Especial Libertadores 40 anos - Revista do Cruzeiro (janeiro/agosto 2016)

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Joãozinho vibra com os com panheiros na pr im ei ra par t ida da decisão da Liber t adores de 76 , contra o R iver P lat e, no M ineirão: um dos m om ent os m ai s m arcant es da hist ór ia do Clube celest e

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Os reis da

AMÉRICA

JANEIRO A AGOSTO DE 2016 33


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O esquadrão que conquistou pela primeira vez a Libertadores: craques em todas as posições

PO R B R UN O M AT E U S / / / FOTO S AC E RVO D O CL UBE E BRUNO S ENNA

E m 1976, um t i m e re c he a do de c raq u es c om an d ado p or Zezé M orei ra f ez história ao ve nc e r a pr i m e i ra Co p a L i b er t adores d a h i st ór i a do C r u zei ro. Qua renta a n o s de po i s , o s pe rs o nagen s d a faç an h a fal am sob re a c on q u i st a q ue c oloc ou as c i nc o e s t re las no l u g ar m ai s al t o do c on t i n en t e

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Sete de março de 1976. Domingo, 17h30. Cruzeiro e Internacional se enfrentam no Mineirão. Estreia na Copa Libertadores e logo de cara o time gaúcho, que havia conquistado o Campeonato Brasileiro diante da Raposa no ano anterior. Mais de 65 mil cruzeirenses estão nas arquibancadas do Mineirão, prestes a testemunhar aquele que é considerado por muitos o maior jogo da história do cinquentenário estádio. Dois times fantásticos. Do lado celeste, craques como Raul, Nelinho, Zé Carlos, Jairzinho, Palhinha e Joãozinho. Sem o titularíssimo Piazza, que fica de fora por contusão e é substituído por Eduardo Amorim, a Raposa enfrenta uma verdadeira seleção. O Internacional conta com Manga no gol, Figueroa, Falcão, Caçapava, Valdomiro, Escurinho, Lula e Rubens Minelli no comando. Com tantos craques em campo, todos esperam um espetáculo. E o jogo começa eletrizante. Oportunista e muito ágil, Palhinha marca aos 3 minutos e repete a dose aos 10. Lula desconta para o Internacional com um golaço do meio da rua: 2 a 1. Para fazer o terceiro da Raposa, Joãozinho pedala pra cima de Figueroa, deixa o zagueiro torto e balança as redes do time gaúcho mais uma vez. “Eu já tinha aquele drible, que era fatal. Só com o Figueroa na frente, fui pra cima”, conta Joãozinho. Valdomiro fura o bloqueio celeste e coloca o adversário na parada novamente. O Cruzeiro sai de campo para o intervalo vencendo por 3 a 2. Marco Antônio Fontes tinha 24 anos na época. Das arquibancadas do Mineirão, ele experimenta sensações

opostas. “Eu vibrava com os gols do Cruzeiro e sofria com os gols do adversário. Foi muita emoção, o sentimento oscilava, alegria e sofrimento. Aquele time do Internacional também era fantástico. Pela qualidade das equipes, as jogadas eram excepcionais. Não tinha lance feio”, afirma o torcedor. No segundo tempo, Zé Carlos marca contra e o Internacional chega ao empate. Joãozinho faz o quarto e coloca a Raposa na frente. Por pouco tempo. Sete minutos depois, Ramon deixa tudo igual. Aos 40 do segundo tempo, Joãozinho sofre pênalti de Valdir. Nelinho cobra no alto, sem chances para o goleiro, e põe números finais ao histórico confronto. Marco Antônio ainda se lembra de dos lances que, segundo ele, são os mais incríveis que viu no futebol. “No fim do jogo, o Falcão cabeceou e o Raul, meio que deitado, ainda conseguiu esticar o corpo. Foi uma defesa espetacular. E também um dos gols do Joãozinho, que foi fora de série. Ele colocou a bola com a mão. Foram os lances mais incríveis que eu já vi no futebol. Dá muita saudade. Sinto-me privilegiado, pude acompanhar todos os jogos no Mineirão daquela campanha de 76”, diz o torcedor. Além da aula de futebol que as duas equipes deram, para o ex-goleiro Raul, o jogo guarda uma particularidade: “Teve um duelo muito interessante: Palhinha x Figueroa”. Aos 12 minutos do segundo tempo, o atacante cruzeirense foi expulso quando a partida estava empatada em 3 a 3. “O Figueroa tinha quebrado meu nariz com uma cotovelada na final do Brasileiro de 1975”, conta Palhinha.

No jogo da Libertadores, ele resolveu dar o troco: “Vou descontar e dar uma cotovelada, pensei, só que eu não sabia dar cotovelada e acabei expulso [risos]. Mas quem jogou muito foi o Joãozinho. Parece que desceu um espírito nele”. “Eu estava bastante inspirado, foi o meu dia. Tudo era mais fácil com aquele time espetacular do Cruzeiro. Sou um cara muito feliz por ter participado desse jogo histórico. Fiz dois, dei passe para outros dois e sofri o pênalti do quinto gol”, recorda Joãozinho. A primeira batalha da Copa Libertadores de 1976 estava vencida. E foi só um anúncio do que viria pela frente. Na caminhada do título, o Cruzeiro teria de superar outros tantos obstáculos, inclusive um golpe do destino que tiraria um guerreiro de combate. SOBERANO E MATADOR Cruzeiro e Internacional eram os representantes brasileiros na competição. Naquela época, só o campeão e o vice do Campeonato Brasileiro entravam na disputa continental. Olimpia e Sportivo Luqueño, ambos do Paraguai, completavam o grupo. Uma semana depois do jogaço contra os gaúchos, a máquina azul desembarcava em Assunção. Calendário apertado, dois jogos em quatro dias na capital paraguaia. No estádio Defensores del Chaco, o Cruzeiro vence, de virada, o Sportivo Luqueño por 3 a 1, com gols de Roberto Batata, Nelinho e Jairzinho. Na partida seguinte, no mesmo local, empate diante do Olimpia: 2 a 2. Jairzinho e Darci marcam os gols.

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Joãozinho barbariza contra a zaga colorada no Mineirão: um dos jogos mais emocionantes da história do Clube

Apenas um time se classificaria no grupo e a Raposa sabia que perder pontos em casa estava fora de cogitação. Na partida de volta contra o Sportivo Luqueño, no Mineirão, o Cruzeiro não dá chances ao rival. O relógio aponta 15 minutos do primeiro tempo, e o time celeste já vence por 2 a 0, gols de Palhinha e Eduardo Amorim. Os paraguaios marcam com Nicolichia, mas Palhinha, de novo, e Jairzinho sacramentam a vitória. Deixar o poderoso Internacional pra trás era fundamental. Em 28 de março, diante de 80 mil torcedores no Beira-Rio, em Porto Alegre, a equipe de Zezé Moreira sabia que teria uma final antecipada. Jairzinho estufa o filó na primeira etapa e Joãozinho, no fim da partida, faz 2 a 0 e garante a classificação às semifinais. “Acreditei que o time tinha condição de ser campeão”, comenta Nelinho. “Quando vencemos o Internacional dentro e fora de casa, deu pra sentir que o time estava encorpado, jogando fácil”. No início de abril, com o passaporte carimbado para a próxima fase, o Cruzeiro goleia o Olimpia por 4 a 1

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diante de mais de 40 mil torcedores no Mineirão. A equipe paraguaia começa vencendo, com um gol logo aos 12 minutos do primeiro tempo. Jairzinho, duas vezes, Nelinho, de pênalti, e Eduardo Amorim fecham a fatura e dão ao Cruzeiro o título de melhor time da fase de classificação. Em seis jogos, foram cinco vitórias e um empate; vinte gols marcados, nove sofridos. Um ataque letal, impiedoso. “Só sabíamos jogar daquela maneira. Aquele time tinha mania de fazer gol”, recorda Nelinho. LIQUIDANDO OS RIVAIS Em meio à disputa do Campeonato Mineiro e da Taça Minas Gerais, a semifinal da Libertadores chega e anuncia o triangular com a LDU, do Equador, e o Alianza Lima, do Peru. O Cruzeiro inicia a caminhada rumo à final em maio de 1976. Do outro lado, os argentinos River Plate e Independiente e o uruguaio Peñarol disputam a segunda vaga na decisão. A primeira parada é em Quito, 9 de maio. Na capital equatoriana, 50 mil torcedores da LDU empurram o

time. Em vão. O Cruzeiro impõe seu ritmo e, antes dos 10 minutos do segundo tempo, já vence por 3 a 0, com dois gols de Palhinha e um de Joãozinho. O adversário, aos 30 da etapa final, diminui de pênalti. Próximo destino: Lima, Peru. A sequência de viagens é desgastante. Três dias após a vitória no Equador, a Raposa aterrissa na capital peruana para enfrentar o Alianza Lima. No estádio El Matute, mais uma goleada: 4 a 0. Roberto Batata, Jairzinho e o endiabrado Joãozinho, marcando duas vezes, selam o triunfo azul. Após duas vitórias fora de casa e a classificação encaminhada, a delegação cruzeirense retorna a Belo Horizonte no dia 13 de maio. Na mesma data, uma tragédia interrompe a carreira do atacante Roberto Batata. (ver matéria especial na página 39) O futebol nos reserva capítulos eternos e emocionantes. Na noite de 20 de maio, uma semana depois da morte de Batata, o Cruzeiro escreve o 7 da camisa do jogador no placar do Mineirão. O Alianza Lima faz um de lambuja, e aquele 7 a 1, que décadas depois, no mesmo


Mineirão, entraria para a história como a maior vergonha do futebol brasileiro, para a torcida cruzeirense será sempre lembrado como uma homenagem ao saudoso Roberto Batata. O mês de maio termina com mais uma goleada da Raposa. Já classificado para a final, o Cruzeiro entra em campo e não dá colher de chá para a LDU. O time equatoriano até tenta, mas é engolido pela máquina celeste. Quatro a um – Nelinho, Jairzinho, Palhinha e Ronaldo fazem a alegria dos 30 mil cruzeirenses no Mineirão.Saldo da semifinal: quatro jogos, quatro vitórias, impressionantes 18 gols marcados e apenas três sofridos. O esquadrão azul estava pronto para pegar o River Plate na decisão.

AS BATALHAS DE BH E BUENOS AIRES

trelado fecha o primeiro tempo deixando os argentinos zonzos.

Depois de um mês e meio e 10 jogos pelo Campeonato Mineiro, o Cruzeiro volta suas atenções para a Copa Libertadores. Hora de enfrentar o poderoso River Plate pela primeira partida da final continental. O adversário tinha um time fortíssimo, com vários jogadores que seriam campeões mundiais com a seleção argentina no Mundial de 1978.

O jornalista e escritor Rodrigo Merheb estava na Toca III. “Esse é o jogo da minha vida. Nada que vi depois no futebol produziu mágica semelhante aos primeiros 45 minutos, quando aquele time extraordinário massacrou a equipe argentina. Aqueles craques encheram de alegria o coração de um menino cruzeirense que usava a camisa estrelada número 4, igual a do Nelinho, meu maior ídolo de infância.”

Vinte e um de julho, noite de quarta-feira. Mais de 60 mil cruzeirenses lotam o Mineirão. Implacável e soberano no primeiro tempo, em 20 minutos o trem azul passa por cima da defesa rival. Com um gol de Nelinho, batendo uma de suas indefensáveis faltas, e dois de Palhinha, o time es-

No segundo tempo, o River Plate desconta com um gol de pênalti. O atacante Valdo, que entrara na etapa final, faz o quarto da Raposa e encerra o show. “Esse jogo foi a demonstração de que o Cruzeiro tinha

A América tinha um nome: Roberto Batata Na campanha da conquista da América, o 13

conta que chorou várias vezes durante a

de maio de 1976 será lembrado com muita

partida. Ele e outros jogadores.

tristeza. Foi nessa data que Roberto Batata perdeu a vida em um acidente de carro. Um

Com três gols de Palhinha e quatro de Jair-

dia antes, o Cruzeiro havia vencido o Alianza

zinho, o Cruzeiro venceu o time peruano e

Lima, no Peru, por 4 a 1. Batata fez um dos

colocou o número sete da camisa de Batata

gols. Após a chegada em Belo Horizonte, o

no placar do Mineirão. “Lamentavelmente, o

atacante passou em casa, pegou o carro e

destino não o deixou dar segmento ao proje-

partiu rumo a Três Corações, a 300 km de BH,

to dele como homem e como jogador de fu-

para visitar a mulher e o filho, de 11 meses.

tebol”, lamenta Jairzinho. “A gente sentia que

Perto do município de Santo Antônio do Am-

ele estava presente nesse jogo. O baque foi

paro, o Chevette do jogador saiu de uma das

muito grande, mas também nos fortaleceu

pistas, chocou-se com um caminhão e depois

em relação à conquista”, afirma Palhinha.

em outro. Roberto Batata tinha 26 anos. A imagem dos jogadores ajoelhados no meio “Para mim, foi muito pesado. Quando cheguei

do campo de batalha, após a vitória contra o

ao Cruzeiro, ele me levava para os treinos e

River Plate na finalíssima, rezando por Ro-

para conhecer Belo Horizonte. Foi um amigão

berto Batata, é o símbolo da épica conquista.

que eu tive”, diz Nelinho. Uma semana depois

Sinônimo de respeito e muita saudade. “Todos

da tragédia, o Cruzeiro voltou a enfrentar

tínhamos um pensamento voltado para ele. Ele

o Alianza Lima, desta vez no Mineirão. Uma

foi muito especial”, destaca Raul. “A Libertado-

noite emocionante, de reverência ao futebol

res de 1976 foi uma forma de reverenciarmos

de um grande atleta e companheiro. Piazza

a memória de Roberto Batata”, resume Piazza.

JANEIRO A AGOSTO DE 2016 37


// / / / CAPA o melhor time. Naquele dia estávamos afiadíssimos”, lembra Raul. Depois do baile no Mineirão, chegara a hora de se preparar para o jogo de Buenos Aires.

pital chilena que um dos capítulos mais grandiosos da história celeste foi escrito pelos guerreiros que vestiam a camisa estrelada. TENSÃO E GLÓRIA EM SANTIAGO

Em entrevista à Revista Placar, o treinador Zezé Moreira disse o que esperava do confronto: “Eles farão mais ou menos o que realizaram aqui no segundo tempo, quando estavam perdendo por 3 a 0. Se desdobraram, exercendo uma forte pressão sobre a nossa defesa, mas fomos nós que marcamos um gol. Lá em Buenos Aires, eles partirão assim no primeiro tempo e temos meios para surpreendê-los”. Noite de 28 de julho: o estádio Monumental de Nuñez, na capital argentina, respira o clima da decisão. “Fomos para Buenos Aires buscar o título. E de forma invicta”, recorda Piazza. Jogo nervoso, catimbado, como se espera de uma final de Libertadores. Logo aos nove minutos de partida, o River Plate abre o placar. Palhinha, no comecinho da segunda etapa, trata de igualar a peleja. O resultado dava o título ao Cruzeiro. Faltando 15 minutos para o apito final, o árbitro uruguaio José Martínez Bazán entra em cena e valida um gol ilegal do time argentino. “Empurraram o Vanderlei com bola e tudo para dentro do gol. A meu ver, o lance foi irregular”, comenta Piazza. Com a vitória do River Plate por 2 a 1 e o critério de saldo de gols não valendo como desempate, o título teve de ser decidido em uma terceira partida em campo neutro. Dois dias depois, as equipes se enfrentavam em Santiago. E foi na ca-

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Em 30 de julho, o Cruzeiro entra em campo no Estádio Nacional com Ronaldo no ataque no lugar de Jairzinho, expulso na partida de Buenos Aires. Os times se lançam ao ataque e criam várias chances de gols. “Foi o jogo que eu mais participei, gritando, empurrando, dando moral para o time. A tensão era grande demais. Aceleramos pra cima deles e o jogo foi bastante equilibrado”, diz Raul. Em um lance dentro da área, o zagueiro do River Plate põe a mão na bola. Nelinho, na metade do primeiro tempo, cobra o pênalti com categoria e coloca a bola no canto esquerdo do goleiro: 1 a 0. Piazza, que lutava contra um problema na região do púbis, usa a raça para suportar as dores. No intervalo, ele recorre a uma infiltração no local. “Eu não queria sair de jeito nenhum, me sentia na obrigação de participar daquele jogo. Falei perante os colegas que não ia sair, falei com o médico. E disse, na frente de todos, que eu seria responsável. O médico não tinha nada a ver com isso. Poderia ser até minha última partida como jogador. Para mim, o Cruzeiro vencendo compensaria tudo.” Aos 10 do segundo tempo, Eduardo Amorim, na ponta direita, quase na entrada da área, surge como um raio e solta um petardo no ângulo do goleiro Landaburu. Mesmo com a desvantagem no placar, o River Plate não está morto. Em apenas qua-

tro minutos, os argentinos empatam a finalíssima. Oscar Mas, de pênalti, faz o primeiro. Em falta na entrada da área, quando os times ainda discutem na formação da barreira e antes de o juiz chileno Alberto Martínez autorizar a cobrança, Sabella rola na esquerda para Crespo, que supera o arqueiro Raul. Com a igualdade no placar e faltando pouco menos de 30 minutos para o fim da partida, as duas equipes buscam a vitória sem se descuidar da defesa. Um erro pode custar o título. O jogo segue duro, tenso. Quando o relógio marca 43 do segundo tempo, o atacante Palhinha é derrubado na meia-lua e o árbitro aponta a infração. Chance clara de gol para o melhor cobrador de faltas do mundo, o lateral-direito Nelinho. O capitão Piazza está ao seu lado. “De maneira despistada, eu queria rolar a bola para o Palhinha, que estava sozinho e ficaria na cara do gol”, lembra o camisa 5 da Raposa. Mas quem aparece é Joãozinho, que jogou as três partidas da final com dores no joelho, num dos lances mais geniais e memoráveis da história do Cruzeiro. Usando a mesma malandragem com a qual os adversários anotaram o primeiro tento, o ponta-esquerda não espera a autorização do árbitro e surpreende a todos. O autor da brilhante jogada é quem conta: “Pensei muito antes do lance. Vi que o goleiro estava preocupado com o Nelinho, mandando o time todo ir para a barreira. Percebi que se conseguisse passar a bola por cima do terceiro homem da barreira, eu faria o gol. Quando ele olhou para a trave esquerda, resolvi bater”.


A bola entra na gaveta, do lado direito do goleiro. Joãozinho atravessa o campo festejando feito um menino que faz o gol do título no campeonato do bairro. “Foi tão bem batida que mesmo se o goleiro estivesse esperando, talvez ele não pegaria”, ele diz. Os jogadores do River Plate cercam o árbitro e uma briga toma conta do gramado. A polícia chilena entra em campo para conter a confusão. Com o reinício de partida, o desesperado e aguerrido time argentino parte pra cima tentando o empate. De nada adianta. O chileno Alberto Martínez apita o fim da partida e o início da festa cruzeirense. A torcida no Estádio Nacional aplaude o novo campeão da América. Antes de Piazza levantar o troféu, os jogadores se reúnem para rezar por Roberto Batata, que tanto contribuiu para a conquista da Raposa. Em meio ao clima de festa, o treina-

dor Zezé Moreira, famoso por seu estilo durão, não perdoa o herói do jogo. “Ele era muito exigente, um xerifão”, lembra Joãozinho. “No vestiário, ele disse: ‘O senhor é um moleque, o senhor não tinha o direito de cobrar a falta, o Nelinho é o nosso batedor oficial. Você é muito irresponsável, não podia ter feito isso. Com a delegação você não viaja’”. Os jogadores tentaram fazer Zezé Moreira mudar de ideia, mas só Carmine Furletti, então vice-presidente do Cruzeiro, conseguiu, depois de muito custo, que ele aceitasse o autor do gol do título na viagem de regresso a Belo Horizonte. Hoje, Joãozinho se diverte com a situação. “Se eu não faço o gol, além de não viajar com a delegação, teria que voltar a pé pela Cordilheira dos Andes. Ia demorar um mês [risos].” No hotel, os jogadores comemoram o tão sofrido título da Libertadores,

que foi o primeiro de um clube brasileiro na competição depois do bicampeonato do Santos, em 1962 e 1963. Décadas depois, Raul relata o clima de medo e repressão que tomou conta do Chile comandado pela ditadura de Augusto Pinochet: “Tinha toque de recolher. O jogo foi às 20h e depois das 23h ninguém podia sair na rua. Pegamos o ônibus rapidinho, saímos correndo para o hotel. Dez minutos depois, vimos os tanques na rua fazendo ronda”. O goleiro da camisa amarela, multicampeão com as cinco estrelas no peito, conta que só teve dimensão da grandeza da conquista quando chegou à capital mineira. “A ficha não caiu na hora ou após o jogo. Caiu quando chegamos a Belo Horizonte e a torcida, como sempre, estava lá para nos recepcionar. O torcedor é um componente espetacular para fazer você entender o que está acontecendo.”

“Eu não queria sair de jeito nenhum, me sentia na obrigação de participar daquele jogo

Wilson Piazza

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campanha

QUARENTA ANOS DEPOIS

A campanha

1 1 v i t ó r i a s / /As / 0 glórias 1 e m p a t no e / /esporte / 0 1 d e rnão r o t a envelhecem. Quatro dé-

13 jogos /// 11 vitórias /// 01 empate /// 01 derrota

da épica conquista d o s , 1 7 s o f r i d o s / cadas / / m é d i a depois, d e g o l s pos o r ppersonagens artida: 3,5 relembram a campanha. Em 13 jogos, a Raposa 3 go ls: Palhinha // 12 gols: Jairzinho / / 7 gols : J o ãoz inho somou 11 vitórias, um empate e sofreu uma única P R I M E I Rderrota. A F A S EO Cruzeiro balançou as redes adversárias 46 vezes, o que dá uma média espetacular de 3,5 gols por partida. Um ataque afiado, que teve Palhinha como goleador da competição, com 13 gols, e Jairzinho, com 12, na vice-artilharia. A defesa foi vazada somente em 17 oportunidades.

46 gols marcados, 17 sofridos /// média de gols por partida: 3,5

3x1

inho

2x2

“Essa 1976 A s sude nção, Pa raguafoi i de uma maneira muiAssunção, Pa raguconquista ai G o ls : J a i rzi n ho e D a rci Gol s: R o beto r t o especial, Batata , não só pelo título e por nos projetar a Ne l inho e nível Jai rzi n hinternacional, o mas porque também o Cruzeiro venceu e convenceu. Não foi por acaso. Esse título

4 xnossa 1 trajetória como atleta e 2 xengrandeceu 0 muito

orim

a história do Clube”, afirma o eterno capitão Piazza. “Ganhar a Libertadores era difícil demais. Imagina jogar há 40 anos naqueles campos argentinos, uruparaguaios... B e ira-R io ,guaios, Po r to A legre M i n e i rão Pressão enorme, pedrada. A Gols: Jairzinho e Joãozinho G o lsia : J abuscar i r zi n ho (2 ),e o policial jogava cachorro bola saía, você Nelinho e Eduardo Amorim em cima para dificultar [risos]”, recorda Joãozinho.

PRIMEIRA FASE

5x4

3x1

2x2

M i ne i rão Go l s : Pa l hi nha ( 2 ) , J o ãoz i nho ( 2 ) e N e l i nho

A s s u nç ão , Pa rag u a i Go l s : Ro b e r t o B at at a , N e l i nho e J a i r z i nho

A s s u nç ão , Pa rag u a i Go l s : J a i r z i nho e Da rc i

4x1

2x0

4x1

M i ne i rão Go l s : Pa l hi nha ( 2 ) , Jairzinho e Eduardo Amorim

B e i ra - Ri o , Po r t o A l eg re Gols: Jairzinho e Joãozinho

M i ne i rão Go l s : J a i r z i nho ( 2 ) , Nelinho e Eduardo Amorim

S E M I FRaul, I N A Lque defendeu a meta celeste em todos os 13

x1

jogos no torneio, diz que o título tem “uma importância monumental não só para o Cruzeiro, mas para Minas Gerais. O Cruzeiro é o time que colocou o futebol mineiro no mapa mundial”. Para o artilheiro Palhinha, o sentimento de grupo e companheirismo em detrimento das vaidades individuais foi o ingrediente certeiro para a conquista: “Éramos L i m a , Pe ru Gols: Joãozinho (2), Roberto e Jairzinho muito unidos, não Batata tinha fominha, os gols nasciam naturalmente”.

SEMIFINAL

3x1

4x0

dor (2) e J o ãozinho

x1

A r ti lh e i ros / / / 1 3 gols : Pa lh i n h a / / 1 2 gols : J a i r zi n h o / / 7 gols : J oãozi n h o

Qu i t o , E q u a do r Go l s : Pa l hi nha ( 2 ) e J o ãoz i nho

L i ma , Pe r u Gols: Joãozinho (2), Roberto Batata e Jairzinho

7x1

4x1

M i ne i rão Gols: Jairzinho (4) e Palhinha (3)

M i ne i rão Gols: Nelinho, Jairzinho, Palhinha e Ronaldo

4x1

Para um time funcionar tão bem dentro de camM i n e i rão 4) e Palhinha (3) po,Gols: o ótimo relacionamento Nelinho, Jairzinho, Palhinha e Ronaldofora dele, como aponta Nelinho, também contribuiu para a equipe se unir F I Ncomo A L uma família e conseguir superar todas as dificuldades que apareceram pelo caminho. “O amera Mmuito C ruze iro 4 x biente 1 Ri ve r P late i n e i rão bom. Saíamos dos treinamentos G o ls : Pal hinhae,(2), li n h o em e Va ldo deNevez quando, íamos a um restaurante na Pampulha tomar cerveja e comer um peixinho. Dá C ruze iro 1 x 2 R i ve r P late Bu e n o s Ai res, Argen t i na G o l: Pal hinhasaudade, sim. Foi minha maior conquista profissionalmente. Nenhum outro título que ganhei superou C ruze iro 3 x 2 R i ve r P late Sa n ti go , Chi le a Libertadores.” G o ls : Ne l inho, Edu a rdo Am o ri m e J o ãozi n ho

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4x0

FINAL C r u ze i ro 4 x 1 Ri ve r Pl at e M i ne i rão Go l s : Pa l hi nha ( 2 ) , N e l i nho e Va l do

x

C r u ze i ro 1 x 2 Ri ve r Pl at e Go l : Pa l hi nha

B u e no s A i re s , A r ge nt in a

C r u ze i ro 3 x 2 Ri ve r Pl at e S a nt i go , C hi l e Go l s : N e l i nho , E d u a r do A mo r i m e J o ãoz i nho


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