PERFIL
O DIVINO DO ROCK
Especialista em fazer comédia sem usar fantasia ou maquiagem, Rafinha Bastos fala, também sem disfarces, sobre política, amor, religião, humor e suas preferências musicais de gosto duvidoso por Sabrina Abreu fotos Marcelo Naddeo
Faltam 20 minutos para as quatro da tarde de uma terça-feira cinzenta em Saquarema, na região dos lagos, no Rio de Janeiro. Serguei está com fome. Soa a campainha do Templo do Rock, como sua casa é conhecida. Descalço, vestindo uma calça jeans de 1966 e uma velha blusa preta dos Doors, ele volta com a comida. “Não sei o que mandaram para mim”, diz, abrindo o marmitex. “Fiquem à vontade, meninos”, balbucia, enquanto pesca o arroz com a colher ao som da guitarra de Jimmy Page, que preenche toda a casa com Whole lotta love. É difícil não se impressionar com a energia de Serguei, ou de Sérgio Augusto Bustamante, como consta na certidão de nascimento. Nas quase seis horas em que nos recebeu, mostrou lucidez e boa memória para lembrar de nomes e casos que aconteceram há 50, 60 anos. Quem pensa que ele é só “o cara que comeu a Janis Joplin” está enganado. Do garoto bonito de olhos azuis que, em 1968, cantava “eu sou psicodélico”, ao menino de quase 78 anos que adora uma sacanagem, Serguei viveu muita coisa: morou nos Estados Unidos, país que tanto ama, durante duas décadas, se encharcou de lama no Woodstock, conheceu Jim Morrison e Jimi Hendrix, gravou 10 discos — o último, Bom Selvagem, de 2009 — e continua fiel aos princípios do rock ‘n’ roll. Debocha e dá risada de como o chamam: lenda viva do rock, mito, enciclopédia. Ele só quer ser o “divino do rock”. Filho único, cuidou dos pais até o último dia e, com o passar dos anos e a morte de amigos, ficou emotivo. O porra-louca se emociona fácil. Ele está de bem com a vida. Protagoniza o Serguei Rock Show, programa exibido pelo Multishow na internet, e participa, às segundas-feiras, do Show do Tom, na Rede Record. Quase não sai de casa, mora com quatro cachorros, come pouco, não tem problemas de saúde e tem uma vida sexual ativíssima. Transgressor até a alma, Serguei continua desafiando rótulos e preconceitos de uma sociedade hipócrita e careta demais para ele. Você disse que teve a quem puxar, que sua mãe era alegre e revolucionária. Como foi sua infância?
por Bruno Mateus fotos Bruno Senna
Cansado do assunto Janis Joplin e de ser chamado de lenda viva, Serguei só quer curtir a vida sem dar importância à opinião alheia. Com quase 78 anos de muita sacanagem, ele sabe a dor e a delícia de ser o que é
ÓTIMA, não tenho irmãos, então foi tudo concentrado em mim. Meu pai foi um superpai, e minha mãe uma supermãe. Eu era muito independente. Minha mãe dizia: “Esse menino é terrível”, e ficava rindo. Cuidei deles até o último dia, quem cuidou deles geral fui eu. Cresci no Rio e nos Estados Unidos com a minha avó durante 20 anos, dos 14 aos 34. Minha infância foi em Rio Comprido [bairro carioca], nasci no coração do Rio, mas meu coração é americano. My heart belongs to dad, baby. Não adianta lutar contra. Tudo bem, curto o Brasil, sim, na-
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