A pobreza e a desigualdade em diferentes linguagens

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Ficha técnica Organização Curso de Especialização Educação, Pobreza e Desigualdade Social Fotografias de capa e backgrounds Alessandro Pinzani (2015)

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Sumário Literatura 5 Clara dos Anjos (1948) 6 Grande sertão: veredas (1956) 7 Morte do leiteiro (1945) 8 O bicho (1947) 9 O cortiço (1890) 10 Piá não sofre, sofre? (1934) 11

Fotografia 29 Corte de cana 30 Cotidiano 32 Da série: vida moderna 34 Sobre palafitas 36 Transporte irregular de trabalhadores 38

Música 13 Admirável gado novo 14 Deus lhe pague 15 Duas de cinco 16 Haiti 17 Severino/O rio 18 Torresmo à milanesa 19

Pintura e ilustração 41 Homens 42 Operários 43 Os despejados 44 Segunda classe 45

Cinema 21 Abril despedaçado 22 Central do Brasil 23 O assalto ao trem pagador 24 O beijo da mulher aranha 25 O fim e o princípio 26 Pixote, a lei do mais fraco 27

Grafite 47 Bom retiro 48 Grafite no Anhangabau 49 Menino 50

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Parte 1

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Literatura Clara dos Anjos Grande sertão: veredas Morte do leiteiro O bicho O cortiço Piá não sofre, sofre?

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Clara dos Anjos (1948) “Mais ou menos é assim o subúrbio, na sua pobreza e no abandono em que os poderes públicos o deixam. Pelas primeiras horas da manhã, de todas aquelas bibocas, alforjas, trilhos, morros, travessas, grotas, ruas, sai gente, que se encaminha para a estação mais próxima; alguns, morando mais longe, em Inhaúma, em Cachambi, em Jacarepaguá, perdem amor a alguns níqueis e tomam bondes que chegam cheios às estações. Esse movimento dura até às dez horas da manhã e há toda uma população de certo ponto da cidade no número dos que nele tomam parte. São operários, pequenos empregados, militares de todas as patentes, inferiores de milícias prestantes, funcionários públicos e gente que, apesar de honesta, vive de pequenas transações, do dia a dia, em que ganham penosamente alguns mil-réis. O subúrbio é o refúgio dos infelizes.” Trecho de Clara dos Anjos, de Lima Barreto (1995, p. 92).

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Literatura


Grande sertão: veredas (1956) “Por mim, o que pensei, foi: que eu não tive pai; quer dizer isso, pois nem eu nunca soube autorizado o nome dele. Não me envergonho, por ser de escuro nascimento. Orfão de conhecença e de papéis legais, é o que a gente vê mais, nestes sertões. Homem viaja, arrancha, passa: muda de lugar e de mulher, algum filho é o perdurado. Quem é pobre, pouco se apega, é um giro-ogiro no vago dos gerais, que nem os pássaros de rios e lagoas. O senhor vê: o Zé-Zim, o melhor meeiro meu aqui, risonho e habilidoso. Pergunto: – ‘Zé-Zim, por que é que você não cria galinhasd’angola, como todo o mundo faz?’ – ‘Quero criar nada não...’ – me deu resposta: – ‘Eu gosto muito de mudar...’ [...] Senhor sabe: Deus é definitivamente; o demo é o contrário Dele... Assim é que digo: eu, que o senhor já viu que tenho retentiva que não falta, recordo tudo da minha meninice. Boa, foi. Me lembro dela com agrado; mas sem saudade. Porque logo sufusa uma aragem dos acasos. Para trás, não há paz. O senhor sabe: a coisa mais alonjada de minha primeira meninice, que eu acho na memória, foi o ódio, que eu tive de um homem chamado Gramacedo... Gente melhor do lugar eram todos dessa família Guedes, Jidião Guedes; quando saíram de lá, nos trouxeram junto, minha mãe e eu. Ficamos existindo em território baixio da Sirga, da outra banda, ali onde o de-Janeiro vai no São Francisco, o senhor sabe. Eu estava com uns treze ou quatorze anos…” Trecho de Grande sertão: veredas, de João Guimarães Rosa (1994, p. 51-52).

Literatura

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Morte do leiteiro (1945) “Há pouco leite no país, é preciso entregá-lo cedo. Há muita sede no país, é preciso entregá-lo cedo. Há no país uma legenda, que ladrão se mata com tiro. Então o moço que é leiteiro de madrugada com sua lata sai correndo e distribuindo leite bom para gente ruim. Sua lata, suas garrafas e seus sapatos de borracha vão dizendo aos homens no sono que alguém acordou cedinho e veio do último subúrbio trazer o leite mais frio e mais alvo da melhor vaca para todos criarem força na luta brava da cidade.” Trecho do poema de Carlos Drummond de Andrade (2012, p. 168-169).

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Literatura


O bicho (1947) “Vi ontem um bicho Na imundície do pátio Catando comida entre os detritos. Quando achava alguma coisa, Não examinava nem cheirava: Engolia com voracidade. O bicho não era um cão, Não era um gato, Não era um rato. O bicho, meu Deus, era um homem.” Poema de Manuel Bandeira (1993, p. 201-202).

Literatura

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O cortiço (1890) “Na sua obscura condição de animal de trabalho, já não era amor o que a mísera desejava, era somente confiança no amparo da sua velhice quando de todo lhe faltassem as forças para ganhar a vida. E contentava-se em suspirar no meio de grandes silêncios durante o serviço de todo o dia, covarde e resignada, como seus pais que a deixaram nascer e crescer no cativeiro. Escondia-se de todos, mesmo da gentalha do frege e da estalagem, envergonhada de si própria, amaldiçoando-se por ser quem era, triste de sentir-se a mancha negra, a indecorosa nódoa daquela prosperidade brilhante e clara.” Trecho de O cortiço, de Aluísio Azevedo (2009, p. 199).

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Literatura


Piá não sofre, sofre? (1934) “Paulino sobrava naquela casa. E sobrava tanto mais, que o esperto do maninho mais velho, quando viu que tudo ia mesmo por água a baixo, teve um anjo-da-guarda caridoso que depositou na língua do felizardo o micróbio do tifo. Micróbio foi pra barriguinha dele, agarrou tendo filho mais filho a milhões por hora, e nem passaram duas noites, havia lá por dentro um footing tal da microbiada marchadeira, que o asfaltinho das tripas se gastou. E o desbatizado foi pro limbo dos pagãos sem culpa. Sobrou Paulino. É lógico que ele não podia inda saber que estava sobrando assim tanto neste mundo duro, porém sabia muito bem que naquela casa nã sobrava nada pra comer. Foi crescendo na fome, a fome era o alimento dele. Sem pôr consciência nos mistérios do corpo, acordava assustado. Era o anjo... que anjo-da-guarda! era o anjo da malvadeza que acordava Paulino altas horas pra ele não morrer. O desgraçadinho abria os olhos na escuridão cheirando rúim do quarto, e inda meio que percebia que estava se devorando por dentro. De primeiro chorava.” Trecho do conto “Piá não sofre, sofre?”, contido em Os contos de Belazarte, de Mário de Andrade (2008, p. 101).

Literatura

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Parte 2

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Música Admirável gado novo Deus lhe pague Duas de cinco Haiti Severino/ O rio Torresmo à milanesa

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Admirável gado novo “Vocês que fazem parte dessa massa Que passa nos projetos do futuro É duro tanto ter que caminhar E dar muito mais do que receber E ter que demonstrar sua coragem À margem do que possa parecer E ver que toda essa engrenagem Já sente a ferrugem lhe comer” Trecho da música “Admirável gado novo”, do álbum A peleja do diabo com o dono do céu, de Zé Ramalho (1979).

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Músicas


Deus lhe pague “Por esse pão pra comer, por esse chão prá dormir A certidão pra nascer e a concessão pra sorrir Por me deixar respirar, por me deixar existir, Deus lhe pague Pela cachaça de graça que a gente tem que engolir Pela fumaça e a desgraça, que a gente tem que tossir Pelos andaimes pingentes que a gente tem que cair, Deus lhe pague Pela mulher carpideira pra nos louvar e cuspir E pelas moscas bicheiras a nos beijar e cobrir E pela paz derradeira que enfim vai nos redimir, Deus lhe pague” Trecho da música “Deus lhe pague”, do álbum Construção de Chico Buarque (1971).

Músicas

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Duas de cinco “Cá pra nós, e se um de nós morrer Pra vocês é uma beleza Desigualdade faz tristeza Na montanha dos sete abutres alguém enfeita sua mesa Um governo que quer acabar com o crack, Mas não tem moral pra vetar comercial de cerveja Alô, Focault, cê quer saber o que é loucura? É ver Hobsbawm na mão dos boy, Maquiavel nessa leitura Falar pra um favelado que a vida não é dura E achar que teu 12 de condomínio não carrega a mesma culpa É salto alto, Md, absolut, suco de fruta Mas nem todo mundo é feliz nessa fé absoluta Calma, filha, que esse doce não é sal de fruta Azedar é a meta Tá bom ou quer mais açúcar? Hahahahahahaha Hahahahahahaha Hahahahahahaha Chega a rir de nervoso Comédia vai chorar Compro uma pistola do vapor Visto o jaco califórnia azul Faço uma mandinga pro terror E vou” Trecho da música “Duas de cinco”, do álbum Convoque seu buda, de Criolo (2014).

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Músicas


Haiti “E na TV se você vir um deputado em pânico mal dissimulado Diante de qualquer, mas qualquer mesmo, qualquer, qualquer Plano de educação que pareça fácil Que pareça fácil e rápido E vá representar uma ameaça de democratização Do ensino de primeiro grau E se esse mesmo deputado defender a adoção da pena capital E o venerável cardeal disser que vê tanto espírito no feto E nenhum no marginal E se, ao furar o sinal, o velho sinal vermelho habitual Notar um homem mijando na esquina da rua sobre um saco Brilhante de lixo do Leblon E ao ouvir o silêncio sorridente de São Paulo Diante da chacina 111 presos indefesos, mas presos são quase todos pretos Ou quase pretos, ou quase brancos quase pretos de tão pobres E pobres são como podres e todos sabem como se tratam os pretos” Trecho da música “Haiti”, do álbum Tropicália 2, de Gilberto Gil e Caetano Veloso (1993).

Músicas

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Severino/O rio “Essa cova em que estás com palmos medida É a conta menor que tiraste em vida É de bom tamanho, nem largo nem fundo É a parte que te cabe deste latifúndio (é a parte que te cabe deste latifúndio) Não é cova grande, é cova medida É a terra que querias ver dividida (é a terra que querias ver dividida) É uma cova grande para teu corpo defunto Mas estarás mais ancho que estavas no mundo (mas estarás mais ancho que estavas no mundo) É uma cova grande para tua carne pouca Mas a terra dada não se abre a boca (mas a terra dada não se abre a boca) É a parte que te cabe deste latifúndio É a terra que querias ver dividida” Trecho da música “Severino/O rio”, de Chico Buarque, do álbum Morte e vida severina (1966), baseado na obra homônima de João Cabral de Melo Neto.

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Músicas


Torresmo à milanesa “O enxadão da obra bateu onze hora Vam s’embora, joão! [...] Que é que você troxe na marmita, Dito? Troxe ovo frito, troxe ovo frito E você beleza, o que é que você troxe? Arroz com feijão e um torresmo à milanesa, Da minha Tereza! Vamos armoçar Sentados na calçada Conversar sobre isso e aquilo Coisas que nóis não entende nada Depois, puxá uma páia Andar um pouco Pra fazer o quilo É dureza João! [...] O mestre falou Que hoje não tem vale não Ele se esqueceu Que lá em casa não sou só eu” Trecho da música “Torresmo à milanesa”, do álbum Raízes do samba, de Adoniran Barbosa (1999).

Músicas

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Parte 3

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Cinema Abril despedaçado Central do Brasil O assalto ao trem pagador O beijo da mulher aranha O fim e o princípio Pixote, a lei do mais fraco

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Abril despedaçado

Cartaz do filme Abril despedaçado, direção de Walter Salles (2001).

“Em abril de 1910, na geografia desértica do sertão brasileiro vive Tonho (Rodrigo Santoro) e sua família. Tonho vive atualmente uma grande dúvida, pois ao mesmo tempo que é impelido por seu pai (José Dumont) para vingar a morte de seu irmão mais velho, assassinado por uma família rival, sabe que caso se vingue será perseguido e terá pouco tempo de vida. Angustiado pela perspectiva da morte, Tonho passa então a questionar a lógica da violência e da tradição.” Sinopse retirada do site AdoroCinema (2015).

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Cinema


Central do Brasil

Cartaz do filme Central do Brasil, direção de Walter Salles (1998).

“Dora (Fernanda Montenegro) trabalha escrevendo cartas para analfabetos na estação Central do Brasil, Rio de Janeiro. A escrivã ajuda um menino (Vinícius de Oliveira), após sua mãe ser atropelada, a tentar encontrar o pai que nunca conheceu, no interior do Nordeste.” Sinopse retirada do site AdoroCinema (2015).

Cinema

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O assalto ao trem pagador

Cartaz do filme O assalto ao trem pagador, direção de Roberto Farias (1962).

“No interior do Estado do Rio de Janeiro, um grupo de seis homens assalta o trem pagador na estrada de ferro Central do Brasil. Eles decidem só gastar, no máximo, dez por cento do produto roubado, para não despertar suspeitas da polícia. Só que Grilo Peru (Reginaldo Faria) resolve se entregar ao luxo da zona sul carioca, sendo assassinado por Tião Medonho (Eliezer Gomes), o líder da quadrilha. Ao mesmo tempo, a polícia fecha o cerco sobre os outros assaltantes, quase todos favelados.” Sinopse retirada do site AdoroCinema (2015).

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Cinema


O beijo da mulher aranha

Cartaz do filme O beijo da mulher aranha, direção de Hector Bebenco (1985).

“Em uma prisão na América do Sul, dois prisioneiros dividem a mesma cela. Um é homossexual e está preso por comportamento imoral e o outro é um prisioneiro político. O primeiro, para fugir da triste realidade que o cerca, inventa filmes cheios de mistério e romance, mas o outro tenta se manter o mais politizado possível em relação ao momento que vive. Mas esta convivência faz com que os dois homens se compreendam e se respeitem.” Sinopse retirada do site AdoroCinema (2015).

Cinema

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O fim e o princípio

Cartaz do filme O fim e o princípio, direção de Eduardo Coutinho (2005).

“Sem pesquisa prévia, sem personagens, locações nem temas definidos, uma equipe de cinema chega ao sertão da Paraíba em busca de pessoas que tenham histórias para contar. No município de São João do Rio do Peixe a equipe descobre o Sítio Araçás, uma comunidade rural onde vivem 86 famílias, a maioria ligada por laços de parentesco. Graças à mediação de uma jovem de Araçás, os moradores - na maioria idosos - contam sua vida, marcada pelo catolicismo popular, pela hierarquia, pelo senso de família e de honra.” Sinopse retirada do site AdoroCinema (2015).

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Cinema


Pixote, a lei do mais fraco

Cartaz do filme Pixote, a lei do mais fraco, direção de Hector Babenco (1980).

“Pixote (Fernando Ramos da Silva) foi abandonado por seus pais e rouba para viver nas ruas. Ele já esteve internado em reformatórios e isto só ajudou na sua ‘educação’, pois conviveu com todo os tipos de criminosos e jovens delinquente. Ele sobrevive se tornando um pequeno traficante de drogas, cafetão e assassino, mesmo tendo apenas onze anos.” Sinopse retirada do site AdoroCinema (2015).

Cinema

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Parte 4

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Fotografia Corte de cana Cotidiano Da sĂŠrie: vida moderna Sobre palafitas Transporte irregular de trabalhadores

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Corte de cana

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Fotografia


Fotografia de CĂ­cero Omena (2004).

Fotografia

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Cotidiano

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Fotografia


Fotografia de Dudu Viana (2007).

Fotografia

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Da sĂŠrie: vida moderna

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Fotografia


Fotografia de CĂ­cero Omena (2009).

Fotografia

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Sobre palafitas

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Fotografia


Fotografia de m vitor (2006).

Fotografia

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Transporte irregular de trabalhadores

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Fotografia


Fotografia de CĂ­cero Omena (2005).

Fotografia

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Parte 5

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Pintura e ilustração Homens Operários Os despejados Segunda classe

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Homens

Pintura de Cândido Portinari (1951).

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Pintura e ilustração


Operários

Pintura de Tarsila do Amaral (1933).

Pintura e ilustração

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Os despejados

Ilustração de Cândido Portinari (1934).

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Pintura e ilustração


Segunda classe

Pintura de Tarsila do Amaral (1933).

Pintura e ilustração

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Parte 6

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Grafite Bom retiro Grafite no Anhangabau Menino Os GĂŞmeos

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Bom retiro

Grafite fotografado por Renata Miyagusku (2010).

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Grafite


Grafite no Anhangabau

Grafite fotografado por Milton Jung (2009).

Grafite

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Menino

Grafite fotografado por Mark Dienger (2012).

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Grafite


Os Gêmeos

Grafite fotografado por Cauê Rangel (2010).

Grafite

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