/////CRUZEIRO NAS COPAS
Honrando as cinco estrelas em 1970 e 1974, Piazza foi o primeiro cruzeirense a vencer uma Copa pela Seleção Brasileira, ao lado de Tostão Por Bruno Mateus/Foto Bruno Senna Um dos maiores jogadores da história do Cruzeiro, Wilson Piazza não só honrou o manto azul estrelado e ganhou títulos importantes pela Raposa, como também desfilou seu futebol elegante com a camisa da Seleção Brasileira. Em 1970, no Mundial do México, o volante fez parte daquele time que é apontado como um dos melhores de todos os tempos. Ao lado de Pelé, 38 Revista do Cruzeiro · nº 123
Tostão, Rivellino, Jairzinho e Carlos Alberto (só para citar alguns craques), garantiu a taça e o tri do Brasil nas Copas. Detalhe: Piazza foi deslocado do meio-campo, sua posição original, e atuou como quarto zagueiro, mas mostrou a categoria de sempre. Em 1974, na Alemanha, o título não veio, mas Piazza, capitão do sele-
cionado nas três primeiras partidas do torneio, trouxe experiências e aprendizado. À Revista do Cruzeiro, o eterno capitão cruzeirense conta histórias dos bastidores da Seleção, revela os momentos marcantes das duas Copas e fala como Felipão e seus comandados podem fazer bonito no Mundial e conquistar o hexacampeonato. Ele inaugura a série Cruzeiro
nas Copas, que irá trazer entrevistas com os craques cruzeirenses que tiveram a primazia de levantar a taça mais importante do planeta.
Como você recebeu a notícia da convocação para disputar a Copa de 1970? Nas Eliminatórias, o João Saldanha me colocou de capitão. Com ele, em princípio, eu seria capitão e titular do meio de campo. Com a mudança de treinador, o Zagallo fez a opção [de capitão] pelo Carlos Alberto e fui jogar de quarto zagueiro. A convocação para a Copa de 1970 foi um processo natural, não teve aquela surpresa toda. A minha primeira convocação foi em 1967.
Na campanha daquele Mundial, quais jogos foram mais marcantes? A estreia [contra a Tchecoslováquia, vitória do Brasil por 4 a 1] é sempre tensa, uma interrogação. Começamos perdendo de 1 a 0, mas estávamos muito bem preparados, crescemos no segundo tempo e tivemos forças para reagir. É aquela coisa, você tem que começar ganhando. Tivemos um jogo contra a Inglaterra [pela primeira fase da competição], que era a atual campeã e tinha uma excelente seleção, grandes valores individuais. Ter vencido a Inglaterra não foi só ganhar da equipe campeã, mas nos deu a condição de continuar em Guadalajara, com ótimas condições. Estávamos muito bem adaptados, não tivemos que nos deslocar de cidade até a final. E foi lá que jogamos a partida contra o Uruguai [pela semifinal do torneio], cercada por toda aquela história do Maracanã, em 1950. A própria imprensa brasileira nos questionava se não tínhamos medo de que o estádio Jalisco acabasse se “transformando” no Maracanã. E olha que começamos perdendo. Foi um jogo que mexeu muito pela rivalidade e por essas particularidades.
Esse jogo teve um peso ainda maior do que a decisão contra a Itália? Confesso que me senti campeão com antecedência. Não porque vestimos a máscara, por convencimento ou por diminuir o adversário, porque o futebol prega muitas peças.
“Em 1970, quando passamos pelo Uruguai, me veio aquele sentimento: não vai ser a Itália que vai segurar a gente. Não disse isso nem para o Tostão, que era meu companheiro de quarto. Confesso que me senti campeão com antecedência.”
Foram as circunstâncias que nos deixaram otimistas. Quando passamos pelo Uruguai, me veio aquele sentimento: não vai ser a Itália que vai segurar a gente. Não disse isso nem para o Tostão, que era meu companheiro de quarto. Fui para o jogo muito tranquilo e fiquei até preocupado disso prejudicar a Seleção. Era como se eu estivesse jogando uma pelada, embora soubesse da responsabilidade e da pressão daquele momento.
Uma coisa que sempre chama a atenção nas imagens da decisão é a multidão invadindo o gramado depois do apito final do juiz e praticamente arrancando camisas, shorts e meiões dos jogadores da Seleção. Passamos apertado, quase existiria o nudismo em pleno [estádio] Azteca. [risos] Tem uma foto do Tostão em que ele até está segurando o calção, mas tinha uma sunga por baixo.
Com a camisa estrelada, foram mais de 500 jogos e títulos importantes, como a Taça Brasil e a Copa Libertadores
fevereiro/março 2014
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Tricampeão em 1970 e capitão na Copa de 1974 (na foto, jogo contra o Iugoslávia), Piazza defendeu as cores da Seleção com raça e categoria
Uma coisa que me toca muito emocionalmente, e às vezes me pego pensando, é esse carinho e essa sintonia da Seleção com o torcedor mexicano. Eles nos deram uma demonstração da beleza do esporte, no sentido da confraternização. Acho que nem se estivéssemos dentro do Brasil nos sentiríamos tão à vontade como nos sentimos lá. Quando terminou o jogo, passou muita coisa na minha cabeça, me lembrei da noiva, dos pais, dos amigos, mas o que mais me encantou, e isso fica vivo até hoje, foi ver o mexicano vibrando com aquele momento como se fosse deles, da seleção deles. Isso mostrou a beleza ímpar que é o esporte. Foi um momento muito marcante para mim, me sinto eternamente grato ao torcedor mexicano.
Depois do Tri em 1970 com uma campanha fantástica, vocês foram eliminados nas quartas de final na Copa seguinte. Qual foi o sentimento, frustração, aprendizado? Tem hora que você não está preparado para vencer. Em 1970, ganhamos porque estávamos preparados. Em 1974, foi um momento diferente. Naquela Copa, a Holanda teria que ser a campeã, com aquela inovação tática do carrossel e aquele time ex40 Revista do Cruzeiro · nº 123
traordinário, ou a Alemanha, anfitriã e uma seleção poderosa, que acabou conquistando o título. Em 1974, não fomos com o mesmo sentimento, a mesma harmonia, a mesma sintonia de 1970. Tínhamos muita insegurança, não sabíamos se íamos jogar ou não. Tem uma passagem interessante que mostra como estava o ambiente. Se o jogador estava na dúvida se ia jogar ou não, era só fazer o seguinte: “lotar” o prato de comida e passar em frente à mesa da comissão técnica. Se alguém falasse, “Ô, garoto, pega leve aí!”, era porque estava no esquema para jogar. [risos] Quando você tem uma coisa dessas, é sinal de que não está tudo bem.
Em 1974, a Seleção Brasileira foi eliminada pela Holanda, aquele time revolucionário do técnico Rinus Michels e do craque Johan Cruijff. Como foi enfrentar a Laranja Mecânica, o Carrossel Holandês? Eles eram fantásticos. Fiquei na reserva naquele jogo. Do banco, observei bem o time deles. Eles não tinham só os valores individuais, mas também consciência coletiva, por isso a coisa funcionava. Outra coisa: quando pegávamos a bola, de repente tinha três jogadores em cima, parecia
que o time deles tinha 30 caras. Por esses caprichos do futebol, a Holanda não foi campeã.
O que a Seleção Brasileira deve ter para conquistar o título este ano e não frustrar sua torcida? Jogar o futebol que é a nossa característica, não podemos perder aquilo que sempre foi o forte do futebol brasileiro, que é do meio pra frente. Mas não pode ser desordenado, taticamente perdido. Os jogadores têm de estar bem fisicamente, ter pensamento vencedor, saber lidar com a pressão e espírito de grupo harmonizado. Você não ganha uma Copa com os 11 titulares, mas com o grupo. Como o Saldanha falava, “o regulamento só me permite colocar 11, mas tenho 22 feras.” A Seleção vai ter que jogar convencendo a torcida, a exemplo do que fez na Copa das Confederações, mas na Copa do Mundo será outra história. Copa do Mundo é uma competição que num piscar de olhos você perde, e também num piscar de olhos você ganha. Todos os jogos são especiais, mas tem aquele que você vibra, sente mais pela rivalidade ou pela circunstância, pela história da competição.