da escuna se renderem. O batalhão, nos dias consecutivos, partiu para as Vilas de Santo Amaro e São Francisco de Sergipe do Conde, com discurso de adesão à regência de D. Pedro I.
“Só na famosa ‘25’ é possível tomar uma bebida conhecida como treme-treme em um dos bares mais famosos da cidade.”
com as gestões públicas municipais. Só na famosa ‘25’ é possível tomar uma bebida conhecida como treme-treme em um dos bares mais famosos da cidade ou, ainda assim, aproveitar para dançar ao som dos principais hits brasileiros atuais na única casa noturna, que também fica localizada em tal via. E tudo é ressignificado. A ocupação da rua, principalmente pelos moradores da cidade, reflete para mim o encontro do histórico com o que há de mais atual. Antes a via que servia como ponto da luta pela independência, hoje serve como ponto de distração e descontração da cidade. As ruínas das casas, que nos remetem ao século XVIII e XIX, se impõem junto ao único hotel — também em ruína — de nome Colombo. E do outro lado da rua encontramos o, já restaurado, CineTheatro Cachoeirano. Na Praça Teixeira de Freitas, ainda nos deparamos com os canhões apontados em direção ao Rio Paraguaçu — uma representação do que teria acontecido no Império de D. Pedro I. O primeiro museu de cinema brasileiro — de um dos amigos do cineasta baiano Glauber Rocha — também marca presença e imortaliza outra tão importante história. O museu abandonado e sem apoio do poder público para sua manutenção expõe em suas portas verdes que, a qualquer momento, fechará. A cidade heroica resiste aos processos de modernização que obrigam ela a passar e carrega em si um pedaço da história do Brasil que devemos, no mínimo, ter respeito. Cada ruína, cada Igreja suntuosa ou cada rua estreita guarda em si histórias de sofrimento, de luta e, principalmente, resistência. Cada sorriso estampado no rosto do cidadão cachoeirano demonstra que, mesmo com problemas, o povo de Cachoeira sabe eternizar sua história, suas tradições, sua memória e, sobretudo, seus feitos.
Muito tempo se passou. Estamos em 2018, 196 anos após os tais feitos emancipatórios da cidade de Cachoeira. A rua 25 de Junho tornou-se área boêmia da heroica Cachoeira. Os casarões antigos agora servem como estruturas para bares, restaurantes, hostels e pousadas. Na rua, ainda de paralelepípedos, vemos cadeiras e mesas amarelas dispostas para servir os universitários da cidade, os turistas e os cachoeiranos; podemos observar, também, as modificações estruturais que a famosa rua e Viva a Cachoeira! Viva o Recôncavo da praça vieram a sofrer com o passar dos anos e Bahia!
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[CULTURA]
Hip-Hop como ferramenta de afirmação e resistência Ações comunitárias como o Baile Pelo Certo desempenham um importante papel no contexto da resistência negra e periférica no Recôncavo. POR JAMILE NOVAES
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m 2011 foi criado o Cineclube Comunitário do Povo – o Cine do Povo – como uma ação permanente do Núcleo de Negras e Negros Estudantes da UFRB (Núcleo Akofena) na comunidade do Viradouro. Assim como outros bairros periféricos da cidade de Cachoeira, o Viradouro é conhecido por ser uma região marginalizada, marcada pelos conflitos gerados política de “guerra às drogas”. Dessa forma, o Cine do Povo se instala estrategicamente, trazendo exibições de cinema e promovendo atividades de formação voltadas para a educação comunitária, Cultura Hip-Hop e cinema. Após uma pausa de um ano, em 2014 o Cine do Povo retorna às suas atividades por uma demanda da comunidade do Viradouro, e acaba se expandindo, tornando-se uma rede de autodefesa comunitária. “Atualmente o Cineclube é articulado por uma rede ampla de artistas locais, militantes do movimento negro, lideranças comunitárias, educadores populares e apoiadores autônomos”, explica uma das articuladoras. Em 2016, o Cine do Povo lança mais uma de suas ações comunitárias, o Baile Pelo Certo, que nasce com o objetivo de fortalecer a cena cultural underground do Recôncavo, enquanto funciona como canal
de arrecadação de fundos para a realização das ações permanentes do cineclube nas áreas periféricas da cidade. O evento acontece no espaço Escombros 777, localizado na Rua 7 de Setembro, conhecida popularmente como “Rua do Brega”, por abrigar, há mais de 150 anos, os prostíbulos da cidade há mais de mais de 150 anos, os prostíbulos da cidade. Apesar de estar localizada no centro da cidade, a Rua do Brega carrega um estigma e é constantemente alvo de ações de repressão policial. “Tal criminalização não é um processo novo, seja no contexto da relação do Estado com as populações negras, ou mesmo, do ponto de vista da cidade de cachoeira, que como já documentou historiadores baianos, é conhecida por repressões brutais contra a população negra em áreas urbanas e rurais.”, 17 contextualiza Fred Aganju, professor de História e um dos articuladores do Cine do Povo. Realizado de forma paralela a outros eventos que compõem a cena cultural de Cachoeira, o Baile Pelo Certo reúne artistas locais, do interior e da capital baiana, ligados à Cultura HIp-Hop, ao sound system, ragga, reggae e funk, como, Az Piveta das Área, Jahsco M2, Us Pior Da Turma, Mano Link, Roça Sound e outros. 16
Além de seu cunho cultural, o evento se estabelece como uma ação de afirmação e resistência da população negra e periférica no território do Recôncavo baiano, que se evidencia desde o local de realização – visto que a Rua do Brega é um dos pontos mais marginalizados da cidade -, até no discurso e na atuação política dos grupos e artistas que se apresentam. Jahsco M2, integrante do coletivo M2 (Mente Malokera), conta que sua música é feita “pro gueto, favela, periferia, becos e vielas”. O coletivo M2 também realiza atividades comunitárias na cidade de Cruz das Almas, com foco no acesso à cultura. “Chega fim de semana e o que tem pra gente são os bares. Acabam empurrando a gente para os bares e a gente vê muitos jovens com problemas com álcool, problema com drogas. Então a gente trabalha com projetos sociais. Quando chega o fim de semana a gente leva um pouco de cultura, faz uma roda de rima, tenta atrair a galera que faz poesias e tal. Trabalhamos com oficinas de grafite nas comunidades, oficina de rima. Então é um lance para unir a comunidade através do movimento Hip-Hop”, explica Jahsco M2. O Recôncavo Baiano, mais precisamente Cachoeira, é um território marcado pela luta e resistência da população negra. Organizações como a Irmandade da Boa Morte (confraria religiosa composta exclusivamente por mulheres negras, que comprava cartas de alforria para negros escravizados), as comunidades quilombolas e os mais de 80 terreiros de candomblé ativos em Cachoeira e sua vizinha São Félix são importantes referências em termos de estratégias de permanência negra na Diáspora. A Cultura Hip-Hop se apresenta nesse contexto como mais uma ferramenta,
frente à realidade da criminalização e genocídio da população negra que vem sendo promovido em âmbito local e nacional. Como afirma um dos organizadores do evento: “O interior da Bahia é uma região quente e encharcada de sangue negro; uma terra hostil onde os negros são caçados, capturados e abatidos como cães e nos últimos anos os índices de homicídios tem aumentado de maneira exponencial no interior da Bahia e atingido de sobremaneira os jovens homens negros. Cachoeira por exemplo, apenas esse ano, já teve contabilizado 19 assassinatos, 16 homens negros e 3 mulheres negras, em ambos os casos, em situações de morte violentas. O Hip-Hop tem muito a dizer sobre essa realidade e, mais que isso, é uma cultura essencialmente organizativa, no sentido que não propõe apenas a denúncia, mas também, soluções reais. No nosso caso, estamos apostando que o Hip-Hop salva vidas, que um MC pode fascinar tanto quanto uma peça (arma) e que um grafite tem mais potência bélica que uma rajada. Como diria Steve Biko ‘estamos por nossa própria conta’ e se é desse jeito, vamos cuidar de nós mesmos; o Povo Preto.” O Cine do Povo, através de suas ações de caráter comunitário e colaborativo, atua nas zonas periféricas de Cachoeira suprindo necessidades que são negligenciadas pelo Estado, como o acesso à cultura, informação e formação política, aspectos de grande importância para a permanência e emancipação das comunidades negras e periféricas.
[DENÚNCIA]
O problema bancário em Cachoeira Longas filas, descaso e inoperância fazem parte da realidade da cidade, distante pouco mais de 100 km da capital Salvador. POR ADAILANE SOUZA E BRUNO LEITE
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ma localidade com poucas alternativas bancárias, esta é a realidade de Cachoeira, município com uma população de pouco mais de 34 mil habitantes segundo o último Censo IBGE. O problema se arrasta desde janeiro de 2017, mês em que a primeira agência bancária, a do Bradesco, foi parcialmente explodida e deu início ao que pouco tempo depois - com os ataques nas cidades vizinhas e às agências do Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal por um grupo de 20 homens armados - viria a ser um uma onda de assaltos à bancos na região. O Banco do Brasil desde então passa por uma interminável obra de reforma e readequação. Enquanto isso, para pagar um simples boleto ou até mesmo sacar qualquer quantia, os moradores se espremem em filas nas calçadas da única casa lotérica, dos correspondentes bancários ou dos dois bancos que estão em funcionamento. Na Caixa Econômica, as pessoas passam horas numa fila, perdem um dia de trabalho, sofrem com a falta de banheiros e às vezes até de bebedouros nas agências para que possam saciar a sede. Uma dessas pessoas é a estudante Erica Cristina, moradora do distrito de Santiago do Iguape. Segundo ela, a ida ao banco sempre é sinônimo de sofrimento. “Sempre enfrento filas enormes, é uma péssima situação para nós que moramos longe da cidade, já dei a ideia ao gerente para que priorizasse o atendimentos para as pessoas que residem nas zonas rurais, essas pessoas vêm de muito longe, saem cedo de casa e muitas vezes não são atendidas”, desabafa. Já no supermercado Pereira, as transações bancárias dependem de um limite diário, qualquer movimentação após esse teto é prontamente rejeitada. Uma situação preocupante, já que Cachoeira vem se destacando ano após ano como um polo de comércio e serviços. 18