Livro Ética Teológica Católica

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ÉTICA TEOLÓGICA CATÓLICA



JAMES F. KEENAN (ORG.)

ÉTICA TEOLÓGICA CATÓLICA Passado, Presente e Futuro A Conferência de Trento


D ireção editorial : Pe. Fábio Evaristo Resende Silva, C.Ss.R.

C opidesque : Leila Cristina Dinis Fernandes

C oordenação editorial : Ana Lúcia de Castro Leite

R evisão : Leila Cristina Dinis Fernandes Luana Galvão

T radução : Anoar J. Provenzi

C apa e D iagramação : Bruno Olivoto

Título original: Catholic Theological Ethics, Past, Present, and Future: The Trento Conference © 2011 by James F. Keenan Published by Orbis Books, Maryknoll, New York ISBN 978-1-57075-941-3

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Ética teológica católica: passado, presente e futuro / James F. Keenan, (org.); [tradução Anoar J. Provenzi]. – Aparecida, SP: Editora Santuário, 2015. Título original: Catholic theological ethics, past, present, and future: the Trento conference. Vários autores. ISBN 978-85-369-0365-1 1. Ética cristã – Autores católicos – Congressos 2. Igreja Católica – Doutrinas – Congressos I. Keenan, James F. 15-01965 CDD-241.042 Índices para catálogo sistemático: 1. Ética católica: Teologia moral: Cristianismo 241.042

Todos os direitos em língua portuguesa reservados à EDITORA SANTUÁRIO – 2015 Composição, CTcP, impressão e acabamento:

EDITORA SANTUÁRIO - Rua Padre Claro Monteiro, 342 12570-000 - Aparecida-SP - Fone: (12) 3104-2000


Ao povo da provĂ­ncia e da cidade de Trento, especialmente a Antonio Autiero.



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SU M Á R IO

Agradecimentos | 11 Bem-vindos a Trento | 13 Dom Luigi Bressan – Arcebispo de Trento Introdução: A Conferência de Trento | 17 James F. Keenan Parte I: ÉtICa e dIÁLOGO Inter-reLIGIOsO eM uM MuNDO GLOBaLIZaDO | 27 Introdução | 29 Perspectiva católica, protestante e isl�mica | 31 Uma perspectiva católica | 31 Arcebispo Bruno Forte Uma perspectiva protestante | 41 Mercy Amba Oduyoye Uma perspectiva islâmica | 53 Ahmad Syafii Ma’arif


Parte II: O passado | 65 Introdução | 67 Trento: conteúdo, contexto e recepção | 71 Catorze teses sobre o legado de Trento | 71 Paolo Prodi O Concílio de Trento na experiência africana | 81 Laurenti Magesa Vivendo com perdas: a crise no “Ocidente cristão” | 95 Regina Ammicht-Quinn A interação entre história e ética teológica | 109 Diferenciando criticamente o passado: história e ética | 109 Alberto Bondolfi Teologia moral e história: uma perspectiva peculiar | 121 Diego Alonso-Lasheras Blocos históricos de construção para uma consistente ética relacional e sexual | 131 Roger Burggraeve A narrativa da história e as vozes ausentes | 143 Trento: contribuição histórica e vozes perdidas | 143 Antônio Moser As vozes femininas ausentes | 157 Anne Nasimiyu-Wasike A sistemática extinção dos corpos de pele negra na ética católica | 169 Bryan Massingale Parte III: O presente | 181 Introdução | 183 Argumentação moral | 185 Em que sentido a teologia moral é racional? | 185 Éric Gaziaux Uma estrutura para o discernimento moral | 197 Margaret Farley Argumentação e metodologia na ética africana | 209 Bénézet Bujo Ética política | 225 A presunção contra a guerra e a violência | 225 Brian V. Johnstone


Vida urbana, ética urbana | 233 Miguel Ángel Sánchez Carlos A Doutrina Social Católica em uma encruzilhada | 245 David Kaulemu Questões de saúde | 257 Justiça e equidade no mundo dos cuidados de saúde: um grito ético na América Latina e no Caribe | 257 Leo Pessini Questões de saúde: uma perspectiva de gênero | 273 Pushpa Joseph Retrospectiva e prospectiva do HIV/AIDS na África: casais sorodiscordantes, reinfecções, papel das mulheres e preservativo | 279 Margaret A. Ogola Parte IV: O futuro | 287 Introdução | 289 Identidade, reciprocidade e relações familiares | 293 Uma visão do matrimônio para os cristãos do século XXI: intimidade, reciprocidade e identidade | 293 Julie Hanlon Rubio Vulnerabilidade, reciprocidade e cuidado nas relações familiares: uma contribuição socioética | 311 Christa Schnabl O abuso de poder na Igreja: seu impacto na identidade, na reciprocidade e nas relações familiares | 325 Aloysius Cartagenas Desafios da pressão social mundial | 339 A economia que leva em conta as pessoas | 339 Peter Henriot Sustentabilidade: uma perspectiva ético-teológica | 353 Simone Morandini Cidadania | 365 Myroslav Marynovych Ética teológica no futuro | 375 Uma perspectiva arcebispal sobre o futuro da ética teológica | 375 Cardeal Reinhard Marx


Gênero e teologia moral: um projeto compartilhado | 385 Julie Clague Contexto e futuro da ética teológica: a tarefa de construir pontes | 403 Shaji George Kochuthara Racialização e racismo na ética teológica | 417 María Teresa Dávila Autores | 435 Índice de assuntos | 441 Índice de autores | 451 Índice | 455


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AG R A DECI M E N T O S

Gostaria de agradecer a Brian McNeil suas traduções dos ensaios de Reinhard Marx, Antônio Moser, Simone Morandini, Éric Gaziaux, Bénézet Bujo, Paolo Prodi e Alberto Bondolfi; e a Margaret Wilde suas traduções dos ensaios de Diego Alonso-Lasheras e Miguel Ángel Sánchez Carlos; a todas as pessoas que ajudaram fornecendo admiráveis contribuições para o avanço das discussões; a meu competente e consciencioso assistente Kevin Vander Schel, doutorando aqui no Boston College; e, finalmente, a Susan Perry, da Orbis Books, conduzir todo esse projeto por meio de seus olhos e de sua caneta editoriais eficientes.



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BEM - VIN D OS A T R E N TO

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Dom Luigi Bressan Arcebispo de Trento

ueridos amigos, estou profundamente honrado em recebê-los em nossa cidade e arquidiocese de Trento para esse importante encontro sobre ética. No século XVI, nossa amada cidade foi escolhida para um conhecido concílio ecumênico, porque parecia ser o melhor lugar para um encontro entre os protestantes, que haviam requisitado um concílio em território alemão, e os católicos, que se recusavam a ir até a Alemanha. As discussões sobre o local da reunião duraram diversos anos; e finalmente, após uma sugestão feita ao imperador pelo bispo de Trento, Cardeal Bernardo Clesio, decidiu-se em favor de nossa cidade. Sabemos que, infelizmente, um encontro real não aconteceu, e o cristianismo ocidental permaneceu dividido. Mas nós, em Trento, entendemos que temos a missão de construir pontes para uma maior compreensão.


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Ao mesmo tempo, estamos cientes do impacto positivo que o Concílio de Trento teve na vida da comunidade cristã e compartilhamos com o restante da Igreja universal a missão que Deus confiou a seus filhos em Cristo Jesus. Trento não é, como no caso de outros concílios históricos como Niceia ou Calcedônia, apenas um nome no desenvolvimento teológico da disciplina e doutrina da Igreja, mas é também uma comunidade viva, espalhada em 452 paróquias com cerca de 400 padres diocesanos, 200 religiosos, 500 religiosas, além de pessoas consagradas em institutos seculares e movimentos eclesiais, com cerca de 400 missionários em muitos países do mundo, e numerosos leigos generosamente dedicados ao trabalho pastoral e ao serviço social. Nossas relações com as autoridades públicas são boas e respeitosas. Nem tudo é perfeito em Trento; contudo, tentamos responder aos desafios de hoje cientes de que, como cristãos, somos os herdeiros de uma grande tradição e os beneficiários da graça de Deus. Quando os teólogos e os bispos vieram a Trento para o Concílio, descobriram que a cidade era pequena e tinha problemas para acomodar mais de dois mil hóspedes. Agora não somos tantos para nossa reunião, e espero que vocês não encontrem inconvenientes durante a estada. Ao mesmo tempo em que agradeço a vocês terem escolhido Trento para tão importante encontro, expresso minha gratidão pelo apoio que recebemos não somente do seminário, mas também do Instituto para os Estudos Religiosos Superiores e da Fundação Bruno Kessler, bem como das autoridades públicas, da universidade e de outras instituições. Esta noite, nós nos encontraremos no Castel del Buonconsiglio, onde os bispos de Trento costumam residir e aonde muitos “padres” do Concílio foram para diversas reuniões. Amanhã, concelebraremos na catedral, onde todas as sessões solenes do Concílio foram feitas, enquanto as discussões preparatórias eram realizadas em outras Igrejas e prédios, especialmente na Igreja de Santa Maria. Isso também nos possibilita um espírito de comunhão em oração, de modo que o Espírito Santo possa nos assistir em nossas deliberações, para que busquemos não expressar nossas opiniões pessoais, mas sim tentar interpretar a vontade de Deus em nosso tempo e para o futuro em comunhão com a tradição viva da Igreja. A tarefa de vocês é difícil e complexa e, por essa razão, solicitei aos padres paroquiais que convidem os fiéis a rezarem pelo sucesso do encontro. Espero que cada um de vocês possa passar dias frutuosos e agradáveis em nosso meio e ser enriquecido por essa experiência e possivelmente retornar, ou pelo menos nos levar no coração.

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IN T RODUÇ Ã O



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C O N F E R Ê NCI A DE T R E N T O James F. Keenan

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m 8 de julho de 2006, cerca de quatrocentos eticistas católicos de sessenta e três países ingressaram na sala magna da Universidade de Pádua, onde Galileu havia ensinado ao longo de dezoito anos, e inauguraram a “Primeira Conferência Transcultural sobre Ética Teológica Católica”. Em 2007, os trinta artigos da conferência foram publicados;1 e, em 2008, trinta dos cento e vinte artigos que circulavam sobre ética aplicada foram publicados.2 Mais tarde, outras cinco edições do primeiro

James F. Keenan, ed., Catholic Theological Ethics in the World Church: The Plenary Papers from the First Cross-cultural Conference on Catholic Theological Ethics (New York: Continuum, 2007). 2 Linda Hogan, Applied Ethics in a World Church: The Padua Conference (Maryknoll, NY: Orbis Books, 2008). 1


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volume foram publicadas em outros lugares no mundo: Manila, Buenos Aires, Bolonha, Bangalore e São Paulo (pela Santuário).3 O segundo volume foi publicado também em Manila.4 Em Pádua, decidimos novamente nos reunir para uma segunda conferência internacional depois de quatro anos. Esse chamado a nos encontrarmos novamente foi um convite a estruturar de modo diferente a conferência vindoura. Em Pádua, encontramo-nos a primeira vez para nos reunir e ouvir uns aos outros. A próxima vez necessitaria de um contexto específico.

Por que Trento? Durante um jantar em Pádua, meu colega italiano Renzo Pegoraro virou-se para mim e me disse: “Da próxima vez, em Trento”. Foi uma afirmação forte. A ética teológica havia sido definida pelo Concílio de Trento: tornamo-nos uma disciplina específica dentro da teologia. A compartimentalização da teologia para auxiliar os seminários foi o que deu início a um empreendimento de separação conhecido como teologia moral. Por que voltar a Trento? Muitos podem pensar Trento como o começo de uma contrarrevolução, de uma institucionalização intransigente da Igreja Católica e de um repúdio definitivo da Reforma. Certamente Trento significou muito para a moderna teologia católica, mas somente alcançou uma definição mais precisa graças a disputas contínuas. Após vinte e cinco anos de sessões intermitentes, os padres conciliares estabeleceram e proclamaram aquelas definições; mas de 13 de dezembro de 1545 até 4 de dezembro de 1563, seus teólogos discutiram esses assuntos. Poderíamos buscar em Trento intuições e afirmações fundamentais, a fim de reflexiva e respeitosamente considerar as necessidades hodiernas no contexto de uma Igreja globalizada e de suas tradições

James F. Keenan, ed., Catholic Theological Ethics in the World Church: The Plenary Papers from the First Cross-cultural Conference on Catholic Theological Ethics (Quezon City: Ateneo de Manila, 2008); Los Desafíos Éticos del Mundo Actual: Una Mirada Intercultural Primera Conference Intercontinental e Intercultural sobre Ética Teológica Católica en la Iglesia Mundial (Buenos Aires: Editorial San Benito, 2008); Etica Teologica Cattolica nella Chiesa Universale: Atti del primo Congresso interculturale di teologia morale (Bologna: Edizioni Dehoniane, 2009); Catholic Theological Ethics in the World Church: The Plenary Papers from the First Crosscultural Conference on Catholic Theological Ethics (Bangalore: Asian Trading Company, 2009); Ética Teológica Católica no Contexto Mundial (São Paulo: Santuário, 2010). 4 Linda Hogan, Applied Ethics in a World Church: The Padua Conference (Quezon City: Ateneo de Manila, 2009). 3

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envolventes e constantemente emergentes. Mas poderíamos explorar também as maneiras como, durante os próximos vinte e cinco anos, discutiremos sobre a autoridade, a consciência, o pecado, o gênero, a sustentabilidade, a saúde, a economia, a lei natural, a história, o direito à alimentação, a necessidade de amor, a família, as emoções e, sim, inclusive as próprias tradições. Em Trento, poderíamos buscar caminhos de recuperar um modelo de teologia que não se apressa em declarar a ortodoxia ou a não ortodoxia, mas antes busca saber se estamos entendendo os desafios que mais nos confrontam. Cinco outras razões fazem de Trento nosso próximo passo natural: a pequena cidade, situada aos pés dos Alpes, era bela e facilmente acessível para uma grande conferência; o arcebispo de Trento, Luigi Bressan, tinha uma ótima reputação de hospitalidade; o mais importante eticista teológico de seu tempo, Antonio Autiero, tinha um instituto em Trento, a Fundação Bruno Kessler, que poderia servir como um natural comitê local; em quarto lugar, poucos, se é que algum, eticistas teológicos tinham de fato estado em Trento; e, em quinto, todos encontrariam uma desculpa para vir. De fato, eles vieram – mais de seiscentos eticistas teológicos de setenta e dois países.

Quem veio? Desde o início de nosso planejamento, decidimos mirar sete populações bem diferentes. Primeiro visamos à mais plena possível participação de europeus. Enquanto tivemos, em Pádua, a participação da Itália, da Irlanda, da Inglaterra e da Bélgica, sentimos que os franceses, os alemães, os austríacos e os espanhóis assumiram uma atitude de expectativa diante de nossa tentativa. Tendo alguém da França em nosso comitê de planejamento em Trento, agora esperávamos uma melhor participação da França. O napolitano Autiero, tendo sido professor de ética teológica em Bonn e agora em Münster, não somente nos traria ligações com os italianos, mas também com os alemães. Duas das maiores figuras da ética teológica da Espanha, o redentorista Marciano Vidal e o jesuíta Julio Martinez, prometeram trazer colegas e estudantes. No mesmo sentido, não queríamos perder o apoio dos italianos. Por meio de Renzo Pegoraro, fomos capazes de convencer a Associação Teológica Italiana para o Estudo da Moral (ATISM) a realizar perto de Pádua sua conferência anual de 2006, em sincronia com nossas datas. Em 2006, a ATISM elegeu Karl Golser, oriundo da

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vizinha Bolzano-Bressanone, como presidente para um mandato de quatro anos. Depois de Pádua, comecei a me encontrar regularmente com ele para ver se poderíamos convencer a ATISM a se encontrar novamente em 2010 perto de Trento. Conseguimos. Em Pádua, tivemos poucos membros dos redentoristas, sobretudo porque em 2006 eles tiveram seu encontro internacional de ética teológica em Bogotá, e poucos estavam dispostos a viajar para uma segunda conferência internacional. O indiano Clement Campos estava no Conselho Geral dos redentoristas e, através dele, convencemos os redentoristas a realizarem seu próximo encontro pouco antes do nosso em Trento. Felizmente, conseguimos. Queríamos também a participação da hierarquia. O Arcebispo Bressan assegurou-nos de que ele assistiria a todas as nossas sessões. Convidamos, então, eticistas teológicos que eram bispos em Bangladesh, no Sudão, na África do Sul e nas Filipinas. Ao longo de nossas preparações, dois outros eticistas se tornaram bispo: Stephen Thottathil, da Índia, e Karl Golser. A indicação de Golser foi extremamente importante para nós. Como ordinário da diocese vizinha, sabíamos que ele estaria presente, com Bressan, em todos os nossos eventos. Dois conhecidos bispos italianos poderiam testemunhar o que estávamos tentando fazer. Nesse sentido, decidimos pedir a um dos bispos convidados, o famoso bispo da AIDS de Rustenburg, África do Sul, Kevin Dowling, para apresentar um artigo sobre o HIV em um painel. Decidimos, então, chamar dois arcebispos como debatedores. Primeiro, quisemos abrir nossa conferência com um aceno ao diálogo inter-religioso. Afinal, o diálogo inter-religioso não estava na mente dos teólogos que se reuniram em Trento quatro séculos antes de nós. Para a sessão de abertura, quisemos convidar três estudiosos: um muçulmano, um protestante e um católico. Percebemos, no entanto, que o modo mais seguro para evitar qualquer mal-entendido no diálogo seria convidar um importante prelado católico que fosse um teólogo. No final, defendemos o Arcebispo Bruno Forte, de Quieti-Vasto, conhecido por seu trabalho sobre estética e ética da transcendência e um membro do recentemente formado Pontifício Conselho para a Promoção da Nova Evangelização. No encerramento da conferência, decidimos que nosso painel final da conferência focaria o futuro da ética teológica e que seria apresentado por três estudiosos relativamente jovens: Julie Clague, da Universidade de Glasgow, Escócia, falaria sobre gênero; Shaji Gerge Kochuthara, do Dharmaram College, Bangalore, Índia, discorreria sobre contexto; e María Teresa Davilá, da An-

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dover Newton School of Theology, Massachussetts, falaria sobre cultura. Antes da sessão deles, convidamos o Arcebispo (agora Cardeal) Reinhard Marx, de Munique e Freising, para nos falar sobre “O futuro da ética teológica”. Marx era conhecido como um defensor da justiça social como constituinte da caridade. Ele gentilmente aceitou, apesar de sua agenda ocupada. Ele concordou em ir de carro de Munique naquela manhã e retornar imediatamente após sua apresentação. Como o dia final estava muito cheio e como queríamos honrar os teólogos jovens com tempo adequado para questões e respostas, perguntamos ao Arcebispo Marx se ele poderia fazer apenas a apresentação, sem perguntas e respostas do auditório. Ele aceitou. O quarto grupo que quisemos incluir foi de teólogas. Agnes Brazal, das Filipinas, ajudar-nos-ia a recrutar melhor no Sul e Leste da Ásia. Mas o que impressionaria mais em Trento seria a presença de africanas. Depois de Pádua, todos os participantes da conferência compreenderam que precisávamos encontrar meios de apoiar as africanas no estudo da ética teológica. Mais tarde, diversos membros do comitê planejador de Trento – especialmente Agbonkhianmeghe Orobator, do Quênia e da Nigéria, e Linda Hogan, da Irlanda – e eu trabalhamos com a fundação Stichting Porticus para assegurar subvenções para sete mulheres começarem seus estudos de graduação e, finalmente, conseguir o doutorado em ética teológica. Orobator supervisionou o processo de seleção, e em abril de 2009 anunciamos os nomes das sete mulheres que estudariam em Kampala, Kinshasha, Nairóbi e Yanoundé. Também descobrimos que uma leiga africana, Vivianne Minikongo, havia obtido o primeiro doutorado na África em teologia moral, sem patrocínio algum. Também, através de Linda Hogan, o Trinity College, em Dublin, decidiu premiar outra africana com uma bolsa de estudos completa de doutorado para ética teológica. Todas essas mulheres seriam convidadas para Trento. O quinto grupo que definiríamos seria de “novos estudiosos”. Em Pádua, conseguimos ter quarenta doutorandos, a maioria de Lovaina e do Boston College, que providenciaram sua viagem e hospedagem. Estudiosos sem vínculo acadêmico foram muito poucos. Imediatamente após Pádua, enquanto era formado o comitê de planejamento de Trento, formamos um comitê de “novos estudiosos”. Pedimos que o italiano Andrea Vicini presidisse esse comitê, e ele convenceu muitos jovens estudantes na Universidade Gregoriana a participarem. Com dois outros membros, Kathryn Getek e Lúcás Chan Yiu Sing, eles foram nossos representantes em diversos contatos, especialmente

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com a iniciativa Vinho Novo em Odres Novos (New Wine, New Wineskins), sediada nos Estados Unidos. Fundada em 2002, a Vinho Novo em Odres Novos recebeu eventos anuais na Notre Dame University para apoiar aqueles que estavam no estágio inicial de suas carreiras em ética teológica.5 Unimos a nosso convite uma subvenção a esses novos estudiosos. Com base numa escala móvel, oferecemos uma subvenção de cerca de setecentos dólares para viagem e hospedagem. Mirando outras universidades, especialmente através de Martin McKeever no Alfonsianum, Joseph Selling e Johann DeTavernier em Lovaina, Autiero em Münster e Philippe Bordeyne e Marie Jo Thiel na França, procuramos seus doutorandos atuais, bem como seus recém-formados. Essas duas decisões – a formação do comitê e o estabelecimento do fundo – mudaram a fisionomia de Trento e, acredito eu, a fisionomia da ética teológica. Afinal, 152 de nossos 600 participantes pertenciam a esse grupo. No segundo dia da conferência, quatro de nós do Boston College oferecemos jantar para diferentes participantes após a Eucaristia vespertina na catedral. Lisa Sowle Cahill ofereceu jantar para oitenta e cinco estudiosas que não estavam entre os novos estudiosos; T. Frank Kennedy, do Instituto Jesuíta do Boston College, ofereceu um jantar para os jesuítas; Kenneth Himes para os franciscanos; e eu para os “novos estudiosos” que vinham com esposas, companheiras e filhos. Enquanto outros participantes jantavam em outros lugares e os jantares organizados faziam muito sucesso, ninguém poderia ter imaginado em Pádua que teríamos uma geração com tanta força jantando, conversando e se encontrando pela primeira vez durante aquela noite em Trento. Sexto, quisemos convidar todos os experientes eticistas teológicos à conferência, tanto como debatedores quanto como simples participantes: Enrico Chiavacci, Margaret Farley, Lisa Sowle Cahill, Charles Curran, Enda McDonagh, Kevin Kelly, Marciano Vidal, Paul Valadier, Philip Schmitz, Thomas Shannon, Anne Nasimiyu-Wasike, Roger Burggraeve, Antônio Moser, Terrence Kennedy, Raphael Gallagher, Sergio Bastianel, Kalus Demmer, Karl Wilhelm Merks, Bénézet Bujo, Laurenti Magesa, Peter Henriot, Soosai Arokiasamy, Christine Gudorf Anne Patrick e Brian Johnstone. Eles todos vieram.

William C. Mattison III, ed., New Wine, New Wineskins: A Next Generation Reflects on Key Issues in Catholic Moral Theology (Lanham, MD: Rowman and Littlefield, 2005).

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Sétimo, percebemos a necessidade de estabelecer um comitê “local” em Trento. Vimos que, se fôssemos ficar em Trento, teria de ser com os trentinos. Com a ajuda de Antonio Autiero, em 2007 começamos a encontrar anualmente um grupo de líderes eclesiais, civis e acadêmicos. Essa ponte construída abriu portas que não poderíamos imaginar. Primeiro, o Arcebispo Bressan deu apoio a nossas necessidades. Ofereceu-nos o seminário para todas as nossas sessões e hospedou lá mais de vinte teólogos idosos incapazes de andar muito. Ele nos ofereceu diversas Igrejas e capelas para as liturgias diárias. Enquanto meus assistentes Vicini e Chan tentavam conseguir vistos para cerca de trezentos de nossos participantes, ele escreveu aos núncios de países em que vistos seguros seriam difíceis. Ele ofereceu um jantar para a hierarquia e para os benfeitores. Sobretudo, ele presidiu a liturgia eucarística na catedral. Segundo, da Província Autônoma de Trento, Lia Beltrami e sua assistente Marilena De Francesco ofereceram-nos hospitalidade e uma receptação para seiscentas pessoas no Castelo de Bernardo Clesio, o arcebispo que abrira o Concílio de Trento. Como consequência, elas também cuidaram de todos os nossos cafezinhos, nos quais os participantes podiam duas vezes ao dia se encontrar e conversar. Elas nos ajudaram a organizar a aparelhagem técnica dos auditórios e dividiram os custos com as traduções simultâneas em inglês, italiano, francês e espanhol para as sessões plenárias. Elas nos ajudaram extraordinariamente em nossos contatos na cidade e na província. Outro membro do comitê local foi Flavio Zuelli, ex-presidente da Universidade de Trento. Ele ouviu sobre nossa oferta de apoio a participantes dos países em desenvolvimento e a novos estudiosos e, em nome da universidade, cedeu-nos 220 quartos individuais em um novo dormitório, todos com banheiro e sacada. Em uma reunião, o líder da Sociedade Industrial Trentina disse que poderia cobrir os gastos com nosso jantar de encerramento; em outra, o líder da Secretaria Estadual do Turismo ofereceu passeios guiados pela cidade histórica. Através da generosidade da ATISM e do Bispo Golser, conseguimos transporte gratuito em ônibus de e para o aeroporto de Verona, situado aproximadamente a 110 quilômetros de distância. E finalmente os estudantes da Universidade de Trento, sabendo que estavam para chegar muitos de seus “heróis” em ética, ofereceram seus serviços para recepcioná-los bem no aeroporto, nos ônibus e nas conferências. A conferência tornou-se um momento igualmente especial para os participantes e para os habitantes.

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Isso ficou evidente em 25 de julho, na Eucaristia do domingo à noite, quando o Arcebispo Bressan destacou que nunca mais depois do Concílio de Trento haviam estado tantos teólogos reunidos na catedral. Então, com cerca de quatrocentos fiéis trentinos conosco, tive oportunidade de contar aos trentinos um pouco de nós. A Itália tem mais de uma centena de eticistas teológicos preparados, mas poucos deles são leigos e um número ainda menor são mulheres. Convidei o povo de Trento para ver que em nosso grupo a fisionomia da teologia moral estava mudando. Embora cerca de uma centena de nós fosse padre, havia pelo menos duas centenas de eticistas que eram religiosos e leigos. Destaquei que quarenta anos antes não havia mulheres eticistas teológicas. Então acrescentei: “Vocês perceberam todas essas crianças aqui? Os jovens homens e mulheres que as acompanham são seus pais, e esses pais também fazem parte da nova geração de teólogos moralistas”. Os trentinos irromperam em um caloroso e forte aplauso. A Conferência Em Trento, tivemos 31 apresentações plenárias, 30 pôsteres e 240 apresentações paralelas. Entre as últimas, houve quatro sessões em que se poderiam escolher dentre vinte diferentes painéis de três apresentações. Permitam-nos analisar alguns painéis de uma sessão. Numa delas, intitulada “Refugiados, imigração e soberania nacional”, o eticista americano David Hollenbach falou sobre a responsabilidade de proteger; a filipina Gemma Cruz falou sobre uma ética católica de risco para a reforma imigratória; e a estudiosa inglesa Anna Rowlands focalizou a questão da subsidiariedade e do asilo. Em outro, três professores americanos, Patricia Beattie Jung, Susan Ross e John McCarthy, falaram sobre o que a biologia evolucionária está trazendo para a diversidade sexual. Visto que os painéis foram diferenciados por língua (inglês, francês, espanhol e italiano), um dos painéis italianos teve o italiano Giovanni Del Missier, o brasileiro Rogério Gomes e a argentina Maria Martha Cuneo discutindo vulnerabilidade e bioética. Durante outra sessão, três debatedores falaram sobre o HIV/AIDS: Mary Jo Iozzio (Estados Unidos), Lillian Dube (Zimbábue) e Uzochukwu Jude Njoku (Nigéria). Durante essa mesma sessão, houve três painéis sobre economia, direito à alimentação, bem comum, morrer, direitos humanos, bioética, sustentabilidade global e vida pessoal, crianças como agentes morais, casuística ensinada e verdade afirmada. Dezesseis apresentações foram sobre ética das

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virtudes; e, embora todas tenham sido em inglês, os apresentadores eram dos Estados Unidos, do Reino Unido, da Alemanha, da Polônia, da Nigéria e da Bélgica. Ao voltar para casa, para seus países, muitos participantes publicaram suas apresentações. Em nossa página (www.catholicethics), postamos ou um PDF ou um link para os ensaios publicados, bem como o programa completo e os diversos comentários sobre a conferência que apareceram pelo mundo. Vocês também poderão ler nesse endereço nossos planos para o futuro. Excetuando o plenário de abertura sobre o diálogo inter-religioso, os demais plenários foram divididos em três grupos, com o segundo dia sobre o passado, o terceiro sobre o presente e o último sobre o futuro. Para ter um grande número e variedade de apresentadores, adotamos uma regra que deu a cada apresentador de plenário quinze minutos. Pedimos a cada apresentador que, à luz das discussões que se seguiram a suas apresentações, desenvolvesse suas intuições em uma argumentação completa, que estão publicadas aqui. Penso que aprendemos muitas lições em Trento, sobretudo algo a respeito de nossa vocação. Nós, eticistas teológicos, somos por natureza críticos: nossa vocação está baseada na premissa de que somos necessitados porque as coisas não são como deveriam ser. Como os críticos e os reformadores da sociedade e da Igreja, buscamos praticamente construir uma ponte entre quem somos e quem podemos ser. Assim, sempre começamos com a premissa de que há um déficit em nossa posição e, portanto, precisamos trabalhar juntos para encontrar um meio de remediar isso. Frequentemente, quando os líderes ou os leigos ouvem apresentações de eticistas, surpreendem-se por que não somos mais positivos. Não podemos ser. Por natureza, somos teólogos: miramos um futuro melhor. Não surpreende, então, que na sessão final tenham surgido queixas do tipo: “Por que o Arcebispo Marx não ficou para as perguntas?”. Alguns comentaram: “Era a oportunidade para os eticistas falarem e os bispos ouvirem!”. Linda Hogan, Antonio Autiero e eu gastamos cerca de trinta minutos insistindo que a decisão de não haver perguntas havia sido nossa, não dele, e isso em razão do pouco tempo. Então, mais tarde, no jantar de encerramento, no discurso de despedida, Charles Curran encorajou-nos a sermos mais críticos!6

Charles Curran, “We Cannot Put our Heads in the Sand”, National Catholic Reporter, September 77, 2010, 1, http://ncronline.org/print/20049.

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Nós, eticistas, acreditamos que devemos encontrar a verdade, e em parte isso significa mostrar o que está faltando, o que não é visto, o que não é entendido ou o que não é pronunciado. Significa também se dar conta daqueles não ouvidos, rejeitados, oprimidos ou abandonados. Fomos chamados a ler os sinais dos tempos como eles realmente são. Além disso, não somos um bando infeliz de negativistas. Pelo contrário. Para fazer o que fazemos, precisamos ouvir, sonhar, imaginar, elogiar e rir de nós mesmos, prevendo discórdia e esperando resultados melhores; somos realmente resilientes, otimistas e afáveis, conforme o fomos ao longo de toda a conferência. O que encontrei em Trento e em meu caminho até Trento foi precisamente o que as jovens estudiosas da África disseram-me na conferência de encerramento: “Jim, estamos tão surpresas com o fato de pertencermos a algo tão grande, tão comprometido e tão dinâmico”. Eu sorri. Em Trento, descobrimos nossa vocação católica. Espero que vocês a encontrem nestas páginas.

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